sábado, 15 de janeiro de 2011

A persistência é sua maior arma



Reproduzido do blog Cafeína:
Cena final de An Englishman in New York (2009), em que John Hurt interpreta Quentin Crisp [1908-1999], escritor inglês que desafiou definições de gênero e o patrulhamento ideológico. Claro, pagou caro por isso, cometeu erros e algumas gafes precipitadas. Mas soube dar seu adeus com sábias palavras.

"A persistência é a sua maior arma. É da própria natureza das barreiras que acabem caindo um dia. Não se empenhem em tornar-se iguais aos seus opositores. Vocês carregam o fardo e a grande alegria de estarem à margem. Cada dia que vocês vivem é uma espécie de triunfo: agarrem-se a isso. Não façam esforço para integrar-se à sociedade. Fiquem exatamente onde estão. Dêem seus nomes e número de série e esperem que a sociedade venha formar-se à sua volta - porque ela sem dúvida virá. Não olhem nem para a frente, onde vivem as dúvidas, nem para trás, onde vive o arrependimento. Olhem para dentro, e perguntem-se não se há algo lá fora que vocês desejam, mas se há algo aí dentro que vocês ainda não trouxeram à tona."
- Quentin Crisp

Crisp foi uma figura controvertida, independente e imprevisível. Visitado por Sting em 1986, contou-lhe como tinha sido para ele, sendo homossexual, viver na homofóbica Inglaterra entre 1920 e 1960. Sting, impressionado, dedicou-lhe a música An Englishman in New York ("Um Inglês em Nova York"), que inclui os versos:

It takes a man to suffer ignorance and smile,
Be yourself no matter what they say.*

* * *

Um final de semana abençoado para todos. :-)

*"É preciso ser muito homem para ser vítima da ignorância e ainda sorrir / Seja você mesmo, não importa o que digam."

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Tragédia na Região Serrana do Rio de Janeiro

O Diversidade Católica se solidariza com as vítimas da chuva na Região Serrana do Rio. Nossos olhos, nossos corações e nossas orações estão com vocês.

"Cristo não veio explicar o mistério do sofrimento, mas veio sofrer conosco; não veio explicar o mistério da morte, mas veio morrer numa cruz. Assim, a vida, a morte e a ressurreição de Jesus Cristo mostram que a liberdade e a dignidade da pessoa humana, que se empenha com amor para o próximo e edifica assim o Reino de Deus, são mais fortes que todo o poder do mal e da injustiça." 
- Pe. Ezequiel Faria, Benguela (Angola)

O governo estadual disponibilizou um mapa com o endereço dos postos de doação. Para saber como ajudar, clique aqui.

Sinais dos tempos


Alguns homens vêem as coisas como são, e dizem "Por quê?"
Eu sonho com as coisas que nunca foram e digo "Por que não?"
- G. B. Shaw

Quem tem acompanhado o noticiário com atenção talvez esteja pressentindo alguma mudança no ar. Um dos destaques da semana passada foi a nova resolução do Conselho Federal de Medicina concedendo a casais homossexuais e solteiros acesso a técnicas de reprodução assistida, até então prerrogativa de casais heterossexuais casados oficialmente. No último domingo, os leitores de O Globo, do Rio de Janeiro, foram surpreendidos pela matéria de capa da revista encartada semanalmente no jornal - uma reportagem sobre a saga de um casal de mulheres para ter um filho, que vinha sendo maturada desde julho de 2010 e foi oportunamente publicada agora. E, numa nota que talvez tenha passado desapercebida para a maior parte dos leitores, o G1 SP expôs o caso de outro casal de mulheres, que, junto com o filho, escapou de ser soterrado num deslizamento no ABC paulista.

Curiosamente, embora a resolução do CFM envolvesse um amplo conjunto de decisões relativas à aplicação de técnicas de reprodução assistida, afetando um público abrangente, a imprensa optou, em sua maior parte, por enfatizar a questão dos casais homossexuais. A TV Globo, por exemplo, aproveitou o mote para veicular, no Fantástico, uma matéria sobre direitos gays e homofobia, compilando tópicos diversos que têm estado em pauta no noticiário recente. Pode ter sido a escolha da polêmica fácil: uma rápida passada de olhos pelos comentários dos leitores nas matérias sobre o assunto nos veículos de comunicação on-line imediatamente revela o que parece ser um campo de batalha. De um lado, religiosos; de outro, gays. Nos dois casos, ânimos exaltados, agressões de parte a parte, e, salvo raríssimas exceções, nenhum diálogo.

