Ilustração: Albulena Panduri
"Tenho acompanhado a divulgação das reflexões de várias pessoas sobre o filme 'Homens e Deuses' no site do IHU. Gostei de tudo o que li. Fui assistir o filme e escrevi um pequeno artigo com algumas idéias daquilo que observei na história", escreve Eduardo Gabriel, sociólogo e seminarista scalabriniano de São Paulo, SP.
Eis sua resenha, reproduzida via IHU, com grifos nossos. Fica a dica de filme para o fim de semana!
“Homens e Deuses” é daqueles raros filmes que nos apresentam uma inesgotável possibilidade de reflexão. Muito já se comentou sobre o contexto do massacre dos monges trapistas na cidade de Tibhirine, na Argélia, em 1996. A situação política do país era de instabilidade, e ações de violência por parte de grupos extremistas tornava-se cada dia mais freqüente. Diante deste cenário, a tranquila presença dos monges na comunidade local tornou-se completamente insegura. Temendo que pudessem ter suas vidas ameaçadas, os monges franceses colocam em pauta a necessidade de saírem daquele local.
Com o medo de um eventual ataque, alguns monges manifestaram o desejo de voltarem para a França. Porém, nem todos estavam dispostos a abandonar a comunidade, mesmo sabendo que as possibilidades de um massacre eram reais. Partiu do prior o encorajamento para que os monges decidissem ficar, levando até às últimas consequências o sentido da fé cristã e da vocação à vida religiosa.
Esta fragilidade aparente de alguns monges ao quererem sair daquele lugar é a grande riqueza deste episódio retratado no filme, que nesta pequena reflexão chamo atenção para o grande sentido vocacional que isto representou.
Com o agravamento da situação, o prior convoca uma votação determinante para decidir sobre a permanência ou saída dos monges de Tibhirine. A grande surpresa foi que todos votaram a favor de que continuassem na Argélia. Os que estavam receosos de permanecerem ali por conta do contexto de violência, depois de rezarem, decidiram finalmente que permanecer seria demonstrar o verdadeiro sentido do anúncio cristão.
Quero chamar atenção para o “medo” de permanecer que tomou conta de alguns monges. A vontade de abandonar um local de risco revela uma das essências da humanidade: a fraqueza. A decisão de permanecer só foi possível diante da demonstração da fraqueza na fé que alguns monges temerosos, queriam apenas preservar suas próprias vidas.
Assim, o massacre dos monges trapistas em Tibhirine nos apresenta um elemento fundamental da vocação à vida religiosa: também a fraqueza. Será que um aspirante à vida religiosa terá a coragem de acolher integralmente a fraqueza para assumir sua vocação?
Durante a madrugada os monges foram sequestrados por um grupo extremista. A intenção do sequestro é negociar a libertação de líderes daquele grupo presos na França. O filme é encerrado com uma cena real e simbólica dramática, que mostra monges caminhando sob uma forte nevasca rumo ao massacre. Isto tudo tem muito a nos ensinar. Não existe testemunho cristão e entrega à vida religiosa sem passar pela exaltação da fraqueza, seguido de um percurso frio...
No mundo em que vivemos todos nós somos orientados a construir aspirações certeiras e vitoriosas, como se estas fossem as legítimas condições para se viver em sociedade. Parece-me que, por pressões, também o estímulo à vocação religiosa entrou neste devaneio insano. Acredito que poderíamos ter bons testemunhos de fé na vida religiosa se a fraqueza, o medo e a insegurança da permanência fossem estimulados a se manifestar. Se acontecer isto, estou certo de que teremos mais vocações semelhantes as quais vimos no massacre em Tibhirine: permanecer até o fim no conflito para tentar construir o diálogo da paz! Tweet
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