sábado, 3 de março de 2012

Perfeitos como o Pai

Grafite: Herakut no LeBasse Projects

"Sede perfeitos como o vosso Pai Celeste é perfeito".

Com tal desafio como é que o Cristianismo nunca diminuiu, como freqüentemente acontece, tornando-se uma mera moralidade ou outra ideologia concorrendo para a dominação do mundo ou, ainda pior, um refúgio para aqueles que temem a revolução do espírito?

Não é que a "perfeição" seja algo desanimador. No contexto o termo refere-se ao amor ilimitado e sem julgamento de Deus, que é testado nas relações humanas pela nossa capacidade de amar a quem nos prejudica ou nos rejeita. Já o "perfeccionismo" é um refúgio para uma religião que não quer entender isso, e que prefere a satisfação do ego de estabelecer regras que tem prazer em manter e um prazer perverso em quebrá-las.

Se Deus fosse tão fácil assim de compreender, nós teríamos uma outra sorte na vida. Não haveria a sede insaciável que existe no cerne da existência humana. Mas como podemos suportar um convite à divinização de um estranho que não aceita não como resposta, e sem sentir vergonha, retorna para mais uma rejeição?

(...)

Chegar ao ponto de que Deus é o silêncio, essa é a questão. Nossa tradição mística nos ensina isso. Mas parece ser mais fácil ir pela rota mais complicada.

- Laurence Freeman, OSB
Mensagem para o Sábado da Primeira Semana da Quaresma à Comunidade Mundial de Meditação Cristã no Brasil

Tuitadas de sábado

Pintura: Chris Buzelli

RT@Conteudo_Livre: "J. Edgar" e "A Separação": quando a arte oferece um enfoque diferente do esperado e enriquece
"Constatei estar completamente equivocado ao assisti-los, ficando evidente para mim que havia entrado nos filmes carregado de ideias preconcebidas, esperando que elas ali se confirmassem, o que, para minha surpresa e alegria, não aconteceu. O episódio deixou claro, mais uma vez, o peso das crenças e ideias pré-formadas com as quais nos revestimos para obter um mínimo de segurança ao pisar no terreno movediço da realidade. São referenciais que nos orientam, permitindo manter a rota certa em meio aos confusos labirintos pelos quais transitamos no correr da vida. Se, por um lado, nos protegem, por outro - ao se cristalizarem como preconceitos - nos limitam e cerceiam, engessando e estreitando nossa visão do mundo.

É aí onde entra a decisiva importância da arte, que oferece um enfoque diferente do esperado, do habitual, do clichê, ampliando e enriquecendo nosso ângulo de visão."

Mídia esconde que maioria aprova cotas “raciais” nas universidades
"As cotas para negros nas universidades são uma 'política afirmativa' de inspiração norte-americana que está fazendo pela maioria dos brasileiros – que é negra ou descendente de negros – o mesmo que fez nos Estados Unidos, país em que negros ocupam muito mais cargos e profissões de maior prestígio e melhor remunerados.

Sempre aparece alguém que se surpreende com a informação de que a maioria dos brasileiros é negra porque este povo foi acostumado pela mídia a pensar que os brancos são maioria no Brasil, já que a televisão distorce a proporção de negros em novelas, telejornais e na propaganda, relegando-os ao esporte e à música."

O mundo precisa de mais Georges Clooneys. E não é no quesito beleza, nem fortuna, mas na questão de gente bem resolvida
"É preciso ser muito bem resolvido para declarar que nunca se preocupou em desmentir os boatos se era ou não gay. 'Acho engraçado, mas a última coisa que você jamais vai me ver fazer é dizer: ‘Isto são mentiras!’ Seria injusto e cruel para os meus bons amigos da comunidade gay. Eu não vou deixar ninguém fazer parecer que ser gay é uma coisa ruim. Minha vida privada é privada, e eu estou muito feliz com ela'."

Pais gays registram bebê gerado in vitro como filho de ambos
"A Justiça de Pernambuco autorizou um casal gay a registrar um bebê nascido a partir de fertilização in vitro como filha de dois homens. É o primeiro caso do país após o Conselho Federal de Medicina alterar normas éticas para reprodução assistida, diz a Sociedade Brasileira de Reprodução Humana."

A propósito da notícia acima, vejam que lindo:
RT@WedgeIssue: Sensibilidade e bom gosto na capa do Diário de Pernambuco: "O Amor e a Justiça dos homens"

Causos que revelam nosso preconceito
"Como se justifica essa ingerência nos desejos alheios quando ela vem de amigos próximos, de pessoas bem educadas, de gente que supostamente é tolerante? Tão difícil entender que uma mulher possa estar feliz em uma relação que se baseia no sexo?"

Nova York inaugura o primeiro centro para idosos homossexuais dos EUA
"A cidade de Nova York inaugurou esta semana o primeiro centro de idosos nos Estados Unidos exclusivamente dedicado aos homossexuais."

Laerte e a resposta definitiva para a angústia de seus pacientes homossexuais: Exorcizol neles!

Excelente: o movimento LGBT, traído pela própria miopia política e histórica
"De tal ordem foi seu compromisso [de Dilma] com os conservadores que hoje tanto a Igreja quanto os evanjas dão broncas públicas na dita, quando algo em seu governo não lhes agrada, e ela bota o rabinho entre as pernas. Então, os ativistas LGBT não viram todo esse contexto antes para agora se sentirem traídos? (...)

Mas a esquerda (...) há apenas 30 anos (...) também tratava os homossexuais na base do porrete, mandando-os para campos de reeducação (eufemismo para campos de concentração) dos quais muitos não saíram vivos, pois a homosssexualidade era considerada contrarrevolucionária, produto da decadência da burguesia."

"O Prazer das Palavras", a diferença entre dicionário e enciclopédia e a censura
"Esta semana constatei, não sem surpresa, que muita gente graduada não sabe distinguir uma enciclopédia de um dicionário. (...) Pois não é que esta semana o Brasil inteligente ficou sabendo, estarrecido, que um procurador da República de Uberlândia quer obrigar o Instituto Antônio Houaiss a retirar de circulação todas as edições do dicionário Houaiss, que contêm, segundo a excelentíssima sumidade, 'expressões pejorativas e preconceituosas relativas aos ciganos'? (...) No dia em que registrar os valores depreciativos que certos vocábulos assumiram ao longo do tempo for considerado um crime, nossa língua – ou melhor, nossa civilização terá embarcado numa viagem sem volta para a noite escura da desmemória."

Veja também: A censura está sempre à espreita, aguardando uma brecha para se insinuar.

Que são 300 milicos de pijama ante 55 milhões de eleitores?
"O que não dá mais é para este país continuar sendo chantageado por militares que falam grosso com superiores hierárquicos civis, como hoje com Dilma. O país vem colocando panos quentes na insubordinação militar ano após ano e o resultado está aí: o quadro vai ficando cada vez mais parecido com o de 1964, com setores da imprensa dando recados pelos milicos."

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Poesia e mística: o silêncio como origem e destino

Imagem: Chris Buzelli

“O tempo interior, de silêncio, paciência e meditação, tem sido cada vez mais preterido pelo imediatismo, que é a noção de um tempo dessacralizado. A mística e a poesia, contra essa engrenagem perversa, nos fazem lembrar de um amadurecimento lento das coisas, de um vazio para ser preenchido pelo que não é vontade nossa, e do quanto pode o nosso olhar quando atenta para uma leitura da realidade em níveis que transcendem o visível e o material. Porque, antes de tudo, o que a poesia e a mística despertam é a nossa faculdade de atenção”.

O convite a essa “profunda disposição para o silêncio” nos é feito pela poeta paulista Mariana Ianelli, em entrevista por e-mail à IHU On-Line. Esse silêncio, derivado de “um estado concentrado de atenção” ao qual somos levados pela poesia e também pela mística, torna-se, assim, “uma abertura, como que uma chave de acesso, para essa via secreta do Mistério, que de outro modo não seria percebida”.

“O que acontece dentro desse espaço de atenção – afirma Mariana –, na abertura dessa passagem para o que se pode chamar de inefável, é o instante de uma configuração, quando uma verdade se dá a ver em uma figura”. A partir daí, “pensar em uma mística do feminino é também pensar nos mistérios do amor”.

Mariana Ianelli é poeta, mestre em Literatura e Crítica Literária pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP, autora dos livros "Trajetória de antes" (1999), "Duas Chagas" (2001), "Passagens" (2003), "Fazer silêncio" (2005), "Almádena" (2007), "Treva Alvorada" (2010). Colabora para os jornais O Globo, caderno Prosa & Verso (RJ) e Rascunho (PR). Sua página na internet é www.uol.com.br/marianaianelli.

Confira a entrevista, aqui reproduzida via IHU.


IHU On-Line – Em sua opinião, como a poesia e a mística colaboram para aguçar a percepção sobre o Mistério? Que vínculos você percebe entre poesia e mística?