Por trás desse lamentável festival de intolerâncias mútuas, porém, não é difícil constatar que tanto barulho tem uma causa: a resolução do CFM vem refletir uma transformação cultural que vem se consolidando nos últimos 20 anos. O mesmo pode ser dito da recente decisão da Receita Federal autorizando homossexuais a incluir o cônjuge como dependente na declaração de imposto de renda. Tudo indica que o antigo paradigma da família nuclear, restrito à imagem do casal heterossexual com filhos, está mudando. Cada vez mais se normaliza um conceito de família que abrange casais recasados, núcleos familiares com filhos de diversos casamentos, pais e mães solteiros - e casais gays.

Ainda assim, surpreendeu-nos (ou não deveria ser surpresa?) abrir o jornal de domingo e encontrar na capa da revista um casal de lésbicas com um bebê, acima do título "Álbum de família". Ou, dois dias depois, numa nota aparentemente trivial intitulada "Pratos quebram durante deslizamento e salvam mulheres no ABC", ver o jornalista referindo-se a uma das vítimas como "namorada" da outra e ao adolescente de 14 anos como "filho delas". Não seria de se esperar tamanha naturalidade da parte da imprensa?

Sobre o casal Cinthia e Carla e seu filho Illan, cuja história é contada na Revista de O Globo que ilustra este post, a jornalista Fátima Sá conta um episódio que demonstra essa crescente naturalização: logo após o parto, "Cinthia [a mãe biológica] descansava, e Carla admirava o bebê no berçário quando foi surpreendida por uma enfermeira:

- É seu filho, né? É a sua cara."

Sinais dos tempos. Entre os que acham que as mudanças se dão com excessiva lentidão e os que se sobressaltam diante de transformações assustadoramente evidentes, é inegável que passos vão sendo dados. Se pequenos ou grandes, devagar ou rápido demais, depende do ponto de vista ou do gosto do freguês.

Fato é que precisávamos - precisamos - começar por algum lugar. E, caso alguém não tenha ainda notado, sim: nossa jornada rumo a um mundo mais fraterno, onde haja mais diálogo e menos intransigência, mais flexibilidade e menos intolerância, mais amor e menos exclusão, já começou.

Estamos a caminho.

Cris Serra
Coordenadora-geral do Diversidade Católica

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

A experiência de Deus



Neste belo artigo, publicado originalmente no site do Centro Cultural de Brasília, Manuel Eduardo Iglesias S.J. reflete sobre a importância da experiência de Deus, do afeto e da vivência da fé para que nossa religiosidade não se reduza a uma racionalidade vazia. Vale a leitura e a reflexão proposta ao final pelo autor.


Vivemos uma mudança de paradigmas na nossa cultura ocidental. É o caso da redescoberta da importância da experiência e do afeto na vida espiritual. David G. Benner é um leigo americano, pai de família, psicólogo, diretor espiritual e orientador de retiros. No seu livro Entrega total ao amor ele relata a sua experiência pessoal de Deus e a de muitas pessoas por ele acompanhadas. Já no capítulo primeiro confessa que, como tantos outros católicos, ele viveu durante muitos anos com uma fé apenas racional, e experimentou como tudo muda quando se passa a ter uma experiência pessoal e direta de Deus. Admira-se do fato de ter vivido tantos anos aceitando idéias sobre Deus sem ter experiência dele. Ser amados por Deus é o cerne da nossa identidade cristã. Cita esta afirmação de Jung: Eu não creio em Deus, eu conheço Deus. No epílogo, enfatiza que a espiritualidade cristã não é um conjunto de crenças, nem uma lista de deveres e mandamentos; não é um programa de auto-ajuda; é uma caminhada para a união com Deus. Antes de tudo, é uma relação!

A predição do teólogo Karl Rahner está se confirmando cada dia mais, a começar pela Europa: O cristão do futuro ou será um místico ou não será cristão. Após séculos de domínio solitário da teologia acadêmica passamos a re-valorizar também a via da experiência e do silêncio meditativo na nossa relação com Deus.*
Entendo por experiência uma modalidade de conhecimento que não se alcança por puro raciocínio. É uma percepção simples, imediata e intuitiva que atinge a pessoa toda, mente, sensibilidade e corpo, e que repercute sobre todo o ser. É conhecida a distinção que se pode fazer entre uma experiência religiosa do sagrado e uma experiência de Deus como Sentido radical. O que caracteriza a experiência de Deus é que nela a pessoa experimenta uma Presença que envolve a vida dentro do Sentido radical. O Sentido radical, como presença onipresente, é rigorosamente transcendente. A experiência cristã de Deus é a presença do Sentido radical revelado na existência histórica de Jesus de Nazaré. Uma experiência de fé, um encontro pessoal.

Vez por outra nos encontramos na prática pastoral com a difícil harmonia entre Religião e Fé. Religião como um conjunto de doutrinas, normas e ritos está a serviço do fundamental: a experiência de fé. Infelizmente, nem sempre acontece assim. A fé pode se apagar e a religiosidade manter uma fachada vazia.

