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quinta-feira, 10 de julho de 2014

Afinal, o que há dentro do armário?



Do nosso amigo Murilo Araújo

"Assisti esse vídeo inteiro chorando, sentindo muito a tristeza de ver, mais uma vez, que tantas pessoas ainda precisam esconder quem elas são. Fico revisitando um pouco a minha própria trajetória: comecei a pensar na minha sexualidade no dia em que um amigo, muito querido, me perguntou quais eram os meus medos (e eu não tenho certeza se ele sabia do que estava falando). Pensando muito, me dei conta de que os meus medos eram a minha família, os meus amigos, minha Igreja... um pouco do que essas pessoas dividem nesses depoimentos. E isso carrega um sofrimento muito grande, porque esses são exatamente os lugares de onde a gente mais espera amor, acolhida e segurança. Quando a nossa sexualidade surge como um elemento pra gente, a sensação é de estar sozinho, sem chão, e isso dói. Quando alguém diz que nem todo mundo precisa sair do armário, é porque nunca esteve dentro de um, não sabe a violência que ele representa.

No final, a gente fica com vontade de abraçar cada um desses meninos (principalmente o Luiz), pra dizer 'calma, vai ficar tudo bem, a gente tá aqui', e fazer alguma coisa pra isso tudo acabar. Tem que acabar. Pouco adianta eu estar bem aqui hoje, sem o meu armário, se tanta gente aí pelo mundo ainda tem que enfrentar isso."

quarta-feira, 9 de julho de 2014

Drag Queen de Seatle enfrenta protestos anti-gay que tentavam atrapalhar o início da Parada do Orgulho Gay





Por Jonathan Higbee, 01 de julho de 2014

Antes de me mudar para Seattle há um ano, fui conhecer um “brunch” dominical animado por uma drag no fim de semana em que eu e meu companheiro estávamos na cidade procurando um lugar para morar. Mama Tits, uma estrela-ícone de Seattle como eu viria a saber depois, era a âncora do brunch no Unicorn e uma das principais influências que tive com relação à decisão de ir morar lá; é durona como um prego mas também uma bicha histérica, que adora beber e tem um coração de ouro. Quando a vi na Parada que rolou no fim de semana depois de meses, sua efervescência e cuidado em relação à comunidade LGBT estavam plenamente à vista. Não imaginava que sem seu tenso enfrentamento aos que faziam protestos contra os gays e tentavam atrapalhar a Parada, ocorrido um pouco antes naquele mesmo dia, o evento teria atrasado muito e tumultuaria a programação.

Mama Tits descreveu com detalhes a situação para o site Seattle Gay Scene:

“Eu os vi subindo a rua antes da Parada e olhei para a Sylvia e a DonnaTella e disse, ‘Queridas, vamos fazer uma muralha!’ Antes que eu me desse conta, lá estava eu enfiando minhas tetas no nariz do líder deles que falava no megafone. Eu tinha a sensação de ter a força de todas as pessoas que já foram feridas por estes caras, uma energia que me apoiava e me fortalecia! Eu já estava quase entrando no piloto automático dos tempos em que eu era uma Sister of Perpetual Indulgence ["Irmã da Indulgência Perpétua" – referência a um grupo de "freiras" queer de São Francisco]. Me plantei no caminho dele e dali não me mexia. Quando ele passava por mim, eu voltava a ficar na frente dele diversas vezes. Encarava-o olhando no fundo dos seus olhos e dava pra perceber que havia dor no seu olhar, notava-se que estava assustado e não era pra menos. Ele tentou me bater com seu cartaz, mas como diz a Bianca Del Rio, 'Hoje não, Satanás!'

"Empurrei o cartaz para afastá-lo do meu rosto e do meu cabelo, porque, por favor, NÃO ENCOSTE no meu cabelo. E, era tudo o que podia fazer para NÃO ficar violenta e não fiz porque uma vez que isso acontece, todo mundo sai perdendo. Tentaram me cercar como uma tática de intimidação, mas convenhamos, eu sou IMENSA e aquilo não funcionou de jeito nenhum! A polícia veio até mim e pediu que os deixasse passar e ainda me disseram para não aborrecê-los e ainda me disseram que não deixasse que eles me irritassem. Disse aos guardas que não estava irritada, mas que IRIA me defender se fosse atacada e eles tinham que tirar aqueles caras da Parada. Então eu caminhei e peguei meu microfone e comecei a chamar a atenção das pessoas ao redor. Queria que fizessem uma grande e alegre algazarra para abafar o ódio… e, cara, foi o que fizeram! A multidão fez as paredes tremerem na esquina das ruas 4 e Pine!

"Um pouco depois de eu ouvi-lo citar o Levítico, eu declamei de volta todas as outras partes que ele estava deixando de lado para mostrar o quanto ele era hipócrita. É sempre interessante como esses malucos religiosos deturpam TUDO o que está na Bíblia e a distorcem à vontade para disseminar ÓDIO, quando tudo o que estão fazendo é na verdade demonstrar sua ignorância. Gritei, ‘Você NÃO TEM PODER aqui, suma antes que alguém atire uma casa sobre VOCÊ!’ Depois dele sairem acompanhados do itinerário da parada, percebi o quanto aquilo tinha me afetado. Estava tremendo e à beira de lágrimas, porque quando as pessoas cegamente odeiam e pregam esse ódio em público como fazem esses caras, eles não têm a menor consideração pela vida das pessoas que eles estão atingindo. "Há pessoas que tiram a própria vida por causa deste tip de ÓDIO, há pessoas que são ASSASSINADAS por causa deste tipo de ÓDIO. E eu só quero dar um basta a isso! Se esses instigadores do ÓDIO abaixassem seus cartazes e abrissem suas mentes e se ARREPENDESSEM de seus julgamentos, talvez então pudessem encontrar alegria e felicidade tornando-se parte da festa, ao invés de ser parte do Inferno.”

Fonte

Tradução: Lula Ramires

terça-feira, 3 de junho de 2014

Jogue com orgulho: celebrando a igualdade entre os atletas


Em tempos de Copa do Mundo, a campanha #JogueComOrgulho, lançada pelo Google, é um grande exemplo para as empresas e a sociedade em geral.

O Google lança hoje uma campanha global para a Copa do Mundo promovendo a igualdade racial e o fim do preconceito a homossexuais no esporte. A iniciativa ocorre uma semana depois de o Google divulgar um relatório que mostra que a maioria dos seus funcionários é homem e branca e admitir publicamente que tem um problema de desigualdade para resolver dentro da empresa.

"Essa campanha faz parte de uma grande iniciativa do Google de abraçar como causa a questão da diversidade e se posicionar contra os preconceitos por raça, gênero e a homofobia", disse o presidente do Google no Brasil, Fabio Coelho.

No último dia 29, o Google divulgou um relatório apontando que 70% dos seus 45 mil funcionários no mundo são homens. A presença das mulheres é menor ainda considerando apenas as aéreas de tecnologia (17%) e liderança (21%). Os trabalhadores do Google são, em sua maioria, brancos (61%) ou asiáticos (30%), considerando apenas o escritório dos Estados Unidos. Os negros e hispânicos representam apenas 5% da equipe. Não há dados sobre a divisão étnica dos cerca de 600 funcionários do Google no Brasil.

"O Google não está no lugar que nós gostaríamos quando olhamos a questão da diversidade e é difícil enfrentar esse desafio se você não estiver preparado para discutir isso abertamente", afirmou o vice-presidente sênior da área de recursos humanos do Google, Laszlo Bock, em publicação no blog corporativo que apresentou o diagnóstico sobre a equipe do Google.

Para o presidente do Google do Brasil, ao abrir seus números e admitir que tem um problema, a empresa dá um primeiro passo para se tornar mais inclusiva. "O Google vai ser uma empresa melhor quando sua equipe refletir de forma mais fiel a diversidade que existe na população", disse Coelho.

A companhia não tem cotas para recrutar minorias, mas diz que tem programas para fomentar o acesso à área de tecnologia dos grupos menos representados. Um exemplo é a criação de um programa que leva mulheres latinas à sede do Google no Vale do Silício para ter aulas de ciências da computação. Há iniciativas similares em universidades americanas com maior porcentual de alunos negros.

Para o consultor da empresa de recrutamento de executivos Exec, Rodrigo Foz Forte, a desigualdade racial e de gêneros nas empresas não é exclusividade do Google. "A qualificação é o que mais pesa na hora de contratar. As empresas não costumam pedir para priorizar ou restringir raças ou gêneros específicos", explica. Segundo ele, a desigualdade histórica de acesso a formação escolar de qualidade entre a população negra é um dos fatores que reduz sua presença no alto escalão.

Campanha. O Google divulgará no YouTube um vídeo contra o preconceito no esporte [acima]. O filme traz depoimentos de atletas brasileiros, como Neymar e Marta; dos astros do basquete Kobe Bryant e John Amaechi; e do jogador de futebol americano Michael Sam, o primeiro da liga americana a se assumir gay.

No Brasil, o Google passou a defender publicamente os diretos dos homossexuais em 2012, quando divulgou um vídeo com depoimentos dos funcionários a favor do casamento gay. A empresa participou oficialmente da Parada Gay em São Paulo nos últimos dois anos. "A polêmica existe e há algumas críticas. Mas resolvemos adotar a causa", diz Coelho. Questionado se isso não é uma estratégia de
marketing, o presidente do Google nega. "Não é marketing. É uma crença corporativa."

