sexta-feira, 7 de setembro de 2012

As novas famílias


Programa Justiça Seja Feita - As novas famílias, exibido pela TV Justiça em 06 de agosto de 2012.

(Fonte aqui)

A Igreja conforme Jesus

Igreja da Sagrada Família (Barcelona), Gaudí 

"(...) Para Jesus, o reino de Deus não se manifestaria com demonstrações visíveis, mas invisíveis e interiores; seria um poder no olhar, no espírito, na existencialidade; seria algo somente discernível por quem tivesse nascido da água e do espírito; e que aconteceria sempre sob o signo do desprezo e das muitas batalhas.

Quanto a não permitir que qualquer impressão de supremacia da Igreja como Potestade se instalasse na mente dos Seus discípulos, Ele afirmou: 'Não será assim entre vós; antes, o maior seja o menor; o grande seja o que sirva; o poderoso seja o fraco do amor e da entrega'. E, lhes lavando os pés, disse: 'Compreendeis o que vos fiz? Eu vos dei o exemplo!'

(...) Jesus, no entanto, nos disse que a Igreja estaria aqui; e que testemunharia; e que morreria; e que não desistiria; e que não seria enganada; e que não viveria de contabilidades de poder humano; mas da força do Espírito e do olhar do Reino instalado nos corações de todos os que viram e entraram no Mistério do Indiscernível do Reino de Deus em sua atual manifestação não disponível ao mundo."

- Caio Fábio D'Araújo Filho, no blog A fé absurda, de Leonel D'Ávila - leia na íntegra aqui



quinta-feira, 6 de setembro de 2012

O povo me honra com os lábios, mas tem o coração longe de mim


Jesus pregava que acima da lei estava o amor. Ele não era contra a lei, pois sabia que dela advinha de todo o aprendizado de seu povo e da revelação de Deus em sua história. Era contra, sim, à vivência exagerada de um legalismo que acabava por afastar as pessoas, tal era o julgamento mútuo que impunha.

Por isso, em diversas passagens O veremos apoiando ações aparentemente contrárias às práticas dos judeus. Seus discípulos colherão espigas em dia de sábado e não lavaram as mãos antes de comer. Toda essa nova postura será considerada por muitos como uma afronta às leis. Jesus, porém, irá demonstrar que a lei maior é a lei do amor e por isso dirá que o maior mandamento será amar uns aos outros e que deste, todos os demais decorrerão.

As Suas palavras “o povo me honra com os lábios, mas tem o coração longe de mim” (Mc 7, 6) refletirão a necessidade de trazer no coração aquilo que é dito pela boca, ou seja, ter uma prática coerente com a palavra que prega, viver em testemunho constante daquilo que se acredita. Este é o Seu ensinamento que ainda hoje nos deve fazer pensar sobre nossa própria coerência de vida. Estamos vivendo um cristianismo testemunhal ou apenas pregamos palavras bonitas? Somos realmente agentes de transformação da sociedade ou vivemos uma fé morna, apenas justificada pela presença nas missas de domingo? Fazemos dos ritos uma real liturgia ou apenas estamos presentes para nos fazer vistos pelos demais?

Aproximar o coração de Cristo significa viver em plenitude os seus ensinamentos e tentar fazer de nossa vida um constante testemunho de nossa fé. Ainda que isso nos leve a ser repreendidos pelos demais, como Jesus e seus discípulos o foram, ainda que nos leve ao julgamento alheiro, ainda que nos aproxime da cruz. Porque é da aproximação com Jesus em seu sofrimento, que nos aproximaremos também de sua glória.


Texto para reflexão: Mc 7, 1-23
Autor: Gilda Carvalho

Via Amai-vos

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Setembro, mês da Bíblia: discípulos e missionários a partir do Evangelho de Marcos


O Mês da Bíblia surgiu em 1971, como iniciativa da Arquidiocese de Belo Horizonte e em 1985 a CNBB o estendeu a todas as Dioceses. Desde então, a Palavra se aproximou do nosso povo e o povo católico da Palavra de Deus.