Mariana Ianelli – O que as torna tão próximas, a poesia e a mística, é uma profunda disposição para o silêncio, o silêncio de um estado concentrado de atenção que, justamente por estar preservado do ruído, encontra uma abertura, como que uma chave de acesso para essa via secreta do Mistério que, de outro modo, não seria percebida. E porque a palavra que vem dessa mirada, tanto poética como mística, não pretende, como faria a ciência, submeter ou reter nela mesma essa realidade mais profunda, sua expressão se dá musicalmente, na forma do canto e da prece, que são formas aladas, por assim dizer, também vinculadas entre si, que têm como origem e destino o silêncio, e são inapreensíveis no registro de uma linguagem instrumental.

O que acontece dentro desse espaço de atenção, na abertura dessa passagem para o que se pode chamar de inefável, é o instante de uma configuração, quando uma verdade se dá a ver em uma figura. Os símbolos a que recorrem os poetas e os místicos são uma espécie de receptáculo dessa verdade que, se antes pediu um estado profundo de atenção para ser percebida, agora pedirá a atenção e o coração aberto de um outro que procure ver além da figura.

IHU On-Line – Um de seus ensaios está intitulado "Por uma Poética do feminino", em que você afirma que “mito, história e corpo cantam quando canta uma mulher”. Como se dá a relação entre poesia e feminilidade?

Mariana Ianelli – Penso nos mistérios de Elêusis, nos séculos e séculos em que a mulher esteve obrigada à reclusão doméstica e ao mutismo, e em seu próprio corpo, em sua potência de gerar vida dentro de si, como diferentes marcas do feminino que convergem para essa intimidade com o oculto, com o que se elabora em segredo e tem por metáfora o duplo trabalho de Penélope , que é também sua arte e seu destino, de fiar e desfiar indefinidamente num exercício de esperança e sacrifício.

Aí estão as figuras emblemáticas de Marta e Maria em uma só mulher, aquela que ao mesmo tempo comparece em um gesto eficaz diante do mundo, e esta que se guarda no seu olhar contemplativo. Isso, levado para a poesia, encarna a paciente gestação interna de um poema face o ímpeto da escrita, os maravilhosos encadeamentos de um processo intuitivo, às escuras, e a trama que daí se vai constituindo à luz do dia.

São as duas respirações de que falava María Zambrano, a da vida e a do ser, esta, oculta no silêncio, que orienta o sentido do poema, engendra musicalidade e é “o hálito do ser depositado sobre as águas primeiras da Vida”, e aquela outra, que está justamente na superfície do viver e que sofre a ameaça de interromper-se não apenas por alguma razão fisiológica, mas sobretudo se falta a respiração do ser, que sustenta em silêncio a respiração da vida.

IHU On-Line – Amor, erotismo, segredo, ventre, criação... São diversos os símbolos relacionados ao feminino que fluem entre poesia e mística. A partir de um olhar poético-místico, o que é o feminino?

Mariana Ianelli – Vejo o feminino, sob essa perspectiva poética e mística, representado magnificamente na personagem bíblica de Judite. Uma mulher que, diante do cerco à cidade de Betúlia pelo exército de Nabucodonosor, quando os anciãos da cidade se reúnem para estabelecer um prazo para a manifestação de Deus, como se isso fosse possível, coberta de cinzas, faz sua oração mais fervorosa e pede a Deus para ser habitada por três forças: palavra, astúcia e ímpeto. Nessa prece, ela diz: “Tu é que fizeste o passado, / o que acontece agora e o que acontecerá depois. / O presente e o futuro foram estabelecidos por ti, / e o que pensaste aconteceu”.

E então ela roga: “dá-me o ímpeto que pensei”, rogando, assim, pelo pensamento divino dentro dela, por um impulso em conformidade com uma vontade superior. Depois da oração, Judite se despoja do seu luto, põe seu vestido de festa, perfuma-se e se adorna com todas as suas joias, enche um odre de vinho, uma bilha de água, um alforje de farinha e com sua serva atravessa os portões da cidade para ir ao encontro de Holofernes, chefe do exército inimigo. Já pelo caminho, Judite vai seduzindo pela sua beleza os soldados que encontra e, ao ter com Holofernes, Judite o seduz também por sua palavra, uma palavra ambígua e profética, que fala de Deus enquanto Holofernes julga que ela fala de Nabucodonosor.

É assim que essa mulher permanece infiltrada entre 140 mil homens, durante quatro dias, nos quais, durante a madrugada, dirige-se ao pé da fonte da sua cidade para orar, para beber espiritualmente à fonte do pensamento divino. No quarto dia, quando Holofernes, em um banquete, pretende dormir com Judite, finalmente ela desempenha o gesto, aquele gesto preciso, movido por um ímpeto transcendente, por isso violento, de decapitá-lo com dois golpes de alfanje.

Acredito que essa narrativa, de uma mulher que afugenta um exército de milhares com a sedução da sua palavra ambígua, com a astúcia de um caminho que vai sendo urdido subterraneamente, sob o véu da beleza, e com o fervor, um fervor que se nutre da fé, e que transborda para a realidade num golpe mortal, acredito que esse episódio bíblico concentra de maneira emblemática, espiritual e poeticamente, em uma tríade perfeita, toda a potência que existe e está guardada sob a aparente delicadeza do feminino.

IHU On-Line – Por outro lado, em sua opinião, podemos também falar de uma “mística feminina” ou de uma “mística do feminino”? Quais seriam as contribuições do olhar feminino à percepção do âmbito místico da existência?

Mariana Ianelli – Creio que sim, que podemos pensar em uma mística do feminino sob muitos aspectos, um deles, a partir da visão para qual Maria Madalena é a escolhida, por amor, entre todos os discípulos, tornando-se ela a portadora de uma revelação secreta. Se lembramos das "Moradas" de Santa Teresa e das "Visões" de Hadewijch de Antuérpia, vemos o percurso de uma viagem interior, pródiga em figuras, que se vai delineando à vista dessas mulheres místicas e que nos remete ao relato visionário, de Maria Madalena em seu Evangelho, da ascensão da alma através dos céus até o silêncio e o repouso.

Não desconsidero com isso os místicos e poetas que também figuraram à sua maneira as jornadas da alma em suas etapas de purificação; apenas destaco a relevância desse vínculo intrínseco entre as viagens espirituais descritas por mulheres místicas e a visão de Maria Madalena, que provém de um conhecimento oculto cuja revelação ela, Maria, por ter sido a escolhida, tem o privilégio de transmitir aos outros homens.

A partir daí, pensar em uma mística do feminino é também pensar nos mistérios do amor. Quanto à importância da figura, é inevitável sua relação com a poesia, e aqui vale mencionar a poeta Cristina Campo, que se dedicou a refletir intensamente sobre o valor de uma poesia hieroglífica, que sintetizaria de forma cifrada, na beleza da figura, a exemplo da sarça ardente, não a arbitrariedade da imaginação fantástica mas a verdade do real.

IHU On-Line – Na literatura ou na história, quais mulheres mais encarnam essa abertura místico-poética ao Mistério e à Realidade Última, em sua opinião? Por quê?

Mariana Ianelli – Cito mulheres que fazem parte do meu cotidiano de leitura, com as quais me identifico, e que transitam por esse espaço de poesia e mística. Cristina Campo, por ter se dedicado a pensar uma poesia que é refúgio do esplendor e que, semelhantemente aos ritos litúrgicos, celebra os mistérios divinos. Cristina Campo escreveu pouco mais de 30 de poemas, e dizia que gostaria de ter escrito menos, tal era o valor da paciência e do segredo que a palavra lhe impunha. No cenário dessacralizado do pós-guerra, Cristina teve a coragem de defender, em seus ensaios e poemas, a beleza, que ela considerava uma secreta virtude teologal e que parecia inadmissível em sua época porque aceitar a beleza, segunda ela, “é sempre aceitar a morte, o fim do velho homem e uma difícil vida nova”.

Outra figura marcante é Simone Weil, cuja obra, aliás, Cristina Campo foi uma das primeiras a estudar na Itália, em meados dos anos 1950, e com a qual dialoga em seus escritos. Simone Weil e Cristina Campo compartilham valores fundamentais: a atenção elevada ao grau de prece, a importância de um estado de vigília e a necessidade de amar aquele que está ausente, considerando aí toda a responsabilidade e o sofrimento que uma dedicação como essa implica, além da disciplina para compreender os símbolos através do olhar, uma disciplina que deveria levar a inteligência a se tornar contemplação.