Fonte

segunda-feira, 26 de maio de 2014

Lançar fora o medo


"Este Túmulo sagrado convida-nos a lançar fora outro medo que é talvez o mais difuso na nossa era moderna, a saber, medo do outro, medo do que é diferente, medo do seguidor de outra fé, de outra religião, ou de outra confissão. O racismo e todas as outras formas de discriminação estão ainda espalhados em muitas das nossas sociedades contemporâneas; o pior é que, frequentemente, permeiam também a vida religiosa das pessoas. O fanatismo religioso já ameaça a paz em muitas regiões do globo, onde o próprio dom da vida é sacrificado no altar do ódio religioso."

- Patriarca Bartolomeu I, no encontro com o Papa Francisco

quinta-feira, 8 de maio de 2014

Clara e Marina, entre normas e absurdos

 
Via Facebook | Clique na imagem para ampliar

A propósito do casal "Clarina" na novela das nove da Gobo e sua repercussão por aí.

Uma mulher trocar marido e filho por outra mulher é "absurdo", como diz uma das imagens acima, porque que mulher pode se dar a liberdade de trocar o lugar que lhe cabe na sociedade por qualquer outro de sua escolha, e diferente do que dela se espera? Pior, que mulher pode se dar a liberdade de não gravitar em torno do modelo androcêntrico que ainda rege, em grande parte, nossas escolhas e relações?

Imagens como estas denunciam o quanto nossa cultura ainda é normativa, o quanto ainda é difícil sair dos padrões, a carga de recriminações e segregações que tantos ainda têm de suportar como preço a pagar por sua "emancipação". Porque, para aqueles que temos normas a seguir, "autonomia" e "autodeterminação" se confundem com "subversão" e "transgressão". O "prazer", quando escapa aos limites devidamente estabelecidos, se transforma em "devassidão". Mesmo os prazeres clandestinos, para serem tolerados, têm de obedecer às leis que regem o domínio das sombras.

O perigo é que, se trevas e luz não se misturam, a lógica da exclusão de tudo o que escapa às normas condena seus cumpridores a uma paranoia perpétua. Afinal, quanto mais populosa a terra das sombras, mais cercados e acuados estarão os habitantes da luz - ou "cidadãos de bem", ou "defensores da moral e dos bons costumes" (ou, como chamam jocosamente as fãs do casal Clarina, "a família brasileira"). E, no entanto, é por suas sombras que a sociedade normativa respira. São os marginais e clandestinos que insuflam ar novo nos quartos fechados e lubrificam as engrenagens enferrujadas, mesmo pagando caro por isso.

A visão de mundo por trás das imagens acima, muito mais do que "apenas" lesbofóbica e machista, é heteronômica, opressora e sufocante. Mas essas imagens só existem porque expressam a tensão da mudança. Na relação entre a Marina de Manoel Carlos e Clara (esse exemplo de mulher-mãe-e-dona-de-casa da "família tradicional"), dois mundos se chocam e tentam se encontrar. A paixão meio platônica que coloca as duas em algum lugar entre a sedução e essa estranha "amizade" que não ousa dizer seu nome evoca todas as hostes de amantes anônimos que, durante gerações, tiveram de se contentar com migalhas de afeto e fragmentos de ternura - por não terem o direito, como disse Marina um dia desses, de "competir com o amor dele no seu coração"; "ele", o cônjuge legítimo e devidamente nomeado, ao passo que tantos de nós tivemos, e temos ainda, de relegar a expressão e vivência do nosso desejo e do nosso afeto à invisibilidade e ao silêncio da culpa e dos inferninhos. Mas não é só isso. Na dança de encontros e desencontros entre as duas, como nos debates e embates entre correntes antagônicas nas “redes sociais”, vejo as tentativas de mundos antes mutuamente excludentes de negociar e encontrar uma saída da antinomia inclusão/exclusão.

Claro, a Rede Globo, em si, não está fazendo nenhum favor a ninguém. Mas tampouco está discriminando ninguém. O que a emissora de televisão revela é a carga de contradições, a ebulição da mudança no corpo social, a busca de superação da polarização. A história de Clara, Marina, Vanessa e Cadu é a história de todos nós, LGBTs ou não, em busca da terceira margem do rio onde nos libertaremos. Onde não teremos de ser nem anjos nem demônios, mas apenas humanos - cada qual um ser singular, com seu modo único de experimentar e expressar, da maneira mais autêntica possível, seu desejo e seu amor.

- Cristiana Serra, psicóloga e membro do Diversidade Católica

* * *
E o valor da discussão suscitada pelo casal da novela se confirma em vídeos como este:




quarta-feira, 7 de maio de 2014

E vivam as diferenças! ;-)



Todos os héteros são iguais só por serem héteros? Então, os LGBTs também não.

Por um mundo em que, mais que "tolerar" as diferenças, possamos celebrá-las! :-)

Beijos!

Cris

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Car@s Amig@s, um documentário - e o poder do diálogo




Celso Masotti é o autor do documentário Car@s Amig@s, lançado em janeiro, que fala de direitos humanos e tem as minorias LGBT como eixo para outras discussões (e conta com a participação de amigos queridos, como o Lula Ramires, da Pastoral da Diversidade de São Paulo, aos 29:50; o Rev. Marcio Retamero, da ICM, nosso aliado de primeira hora; e Sergio Viula, autor do livro "Em Busca de Mim Mesmo") - você pode assistir a uma prévia no vídeo acima. Pois hoje cedo o Celso postou a seguinte nota em seu Facebook: 

Quando recebo mensagens de estranhos normalmente eu já espero algum palavrão ou alguma ameaça pelo fato de, mesmo sendo heterossexual, ser um defensor ferrenho dos direitos LGBTs. Então, não é sempre que se recebe uma mensagem dessas. Então estou comemorando. E quero comemorar com todos vocês.

"Sr. Masotti. Olha, sou um cara bem comum e chato. Até o final do ano passado eu não gostava de muitas coisas, uma delas era de gay. Sempre achei que gay era um sem vergonha. Um babaca. Que dar a bunda era no mínimo feito por gente que não merecia ser chamado de gente. E sempre achei isso porque aprendi isso. Meu pai e minha mãe falavam isso. O pastor falava isso. Mas, nunca agredi ninguém. Eu cuspi uma vez em um gay. Então eu estava procurando no youtube uma animação pro meu sobrinho. Esta animação se chama Carros. Eu não sei se digitei errado ou algo assim, mas apareceu um filme que me pareceu estar com o título escrito errado. Tinha @ em seu nome. Demorei um pouco para entender que o @ estava no lugar do masculino e do feminino. Eu sou meio lerdo com as coisas, tá? Então eu resolti assistir e vi que falava de gays, lésbicas e desse povo que eu queria cuspir. Tive vontade de desligar o filme e continuar a busca pela animação do meu sobrinho. Mas, continuei. Depois que assisti tudo eu quis saber quem tinha feito o filme. Achei seu nome aqui no facebook. Bem, eu entrei em contato apenas para te agradecer porque eu aprendi com o filme. Ele me tocou. Comecei a ver que as pessoas talvez não tenham culpa por serem gays. Talvez elas venham ao mundo dessa maneira. Estou envergonhado pelo cuspe que lancei naquele cara. Estou me sentindo mal com o que fiz. E antes do filme eu não sentia. Achava que estava certo fazer o que fiz. Até bater era certo. Bem. É isso. Obrigado."

É um raio de esperança, que alimenta nossa crença no poder do diálogo... :-)

sábado, 8 de fevereiro de 2014

Coisa de bicha

Quando você aprende que existem "coisas de homem" e "coisas de mulher", e passa a ter a sua liberdade de desejo e escolha tolhida e condicionada por esses padrões, você está sendo esmagado pela misoginia e pela homofobia, meu amigo, e nem sabe. Mesmo que você não seja mulher. Mesmo que você não seja gay.

Como assinalou o jornalista Leonardo Sakamoto aqui, "Já atravessamos uma revolução sexual. Podemos fazer sexo de forma mais livre e com menos culpa que antes. Mas expressar nossos sentimentos é algo longe de acontecer livremente. (...) O homem é programado, desde pequeno, para que seja agressivo. Raramente a ele é dado o direito que considere normal oferecer carinho e afeto para outro amigo em público. Manifestar seus sentimentos é coisa de mina. Ou, pior, é coisa de bicha. De quem está fora do seu papel."

Trata-se de uma mudança de mentalidade, transformação sempre lenta e penosa. Tem quem não entenda a importância de defender os direitos das minorias - sejam os LGBTs, os negros, as mulheres, os deficientes ou qualquer outra. Inclusive os pobres, minorias políticas que têm seus direitos e sua voz cassados cotidianamente. Mas a violência que atinge um atinge todos. Se falta para uns a boa lei (aquela que define limites e deveres, a fim de estabelecer e assegurar os direitos), ela falta para todos.