O livro deste Mês da Bíblia é o Evangelho mais antigo, o de Marcos. O tema: Discípulos e missionários a partir do Evangelho de Marcos seguindo Jesus. O lema: Coragem! Levanta-te! Ele te chama (Mc 10,49). Levanta-te, para assumir a missão que Deus lhe confia!

Existe uma diferença entre a Palavra de Deus escrita e a Palavra de Deus revelada, imperativo pessoal de Deus para cada um. Telechea, no seu precioso livro Inácio de Loyola, sozinho e a pé, tem um frase paradigmática: Ele (Inácio de Loyla) é um perpétuo e sensivel ouvinte da Palavra de Deus, de uma palavra interior, rubricada pela alegria e pela paz, muito mais do que pela Palavra material (exterior!) da Bíblia... Sem esta escuta interior a Palavra de Deus na Bíblia fica oca e vazia, e não se concretiza.

Quando acolhemos esta Palavra interior como Boa Nova e a concretizamos, surge logo o conflito... Mas, não tenhas medo! Desse encontro e desencontros nos topamos com o mistério da Cruz, convidando-nos sempre a pôr a nossa fé e esperança no Senhor da Vida; no Senhor e não nas coisas ou pessoas que o rodeiam...

No horizonte, pois, dos 50 anos do Concílio Vaticano II e às portas do Ano da Fé (11/OUT/2012-24/NOV/2013) aproximemo-nos confiantes da Palavra de Deus para que, como discípulos e missionários possamos sempre amar e servir.

Uma pergunta: Somos ouvintes ou apenas leitores da Palavra de Deus?

- Pe. J. Ramón F. de la Cigoña sj, em seu blog Terra Boa

* * *

Oração para antes de ler a Bíblia

Jesus Mestre, que dissestes: “Onde dois ou mais estiverem reunidos em meu nome, eu aí estarei no meio deles”, ficai conosco, aqui reunidos para melhor meditar e comungar com vossa Palavra.

Sois o Mestre e a Verdade; iluminai-nos, para que melhor compreendamos as Sagradas Escrituras.

Sois o Guia e o Caminho: fazei-nos dóceis ao vosso seguimento. Sois a Vida: transformai nosso coração em terra boa, onde a Palavra de Deus produza frutos abundantes de santidade e de apostolado.

Amém.

(Oração extraída do livro ”O povo em oração”, compilação organizada por Maria Goretti Oliveira e Claudia Zem da Silva. Publicado pelas Edições Paulinas, em 1998. Via Amai-vos)

Saltar no escuro... e não olhar para trás


Depois, Jesus obrigou os discípulos a embarcar e a ir adiante para a outra margem, enquanto Ele despedia as multidões. Logo que as despediu, subiu a um monte para orar na solidão. E, chegada a noite, estava ali só. O barco encontrava-se já a várias centenas de metros da terra, açoitado pelas ondas, pois o vento era contrário. De madrugada, Jesus foi ter com eles, caminhando sobre o mar. Ao verem-no caminhar sobre o mar, os discípulos assustaram-se e disseram: «É um fantasma!» E gritaram com medo. No mesmo instante, Jesus falou-lhes, dizendo: «Tranquilizai-vos! Sou Eu! Não temais!» Pedro respondeu-lhe: «Se és Tu, Senhor, manda-me ir ter contigo sobre as águas.» «Vem» - disse-lhe Jesus. E Pedro, descendo do barco, caminhou sobre as águas para ir ter com Jesus. Mas, sentindo a violência do vento, teve medo e, começando a ir ao fundo, gritou: «Salva-me, Senhor!» Imediatamente Jesus estendeu-lhe a mão, segurou-o e disse-lhe: «Homem de pouca fé, porque duvidaste?» E, quando entraram no barco, o vento amainou. (Mateus 14, 22-32)

Às primeiras horas da madrugada, o som de um alarme de incêndio interrompeu o silêncio e, no momento exato, despertou uma família para o choque de ver a sua casa envolvida pelas chamas. Sem tempo para salvar o que quer que fosse a não ser as suas próprias vidas, desceram as escadas a correr e escaparam para a escuridão. Ainda a recuperar o fôlego, o Pai contava os filhos: «João, Ana, Maria, Miguel... – onde está o Miguel?»