Uma poeta cujos textos me deslumbram, justamente porque transcendem os limites do literário, é Alda Merini, com os poemas de "A Terra Santa" e de "Magnificat: Um encontro com Maria". Entre o seu livro de estreia, "A presença de Orfeu", e "A Terra Santa", Alda Merini passou cerca de vinte anos sem publicar, sete deles internada num hospital psiquiátrico. O que surge depois desse silêncio é uma transubstanciação da poesia em mística, especialmente no caso de "Magnificat", um livro em que a autora dá voz à mãe de Cristo como aquela que se torna, ela mesma, a morada da Palavra, simbolizando aí a poesia quando se funde à mística: Maria como aquela que traz a boca unida à boca de Deus e o pensamento criador feito carne. Nesse longo poema que é o "Magnificat", Maria é aquela que morre crucificada e ressuscita com o seu filho num “duro grão de amor”. O que alimenta a poesia de Alda Merini é a ancestralidade de um canto originário, que vem da natureza, e o que funda sua poética é o amor.

Outra poeta que passou um longo período em silêncio desde a publicação dos seus primeiros textos, e que mais tarde escreve sobre situações marianas, é María Victoria Atencia. Sua relação com a poesia envolve uma inspiração que independe da vontade e o momento subsequente da criação, que exige trabalho, esforço e técnica. María Victoria regressa à poesia depois de quinze anos com o livro Marta e Maria e, dez anos mais tarde, publica Transes de Nossa Senhora, poemas que vão pela mesma via do Mistério que Alda Merini percorreu, que falam do Verbo encarnado, da “prenhez gloriosa” de Maria, a que foi a escolhida e que por isso tem os seus sentidos incendiados.

Uma escritora, filósofa e também poeta com quem María Victoria Atencia dialoga e que encarna perfeitamente essa abertura místico-poética é María Zambrano, por tratar dessa aventura iniciática de descida ao fundo do coração, de onde se pode emergir com uma prece ou com um poema que espelha, como obra de criação, o próprio poeta na sua dimensão de criatura. Dos escritos de María Zambrano, as ruínas como lugares simbólicos de ressurreição e esperança, a morte como promessa de amor, a existência de uma palavra que nunca é pronunciada nem humanamente concebida, que permanece oculta e por isso inviolada, abrindo o espaço do silêncio da revelação, são algumas dessas passagens para o Mistério e para o desvelamento do real.

Em seu texto sobre São João da Cruz, que é belíssimo, María Zambrano se pergunta que religião é essa, do Monte Carmelo, que honra a Virgem Maria e faz dos seus santos poetas, a exemplo de São João da Cruz e Santa Teresa d’Ávila. Essa pergunta nos leva a pensar em uma mística do feminino sob a perspectiva de Maria como a portadora da palavra encarnada e da sua relação com a poesia, uma relação que justamente inspira os livros de María Victoria Atencia e Alda Merini.

Ainda pensando na Ordem do Carmo, temos esta outra mística, Edith Stein, que foi leitora fervorosa de Santa Teresa e uma figura emblemática da história, por ter sido conduzida, na trajetória da sua vida e da sua obra, ao extremo do silêncio interior, do amor e da expiação. Podemos dizer sem erro que Edith Stein encarnou o sentido espiritual do nome de Cristina Campo (cujo verdadeiro nome era Vittoria Guerrini): “a portadora de Cristo nos campos do III Reich”.

IHU On-Line – Em um de seus recentes poemas, "Pietà", você diz: Por delicadeza / Devia cada um resolver seu vestígio, / Não deixar o corpo a esmo, / Atravessado na passagem, / Sem desejo, sem enigma. Como podemos compreender a relação entre o corpo, a nossa materialidade, e a expressão místico-poética pessoal?

Mariana Ianelli – Pensando na natureza como uma “metáfora do sobrenatural”, como diz Cristina Campo, o corpo é esse casulo que guarda a alma até ela estar pronta para o voo. É também uma espécie de receptáculo semelhante à palavra. Se há espaço nesse corpo para o que não é vontade própria nem vontade imposta por um outro, se há espaço para uma inexplicável intuição encher esse vaso até o limite, e mais: se pode essa intuição transbordar para a vida, acontece uma inversão na ordem das coisas. Passamos a atuar como que na voz passiva, em vez de mover sentimos como se fôssemos movidos. Essa é uma maneira de realizar que o corpo que dizemos nosso na verdade nos é dado, é a nossa casa e, como toda casa, um dia será abandonado.

O fato de irmos perdendo o controle sobre ele, de sermos traídos pela falta de vigor e de memória, por exemplo, isso também é uma lição que a vida impõe, em geral, para nós, a contragosto: de que esse corpo tão íntimo, tão pessoal, não é tudo ao que nos resumimos nem é sempre imediatamente reconhecível como nosso. Temos, materialmente falando, o mesmo destino da Abadia de Tintern que tanto encantou Wordsworth. E deixar esse vestígio para ser recolhido pelos outros é ainda uma lição.

O poema continua: “Mas se me fica o teu corpo / Eu te arrepanho nos braços / Com a maternidade do ofício / E lavo os teus ombros / De quanto pesou sobre eles, / O teu sexo, que a nenhum afago responde, / Lavo os teus pés, o ato mais santo. / Eu te arremato, eu te limpo da vida, / Faço com que desapareças, / Que o teu equívoco me abasteça / Da razão dos humildes. / Fardo ensoalhado esse, / De amparar o meu próprio destino”.

Porque o vestígio de alguém nos dá a ver a nossa própria morte e saber que vamos nos recolhendo uns aos outros ensina uma certa humildade e também um sentido maior de esperança. Ensina que, depois de um desastre, não importa o quão devastador ele seja, se depois a vida ressurge, então isso é a misericórdia. A observação dessas coisas passa pela vivência, pelo olhar e pela intuição, e a poesia, servindo-se disso, paralelamente à mística, encontra à sua maneira uma via de acesso para leituras da realidade em um nível além imediato, do visível e do material.

IHU On-Line – A linguagem mística muitas vezes se manifesta de forma ousada e radical. Como essa gramática e semântica se relaciona com a gramática e a semântica poética? Que relações ou distanciamentos você constata entre essas duas linguagens?

Mariana Ianelli – Não existe pudor quando se trata de ir ao mais íntimo da palavra, quando a linguagem ronda o indizível chegando ao extremo de circundar aquilo que já não é palavra. Esse mais além do verbo é o que se guarda e permanece cifrado sob a figura em uma representação simbólica. A forma ousada com que a linguagem mística se expressa se dá pelo arrojo de uma voracidade amorosa, e não somente os símbolos aos quais essa linguagem recorre, mas sobretudo uma unidade na aproximação dos contrários, se relacionam com uma lógica poética, como quando Santa Teresa diz: “Vivo sem viver em mim / E de tão alta vida espero, / Que morro porque não morro”. Desse paradoxo aparente, de um intermédio entre dois mundos, de uma palavra repleta de silêncio e um “contentamento descontente” também se faz a poesia.

O enleio de perseguir e ao mesmo tempo ser perseguido é o que alimenta o fogo da linguagem mística numa espécie de rito entre amantes que se aproximam se afastando, num jogo análogo à natureza insaciável desse amor que só se pode consumar em uma outra vida. Aqui, a relação entre corpo e alma se manifesta num elo dos sentidos físicos com os sentidos sobrenaturais e, ao mesmo tempo, em uma tensão da matéria como uma espécie de cárcere que impede a plena conciliação amorosa.

Esse fogo, esse hálito primeiro que impulsiona a criação, na linguagem poética, supõe um ponto de partida que é um estado de caos, de matéria informe anterior ao fiat lux da palavra. Nesse lugar intermediário entre o deserto e a vida, nesse espaço genesíaco entre noite e aurora, que remete à pré-história da poesia no seu parentesco com a palavra sagrada, o ato de criar materializa no poema aquela mariposa que devora a prisão do seu casulo para sobrevoar os vales e as montanhas com as asas de um canto.

Os distanciamentos que vejo em relação às duas linguagens, tal como os opostos de que ambas se alimentam para consagrar a beleza da unidade, são direções complementares de uma mesma seta, que tanto se lança para o alto como se crava no fundo do coração: a mística se servindo da figura para simbolizar o reino da outra vida neste mundo, ou relatar um itinerário espiritual, e a poesia estabelecendo, a partir da realidade sensível, uma senha mágica para ingressar nessa realidade sobrenatural, nesse instante do inefável.

IHU On-Line – Em entrevista à IHU On-Line, Faustino Teixeira afirma que você, em sua poesia, manifesta “a presença de um ‘céu absoluto’ que inspira os mais profundos enigmas. E também a busca de um Deus palpável”. Como você percebe a sua mística pessoal em sua vivência cotidiana e em sua obra de poetisa?

Mariana Ianelli – Desde os primeiros poemas já me atraía intuitivamente uma presença do sagrado. Em pelo menos dois poemas do primeiro livro ("Trajetória de antes", 1999) posso reconhecer o começo dessa busca, "Acalanto para Cassiana" e "Três vezes Cristo". Cassiana foi uma colega de escola, uma menina linda, que um dia fui obrigada a ver no meio de uma sala, deitada sobre um monte de flores. A morte dessa menina, que tinha a minha idade, me despertou para o sentido de muitas coisas, inclusive da poesia.