Meu amigo Léo Rossetti cita este exemplo aqui, e comenta:

"A homofobia mata! E mata mesmo. Mata adultos e mata crianças. A homofobia mata nas ruas, mata a pontapés, mata com lâmpadas fluorescentes, mata com espancamentos, mata com decapitações, mata com requintes de crueldade... mas mata também crianças, crianças que não suportam o peso do preconceito e se juntam aos milhares de jovens e adultos que, sem conseguir fôlego pra viver, buscam na morte um alívio para seus dramas diários. Veja o caso desse menino de 11 anos que está entubado por tentar suicídio! O motivo? Gostar de um desenho que, na escola, era considerado um desenho de menina. A matéria em inglês (aqui) tem uma foto dele no leito do hospital. Nó na garganta"...

(A propósito, leia aqui sobre o projeto "Arte por Michael", de pessoas que se mobilizaram mandando desenhos e ilustrações de apoio ao garoto, como a que ilustra este post.)

A refletir.

Com amor,

Cris

PS (1): Caso queira se aprofundar no tema, sugiro também "O preço da masculinidade", da psicanalista Diana Corso (aqui) e "A homoafetividade dos heterossexuais", aqui.

PS (2): Claro, quando a gente luta por leis que assegurem nossos direitos políticos e protejam nossa cidadania, não podemos esquecer que mudança nenhuma acontece na base da canetada. Legislar, por si só, não muda os conceitos e preconceitos vigentes na sociedade. Mas a questão é o tanto de debate implicado no processo. Para uma lei chegar a ser aprovada, houve muito diálogo e muita negociação entre forças antagônicas antes, até se chegar a algum consenso sob a forma de lei. E, uma vez aprovada, a lei fomenta uma nova etapa de debate e diálogo para sua implementação. Ou seja: a lei é uma peça do processo mais amplo de transformação. 

domingo, 29 de dezembro de 2013

Com as bênçãos da Sagrada Família


Neste domingo em que celebramos a festa da Sagrada Família, reproduzimos aqui a bela reflexão de nosso amigo Teleny, em seu blog Retorno (G-A-Y), sobre a sacralidade de TODAS as famílias. Aqui, lembramos as palavras dos nossos amigos da Pastoral da Diversidade (SP) na carta que enviamos aos Bispos da Igreja Católica (saiba mais aqui, e assine a petição on-line aqui): "todos nós, como pessoas LGBT, filhas e filhos de Deus, nascemos no seio de famílias, das mais diversificadas, e todos nós buscamos viver em família, seja ela eletiva ou biológica. Como Católicos, sabemos que Nosso Senhor Jesus Cristo sempre promoveu e promove mais a família eletiva que a biológica. Ou seja, consideramos que o discurso Católico sobre a família nos toca profundamente, sobretudo porque estas palavras de Jesus nos ressoam: 'A minha mãe e os meus irmãos são os que ouvem a palavra de Deus e a põem em prática' (Lucas 8, 21). Temos as mais variadas experiências de vida familiar: para alguns de nós, o fato de sermos LGBT foi aceito com tranquilidade pelos nossos irmãos, pais, primos e outros. Para outros, o fato provocou – e continua provocando – muito sofrimento, seja em nossos parentes mais próximos, seja em nós mesmos. Em suma, queremos dizer que os dramas da vivência da fé em família não nos são alheios. Por isto, não podemos deixar de notar que, até agora, o discurso eclesiástico sobre a família nos trata como se fôssemos os inimigos da família, hostis de alguma forma à sobrevivência da mesma. Porém, nenhuma dinâmica familiar pode ser considerada saudável se alguém nela é tratado como ovelha negra (ou rosa). E isto nos leva a pedir que os Senhores não insistam em 'defender' a família contrapondo-a aos direitos e à estabilidade psíquica e espiritual das pessoas LGBT. Estas 'defesas' soam como forma de se imiscuir de maneira pouco evangélica em vivências familiares complexas em que todos sairiam ganhando se o assunto fosse tratado com honestidade, escuta, paciência e carinho."

Que a Sagrada Família nos inspire, a todos, um olhar mais amoroso e compassivo diante da história de cada um, de cada família, e nos ajude a enxergar, apesar das eventuais dificuldades e obstáculos, o amor do Pai que se expressa em toda a sua obra e se derrama sobre a vida de cada Filho/a/x por ele criado/a/x.

Segue o texto do amigo Teleny.


O domingo dentro da Oitava do Natal (e quando não há um domingo nesse período, é no dia 30 de dezembro), a Igreja celebra a festa da Sagrada Família. Os pregadores, em sua grande maioria, dedicam seus discursos à família contemporânea e destacam "as ameaças" sofridas por essa instituição que em si - sem dúvida - é um belíssimo projeto de Deus. Um dos equívocos mais frequentes é - digamos - a invertida direção do pensamento, ou seja: partindo do modelo (de família) considerado hoje "moralmente correto", tentam esticar a interpretação do mistério da criação, mencionando de passagem a Sagrada Família de Jesus Maria e José. É muito fácil deixar-se levar pelo tal discurso, porque os pregadores - além de tocarem no assunto que "mexe com qualquer um", misturam as afirmações certas com erradas e montam uma imagem que parece ser absolutamente perfeita. E de fato a visão é admirável... Mais ou menos como a de uma árvore de Natal. Ela nos comove e fascina, a ponto de esquecermos de que tanto a própria árvore, quanto o seu brilho, é tudo artificial. Estamos assim, igualmente, colocados diante de uma imagem artificial da família.

Vamos aos detalhes. O ponto de partida (do discurso) é uma família "perfeita" (dentro dos padrões ideológicos de hoje), isto é, formada pelo casal heterossexual, seus (não poucos) filhos e, talvez, os avós e alguns demais personagens. O casal, obrigatoriamente unido através do Sacramento do Matrimônio, permanece em maior fidelidade conjugal, aplica apenas os métodos naturais durante cada ato sexual e, quando chegar a hora, educa rigorosamente os filhos, inclusive sobre a "autêntica" sexualidade humana.

Esse ponto de partida para uma viagem bíblico-histórica ignora o fato de que ainda algumas décadas atrás, sob a bênção apostólica da Igreja, os pais escolhiam os maridos para suas filhas e os homens tratavam as suas mulheres como escravas (aliás, a própria escravidão, em seu sentido cruelmente literal, também possuía a mesma bênção). As pregações frisam a lei natural, da qual a única exceção é algum fato sobrenatural, bem como no caso de Maria Santíssima que ficou grávida antes de se casar com o seu castíssimo esposo, São José. O mesmo caso sobrenatural justifica a total ausência de procriação na Sagrada Família. Ainda assim, é exatamente essa Família de Nazaré (e de Belém) que está sendo apresentada como modelo de todas as famílias. Ou seja, as famílias que começam a sua existência no momento das núpcias e somente assim autorizadas por Deus para iniciarem a sua colaboração com Ele na geração de novas vidas, têm o seu modelo no (Santo) casal que teve a história particularmente diferente...

Talvez os próprios pregadores tenham percebido os pontos fracos dessa argumentação e por isso recorrem imediatamente ao fundamento de todas as coisas, isto e, à criação do ser humano, ou melhor, à formação do primeiro casal e à ordem de "povoarem a terra" através da procriação (literalmente, a "multiplicação"). Aí começa a "matança dos coelhos". E não são apenas dois com uma só cajadada. Na verdade, são muitos. O texto bíblico sobre Adão e Eva serve tanto para condenar o divórcio, quanto a monogamia e, principalmente "o homossexualismo" (sic!). Afinal, como diz a "sabedoria" popular, Deus criou Adão e Eva e não Adão e Ivo (sic! sic!)... Enfim, o discurso termina com a conclusão de que a ordem da criação, ferida pelo pecado, foi restaurada pelo fato do nascimento do Filho de Deus no seio de uma família...

Espero que, ao menos alguns pregadores, tenham o tempo de mencionar que Deus é amor e que - principalmente neste sentido - todos fomos criados à sua imagem e semelhança.

Quanto à criação, eu particularmente, vejo ali um princípio diferente que não tem nada a ver com a heterossexualidade. Basta ler o texto com atenção e sem "esticá-lo" ao tamanho do próprio preconceito. Vale lembrar de que não estamos diante de uma reportagem, mas recebemos de Deus, em forma alegórica (ou poética) a revelação sobre o mistério da nossa existência. Refiro-me, neste caso, ao texto do Livro do Gênesis, capítulo 2, versículos de 18 a 24, tendo como o "texto auxiliar" o Gn 1, 24-31, ou melhor, os dois primeiros capítulos inteiros.

Em primeiro lugar, Deus revela que criou o ser humano à sua imagem e semelhança (Gn 1, 26-27). Em seguida (eu diria, em consequência disso), Ele mesmo afirma que "não é bom que o homem esteja só" e logo encontra a solução: "vou dar-lhe uma ajuda que lhe seja adequada" (Gn 2, 18). Os detalhes a seguir considero muito importantes para ter uma conclusão correta e não criar as ideologias baseadas em qualquer tipo de fobias...

Acho belíssima a cena em que Deus leva ao homem todos os animais e este lhes dá o nome. De um lado parece ser um tribunal no qual o homem é o juiz, mas ao mesmo tempo, sem perceber, o próprio homem está sendo avaliado por Deus. Desde o início o ser humano é convidado para ser um parceiro ou colaborador de Deus. Desde então, o homem tem a prerrogativa de dar o nome a todas as coisas. Isso é magnífico. Pelo menos no início (sabemos quanto mal pode fazer o ato de atribuir o nome, ou o rótulo, às coisas e às pessoas!).