Naquele preciso momento, Miguel, de cinco anos, chorava de uma das janelas do primeiro andar: «Mãe! Pai! Onde estão?»

Era demasiado tarde para voltar a entrar – a casa estava um inferno – pelo que o Pai respondeu: «Salta, Miguel, que eu te seguro».

Entre soluços, a criança chorava: «Mas eu não consigo te ver, pai!»

O pai respondeu-lhe calmamente: «Eu sei que não me consegues ver, filho, mas eu estou te vendo. Salta!»

Durante alguns instantes não houve nada a não ser o silêncio. Então o menino saltou para a escuridão e encontrou a segurança nos braços do pai.

* * *

Nós somos aquela criança, todos nós, todos os dias: apanhados no escuro, precisando e querendo saltar, mas incapazes de ver onde vamos cair, sentindo-nos sós e assustados. Somos também Pedro, querendo andar sobre a água em direção a Jesus, mas hesitamos e deixamo-nos submergir.

“O medo é inútil», disse muitas vezes Jesus. “O que é preciso é fé”. Está certo, mas a fé de que Ele fala não é o que muitos de nós pensamos. Não se tratam de abstrações teológicas. Trata-se de nos confiarmos às mãos de Deus porque sabemos que Ele nos ama mais do que nós nos amamos a nós mesmos.

Mas ainda que esta ideia esteja clara, podemos ainda ficar desorientados por pensarmos que, ao confiar em Deus, Ele nos protege do fracasso e da dor. A promessa não é essa. A promessa de Deus para aqueles que nEle confiam é esta: Ele dar-nos-á a força para enfrentar todos os problemas que surgirem, e nunca deixará que sejamos destruídos por eles, ainda que morramos.

Mas a fé tem ainda outro lado: os talentos e dons que Deus nos deu porque Ele teve fé em nós. Pedro perdeu a fé nos dons que Deus lhe havia dado e esperou que Deus resolvesse o problema. Resultado: afundou-se! Confiar em Deus significa também confiar nos seus dons. E confiar nos seus dons significa usá-los.

Há uma antiga expressão que diz: "Trabalha como se tudo dependesse de ti, e reza como se tudo dependesse de Deus". É precisamente o que é necessário, mas não é fácil aplicá-lo porque não conseguimos ver Deus, e demasiadas vezes não conseguimos ver os nossos dons. Pode ajudar recordar as palavras escritas há mais de 50 anos na parede do gueto de Varsóvia:

Acredito no sol, ainda que não brilhe.
Acredito no amor, ainda que não o sinta.
Acredito em Deus, ainda que não O veja.

Confie em Deus e confie nos dons que Ele lhe deu. Ou seja, use os seus dons. E então salte! E nunca olhe para trás!

- Mons. Dennis Clark
In Catholic Exchange
(Fonte: aqui)

terça-feira, 4 de setembro de 2012

O dia em que suspendemos nosso julgamento


Rosh Hashana é a experiência coletiva da passagem do tempo e Yom Kipur é o dia que procuramos entender o que esta passagem significa para cada um.

Rosh Hashana é sobre o destino, pois o tempo não para, enquanto Yom Kipur é sobre a liberdade, a possibilidade de exercermos a nossa capacidade de julgar, e de não julgar.

A passagem do tempo, apesar do que ele nos traz de perdas e sofrimento, nos abre a possibilidade de aprender coisas novas e expandir nossos sentimentos, essencial para suportar nossas limitações e criar um mundo melhor para nós mesmos e para os outros.