Nos poemas de "Passagens", que vieram quatro anos depois, uma releitura poética das "Lamentações" bíblicas e do "Livro de Jó" me pôs em contato com esse conflito da fé que se ressente de uma sensação de injustiça diante de uma calamidade. Há também nesse livro um poema que surgiu de um caso particular, quando meu avô sofreu um AVC e durante algum tempo ficou sem identidade. O poema diz assim: “Para honrar tua vontade, festejamos. / Esse amor rente à boca nos ensina / A crer no tempo da eternidade, / Num espaço em que a matéria é luz, enfim, / E onde o temor da morte se destrói. / Atravessamos a época de um verão que faz sofrer, / Uma serpente se levanta entre os cascalhos / E se põe contra quem vem pelo caminho. / Mas somos muitos, somos teus, e aguardamos. / Se coragem há que torne as horas mais tranquilas, / Nós não sabemos, / Apenas contamos com o retorno dos teus olhos / E ao poder da natureza suplicamos / Que recuperes a mesma identidade / Pela qual te reconhecíamos diariamente / Como o soberano autor de tua vida / E não este ser convulso que de nós se afasta / Para vagar numa esfera invernal / De mudez, alienação e indiferença. / Estamos em ti sempre que te ausentas”.

O livro que veio a seguir foi "Fazer silêncio" (2005), e nele o que existe é “uma paragem para ir à fonte”, como diz María Zambrano. E depois de um conflito pessoal inspirado pelo "Livro de Jó", depois de realmente perceber a paciência que um poema exige, o que me aconteceu foi uma gratidão, um olhar para esse triunfo da vida, apesar dos desastres. Essa gratidão está em "Almádena", um livro que foi escrito com o pensamento no "Sermão de Quarta-Feira de Cinzas", de Antônio Vieira.

Além de um canto de ofício, ter visto a casa dos meus avós se transformar em uma ruína, ter passado pelo fim de uma geração da minha família, e perceber que a vida continua existindo, absoluta, agora acrescida de todos esses que vão conosco, apesar de já não estarem vivos, isso me impôs uma das tarefas mais difíceis, a tarefa de encontrar vida onde parece não haver mais nada, e de entender que essa vida que surge depois de uma casa arruinada é a própria misericórdia. Simone Weil fala a esse respeito, mas para compreender o significado disso, o livro que precisei ler foi o da vida, e o sentimento de esperança que veio dessa leitura, eu o reconheço agora nos poemas de "Treva Alvorada" (2010).

IHU On-Line – Como mulher e poetisa, em nossa situação contemporânea, qual o papel e o valor da poesia e da mística? Quem seriam as principais místicas-poetisas (ou poetisas-místicas) de hoje, em sua opinião?

Mariana Ianelli – Vivemos em uma época de tirania da produtividade, de apologia do que é novo e eficaz e de um aparente benefício de tudo o que nos abrevia o sofrimento, o esforço e uma aprendizagem demorada. As coisas não amadurecem mais no seu próprio tempo, amadurecem à força, como uma planta de estufa. Vejo isso atingir as relações humanas e mesmo certa dimensão da criação literária que se ancora na linguagem, nos pressupostos do método e da técnica, e pouco abre espaço para uma inspiração que não pode ser instrumentalizada.

O tempo interior, de silêncio, paciência e meditação, tem sido cada vez mais preterido pelo imediatismo, que é a noção de um tempo dessacralizado. A mística e a poesia, contra essa engrenagem perversa, nos fazem lembrar de um amadurecimento lento das coisas, de um vazio para ser preenchido pelo que não é vontade nossa, e do quanto pode o nosso olhar quando atenta para uma leitura da realidade em níveis que transcendem o visível e o material. Porque, antes de tudo, o que a poesia e a mística despertam é a nossa faculdade de atenção. E, como diz Cristina Campo, “pedir a um homem que nunca se distraia”, que não ceda “à preguiça do hábito, à hipnose do costume (...) é pedir-lhe uma coisa muito próxima da santidade numa época que parece procurar apenas, com cega fúria e arrepiante sucesso, o divórcio total da mente humana em relação à sua faculdade de atenção”.

Pensando nesse outro tempo, não no presente imediato, as “poetisas-místicas” que eu mencionaria são duas: Hilda Hilst e Maria Gabriela Llansol. A leitura da obra de Hilda Hilst, sob a perspectiva da mística associada ao lirismo, revela uma jornada interior real, profunda, extraliterária, para a qual temos como chave de acesso a beleza, no caso da sua poesia, a extravagância no caso da sua prosa. Sobre a tua grande face é um dos muitos livros de poesia de Hilda Hilst em que o “exercício da procura”, como ela mesma diz, se reveste de um esplendor de imagem e de musicalidade para invocar o “Obscuro”, o “Sem Nome”, o “Desejado”. Na sua prosa acontece a mesma procura. Em "Qadós" (“Kadosh”), o “Pacto que há de vir” com que Hilda inicia o texto é também onde começa “o delírio de perseguição” de que fala María Zambrano no livro "O homem e o divino": o delírio de quem não sabe se persegue ou é perseguido até verbalizar esse conflito poeticamente e sair do delírio para o pacto.

Quanto à Maria Gabriela Llansol, sua poética talvez esteja bem mais próxima da mística do que da literatura porque passa ao largo da intenção de um construto e deseja “entrar no real” através do texto, abrindo aí uma espécie de clareira onde um “mundo novo e fulgurante” pode ser sentido. Para Llansol, não existe o “como se”; para ela, “uma coisa é ou não é”, o que no texto se manifesta em um lugar de envolvimento afetivo com a beleza, a vida e o pensamento, um lugar que Llansol chama de “espaço edênico”. Nesse espaço, o que importa é a misericórdia, o princípio de bondade e a vontade de conhecer.

IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?

Mariana Ianelli – Já que o nosso ponto de chegada foi Hilda Hilst e Maria Gabriela Llansol, aproveito para transcrever um poema chamado "Neste lugar", que foi escrito depois de uma visita que fiz à Casa do Sol, que é também o lugar de uma passagem, um portal, um espaço edênico onde “a coisa é”, por isso não se conforma a analogias ou comparações. O poema diz: “Nenhum traço de delicadeza / Só palavras ávidas / E o tempo, / A devoração do tempo. / Um jardim entregue / Às chuvas e aos ventos. / O que para os cães / É febre de matança / E para um deus / Um dos seus inúmeros / Prazeres. / Caminho de sangue / Onde reina o amor primeiro. / Morada de súbita / Ausência do medo. / Um despenhadeiro, o céu / E uma queda / Sem alívio de esquecimento”.

(Por Moisés Sbardelotto)

Libertar a força humanizadora do Evangelho

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A leitura que a Igreja propõe neste domingo é o Evangelho de Jesus Cristo segundo Marcos 9, 2-10 que corresponde ao Segundo Domingo da Quaresma, ciclo B do Ano Litúrgico. O teólogo espanhol José Antonio Pagola comenta o texto.

Eis o texto, aqui reproduzido via IHU, com grifos do autor.


O relato da “transfiguração de Jesus” foi desde o início muito popular entre os Seus seguidores. Não é um episódio a mais. A cena, recreada com diversos recursos de carácter simbólico, é grandiosa. Os evangelistas apresentam Jesus com o rosto resplandecente enquanto conversa com Moisés e Elias. Os três discípulos que o acompanharam até o cume da montanha ficam surpreendidos. Não sabem o que pensar de tudo aquilo. O mistério que envolve Jesus é demasiado grande. Marcos diz que estavam assustados.

A cena culmina de forma estranha: “Formou-se uma nuvem que os cobriu e saiu da nuvem uma voz: Este é o Meu Filho amado. Escutai-O”. O movimento de Jesus nasceu escutando a Sua chamada. A Sua Palavra, recolhida mais tarde em quatro pequenos escritos, foi engendrando novos seguidores. A Igreja vive escutando o Seu Evangelho.

Esta mensagem de Jesus encontra hoje muitos obstáculos para chegar até os homens e mulheres do nosso tempo. Ao abandonar a prática religiosa, muitos deixaram de escutá-Lo para sempre. Já não ouvirão falar de Jesus senão de forma casual ou distraída.

Tampouco quem se aproxima das comunidades cristãs pode apreciar facilmente a Palavra de Jesus. A Sua mensagem se perde entre outras práticas, costumes e doutrinas. É difícil captar a sua importância decisiva. A força libertadora do Seu Evangelho fica por vezes bloqueada pela linguagem e por comentários alheios ao Seu espírito.

No entanto, também hoje, o único decisivo que nós cristãos podemos oferecer à sociedade moderna é a Boa Nova proclamada por Jesus, e o Seu projeto de uma vida mais sã e digna. Não podemos continuar a reter a força humanizadora do Seu Evangelho.