A Igreja vive hoje o desafio da evangelização no nosso tempo. Como construir o Reino sobre o único alicerce que é Jesus Cristo? Como apresentar o rosto de Jesus às novas gerações? Como se manter fiéis ao essencial da nossa fé e abertos ao novo? O Documento de Aparecida é bem consciente dos desafios atuais e nos incentiva a uma caminhada em comunhão criativa e esperançosa. No hoje do nosso continente latino-americano, levanta-se a mesma pergunta cheia de expectativa: “Mestre, onde vives?” (Jo 1,38), onde te encontramos de maneira adequada para pra abrir um autêntico processo de conversão, comunhão e solidariedade? Quais são os lugares, as pessoas, os dons que nos falam de ti, que nos colocam em comunhão contigo e nos permitem ser discípulos e missionários teus?


Manuel Eduardo Iglesias S.J.
Artigo publicado originalmente no site do Centro Cultural de Brasília em 11/03/2010
*Grifo nosso.

* * *

Para refletir:

Como Deus se deixa sentir na sua vida?

Texto para meditar: Sl 139 (Tua mão me guia e me segura)

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Renovações de ano novo




Terminado o ano de 2010, fechamos aquele momento de balanço, em que avaliamos o que o ano passado nos trouxe de perdas e ganhos e escolhemos tanto o que levaremos conosco para o novo ano quanto o que deixaremos para trás. É hora de deixar 2011 começar. E, em busca de inspiração para essa tarefa, reproduzimos aqui parte do artigo de Maria Clara Bingemer sobre esta passagem de ano, publicado originalmente no site Amai-vos.

"(...) Importa no novo ano deixar para trás o que passou e procurar renovar o olhar, a atitude, o pensamento, o agir. Trata-se de mais do que simplesmente uma lista de resoluções sobre perder peso e fazer ginástica. Trata-se de uma renovação profunda e totalizante.

Para que o ano seja novo, há que estar disposto a renovar aquilo que há de mais profundo em nós e que nos faz mais humanos. Por exemplo, parar de continuar a nos autocompreender a partir de nós mesmos e defendendo desordenadamente, com unhas e dentes, um espaço "próprio". É preciso que nosso “lugar” de autocompreensão não seja nós mesmos, mas o outro ou a outra. Um dos baluartes da autocompreensão do ser humano é sua capacidade de êxodo de si mesmo, de êxtase, de saída da mesmice do olhar para si próprio e olhar para a alteridade e a diferença daquele ou daquela que tem frente a si.

E assim fazendo, seu destino não é perder 'seu' lugar para andar errante pela terra, sem ter para onde ir. É descobrir para si nova situação, novo lugar, outra terra, outra pátria, outra paisagem. Para que o ano seja novo, é necessário permitirmos que a solicitude, o amor e a generosidade nos arranquem de nós mesmos para situar-nos no outro, em seu lugar, suas preocupações, seus amores, suas dores, suas penas e glórias e fazer assim possível a descoberta e a vivência de uma nova comunhão.

Na antropologia se reproduzirá então o êxodo do Verbo, o qual, sendo de condição divina, não se aferrou à prerrogativa de ser igual a Deus, mas se fez homem, humilde, servo, obediente, até a morte de cruz (Fil 2,5-11). Reproduz-se, também, o êxodo do próprio Espírito, enviado constantemente pelo Pai e pelo Filho, 'outro' Paráclito que tem a missão de 'recordar' e 'rememorar' as palavras ditas por Jesus de Nazaré e conduzir seus ouvintes a toda a verdade (cf. Jo 16,13; 14,26; 15,26). Assim, à semelhança do êxodo e da 'saída' constante e contínua do próprio Deus de si mesmo, contemplando e experimentando o próprio Filho e o Espírito que saem da inefabilidade da comunhão intra-trinitária em direção ao mundo e à humanidade, o ser humano passará a ser e autocompreender-se como um peregrino, não possuindo aqui lugar onde repousar a cabeça, se encontrando em si mesmo, mas apenas fora de si mesmo, no outro, nos outros. (...)

Eu me situo no outro. Sou, sim, responsável por meu irmão. Respondo por ele, falo em nome dele ou dela quando a palavra lhes seja cassada; ajo em nome dele ou dela quando estiverem de mãos atadas; corro em seu auxílio quando estiverem necessitados. Assim, Aquele que renova todas as coisas será novo também em nós, pois através de nós estará levando a termo o parto da Nova Criação, feita de justiça e de amor."

Fazendo nossas estas belas palavras, desejamos a todos um Ano Novo feliz, e que cada vez mais nos façamos responsáveis pela nossa própria renovação.

Equipe Diversidade Católica

Maria Clara Bingemer é professora do Departamento de Teologia e Decana do Centro de Teologia e Ciencias Humanas da PUC-Rio.
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