Somos privilegiados por vivermos uma situação sem penúria materiais que nos possibilita múltiplas formas de enriquecer nossa percepção do universo: viajando, lendo, amando, comendo coisas gostosas, conhecendo pessoas, ouvindo musica ou olhando uma obra de arte. Mas todas elas são extremamente limitadas se permanecemos fechados dentro de marcos estreitos de julgamento de nós mesmos e dos outros.

Pois quem julga de forma estreita mal enxerga a si mesmo, pensa que possui a verdade e exclui a possibilidade de outras formas de percepção da realidade.

Na tradição talmúdica o Yom Kipur é o dia em que Deus julga as pessoas, mas para os humanos que não temos contato com os desígnios divinos, como diz o significado da palavra Kipur, é um dia de reparação e reconciliação.

Reparação e reconciliação somente são possíveis se deixamos de julgar. Yom Kipur é, portanto, o dia em que suspendemos nosso julgamento.

Pois nada é mais opressivo do que depender do julgamento do outro.
E nada nos produz mais sofrimento que o julgamento sobre nós mesmos.
Julgar é sempre uma forma de querer que o outro seja igual a nos, e que nos atinjamos um ideal irrealizável.

Julgar sem antes compreender é a forma mais grave de ignorância, pois, ao ignorar o outro, ficamos fechados no nosso pequeno mundo.

Julgar sem antes refletir é medo de que outro nos mostre aspectos que nos deixam inseguros em relação a nos mesmos.

Yom Kipur é o dia que lembramos que muitas vezes julgamos não em função de valores de justiça, mas porque nos desagrada que o outro seja diferente a nos.

• É o dia em que jejuar significa desintoxicar-se de nossos julgamentos apressados.
• É o dia em que não precisamos perdoar, pois deixamos de julgar.
• É o dia em que não há expiação, pois não há culpa.
• É o dia em que não nos deixamos oprimir pela obsessão de dividir entre o certo e o errado e procuramos compreender.
• É o dia em que deixamos de culpar e nos culpar para termos mais compaixão conosco e com os que são diferentes a nós.
• É o dia em que não nos fechamos em sistemas rígidos que são sempre narcisistas e reconhecemos que vivemos numa zona cinza, porque nossos sentimentos são complexos e o ser humano é finito.
• É o dia em que aceitamos que não somos onipotentes e devemos fazer escolhas frágeis entre valores, interesses e afetos conflitantes.
• É o dia em que não há atos certos ou errados, mas só afirmação de melhorar nossa vida e a dos outros.
• É o dia em que podemos perdoar e nos perdoar porque paramos de julgar.

Porque a passagem do tempo nos permite amar e aprender, e ambos são o maior dom da vida, agradecemos:

Shehechyanu, ve´quimanau ve’higuianu lazman haze
Que vivemos, que existimos, que chegamos, a este momento.

- Bernardo Sorj, via Amai-vos

Enquanto adornas o templo, não desprezes o irmão que sofre


Por ocasião da morte de Carlo Maria Martini, sj (que noticiamos aqui), no último 31 de agosto, um de nossos membros compartilhou com o grupo o texto abaixo, das Homilias sobre Mateus, de São João Crisóstomo, bispo (Hom. 50,3-4: PG 58,508-509 - séc. IV):

Queres honrar o corpo de Cristo? Não o desprezes quando nu; não o honres aqui com vestes de seda e abandones fora no frio e na nudez o aflito. Pois aquele que disse: Isto é o meu corpo (Mt 26,26) e confirmou com o ato a palavra, é o mesmo que falou: Tu me viste faminto e não me alimentaste (cf. Mt 25,35); e: O que não fizeste a um destes mais pequeninos, não o fizeste a mim (cf. Mt 25,45). Este não tem necessidade de vestes, mas de corações puros, aquele, porém, precisa de grande cuidado.

Aprendamos, portanto, a raciocinar e a reverenciar a Cristo como lhe agrada. A honra mais agradável a quem se deseja honrar é aquela que ele prefere, não aquela que julgamos melhor. Pedro, por exemplo, julgava honrá-lo, não permitindo lavar-lhe os pés; mas o que queria não vinha a ser honra, mas exatamente o contrário. Assim, honra-o tu com a honra prescrita em lei, distribuindo tua fortuna com os pobres. Deus não precisa de vasos de ouro, mas de almas de ouro.