Temos de fazer que corra limpa, viva e abundante pelas nossas comunidades. Que chegue até aos lares, que a possam conhecer quem procura um sentido novo para as suas vidas, que a possam escutar quem vive sem esperança.
Temos de aprender a ler juntos o Evangelho. Familiarizar-nos com os relatos evangélicos. Colocar-nos em contato direto e imediato com a Boa Nova de Jesus. Nisso temos de consumir as energias. Daqui começará a renovação da qual necessita hoje a Igreja.

Quando a instituição eclesiástica vai perdendo o poder de atração que teve durante séculos, temos de descobrir a atração que tem Jesus, o Filho amado de Deus, para aqueles que procuram a verdade e a vida. Dentro de poucos anos, daremos conta de que tudo nos está a empurrar para pôr mais fidelidade a Sua Boa Nova no centro do cristianismo.

sexta-feira, 2 de março de 2012

Tuitadas de sexta

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Diretora causa polêmica ao dizer que alunos gays vão para o inferno
As tolices que se comete em nome de Deus: "Bullying contra estudantes gays é um problema grave em vários países. Só que em uma escola dos EUA a principal responsável pelo bullying é ninguém menos que a diretora!"

Como foi o 1º Encontro de Escritores Cariocas com Temática Gay na Fnac
"Aconteceu no dia 29/02/2012 o Iº ENCONTRO DE ESCRITORES CARIOCAS DE LITERATURA COM TEMÁTICA GAY, na loja Fnac do Barrashopping (Rio de Janeiro). (...) [Uma das certezas que ficaram:] O tema "literatura da diversidade" rende pano para manga. Falamos muito, mas muito não foi possível ser explorado como merecia. Outros encontros se fazem necessários."

A esperança, paixão política
"A esperança é paixão da alma traduzida não só em atitude pessoal mas política, e consagrada justamente como a virtude que conjuga visão e profecia com realismo e reconhecimento do que é possível. Surgindo duas atitudes que definem a ação política impregnada de esperança. Primeiro, o discernimento, que significa capacidade de ler a história e os sinais muitas vezes emaranhados e contraditórios que nos transmite, para intuir que direção tomar e identificar os caminhos possíveis e, portanto, realizáveis nessa direção. Depois, a magnanimidade, que significa grandeza de ânimo, capacidade de abraçar e perseguir o bem comum acima de preconceitos e barreiras, com a paciência requerida pela gradualidade de sua realização e nesse espírito de perseverança que sabe manter o olhar fixo na rota, ainda que seja árdua e frustrante."

Relatório da Campanha Mundial da Educação ressalta discriminação de gênero na educação
"Nos últimos anos, a quantidade de meninas e adolescentes matriculadas na escola aumentou, contudo, o fato não é motivo de grandes comemorações, pois isto não garante que os gêneros têm as mesmas oportunidades educativas e muito menos que a discriminação foi superada. Ao mesmo tempo em que elas estão tendo mais acesso à escola, também têm maior probabilidade de deixar os estudos antes de completar a educação primária."

George Clooney explica por que nunca negou boatos de que seria gay
"'Isso seria injusto e grosseiro com os meus bons amigos da comunidade gay', disse. 'Não vou deixar ninguém fazer parecer que ser gay é uma coisa ruim.'"

A prevenção à AIDS no governo Dilma e a censura dos vídeos da campanha do Carnaval de 2012
"No artigo 'A prevenção à AIDS no governo Dilma e a censura dos vídeos da campanha do Carnaval de 2012', os pesquisadores Jorge Beloqui, do Grupo de Incentivo à Vida (GIV), e Veriano Terto Jr, da Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (ABIA), analisam uma série de episódios de censura do governo federal às campanhas governamentais de prevenção à AIDS, em especial a recente campanha de prevenção para o carnaval de 2012. Segundo eles, tais atos de censura devem ser conhecidos e debatidos pela opinião pública e devem ser confrontados por todos aqueles que lutam por uma saúde sexual de qualidade e pela promoção e garantia dos direitos sexuais. 'O silêncio e a omissão nestes casos poderão significar retrocessos, não só na resposta ao HIV/AIDS, mas também a toda uma série de possíveis avanços e conquistas na defesa e promoção dos direitos sexuais e no caráter laico do estado brasileiro', avaliam."

Leitura online de peça sobre a proposição 8, q proibiu o casamento homossexual nos EUA, com Brad Pitt, George Clooney e Martin Sheen, entre outros
"Com elenco estelar, que inclui entre outros Brad Pitt, George Clooney, Martin Sheen, Jane Lynch, Jamie Lee Curtis, será transmitida, pela Internet, no sábado, às 7:30 da noite (horário do Pacífico), uma leitura da peça '8', de Dustin Lance Black ('Milk', 'J. Edgar'), sobre o julgamento da chamada Proposição 8, iniciativa popular, aprovada nas urnas por eleitores californianos, para assinalar que somente a união entre um homem e uma mulher fosse considerada casamento."

Crivella no Ministério da Pesca? (Charge de Bennet)

Pedro Casaldáliga. A vida do bispo dos pobres na televisão
"O bispo emérito de São Félix do Araguaia (Brasil), bispo dos pobres e dos sem-terras, Pedro Casaldáliga, terá sua série de televisão. Trata-se de “Descalzo sobre la tierra roja” (Descalço sobre a terra vermelha, em catalão), baseado no romance homônimo do jornalista Francesc Escribano, que começará a gravação na primavera e será transmitida na TVE e TV3 [espanholas]."

Discurso religioso será ponto fundamental nas eleições do Rio
"Motivo de preocupação para o petista Fernando Haddad na disputa pela Prefeitura de São Paulo, o discurso conservador com viés religioso começa a se desenhar também no Rio. Antigos rivais, o ex-prefeito Cesar Maia (DEM) e o ex-governador Anthony Garotinho (PR) fizeram questão de ressaltar os "valores da família" como ponto fundamental da aliança que acabam de firmar para tentar evitar a reeleição do prefeito Eduardo Paes (PMDB)."

Os abusos sexuais na Igreja. Evento marcante aponta para uma mudança de atitude
"O comportamento dos padres pedófilos representa um desafio que exige coragem, discernimento e ação, primeiro dos bispos e do próprio clero, mas também e, sobretudo, dos fiéis, mulheres e homens, e das comunidades."

O amor é lindo, mas promiscuidade também pode
"Há o preconceito de que gay é promíscuo, de que o que eles sentem por pessoas do mesmo sexo não é amor. Uma das bandeiras levantadas pelo movimento LGBT+ é a da liberdade de amor. Só que eu estava aqui mastigando meus neurônios pensando "E se não for amor? Aí não pode?", e cheguei à óbvia conclusão de que sim, pode. Ninguém tem obrigação de amar a outra pessoa com quem faz sexo para que sua vida sexual deva ser respeitada."

Profecia e esperança: um tributo a Milton Schwantes
"Na tese de doutoramento, Milton centrou suas atenções no grupo dos socialmente fracos do antigo Israel. Verificou que os pobres não são grupo periférico, mas que são praticamente idênticos ao povo de Deus. Deus é um Deus que se volta aos que sofrem."

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A "opção" sexual

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É comum que algumas pessoas se refiram à homossexualidade como uma "escolha", "preferência" ou "opção sexual". No entanto, qualquer pessoa - seja gay, heterossexual ou bissexual - sabe que não houve eleição: não houve um momento da vida em que, diante de dois caminhos possíveis, "decidiu" gostar de mulheres ou homens, depois de muita reflexão, consulta ao horóscopo ou aos amigos, busca de informações no Google, experimentar de tudo um pouco para ver como é, jogar a sorte na moeda ou fazer uni-duni-tê.

(Seja você gay ou não, pergunte-se: quando você "decidiu"? Poderia ter sido o contrário? Se você gosta de mulheres, poderia "decidir" que a partir de amanhã vai gostar de homens? Se você gosta de homens, poderia "decidir" que a partir de amanhã gostará de mulheres? Você poderia, em algum momento, "escolher" ser o oposto do que você é? Você é sequer capaz de se imaginar sendo diferente? Você não sabia quem é, de forma mais ou menos consciente, desde a infância?).

O engraçado é que ninguém fala sobre a heterossexualidade como uma "opção". Ninguém perguntou o que "causa" da heterossexualidade. Os negros são "pessoas de cor", os brancos são transparentes. E as pessoas hétero são os "brancos" da sexualidade.

Somos todos educados desde a infância para sermos heterossexuais, e todos os padrões que nos ensinam, em casa ou na escola, vêm sob a forma de menino + menina. Então, o que acontece conosco, gays e lésbicas, é que em algum momento percebemos que não nos encaixamos nesse molde. Nós não escolhemos, nós descobrimos. Os heterossexuais não precisam entender nem descobrir nada, porque desde crianças é-lhes dito e ensinado que, sendo homens, um dia começarão a se sentir atraídos por mulheres; se forem mulheres, em algum momento começarão a se sentir atraídas por homens, e é o que de fato lhes acontece. Assim, seguem em frente e pronto. A nós, porém, disseram o mesma e em algum momento percebemos que era mentira: o que sentimos é diferente do que nos disseram que iríamos sentir. Não podemos simplesmente seguir adiante, precisamos ver o que fazemos com isso que "está nos acontecendo". Com os heterossexuais não "está acontecendo" nada.