O próximo passo do Criador é misterioso. “Então o Senhor Deus mandou ao homem um profundo sono; e enquanto ele dormia, tomou-lhe uma costela e fechou com carne o seu lugar. E da costela que tinha tomado do homem, o Senhor Deus fez uma mulher, e levou-a para junto do homem” (Gn 2, 21-22). A reação do homem, desta vez, é diferente: “Eis agora aqui, disse o homem, o osso de meus ossos e a carne de minha carne; ela se chamará mulher, porque foi tomada do homem.” (Gn 2, 23), o que o autor bíblico conclui com a frase, citada inclusive por Jesus no Evangelho: "Por isso o homem deixa o seu pai e sua mãe para se unir à sua mulher; e já não são mais que uma só carne." (Gn 2, 24). Tudo parece óbvio. É o homem e a mulher. O que vem além disso, não pode ser de Deus... Será?

O contexto de toda aquela situação sugere que o homem se reconhece como tal e percebe a diferença entre a sua natureza e a dos animais. Ele é superior, é a questão de níveis diferentes. É nítido aqui o princípio do personalismo e não da heterossexualidade. Se Deus decidisse tomar a costela do homem para formar um outro homem, a resposta de Adão seria a mesma: “Eis agora aqui o osso de meus ossos e a carne de minha carne". Digo mais: essa resposta seria ainda mais rápida e com firmeza ainda maior. É como se Adão dissesse: "A minha solidão só pode ser preenchida por um outro ser humano, mas qualquer animal, por mais simpático que seja e me faça companhia, não é capaz de me complementar por inteiro". O sentido da criação de seres humanos com sexos diferentes está, evidentemente, em uma das principais tarefas confiadas a eles pelo Criador, isto e, de povoar a terra (cf. Gn 1, 28). Porém, essa não é a única maneira de dar o sentido a existência do ser humano. Se fosse a única, as pessoas não fariam mais nada, além de procriar. Aliás, não existiria, também, o celibato...

Terminando a minha reflexão neste dia da Sagrada Família, quero repetir mais uma vez: nós, os homossexuais, somos imensamente gratos às nossas famílias (e à instituição familiar como tal). Afinal, sem a família (por mais imperfeita que tenha sido) nenhum de nós existiria. Outra coisa importante: pelo fato de não procriarmos em nossos relacionamentos homossexuais, não pretendemos destruir a família, enquanto a célula fundamental da sociedade e da Igreja. Muito pelo contrário. Desejamos acrescentar a nossa própria experiência de amor e com ela enriquecer a convivência pacífica e fraterna de toda sociedade e da Igreja. Além disso, o glorioso exemplo da Sagrada Família de Jesus, Maria e José, ensina-nos e inspira para não desanimarmos diante das incompreensões, ameaças e perigos que o mundo atual, cheio de fobias e fundamentalismos, nos oferece...

- Teleny

sábado, 17 de agosto de 2013

Minorias e a arte da deflexão



Dia desses passei por um post na internet falando que as minorias estavam virando maioria. Li uma boa parte, tentando entender o argumento do escritor. Lá ele falava que as minorias em suas exigências tornavam-se tão arbitrárias quanto a maioria. Há um erro nesse tipo de julgamento - além da distorção óbvia: minorias não estão ficando arbitrárias, minorias são pessoas. Seres humanos com erros e acertos, seres humanos nem sempre equilibrados como quase todos os outros. Ora, se são seres humanos, não é porque eles reivindicam algo certo que eles terão que ser coerentes em todos os aspectos da vida.

Vejo muita gente achando-se correta ao dizer "as minorias já têm muitos direitos", porém esse raciocínio presumidamente lógico carece de um fator importante, que é o conhecimento de causa. É fácil afirmar que as minorias têm muitos direitos lendo leis e assistindo TV, porém, quando olhamos para o mundo além das letras impressas e das telas animadas percebemos que direitos é uma noção ainda utópica quando se fala de minoria.

Lei Maria da Penha, PLC 122 (me recuso a chamar um projeto de lei tão amplo de Lei contra Homofobia apenas), Constituição Brasileira, são alguns exemplos de textos utópicos aprovados por um Poder Legislativo incompetente, não executadas por um Poder Executivo parcial e não fiscalizadas por um Poder Jurídico fingido.

Então, antes de dizer que "as minorias tem direitos demais, mas, ei, não sou preconceituoso" ou algo similar, lembre-se que a cada 12 segundos uma mulher é estuprada. Setenta por cento dos gays de São Paulo já foram agredidos, há mais de 45 milhões de pessoas com deficiência e mais de 16 milhões de pessoas vivem abaixo da linha da pobreza no Brasil. As minorias não tem direitos assegurados, elas tem papéis carimbados e assinados.

São pequenas agressões diárias, pequenas piadas, pequenos desaforos que engrossam e embasam esses números. Quantas vezes você xingou, nem que fosse mentalmente, alguém de viado? Quantas vezes xingou uma pessoa de gorda? Ou pensou com desdém "só podia ser coisa de preto/pobre"? Já fiz todas as coisas acima, e o chocante é perceber que todas as vezes que falei algo assim foi automaticamente. Não houve um filtro entre o que meu consciente pensa e minha boca. Escapou o que mais tinha em meu subconsciente, eu que sou gorda, filha de negro pobre, criada na periferia e que tenho dezenas de amigos queridos que são gays. É muito triste perceber que por mais que tentemos nós acabamos reproduzindo aquilo que tanto nos falam. Aquilo que tanto criticamos.

Muita gente se incomoda com os ativistas radicais. Acham que eles são uns chatos que vêem preconceito em tudo quanto é lugar. O problema é que há preconceito em todo lugar, porém, a maioria das pessoas fica calada enquanto uns poucos corajosos colocam a boca no trombone chamando atenção para aquela situação. Os ativistas radicais são extremamente necessários, precisamos deles para incentivar os incomodados que temem, para cutucar aquela ferida que preferimos esconder ao invés de tratar. E quando um movimento começa a ganhar visibilidade a primeira coisa que quem quer manter o sistema faz é tentar descreditar o discurso dele. Apontam para falhas pessoais de seus líderes, para problemas na organização, aproveitam-se dos preconceitos para deslegitimar um movimento legítimo, usando balelas como esta de que as minorias já tem direitos demais.

Por isso afirmo que não há direito demais para as minorias. Há minorias demais para poucos direitos, respeito de menos para necessidades demasiadas. O seu direito só é reforçado no momento que um direito é assegurado para alguém que não o tinha, não o contrário. Não classifique direitos como algo econômico que quando um usufrui outro perde. Direito e respeito são coisas que podemos usar sem medo de acabar.

- Rebeca Duarte, no sempre excelente e imperdível Minoria é a Mãe

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

As novas famílias


Programa Justiça Seja Feita - As novas famílias, exibido pela TV Justiça em 06 de agosto de 2012.

(Fonte aqui)

quinta-feira, 7 de junho de 2012

"Deus sabe como o amo, e Ele a mim"

Foto: i can read

Nossa amiga Rosilene foi uma das pessoas que compartilharam conosco, no evento que realizamos domingo, um pouco de sua história e vivência como gay e católica. Aproveitamos esta oportunidade para dividir suas reflexões também com vocês.

Tenho 48 anos, sou cristã católica praticante e gay (talvez seja o contrário), mas nem sempre pude me afirmar assim. Desde bem pequena aprendi com meu pai a rezar. Me ensinou o Pai Nosso (que ensinava, naquela época, a rezar “Padre nosso que estais no céu...”), Ave Maria, Oração do Anjo da Guarda... Foi ele quem iniciou a minha formação católica. Aos três anos, como eu já sabia ler e escrever iniciei meus estudos na escola São José, na Vila Militar, no Rio de Janeiro, uma escola católica. Era um ambiente afetuoso e de muita compreensão. As irmãs incentivavam a minha precocidade estudantil e fertilizavam a minha relação com Deus. Foi um tempo excelente! Aos seis anos, com ardente desejo de comungar (mesmo ainda não tendo iniciado o catecismo), aproveitei a distração do meu pai, na missa, na hora da comunhão, e corri como um raio para frente do padre, que gentilmente me deu a comunhão. Nossa! Sinceramente eu senti um estado de céu que nunca mais na vida esquecerei.

