quinta-feira, 2 de junho de 2011

Vista cansada


Acho que foi o Hemingway quem disse que olhava cada coisa à sua volta como se a visse pela última vez. Pela última ou pela primeira vez? Pela primeira vez foi o outro escritor quem disse.

Essa idéia de olhar pela última vez tem algo de deprimente. Olhar de despedida de quem não crê que a vida continua. Não admira o Hemingway tenha acabado como acabou. Fugiu enquanto pôde do desespero que o roia – e daquele tiro brutal.

Se eu morrer, morre comigo um certo modo de ver, disse o poeta. Um poeta é só isto: um certo modo de ver. O diabo é que, de tanto ver, a gente banaliza o olhar. Vê não vendo.

Experimente ver pela primeira vez o que você vê todo dia, sem ver. Parece fácil, mas não é. O que nos cerca, o que nos é familiar, já não desperta curiosidade. O campo visual da nossa rotina é como um vazio. Você sai todo dia, por exemplo, pela mesma porta. Se alguém lhe perguntar o que é que você vê no seu caminho, você não sabe. De tanto ver, você não vê.

Sei de um profissional que passou 32 anos a fio pelo mesmo hall do prédio do seu escritório. Lá estava sempre, pontualíssimo, o mesmo porteiro. Dava-lhe bom dia e às vezes lhe passava um recado ou uma correspondência. Um dia, o porteiro cometeu a descortesia de falecer. Como era ele? Sua cara? Sua voz? Como se vestia? Não fazia a mínima idéia. Em 32 anos, nunca o viu. Para ser notado, o porteiro teve que morrer. Se um dia no seu lugar estivesse uma girafa, cumprindo o rito, pode ser que também ninguém desse por sua ausência.

O hábito suja os olhos e lhes baixa a voltagem.

Mas há sempre o que ver: gente, coisa, bichos. E vemos? Não, não vemos. Uma criança vê o que o adulto não vê. Tem olhos atentos e limpos para o espetáculo do mundo. O poeta é capaz de ver pela primeira vez o que, de tão visto, ninguém vê.

Há pai que nunca viu o próprio filho. Marido que nunca viu a própria mulher, isso existe às pampas.

Nossos olhos se gastam, no dia-a-dia, opacos.

É por aí que se instala no coração o monstro da indiferença.

- Otto Lara Resende

Para refletir:

1. Jo 4, 6-10
Disse-lhe Jesus: Eu sou o caminho, e a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai, senão por mim.
Se vós me conhecêsseis a mim, também conheceríeis a meu Pai; e já desde agora o conheceis, e o tendes visto. Disse-lhe Filipe: Senhor, mostra-nos o Pai, o que nos basta. Disse-lhe Jesus: Estou há tanto tempo convosco, e não me tendes conhecido, Filipe? Quem me vê a mim vê o Pai; e como dizes tu: Mostra-nos o Pai? Não crês tu que eu estou no Pai, e que o Pai está em mim? As palavras que eu vos digo não as digo de mim mesmo, mas o Pai, que está em mim, é quem faz as obras.


2. Jó 9, 1-11
Então Jó respondeu, dizendo: Na verdade sei que assim é; porque, como se justificaria o homem para com Deus? Se quiser contender com ele, nem a uma de mil coisas lhe poderá responder.
Ele é sábio de coração, e forte em poder; quem se endureceu contra ele, e teve paz?
Ele é o que remove os montes, sem que o saibam, e o que os transtorna no seu furor.
O que sacode a terra do seu lugar, e as suas colunas estremecem. O que fala ao sol, e ele não nasce, e sela as estrelas. O que sozinho estende os céus, e anda sobre os altos do mar. O que fez a Ursa, o Orion, e o Sete-estrelo, e as recâmaras do sul. O que faz coisas grandes e inescrutáveis; e maravilhas sem número.
Eis que ele passa por diante de mim, e não o vejo; e torna a passar perante mim, e não o sinto.


Pergunta: Você consegue ver as marcas de Deus no seu caminho?

Reproduzido via Centro Loyola de Fé e Cultura

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