Ao começar a perceber que nossos sentimentos contradizem as expectativas dos outros, nem todos reagem da mesma maneira. Algumas pessoas "assumem" sua orientação homossexual desde a infância ou adolescência e outros, no entanto, fazem isso mais tarde, mesmo sendo já bem mais velhos. Marguerite Yourcenar escreveu (em 1929) um belo livro chamado "Alexis, ou o Tratado do Vão Combate", que fala de um homem que tenta ser o que não é, até que finalmente aceita que não pode e escreve uma carta para sua esposa explicando por que a deixa. Felizmente, à medida que os preconceitos vão caducando e morrendo, esses casos estão se tornando menos freqüentes.

Seja na idade que for, depois que assume a sua sexualidade a maioria dos gays começam a se lembrar de coisas que confirmam que, no fundo, sempre souberam. Começam a perceber como gostavam do coleguinha do colégio e a entender por que ficaram com ciúmes quando o amigo do ensino médio começou a namorar, ou por que se interessavam tão pouco pelas mulheres quando todos os seus amigos não falavam de outra coisa. Ao relegar a homossexualidade ao horário impróprio para crianças, nossa sociedade condena crianças e jovens gays e lésbicas a pular uma etapa de suas vidas e os priva de experiências que outras crianças vivem naturalmente à medida que crescem.

Sim, naturalmente. Quando um menino que está na quinta série chega em casa e conta que tem uma namorada, parabenizam-no. Alguns têm uma namorada já no jardim de infância. Claro que "uma namorada" nessa idade não significa o mesmo que "ter uma namorada" aos 15 ou aos 30, mas mesmo esses primeiros "namoricos" são importantes no amadurecimento. A sexualidade está sempre presente em nossas vidas, mas passa por várias etapas até a idade adulta. A sexualidade de gays e lésbicas deveria ser autorizada a desenvolver-se da mesma forma, passando pelas mesmas experiências, nas mesmas idades.

Você não escolhe ser gay ou lésbica, assim como não se escolher ser heterossexual, e também não se pode mudar. Nem há qualquer necessidade: ser gay é tão normal e natural quanto ser heterossexual, do mesmo modo como ser branco ou negro, ter olhos pretos, verdes ou azuis ou ser destro ou canhoto. Apesar de, até há pouco tempo, os canhotos serem castigados na infância e obrigados a escrever com a mão direita.

Quando acabarem os preconceitos em relação às sexualidades "diferente" (que, afinal, são tão diferentes quanto a heterossexualidade é diferente de outras orientações sexuais), provavelmente gays e lésbicas começarão a viver sua sexualidade na mesma idade e da mesma forma que as pessoas heterossexuais, sem que isso seja uma questão, sem ninguém pense que é preciso escolher e que uma "escolha" será melhor que outra. A idéia de "assumir-se" ou "sair do armário", então, será um anacronismo.

Da mesma forma os canhotos agora aprendem desde crianças a escrever com a mão esquerda, e a nenhum pai ou professor parece que isso não seja normal.

Então, este blog não existirá mais.

- Bruno Bimbi
Traduzido do blog Tod@s

A passagem de Deus pela América Latina

Escultura: Oscar Niemeyer (aqui)

“Como será a passagem de Deus pela América Latina e com quem passará, está por se ver, e em suma é coisa de Deus. Mas é coisa nossa desejá-la, trabalhar para isso, e aprender de como aconteceu no passado em torno de Medellín”, escreve Jon Sobrino, em artigo publicado no sítio espanhol Eclesalia, 23-02-2012. A tradução é do Cepat.

Jon Sobrino é teólogo espanhol radicado em El Salvador, sobrevivente da chacina que, em novembro de 1989, dizimou a vida de seis jesuítas e duas funcionárias da Universidade Centro-Americana (UCA). É autor de vários livros, entre os quais, Fora dos pobres não há salvação (Paulinas, 2008), Cristologia a partir da América Latina (Vozes, 1983); Jesus, o Libertador: a história de Jesus de Nazaré (Vozes, 1994).

Eis o artigo, aqui reproduzido via IHU.


Os dez anos que se passaram entre Medellín (1968) e Puebla (1979) foram únicos na época moderna da Igreja católica na América Latina. Depois começou um declive ao qual Aparecida (2007) quis colocar um freio, embora até agora reste muito a ser feito.

Ao fazer este juízo, não nos fixamos na Igreja assim como é analisada pelos sociólogos, mas na “passagem de Deus”. Sem dúvida, é mais difícil calibrar, mas toca a dimensão mais profunda da Igreja, e a serviço de que deve estar. Em suma, qual a sua contribuição para os seres humanos e para o mundo como um todo. E, obviamente, é preciso se perguntar “que Deus” é que passa pela história em um dado momento.

Medellín
Foi um salto qualitativo. Irromperam os pobres, e neles irrompeu Deus. Foi um fato fundante que penetrou na fé de muitos e configurou a Igreja.

Surpreendentemente, para a assembleia dos bispos a prioridade não era a Igreja em si mesma, mas o mundo de pobres e vítimas, isto é, a criação de Deus. Suas primeiras palavras proclamam a realidade do continente: “uma pobreza em massa fruto da injustiça”. Os bispos agiram, sobretudo, como seres humanos, e deixaram falar a realidade que clamava ao céu. São os clamores que Deus escutou no êxodo que o fizeram sair de si mesmo e entrar decididamente na história. De igual modo, com Medellín Deus entrou na história latino-americana.

A partir desta irrupção dos pobres, e de Deus neles, Medellín pensou o que é ser Igreja, qual é a sua identidade e missão fundamental, e qual deve ser seu modo de estar em um mundo de pobres. A resposta foi “uma Igreja dos pobres”, semelhante à ilusão que teve João XXIII e o cardeal Lercaro. No Concílio não prosperou, em Medellín sim. A Igreja sentiu compaixão pelos oprimidos e decidiu trabalhar por sua libertação. Por muitos, com maior ou menor consciência explícita, foi acolhida como bênção. Por outros, foi percebida, com razão, como grave perigo.

Cedo o poder reagiu. Em 1968, Nelson Rockefeller escreveu um relatório sobre o que estava acontecendo, e essa Igreja, nova e perigosa, tinha que ser fragilizada e freada, e o mesmo aconteceu no início da Administração Reagan. Oligarquias com o capital, exércitos, esquadrões da morte, desencadearam uma perseguição contra a Igreja, desconhecida na história da América Latina. A perseguição, e o manter-se firme nela, deixou claro o novo e evangélico que estava acontecendo: a Igreja de Medellín estava com o povo pobre e perseguido, e correu sua própria sorte. Milhares foram assassinados, entre eles meia dúzia de bispos, dezenas de sacerdotes, religiosos e religiosas, e uma multidão de leigos, mulheres e homens. Com limitações, erros e pecados, era uma Igreja muito mais casta que meretriz, muito mais evangélica que mundana.

Na Igreja católica, Paulo VI propiciou e animou esta nova Igreja, mas altos personagens da cúria romana, e de outras cúrias locais, a desqualificaram, trataram mal e injustamente os seus representantes, inclusive bispos, e construíram uma Igreja alternativa, diferente e mesmo contrária, mais devocional, intimista, de movimentos, submissos aos defensores da hierarquia. E o que havia que evitar era que a Igreja voltasse a entrar em conflito com os poderosos. A Igreja popular, nascida em torno de Medellín, crente e lúcida, de comunidades de base, que vivia a pobreza do continente, sofreu a dupla perseguição do mundo opressor, e, com alguma frequência, da própria Igreja.

Uma Igreja assim foi testemunha e seguidora de Jesus de Nazaré. Encarnada, defensora e companheira dos pobres, carregava a cruz e com frequência morria nela. Anunciou uma Boa Nova como Jesus na sinagoga de Nazaré. Teve seus “doze apóstolos”, os Padres da Igreja latino-americana com dom Hélder Câmara um dos pioneiros, com Enrique Angelelli, dom Sergio Mendez Arceo, Leonidas Proaño, com dom Romero, pastor e mártir do continente, e outros. Chegou a ser ekklesia, na qual mulheres e varões, religiosas e leigos, latino-americanos e vindos de fora, chegaram a formar corpo eclesial, uma grande comunidade de vida e missão. Entre os de casa e os de longe se gerou uma solidariedade nunca vista: se fortaleciam mutuamente. Cresceu a esperança e a alegria. E do amor dos mártires nasceu uma brisa de ressurreição, alheia a toda alienação, que remetia novamente à história para viver nela como ressuscitados.

Nessa Igreja soprava o Espírito, o espírito de Jesus e o espírito dos pobres. Esse espírito inspirava oração, liturgia, música, arte. E também inspirava homilias proféticas, cartas pastorais lúcidas, textos teológicos de casa, não textos simplesmente importados que não passaram pelo crisol de Medellín.