Tudo transcorria muito bem. Cresci, e as mudanças comuns ocorriam com naturalidade. Mudei de escola, de paróquia, fiz novos amigos... Participava das diversas atividades da igreja juntamente com minha família. Tios, tias, e primos, todos participávamos na mesma paróquia. Então veio a adolescência e a descoberta da sexualidade que me causava a maior confusão na cabeça. Um dia perguntei a minha mãe “porque é que eu gosto muito das meninas?”. Na maior tranquilidade ela me respondeu “é a sua preferência”. Fiquei satisfeita com a resposta, e minha vida seguia. Não demorou muito até eu me dar conta da minha homossexualidade, e foi aí que começaram os meus problemas. Era um dilema pra mim, pois em casa tudo bem, mas no círculo religioso uma pessoa gay não poderia participar das atividades pastorais comuns, porque seria um mau exemplo de pecado. Que terrível era conviver com aquelas pessoas, sendo considerada pecaminosa e desajustada. Então, plenamente consciente que a minha condição sexual era diferente das demais pessoas de minha família, da escola e da igreja, decidi reprimir minha sexualidade (o que foi uma situação de caos em minha vida). Mas os questionamentos não me abandonavam. Foi então, que passando férias em outra localidade, procurei o pároco e numa confissão, contei-lhe tudo o que se passava comigo. Ele me recomendou muita penitência e que eu me entregasse a contínuas orações e levasse uma vida de castidade. Procurei seguir fielmente as orientações daquele pároco, durante algum tempo. Foi um período sombrio em minha vida, eu tinha 18 anos. Então passei a frequentar as missas de maneira discreta e a me afastar das ações pastorais.

Foi então que conheci uma religiosa que me apresentou ao Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro. Fiquei amiga de um monge que me atendia às vezes em que eu ia ao mosteiro. Então um dia, abri meu coração a ele e contei-lhe tudo o que se passava comigo. Falei-lhe quanto me sentia triste, sobretudo que parecia que Deus vivia a me perguntar “Tu me amas?”, e que Ele não me dava nenhuma esperança a minha resposta “Senhor, Tu sabes tudo, tu sabes que eu te amo”. Ele me olhou bem profundamente e me perguntou onde é que eu enxergava o Amor de Deus na minha vida. Com toda a convicção respondi “Na Encarnação de Jesus Cristo! ‘No princípio era o Verbo e o Verbo estava com Deus e o Verbo era Deus... O que foi feito nele era a vida, e a vida era a luz dos homens...’ “. “Então,” disse-me ele, “como você ainda não consegue enxergar esperança de que Deus te ama como você é?!”. Foi a minha libertação! Nada mais me aprisionou. Descobri que minha condição de ser homossexual não impede o amor de Deus, não me impede de praticar este amor, e nem me impede de praticar a religião cristã católica. Acolhi esta libertação como uma graça do Amor de Deus por mim. Retornei a igreja nos trabalhos pastorais com mais ardor, e é claro tive de superar obstáculos. Hoje com fé e confiança declaro como o Apóstolo “Há diversidade de dons, mas o Espírito é o mesmo; diversidade de ministérios, mas o Senhor é mesmo; diversos modos de ação, mas é o mesmo Deus que realiza tudo em todos”.

Deus, que sabe de tudo, sabe como o amo e Ele a mim. Paz e Bem!

- Rosilene Luiza

Homossexualidade e evangelização: desafios contemporâneos (4)



Foto: Tony Park

Começamos a publicar há três semanas (primeira parte aqui; segunda parte, aqui; terceira, aqui), em 6 partes (que você acessa na tag "Homossexualidade e evangelização"), o artigo "Homossexualidade e evangelização: desafios contemporâneos", do Pe. Luís Correa Lima, SJ, divulgado pelo Centro Loyola de Fé e Cultura, da PUC-Rio, como uma síntese do curso Diversidade Sexual, Cidadania e Fé Cristã, realizado em 2010 e 2011. O artigo, que sairá sempre às quintas-feiras pela manhã, tem como objetivo fornecer subsídios a religiosos e leigos, agentes de pastoral e outros para entender melhor e encontrar meios de lidar, dentro do contexto da Igreja Católica, com os desafios pastorais da relação e cuidado da população LGBT, no foco do acolhimento respeitoso e amoroso.

Castidade e lei natural
Convém tratar da castidade, contida nos Dez Mandamentos, e que constitui um importante conceito da moral. Originalmente o preceito é ‘não cometerás adultério’. Jesus, ao responder sobre o que se deve fazer para herdar a vida eterna, menciona não matar, não cometer adultério, não roubar, não levantar falso testemunho, não prejudicar ninguém, e honrar pai e mãe (Mc 10, 17-22). Os quatro primeiros preceitos estão no Decálogo. O preceito seguinte (não prejudicar ninguém) não está, mas ele resume os anteriores e lhes dá o verdadeiro sentido. São Paulo aprofunda e sintetiza esta questão: quem ama o próximo está cumprindo a lei, pois os mandamentos se resumem no amor ao próximo (Rm 13,8-10). Este é o espírito dos mandamentos e a sua chave de compreensão.

A castidade é definida hoje como a integração da sexualidade na pessoa, na sua unidade de corpo e alma (Catecismo da Igreja Católica, §2337). Esta integração é um caminho gradual, um crescimento pessoal em etapas, quepassa por fases marcadas pela imperfeição, e até pelo pecado (ibidem, §2343). Por isso, é preciso levar em conta a situação em que a pessoa se encontra, e os passos que ela pode e deve dar. Só pode haver integração bem sucedida neste campo se a pessoa viver em paz com a sua sexualidade, e amar o seu semelhante.

O teólogo Joseph Ratzinger tem uma importante contribuição para a reflexão sobre a castidade. Ela não é uma virtude fisiológica, mas social. Trata-se de humanizar a sexualidade, não de ‘naturalizá-la’. A sua humanização consiste em considerá-la não como um meio de satisfação privada, uma espécie de entorpecente ao alcance de todos, mas como um convite ao homem para que saia de si mesmo. A realização da sexualidade não adquire um valor ético quando se faz ‘conforme a natureza’, mas quando ocorre de acordo com a responsabilidade que tem o homem diante do homem, diante da comunidade humana e diante do futuro humano. Para avaliar a sexualidade, prossegue Ratzinger, pode-se dizer que ela reflete e concretiza o dilema fundamental do homem. Ela pode representar a total libertação do eu no tu, ou também a total alienação e fechamento no eu [“Hacia una teología del matrimonio”. Selecciones de teologia, nº35, 1970, p. 243].

Sobre a conformidade à natureza, é importante refletir sobre um outro conceito da moral que é a lei natural. O mundo é criação divina, feito segundo a razão do Criador (Logos), de modo a manifestar a Sua sabedoria. Há na criação uma racionalidade que pode ser conhecida pelo ser humano, e orientar a sua ação. Há uma lei inscrita no coração humano que orienta os seus juízos éticos (Rm 2, 12-16). Um recente documento da Igreja, da Comissão Teológica Interncional, trata deste assunto de maneira muito oportuna [Em busca de uma ética universal: novo olhar sobre a lei natural. Paulinas, 2009].

A expressão ‘lei natural’, segundo a Comissão, atualmente é fonte de numerosos mal-entendidos. Por vezes, ela evoca simplesmente uma submissão resignada e passiva às leis físicas da natureza, quando o ser humano busca, e com razão, dominar e orientar estes determinismos para o seu bem. Por vezes, ela é apresentada com um dom objetivo que se impõe de fora da consciência pessoal, independentemente do que elabora a razão e a subjetividade. Ela é suspeita de introduzir uma forma de heteronomia insuportável à dignidade da pessoa humana livre. Outras vezes também, ao longo de sua história, a teologia cristã justificou muito facilmente com a lei natural posições antropológicas que, em seguida, mostraram-se condicionadas pelo contexto histórico e cultural. Hoje, é importante propor a doutrina da lei natural em termos que manifestem melhor a dimensão pessoal e existencial da vida moral (Em busca..., nº10). Certamente aquela oposição de Ratzinger à ‘naturalização’ da sexualidade se refere a estes mal-entendidos sobre a lei natural.

Considerando uma sociedade pluralista como a nossa, prossegue o documento, a ciência moral não pode fornecer ao sujeito uma norma que se aplique de forma adequada e automática às situações concretas. Só a consciência do sujeito, o juízo de sua razão prática, pode formular a norma imediata da ação. Mas, ao mesmo tempo, não se deve deixar a consciência entregue à pura subjetividade. É preciso fazê-la adquirir as disposições intelectuais e afetivas que lhe abrem à verdade moral, para que seu juízo seja adequado. A lei natural não deve ser apresentada como um uma lista de preceitos definitivos e imutáveis, ou como conjunto de regras já constituído que se impõe previamente ao sujeito. Ela é uma fonte de inspiração objetiva para o seu processo de tomada de decisão, que é eminentemente pessoal. Esta fonte jorra sempre que se busca um fundamento objetivo para uma ética universal (Em busca..., nos59 e 113).

A Comissão reconhece também que a aplicação concreta de preceitos da lei natural adquire diferentes formas nas diversas culturas, ou mesmo em diferentes épocas dentro de uma mesma cultura. A reflexão moral evoluiu em questões como a escravatura, o empréstimo a juros, o duelo e a pena de morte. Coisas que eram permitas passaram a ser proibidas, e vice-versa. Há uma compreensão melhor da interpelação moral. A mudança da situação política ou econômica traz uma reavaliação das normas particulares que foram estabelecidas anteriormente (Em busca..., nº53).