No centro de tudo estava o evangelho de Jesus. Lucas 4, 16: “Eu vim para anunciar a boa nova aos pobres, para libertar os presos”. Mateus 25, 36-41: “Tive fome e destes de comer”. João 15, 13: “Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida pelos irmãos”. E Jesus de Nazaré, o crucificado ressuscitado, Atos dos Apóstolos 2, 23-24: “Aquele que vocês mataram Deus o devolveu à vida”.

E agora?
Pesquisas, estudos sociológicos e antropológicos, econômicos e políticos, oferecem dados e explicações sobre a Igreja católica e outras Igrejas cristãs. Dizem-nos se aumentamos ou diminuímos em número e em influxo na sociedade. Desde essa perspectiva nada tenho a acrescentar. E estritamente falando, também não é a minha maior preocupação qual será o futuro do que chamamos “Igreja”, embora nela tenha vivido e vivo, e me acostumei a pertencer à família.

O que me interessa, e me alegra, é que “Deus passe por este mundo”. E a razão é simples. O mundo está “gravemente enfermo”, dizia Ellacuría, “enfermo de morte”, disse Jean Ziegler. Isto é, necessita de salvação e cura. Por isso, como crente e como ser humano, desejo que “Deus passe por este mundo”, pois essa passagem sempre traz salvação às pessoas e ao mundo em seu conjunto. Tivemos a sorte de sentir essa passagem de Deus com Medellín, com dom Romero, com muitas comunidades populares. Com muitas pessoas boas, simples em sua maioria. Com uma plêiade de mártires. E também, embora isso só se possa sentir “em um difícil ato de fé”, como dizia Ellacuría ao explicar a salvação trazida pelo servo sofredor de Isaías, com o povo crucificado.

Como estamos atualmente? Seria cometer um grave erro cair em simplismos em coisas tão sérias. Seria injusto não ver o bom que, de muitas formas, existe nas Igrejas. E seria arrogante não tentar descobri-lo, embora às vezes se esconda atrás de uma crosta que não remete claramente a Jesus de Nazaré. Em todo o caso, a passagem de “Deus” sempre será mistério inescrutável, e só na ponta dos pés e com máximo respeito a todos os seres humanos podemos falar sobre isso. Mas com todas estas cautelas algo se pode dizer. Mencionaremos as realidades dos fiéis e suas comunidades, mas temos em mente sobretudo as instâncias, altas em hierarquia, historicamente muito responsáveis pelo que acontece, e às quais não se pode pedir conta com eficácia. Com simplicidade dou minha visão pessoal.

De diversas formas abunda o pentecostalismo, como forma de Igreja diferente dos problemas reais de vida e morte das maiorias, embora traga coragem e consolo aos pobres, o que não é desdenhar quando não têm onde se agarrar para que sua vida tenha sentido – diferente é a situação de classes mais acomodadas. Prolifera um grande número de movimentos, dezenas deles, proliferam os meios de comunicação das Igrejas, emissoras de rádio e televisão, excessivamente submissos a ideais e normas que provêm de cúrias, sem dar sensação de liberdade para tomar eles mesmos em suas mãos um evangelho que anuncia a boa nova para os pobres, em forma de justiça, e sem suspeitar da necessidade de um estudo, reflexivo, minimamente científico, da Palavra de Deus, e em geral da teologia propiciada pelo Vaticano II e Medellín. Proliferam devoções de todo tipo, as de antes e as de agora. Jesus de Nazaré, que passou fazendo o bem e morreu crucificado, é deixado de lado com facilidade a favor do menino Jesus, seja de Atocha, de Praga, o Deus menino, dito com grande respeito. Com facilidade se dilui o Jesus vigoroso da Galileia, do Jordão, o profeta de denúncias do templo de Jerusalém, a favor de devoções, baseadas em aparições com um transfundo sentimental e excessivamente melífluo. Para dizer com simplicidade, a divina providência pode atrair mais que o Pai de Jesus, o Filho que é Jesus de Nazaré, o Espírito Santo, que é Senhor e dador de vida, e Pai dos pobres, como se canta no hino do Pentecostes.

Em seu conjunto custa hoje encontrar na Igreja a liberdade dos filhos e filhas de Deus, a liberdade diante do poder, que não por ser sagrado deixa de ser poder. Nota-se excessivo servilismo e submissão em relação a tudo o que seja hierarquia, o que chega a se converter em medo paralisante. Desde as instâncias de poder eclesial aponta o triunfalismo, e o que chamei de a pastoral da apoteose, de multidões, midiática. Em muitos seminários a discussão e a arte de pensar são substituídas pela memorização. Nas reuniões do clero, pelo que sabemos, as perguntas, a discussão e o debate são substituídas pelo silêncio. As cartas pastorais dos anos 1970 e 1980 – verdadeiro orgulho das Igrejas, que reverdecem em ocasiões, na Guatemala, por exemplo – são substituídas por breves mensagens, recatadas e comedidas, com argumentos tomados das últimas encíclicas do papa. O centro institucional já não parece estar na América Latina, mas na distante Roma. Tudo isto é dito com respeito.

Como será a passagem de Deus pela América Latina e com quem passará, está por se ver, e em suma é coisa de Deus. Mas é coisa nossa desejá-la, trabalhar para isso, e aprender de como aconteceu no passado em torno de Medellín.

Bom é saber e analisar os vaivens dos adeptos e o influxo das Igrejas na sociedade. Pelo que dizem os dados, em ambas as coisas a Igreja católica vai mal. Mas é preciso ter mais presente as raízes de cuja seiva viveu a passagem de Deus. E regá-la humildemente, com águas vivas.

O que acontecerá à nossa Igreja, e a todas as Igrejas, está por se ver. Meu desejo é que, aconteça o que acontecer no exterior, se coloque a serviço da passagem de Deus por este mundo, o Deus de Jesus, compassivo, profeta e crucificado. E o Deus dador de esperança.

Estas são perguntas que podemos sempre fazer. Mas talvez seja bom fazê-las no começo da quaresma. Este tempo exige de nós fortaleza para caminhar para Jerusalém. E nos oferece esperança de nos encontrar ali com o Jesus crucificado e ressuscitado.

quinta-feira, 1 de março de 2012

Tuitadas de quinta

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Existe cura para a homofobia também... Dani Calabresa ensina aqui
RT@heterofobia @cfp_psicologia Psicólogo cura ignorância?

Em 2012, a Bancada Evangélica articula na política
"Este tema é para negros, religiosos afros brasileiros, homossexuais e mulheres, pois quando a bancada evangélica está à frente parte da população sofre muito. (...) Em 2012, teremos que fazer a diferença, vamos eleger pessoas ligadas aos movimentos sociais e direitos humanos, porque não basta falar, terá que demonstrar em atitudes seu compromisso com as causas de igualdade e diversidade."

GGB 32 anos de luta pela eliminação da homofobia
"O GGB se tornou hoje um homem gay com identidade masculina, adulto, macho, preto, branco, mestiço que não é machista e se solidariza com os marcos referenciais de luta para o aprimoramento da sociedade, igualdade dos gêneros e eliminação da homofobia, machismo, racismo e todas as formas de violência contra o gênero feminino. Antes morrer que deixar de lutar!"

Não é fácil ser gay, mas eu ainda escolheria!
"A verdade, porém, é que me orgulho muito desse novo João, pós-evangélico, que tem sido apurado ao longo dos anos. Ninguém é perfeito, e eu tenho ainda muito a ser aprendido e a ser consertado, mas, mesmo que tenha sido tão difícil me descobrir gay e ainda tenha de enfrentar preconceitos e dificuldades aqui e ali por causa disso e que tenha sido trabalhosa a revelação da minha homossexualidade para minha família anos depois, eu sou hoje uma versão de mim mesmo muito melhor do que era antes.

Existem gays que têm mau caráter, são falsos, mentirosos e hipócritas. Até bandidos, assim como muitos héteros e bis. Não é a orientação sexual, afinal, que define isso. No entanto, no meu caso particular (e só meu), eu credito a ela a razão de ser quem eu sou hoje e das qualidades minhas de que mais me orgulho."

Lady GaGa lança com a mãe fundação anti-bullying na Universidade de Harvard nos EUA
"A cantora Lady GaGa lançou nessa quarta (29) a Fundação Born This Way na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos. (...) A Fundação é um projeto de GaGa e sua mãe, Cynthia Germanotta. Segundo a mamãe GaGa, a Born This Way vai ter foco no combate ao bullying, na 'bondade, e não na maldade'. A ideia é estimular a autoconfiança nas crianças e orientá-las nas suas carreiras." | Goste-se ou não dela, taí uma artista de peito, que abraçou a causa gay como nenhum/a outro/a.