A consciência do sujeito tem um peso decisivo, sobretudo em questões complexas. Este papel não deve ser esquecido ou subestimado. O Concílio Vaticano II afirmou o direito de a pessoa agir segundo a norma reta da sua consciência, e o dever de não agir contra ela. Nela está o ‘sacrário da pessoa’, onde Deus está presente e se manifesta. Pela fidelidade à voz da consciência, os cristãos estão unidos aos outros homens no dever de buscar a verdade, e de nela resolver os problemas morais que surgem na vida individual e social (Gaudium et spes, nº16). Nenhuma palavra externa substitui o juízo e a reflexão da própria consciência.

quarta-feira, 6 de junho de 2012

"Somos todos iguais. Ou não?"


Safo foi uma pensadora, considerada por Platão a décima musa. Mas então por que ela não foi reconhecida como tal na Grécia Antiga? Mulher não tinha vez. Seu único papel social era de reprodutora e “cuidadora” do lar. Trocando em miúdos, um bibelô dos homens. Ela se rebela, cria uma escola só para mulheres, em Mitilene, capital da Ilha de Lesbos, com ensinamentos de poesia, dança e música. Tal foi o preconceito quanto ao talento e às atitudes vanguardistas de Safo que precisaram lhe incutir algum “defeito”. Claro, corruptora de mulheres! Já que vivia cercada delas. A força dessa “medalha” foi tamanha que até hoje se define como “lésbica” a mulher que se relaciona sexualmente com outra. E se, em 1476, Leonardo da Vinci tivesse sido condenado à fogueira no Tribunal de Florença por crimes sodomitas (nome dado a homens que mantinham relações com outros homens)? O que a Humanidade teria perdido de obras artísticas, científicas e culturais?

Apenas dois exemplos, aparentemente distantes no tempo, para ilustrar esta caminhada. Por que permanece acesa essa fogueira da inquisição até o século XXI? Obama reconheceu. Que se apague esse fogo! O fogo do preconceito, que fique claro, mas que a chama da liberdade, do amor e da pluralidade arda incessantemente! Por falar em pluralidade, ela tem duas outras companheiras também regidas pela Constituição Federal: a dignidade e a igualdade. Se somos iguais perante a lei, por que a união de pessoas do mesmo sexo deve ser diferente?

Não estamos tratando de religião, como a palavra casamento pode soar aos nossos ouvidos. Tratamos aqui de um contrato especial de direito de família. Simples assim: vamos nos casar? Vamos ao cartório selar esta comunhão. Mas, até hoje, mesmo com alguns avanços jurídicos, não é bem assim. A união estável tem profundas diferenças do casamento civil. Neste, existe mudança do estado civil para casado, a intenção primordial da formação de família e direitos de proteção do cônjuge em caso de morte ou separação. Na união estável, trata-se de uma decisão judicial com exigência de que o casal recorra à justiça para tal reconhecimento.

Fundamentalistas se baseiam na ideia da existência exclusiva da formação de casal somente entre homem e mulher para condenar a aprovação do casamento igualitário. Só para lembrar, o casamento homossexual foi proibido pela primeira vez apenas no ano de 342 d.C. por um decreto romano. Até então era permitido. Ora, a escravidão era permitida legalmente até que a Lei Áurea foi assinada. Ora, as mulheres não tinham direito a voto até 1932. Hoje, elas chegam ao topo do poder de grandes nações. E imaginar que a gente nem votava há exatos 80 anos parece um completo absurdo! O mundo muda, as famílias mudaram, e as leis têm obrigação social de acompanhar essa evolução.

Até os contos de fadas sofreram mudanças e atualizações. Chapeuzinho Vermelho se transformou em “A Garota da Capa Vermelha”, uma versão noir da clássica neta e mocinha. Rapunzel virou animação bem-humorada em “Enrolados”, e “A Bela e a Fera” passou por uma profunda repaginada para se atualizar aos desejos deste público moderno.

Fiz a minha parte. Compus um conto de fadas com direito a castelo, dragão, duelos e cavaleiros, permeados por um amor capaz de vencer todos os obstáculos. É a história de “A Imperatriz e a Princesa”. Canção que encerra “Eu Raio X”, meu último álbum, e que, espero, traga a todos a inclusão que questiono aqui: dignidade, pluralidade e igualdade para que sejamos TODOS “tão felizes para sempre”!

- Isabella Taviani é cantora
Publicado originalmente no jornal O Globo. Reproduzido via Conteúdo Livre

sábado, 2 de junho de 2012

Pastor gay critica fundamentalistas e defende teologia inclusiva


Nosso amigo Marcio Retamero é teólogo, historiador e pastor presbiteriano, e participará da nossa mesa-redonda no nosso evento "O Amor de Cristo nos Uniu - Gays Cristãos na Igreja Católica", amanhã, dia 03/06 (saiba mais aqui), falando sobre "Homossexualidade e Bíblia".

(Fonte: Bule Voador)

Foi Deus quem mandou?

Do querido Murilo Araújo (em mais um editorial brilhante para o Vestiario.org), que já chegou no Rio de Janeiro e nos dará a alegria de participar do nosso evento amanhã (saiba mais aqui), partilhando conosco seu testemunho de gay cristão:
(...) me deparei com a seguinte notícia, hoje mais cedo: “Pastor diz em sermão que governo deveria matar homossexuais”. Minha primeira reação foi pensar: “como assim? Que ano é hoje? Inquisição, é você? Não, pera… Inquisição era coisa dos católicos, e o cara aí não é padre, é pastor.” Depois de me dar conta de que a história parecia verdadeira mesmo, de que estamos mesmo em 2012, minha segunda reação foi uma mistura de nojo e revolta. A terceira foi vir escrever. 
Sei que a crítica que essa figura precisa receber pode até parecer óbvia, sei que um cara desses merece nada mais que desprezo pela sua suprema imbecilidade, sei até que muita gente deve estar começando a encher o saco de me ver falar sempre dessa questão de religião no debate sobre homofobia. Mas desculpa, eu não consegui ficar na minha. Se me revolto só de pensar que ainda existe gente encarando a homossexualidade dessa maneira, imaginem o tamanho da indignação que me bate quando vejo uma suposta autoridade propagar esse tipo de discurso de ódio, com a mesma tranquilidade (e uma pitada a mais da veemência) com que mandaria as pessoas rezarem antes de dormir. 
E não é o primeiro caso: na semana passada, após Barack Obama ter defendido abertamente o casamento entre pessoas do mesmo sexo, o pastor Charles Worley, da Carolina do Norte, sugeriu que gays e lésbicas fossem trancados em campos de concentração, rodeados por cercas eletrificadas, como uma forma de se ver livre deles e delas – afinal de contas, isolados do resto do mundo, “eles não podem se reproduzir”. 
Desta vez, no mesmo estado (onde um referendo popular proibiu casamento e união civil entre homossexuais um dia antes da declaração de Obama), foi a vez do pastor Curtis Knapp ir ainda mais longe e defender morte. Assim, direto. Pelo menos teve a decência de esclarecer que a ideia não era dele, e mencionar o suposto autor original, ninguém mais ninguém menos que Ele, o “Todo-Poderoso”: “Você dirá: Oh, eu não posso acreditar, você é horrível. Você é um neanderthal. É disso que você está chamando Deus? Ele é um neanderthal? As Escrituras são a sua palavra ou não? Se é a sua palavra, ele ordenou. É sua ideia, não a minha. E eu não me envergonho disso. Ele disse que os colocará à morte. (…) Você tem uma ideia melhor? Uma ideia melhor do que a de Deus?”. 
E o que me deixa mais curioso nessa história é a apropriação indevida das tais boas ideias de Deus, usadas apenas na hora em que interessa. Duvido muito que estes mesmos pastores que invocaram a citação bíblica de Levítico para destilar sua homofobia deixem de comer moluscos quando queiram (Levítico 11, 10), ou de fazer a barba quando incomodar (Levítico 19, 27; Levítico 21, 5) ou ainda que ordenem que as mulheres de suas igrejas raspem as cabeças se não desejarem usar véus dentro dos templos (Carta de Paulo aos Coríntios 11, 6). Não é estranho ser fundamentalista para algumas coisas, relativizando outras com tanta tranquilidade
Penso na quantidade de fieis presentes dentro destas igrejas, ou até mesmo fora delas, que certamente sairão pelas ruas repetindo este tipo de discurso de ódio, e promovendo todo tipo de violência. Acho que todo mundo tem memórias de algum homofóbico (por menos religioso que seja) afirmando que Deus fez o homem para a mulher, como justificativa para não apoiar a igualdade de direitos. Isso para não falar dos muitos casos de espancamentos a chute, pedra e lâmpada. Ou dos constantes assassinatos – que é exatamente o que o tal pastor está querendo que o governo faça. 
E quem calará a boca destas figuras? Quem, se a sociedade também homofóbica dá a eles o direito de dizer as babaquices que quiserem, sob o suposto princípio da liberdade de expressão? É por essas e outras que ainda escrevo sobre este assunto. Se eles podem dizer aquilo que quiserem, ao menos precisamos nos preocupar em escancarar o preconceito e a intolerância. (...)