Escola sem Homofobia: Menino se suicida e pais culpam colégio
"Este é um exemplo claro da importância do kit do MEC vetado pela presidente Dilma Rousseff no ano passado. O kit Escola Sem Homofobia foi vendido por políticos de má fé para a opinião pública como uma cartilha que faria seu filho virar gay, o que não condiz com o projeto que a base era orientar professores e a própria escola em relação ao bullying homofóbico. Por isso não é sem erro dizer que a morte de Rolliver tem sim, as mãos sujas da escola, mas também do Governo."

Descoberto evangelho apócrifo do Egito na Inglaterra
"De acordo com este especialista em papiros, que colabora há anos com o projeto de edição de papiros da coleção britânica, ainda é incerto a dimensão dessa descoberta, mas assegurou que 'fornecerá novas luzes para entender melhor o cristianismo dos primeiros dois séculos e o que liam e pensavam os primeiros cristãos do Egito, e também sobre a formação dos Evangelhos'. 'Destaca especialmente pela sua antiguidade – diz Chapa -, porque foi escrito por volta do ano 200. São poucos os manuscritos preservados dessa época, e ainda menos, testemunhas dos evangelhos apócrifos'."

Direitos sexuais e reprodutivos da mulher
"Para a cientista política Telia Negrão, não há efetiva separação entre Estado e Igreja, 'pois vivemos numa sociedade muito conservadora, patriarcal, e quase todas as religiões são patriarcais'. (...) Ao analisar o papel que o Estado exerce sobre o corpo da mulher, Telia Negrão afirma que 'o Estado mantém forte controle sobre o corpo das mulheres na medida em que, através das leis e das políticas públicas, se determina o grau de possibilidade das mulheres tomarem as próprias decisões'."

O caminho transgênero – Mitos e fatos
Alguns mitos e fatos a respeito de pessoas transgêneras. Vale MUITO o clique. :-)

Desdiagnosticando o gênero: a despatologização da homossexualidade. Artigo de Judith Butler
"A autora analisa o debate atual sobre a questãoda despatologização da transexualidade nos Estados Unidos. Afirma que, se por um lado o diagnóstico de transtorno deidentidade de gênero continua a ser valorizado por facilitarum percurso economicamente viável para a transformaçãocorporal, por outro, a oposição ao diagnóstico se faznecessária, dado que ele insiste em considerar como doença mental o que deveria ser entendido como uma possibilidade,entre outras, de autodeterminação do gênero. Finalmente, aautora argumenta que estas posições não são necessariamente antagônicas - indicando a complexidade e o paradoxo destedebate -, já que, no seu ponto de vista, a “transautonomia”não será alcançada sem a construção de uma rede jurídica,assistencial e social que lhe dê suporte e permita que atransexualidade possa ser vivida."

Cautela diante da descoberta anunciada ontem de indícios arqueológicos de referências à ressurreição de Cristo datadas do séc. I. (Continua aqui)

Quem diz se uma mulher apresenta ou não "condições psicológicas de arcar com a maternidade"?
"A comissão do Senado Federal que projeta a reforma do Código Penal apresentou publicamente sua proposta (...). O capítulo dos crimes contra a vida trata de eutanásia e aborto (...). Sem entrar na complexidade moral das questões, o que me impressiona, na primeira leitura, é a facilidade com a qual a medicina é (sempre) chamada a regulamentar nossa vida.

A liberdade é uma conquista, mas é também um fardo. Para aliviá-lo, faz 200 anos que inventamos um truque, graças ao qual, nos dilemas morais, 1) conseguimos afirmar que estamos decidindo sem obedecer a ninguém (nem a textos sagrados, nem a autoridades morais e religiosas) e, ao mesmo tempo, 2) evitamos o exercício (aflitivo) de nosso foro íntimo."

A indicação do senador evangélico Marcelo Crivella (PRB) para o Ministério da Pesca e Aquicultura confirma, entre outras coisas, o enfraquecimento da influência dos setores progressistas da Igreja Católica no governo.
"Uma das intenções do presidente Luiz Lula Inácio da Silva (PT), ao criar a pasta, em 2003, era acolher na sua equipe o pensamento das pastorais sociais da Igreja, que sempre estiveram na base do seu partido. Uma dessas pastorais, a dos pescadores, foi um dos fatores que inspiraram a criação do ministério."

Ajoelhou, resta rezar
"A troca de ministro da pasta da Pesca tem vários significados, nenhum deles relacionado à versão palaciana de que o senador Marcelo Crivella 'prestará relevantes serviços ao Brasil' depois do trabalho feito (?) pelo deputado Luiz Sérgio ao qual o governo empresta 'profundo reconhecimento'."

A delicadeza existente nas diversas formas de família
"Lares com duas mães, dois pais ou com casais que agregam os filhos de casamentos anteriores. As novas configurações de família estão cada vez mais presentes na sociedade e gerar uma reflexão sobre o fenômeno é o que propõe a série Novas Famílias, que estreia amanhã, no canal pago GNT. Dirigida pelo premiado documentarista João Jardim, o programa trará a história de nove famílias, gravadas durante dois meses. 'A série joga luz sobre algo muito rico, que é se propor a não ter medo. De entender que tudo pode ser bom quando a gente quer trocar afeto com as pessoas'."

Quando a fé encontrou a filosofia
"Esse encontro entre cristianismo e tradição clássica muitas vezes foi criticado por ter desnaturalizado as características originais da pregação e da mensagem de Jesus. Mas não devemos nos esquecer que uma parte significativa do judaísmo antigo já havia consumado o encontro com a língua e a cultura gregas (...).

Acima de tudo, as obras dos antigos autores cristãos se tornaram, por sua vez, objeto de traduções e de reelaborações por parte de escritores que, do século IV em diante, começaram a se expressar em uma grande variedade de línguas (copta, siríaco, armênio, georgiano...), até então sem dignidade literária, dando origem a novas culturas e a novas identidades sociorreligiosas no sinal do cristianismo e confirmando, assim, que a natureza deste último é intrinsecamente aberta ao encontro com as mais diversas experiências do ser humano."

A irritação dos fieis com padre que negou comunhão a lésbica no funeral da própria mãe
"'Você trouxe a sua política, e não o seu Deus, para aquela Igreja ontem, (...), escreveu ela em uma carta a Guarnizo. 'Vou rezar pela sua alma, mas primeiro vou fazer tudo o que estiver ao meu alcance para ver você removido da vida paroquial, para que assim você não tenha a permissão de ferir ainda mais famílias'.

Na noite de terça-feira, Barbara Johnson recebeu uma carta de desculpas do Pe. Barry Knestout, um dos mais altos administradores da arquidiocese, que disse que a falta de 'bondade' que ela e sua família receberam 'é causa de grande preocupação e de arrependimento pessoal para mim'.

'Lamento que o que deveria ter sido uma celebração da vida de sua mãe, à luz da fé dela em Jesus Cristo, foi ofuscada por uma falta de sensibilidade pastoral', escreveu Knestout. 'Espero que a cura e a reconciliação com a Igreja possam ser possíveis para você e para outras pessoas que foram afetadas por essa experiência. Enquanto isso, vou oferecer a missa pelo feliz repousou da alma de sua mãe. Que Deus traga conforto a você e à sua família em seu luto e esperança na Ressurreição'.

Johnson chamou a carta de 'reconfortante' e disse que aprecia muito o pedido de desculpas. Mas, acrescentou, 'eu não ficarei satisfeita' enquanto Guarnizo não for removido [da vida pastoral]."

"Negar a comunhão em um funeral: uma ofensa digna de suspensão?" Opinião de publicação católica americana
"O que estamos testemunhando só pode ser descrito como o comportamento tacanho de pessoas que nem sequer compreendem a história ou a tradição católicas, os meandros do direito canônico – incluindo, e especialmente, o cânone 915 (e o comentarista citado pelo jornal também não compreende) – e os direitos dos fiéis, ou mesmo as exigências da caridade. O fato de um homem que pôde exibir tão insensivelmente o seu desprezo por uma das filhas batizadas da Igreja ser até ordenado é de tirar o fôlego.

Se Guarnizo, de fato, negou publicamente a Comunhão a essa mulher e abandonou o santuário como relatado, ele deveria ser punido disciplinarmente com a remoção das suas faculdades presbiterais, até que possa demonstrar que ele entende quando e como deve usar a sua autoridade a serviço do Evangelho e do povo de Deus."

Veja também: Perguntas frequentes: "O católico gay que mantenha um relacionamento está em pecado?"

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Em nome de Deus

Ilustração: Hernan Marin

"Quando a moral se baseia na teologia, quando o direito depende da autoridade divina, as coisas mais imorais e injustas podem ser justificadas e impostas."

- Feuerbach, 1841

Lobby da bancada religiosa no Congresso acua o governo


Kennedy de Alencar, também comentarista da CBN, fez ressalvas precisas sobre as relações do governo, lobby religioso e o que vem misturado em todo esse engodo.

Só acessar o link abaixo:

Lobby da bancada religiosa no Congresso acua o governo






Rodolfo Viana
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