Leia também:
Porque nada justifica a homofobia. Nem a Bíblia
Leia o texto do Murilo na íntegra aqui

quinta-feira, 31 de maio de 2012

Homossexualidade e evangelização: desafios contemporâneos (3)

Foto: Tony Park

Começamos a publicar há duas semanas (veja a primeira parte aqui e a segunda, aqui), em 6 partes (que você acessa na tag "Homossexualidade e evangelização"), o artigo "Homossexualidade e evangelização: desafios contemporâneos", do Pe. Luís Correa Lima, SJ, divulgado pelo Centro Loyola de Fé e Cultura, da PUC-Rio, como uma síntese do curso Diversidade Sexual, Cidadania e Fé Cristã, realizado em 2010 e 2011. O artigo, que sairá sempre às quintas-feiras pela manhã, tem como objetivo fornecer subsídios a religiosos e leigos, agentes de pastoral e outros para entender melhor e encontrar meios de lidar, dentro do contexto da Igreja Católica, com os desafios pastorais da relação e cuidado da população LGBT, no foco do acolhimento respeitoso e amoroso.

A Sagrada Escritura
Com relação à Sagrada Escritura e a homossexualidade, convém ir além da leitura ao pé da letra. Há novas maneiras de se compreender os textos bíblicos, utilizando o método histórico-crítico que os situa em seus respectivos ambientes sócio-culturais, com seus modos de expressão próprios. A Igreja reconhece esta abordagem desde o tempo do papa Pio XII, e a aprofundou com o Concílio Vaticano II, ao mesmo tempo em que busca harmonizá-la com os conteúdos da fé.

A Revelação divina testemunhada na Bíblia é proposta e expressa de modos diversos, através de ‘gêneros literários’ históricos, proféticos, poéticos ou outros. Importa que o intérprete busque o sentido que os autores sagrados em determinadas circunstâncias, segundo as condições do seu tempo e da sua cultura, pretenderam exprimir servindo-se dos gêneros literários então usados. Para se entender corretamente o que os autores sagrados quiseram afirmar, devem-se levar em conta as maneiras próprias de sentir, dizer ou narrar em uso no tempo deles, como também os modos que se empregavam frequentemente nas relações entre os homens daquela época (Dei verbum, nº12).

No judaísmo antigo, acreditava-se que o homem e a mulher foram criados um para o outro, para se unirem e procriarem. Há uma espécie de heterossexualidade universal que está suposta, expressa no imperativo ‘crescei-vos e multiplicai-vos’. O livro que contem este preceito, o Gênesis (1,28), foi escrito no tempo do exílio judaico na Babilônia. Para o povo de Israel, expulso de sua terra e submetido a uma potência estrangeira, crescer era fundamental para a sobrevivência da nação e da religião. O sêmen do homem supostamente continha o ser humano inteiro em miniatura, e deveria ser colocado no ventre da mulher assim como a semente é depositada na terra. Não se conhecia o óvulo. O sêmen jamais deveria ser desperdiçado, como mostra a história de Onã, fulminado por Deus por causa deste tipo de transgressão (Gên 38,1-10).

É neste contexto que a relação sexual entre dois homens era considerada uma abominação. Israel devia se distinguir das outras nações de várias maneiras, pelo seu culto e por uma série de usos e costumes, segundo o código de santidade do livro do Levítico. Aí se inclui a proibição do homoerotismo (Lv 18,22). Proíbe-se também, e com rigor: trabalhar no sábado, comer carne de porco ou frutos do mar (ou qualquer animal marítimo ou fluvial que não tenha barbatanas e escamas), aparar o cabelo e a barba, tocar em mulher mestruada durante sete dias, usar roupa tecida com duas espécies de fio, semear no campo duas espécies de semente e acasalar animais de espécies diferentes. Quando o cristianismo se expandiu entre os povos não judeus, este código deixou de ser normativo, mas a proibição do homoerotismo permaneceu. A Igreja herdou a visão antropológica da heterossexualidade universal, com suas interdições.

O pecado de Sodoma foi recusar hospitalidade, levando à tentativa de estupro feita aos hóspedes do patriarca Ló. Com freqüência, o estupro era uma forma de humilhação imposta por exércitos vencedores aos vencidos. Originalmente, o delito de Sodoma era visto como “orgulho, alimentação excessiva, tranqüilidade ociosa e desamparo do pobre e do indigente”. Através do Profeta, o Senhor diz: “Tornaram-se arrogantes e cometeram abominações em minha presença” (Ez 16, 49-50). Posteriormente tal pecado foi identificado com o homoerotismo, mas na origem ele nada tem a ver com o amor entre pessoas do mesmo sexo, ou mesmo com as relações sexuais livremente consentidas entre pessoas do mesmo sexo.

Há um relato semelhante ao de Sodoma no livro dos Juízes (cap. 19 e 20). Um levita e sua concubina se hospedaram na cidade de Gabaá, da tribo de Benjamin. Os habitantes da cidade hostilizaram os visitantes e estupraram até a morte a concubina do levita. O Senhor suscitou os israelitas contra aquela cidade, e ela foi completamente destruída. Não se deve, a partir deste relato, condenar a heterossexualidade. O que se condena, tanto em Sodoma quanto em Gabaá, é a falta de hospitalidade e a hostilidade violenta para com a pessoa que vem de fora.

No Novo Testamento, a carta de São Paulo aos Romanos contém uma refutação do politeísmo (1,18-32). Os pagãos não adoravam o Deus único, mas as criaturas. E ainda permitiam o homoerotismo, que era abominação para os judeus. Este comportamento era visto como castigo divino pela prática religiosa errada: “Por tudo isso, Deus os entregou a paixões vergonhosas”. Outros escritos paulinos têm a mesma posição, associando o homoerotismo à idolatria e à irreligião (1 Cor 6, 9-11; 1 Tm 1, 8-11). No contexto judaicocristão da antiguidade, este argumento era compreensível. Não havia o que atualmente se entende por orientação sexual: uma característica constitutiva dos indivíduos que os faz gays ou héteros. É algo que nada a ver com a crença em um ou em vários deuses, ou com qualquer prática religiosa.

Muitas vezes estes textos bíblicos são usados sem a devida contextualização de sua época, sociedade e cultura; e sem a devida compreensão da situação presente, em um forte assédio moral contra pessoas homossexuais. Os norte-americanos chamam isto bible bullets, balas bíblicas. Elas são impiedosamente disparadas e ferem a autoestima das pessoas de modo devastador. A Palavra de Deus, fonte de vida em plenitude, acaba por gerar uma chaga profunda de sofrimento intenso, depressão e morte. É um terrorismo espiritual, face perversa do fundamentalismo religioso.

terça-feira, 29 de maio de 2012

Hospitalidade: um dom para o outro e para si mesmo


Praticar a hospitalidade traz consigo um dom inesperado: descobrimos que, dando espaço ao outro na nossa casa e no nosso coração, a sua presença não nos subtrai espaço vital, mas amplia os nossos ambientes e os nossos horizontes, assim como a sua partida não deixa um vazio, mas dilata o nosso coração até permitir-lhe abraçar o mundo inteiro.

A reflexão é do monge e teólogo italiano Enzo Bianchi, prior e fundador da Comunidade de Bose, em artigo publicado no jornal La Stampa, 25-05-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto, reproduzido via IHU.


"Não esqueçais a hospitalidade: alguns, praticando-a, acolheram anjos sem sabê-lo". Essa exortação da Epístola aos Hebreus nos lembra que a acolhida autêntica cria um diálogo fecundo de mudanças e de enriquecimentos para o hóspede, assim como o anfitrião: do diálogo, não saímos como havíamos entrado, e o desafio do diálogo requer a disponibilidade para empreender esse caminho.

No diálogo, surgem visões inéditas do outro, ganha espaço o fim do preconceito, a descoberta do que se tem em comum e também o que falta a cada um dos interlocutores. Ali ocorre a contaminação, o deslocamento das fronteiras: aquele outro que eu situava em uma dimensão remota se revela muito mais próximo e parecido comigo do que eu pensava. A fronteira permanece, mas não é mais um lugar de conflito ou de maus entendidos, mas sim de pacificação e de encontro. A hospitalidade, que exigiu que se ultrapassasse a soleira de uma casa, agora se aprofunda e se torna encontro entre humanos.

Certamente, se não se espera nada do outro, o diálogo já nasce morto: a suficiência, o querer bastar a si mesmo é de fato negação do outro, quer ele seja considerado como objeto a ser possuído, quer nos recusemos a vê-lo e a levá-lo em consideração. Mas, se aceitarmos a presença do outro, ainda mais se estivermos disposto a acolhê-lo como "hóspede interior", reconhecendo os seus traços presentes em nós, então explode a centelha do diálogo autêntico: damos tempo ao outro, trocam-se palavras que se tornam dons recíprocos.

O diá-logos, de fato, é uma palavra que se deixa atravessar por uma palavra outra, é um entrelaçamento de linguagens, de sentidos, de culturas: as interrogações do outro se tornam as minhas, as suas dúvidas incomodam as minhas certezas, as suas convicções interpelam as minhas. Então, descobriremos que, no diálogo, chegamos a expressar pensamentos jamais pensados antes, com a fascinante percepção de senti-los ao mesmo tempo como inauditos, embora familiares a nós mesmos, acabando por descobrir que temos há muito tempo entre as nossas mãos realidades que estávamos convencidos de ignorar.

É no diálogo, nesse lugar privilegiado em que cada um continua sendo ele mesmo e, ao mesmo tempo, aceita o risco de se tornar "outro", que o hóspede se torna a revelação de um dom que vem de "outro lugar", a descoberta de um ponto de vista inédito sobre a própria existência, o florescimento com palavras e gestos da interioridade que nos habita.

E tudo isso a partir de um gesto muito simples e concreto: o dar de beber e de comer ao hóspede. Sabemos que, nos países mediterrânicos, um copo de água ou uma xícara de café são o gesto mais espontâneo, mais imediato de hospitalidade. Mas hoje, na nossa sociedade, a mesa ainda é o centro, o polo em torno do qual se organiza a casa para que seja acolhedora?

Desde a sua primeira aparição na evolução das civilizações, a mesa se manifestou como lugar feito não só para comer, mas também para comunicar: se o alimento não é "falado", nutre apenas agressividade, violência e opressão. A mesa em comum com o hóspede é o espaço em que o alimento é compartilhado, e o comer se torna "convívio", ocasião de comunhão vital: é à mesa, à mesa compartilhada, que o ser humano tem a oportunidade, todas as vezes renovada, de se libertar do seu ser "devorador" – do alimento e do outro – e de se tornar mais uma vez, a cada dia, uma pessoa de comunhão.

A mesa é, de fato, o lugar em torno do qual o ser humano começou a fazer amizade, a criar sociedade, a estipular alianças. É ato comunal por excelência. Comer também é o comportamento humano mais carregado de simbolismo. Comer juntos, oferecer a própria comida ao hóspede, significa fazer com que o outro entre em uma comunhão muito profunda conosco.

De fato, "nós comemos o que a nossa mãe nos ensinou a comer. E não só isso – nos lembra Leo Moulin –, mas tal comida nos agrada e continuará agradando por toda a vida, porque nós comemos com as nossas recordações (...) Ou, melhor, nós comemos as nossas lembranças, porque nos dão segurança, temperadas como são por aquele afeto e por aquela ritualidade que caracterizaram os nosso primeiros anos de vida".

Isso também vale para a cultura-mãe, para a cultura em que fomos criados, para a cozinha particular daquela região ou daquela cidade que nós oferecemos ao hóspede (ou que vemos ser oferecida a nós). E entendemos também, descobrindo o desgosto que pode nos provocar a comida que nos é oferecida quando somos hóspedes ou as resistências que o outro manifesta diante dos alimentos que nós lhe oferecemos quando o hospedamos, como estamos enraizados em uma história particular e como é longo e cansativo o caminho rumo ao encontro com o outro.

Então, da partilha da palavra no diálogo e do alimento em torno de uma mesa, nasce um conhecimento novo do hóspede: aquele que era estranho, de quem se ignorava a proveniência, de quem custávamos a compreender a linguagem, agora se tornou alguém familiar, parte daquele círculo de pessoas e de mundos que constitui o "nosso" mundo, feito de semelhanças e de alteridades, de costumes e de novidades, de tradições recebidas e de novos caminhos tomados.

E esse elementos "socializante" da hospitalidade não deveria ser esquecido. Quando um de nós acolhe um outro, de fato, nunca está só: no meu acolher o outro sempre está comigo a minha história, as pessoas que a atravessaram, os encontros que a determinaram, a cultura que a orientou. Da mesma forma, o hóspede acolhido também não é um indivíduo fechado em si mesmo, nunca chega sozinho: consigo, ele traz o seu passado, as pessoas e os fatos que o fizeram sofrer ou alegrias, as esperanças e as decepções, o futuro esperado o o desconhecido.

Sim, no face a face de duas pessoas individuais, a hospitalidade também continua sendo o lugar comunitário por excelência: são dois mundos que se encontram através do entrelaçamento de dois olhares e do dialogar de dois rostos.

A hospitalidade é um dom! Dom a quem é hospedado, dom a quem hospeda. Certamente, a hospitalidade é apenas uma etapa, não pode ser traduzida em uma situação definitiva, porque ela sempre se dirige a novos interlocutores temporários que se voltam para a soleira da casa ou da cidade. A condição do hóspede é a de quem não permanece, senão se tornaria um membro e perderia a sua própria qualidade de forasteiro, estrangeiro, outro, peregrino: a hospitalidade é um rito de passagem, o dom temporário de um espaço.

Praticar a hospitalidade, então, trará consigo um dom inesperado: quase inadvertidamente acabaremos descobrindo que, dando espaço ao outro na nossa casa e no nosso coração, a sua presença não nos subtrai espaço vital, mas amplia os nossos ambientes e os nossos horizontes, assim como a sua partida não deixará um vazio, mas irá dilatar o nosso coração até permitir-lhe abraçar o mundo inteiro.

domingo, 27 de maio de 2012

Os gays também são vadias


"Olhando as belas de todas as idades se colocando contra o pior do sexismo, aquele que quer colocar limites e um lugar para mulher,  é impossível não pensar que se tem uma luta que se assemelha ao dos homossexuais e transgêneros é a da mulher.

A condenação da promiscuidade dos gays se assemelha ao caso das mulheres e não ao dos homens héteros que 'quanto mais rodados melhor'. A questão moral e asséptica em relação ao sexo é um fardo para a vida tanto das mulheres quanto dos gays que desejam ter liberdade, sexual inclusive. (...)


Este fato de internalizar o discurso do oponente ocorre com muita frequência com os gays como também entre as mulheres, principalmente com aquelas tristes mulheres que odeiam, não tem amizade e criticam as outras mulheres. As que não vadeiam.

Vendo as faixas da manifestação em São Paulo foi que vi como  as mulheres e gays estavam na mesma esfera de opressão. Basta trocarem algumas palavras que o sentido é o mesmo. A única que não podemos trocar é que somos todas vadias, com muito orgulho."

- Vitor Angelo, no Blogay (leia na íntegra aqui)



"Já atravessamos uma revolução sexual. Podemos fazer sexo de forma mais livre e com menos culpa que antes. Mas expressar nossos sentimentos é algo longe de acontecer livremente. (...) Chegou a hora de [os homens] passarmos por uma transformação afetiva, começar a entender que tem direito ao afeto, às emoções, a sentir. Passar a ser homem e não macho. Em outras palavras, o homem hetero precisa fazer sua revolução masculina.

Com isso, talvez entendessemos melhor o outro. Hoje, bater em 'vadia' e 'bicha' pode. Assim como em índio e 'mendigo'. E, na maioria das vezes, a culpa recai sobre a própria vítima. Afinal de contas, quem são eles para não se encaixarem? Quem são eles para acharem que podem ser melhores do eu, sendo diferentes do que aprendemos como o 'certo'? Bem-feito. Vestida assim, ela estava pedindo."

- Leonardo Sakamoto, em seu blog (leia na íntegra aqui)

Leia também:
10 vadias "históricas" do Brasil, por Xico Sá (aqui)

sexta-feira, 25 de maio de 2012

A escola na luta contra a homofobia


Dados alarmantes sobre discriminação a homossexuais na escola vieram à tona no 9° Seminário Nacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais - realizado na Câmara dos Deputados em 17 de maio de 2012, dia Internacional de Combate à Homofobia. Uma pequena (e triste) amostra:

- Mais de 40% dos homens homossexuais brasileiros já foram agredidos fisicamente durante a vida escolar, diz estudo da Unesco;
- Mais de um terço dos 15 mil alunos entrevistados para uma pesquisa da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) procuram não chegar perto de homossexuais;
- 21% acham que estudantes homossexuais não são normais;
- 26% dizem não aceitar a homossexualidade.

Também é desanimador constatar que possíveis mudanças a esse cenário estão em compasso de espera. O congelamento da discussão vem desde 2011, com o veto governamental ao material anti-homofobia (apelidado pelos críticos como "kit gay"), que os militantes da área veem como retrocesso.

Isso que não significa, claro, que as escolas estejam de braços cruzados. "Ações para a formação de professores sobre o tema têm sido disseminadas", afirma Cláudia Vianna, professora da Faculdade de Educação Universidade de São Paulo (USP) e especialista em Gênero e Educação . "Entretanto, os materiais relacionados estão diluídos pelo Brasil e partem de iniciativas de ONGs, que apenas em alguns casos são incentivadas pelo governo".

É preciso destacar, ainda, que o trabalho não acaba com a simples distribuição de um livro didático ou com a criação de uma disciplina que trate do assunto. Um trabalho eficaz, capaz de diminuir o preconceito à homossexualidade de modo a ultrapassar os muros da escola, deve permear todo o currículo e as situações de gestão de conflitos. O lado positivo é que já percorremos parte dessa trilha: desde a década de 1990, Educação Sexual é tema transversal previsto nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs). O lado ruim é que pouco disso saiu do papel. "Na prática, falta atenção à diversidade sexual e à percepção da sexualidade como resultado de um processo de socialização", argumenta Cláudia.

Retomar o caminho trilhado, portanto, é uma primeira providência indispensável ao combate à homofobia nas escolas. Também é preciso uma dose razoável de realismo. Afinal, o fim do problema depende de um longo processo de formação - não apenas dos alunos, mas também dos professores. Vale a reflexão: quantos docentes ainda acham que a homossexualidade é doença? "As mudanças com relação ao tema são lentas, porque envolvem valores sociais e disputa política por qualidade da Educação em diversos aspectos. Mas não podemos desistir delas", completa a especialista.

(Fonte: Nova Escola)
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