Digo isto, não para proibir que haja dádivas, mas que com elas e antes delas se dêem esmolas. Porque ele aceita aquelas, porém, muito mais estas. Daquelas só quem oferece tem lucro; destas, também aquele que recebe. Lá o dom parece ser ocasião de ostentação; aqui só pode ser compaixão e benignidade.

Que proveito haveria, se a mesa de Cristo está coberta de taças de ouro e ele próprio morre de fome? Sacia primeiro o faminto e, depois, do que sobrar, adorna sua mesa. Fazes um cálice de ouro e não dás um copo de água? Que necessidade há de cobrir a mesa com véus tecidos de ouro, se não lhe concederes nem mesmo a coberta necessária? Que lucro haverá? Dize-me: se vês alguém que precisa de alimento e, deixando-o lá, vais rodear a mesa, de ouro, será que te agradecerá ou, ao contrário, se indignará? Que acontecerá se ao vê-lo coberto de andrajos e morto de frio, deixando de dar as vestes, mandas levantar colunas douradas, declarando fazê-lo em sua honra? Não se julgaria isto objeto de zombaria e extrema afronta?

Pensa também isto a respeito de Cristo, quando errante e peregrino vagueia sem teto. Não o recebes como hóspede, mas ornas o pavimento, as paredes e os capitéis das colunas, prendes com cadeias de prata as lâmpadas, e a ele, preso em grilhões no cárcere, nem sequer te atreves a vê-lo. Torno a dizer que não proíbo tais adornos, mas que com eles haja também cuidado pelos outros. Ou melhor, exorto a que se faça isto em primeiro lugar. Daquilo, se alguém não o faz, jamais é acusado; isto porém, se alguém o negligencia, provoca-lhe a geena e fogo inextinguível, suplício com os demônios. Por conseguinte, enquanto adornas a casa, não desprezes o irmão aflito, pois ele é mais precioso que o templo.

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

10 argumentos a respeito da homossexualidade

O reverendo Jim Rigby é pastor da Igreja Presbiteriana de Santo André em Austin, Texas, e um ativista de longa data dos movimentos sociais e de uma maior justiça econômica. Ele defende os direitos dos negros, gays e de diversas minorias.

Abaixo ele escreveu dez argumentos que gostaria que os cristãos entendessem sobre a homossexualidade:


Fonte: Blogay

A dimensão do profundo: o espírito e a espiritualidade


"Tudo que acontece carrega, existencialmente, um caráter simbólico, ou podemos dizer até sacramental. Já observava finamente Goethe:”tudo o que é passageiro não é senão um sinal” (Alles Vergängliche ist nur ein Zeichen”). É da natureza do sinal-sacramento tornar presente um sentido maior, transcendente, realizá-lo na pessoa e faze-lo objeto de experiência. Neste sentido, todo evento nos relembra aquilo que vivenciamos e nutre nossa profundidade", escreve Leonardo Boff, filósofo, teólogo e escritor.

Segundo o teólogo, "Blaise Pascal que além de genial matemático era também místico, disse incisivamente; “é o coração que sente Deus, não a razão”. Este tipo de experiência transfigura tudo. Tudo se torna permeado de veneração e unção".

Eis o artigo, aqui reproduzido via IHU.


O ser humano não possui apenas exterioridade que é sua expressão corporal. Nem só interioriadade que é seu universo psíquico interior. Ele vem dotado também de profundidade que é sua dimensão espiritual.

O espírito não é uma parte do ser humano ao lado de outras. É o ser humano inteiro que por sua consciência se percebe partencendo ao Todo e como porção integrante dele. Pelo espírito temos a capacidade de ir além das meras aparências, do que vemos, escutamos, pensamos e amamos. Podemos apreender o outro lado das coisas, o seu profundo. As coisas não são apenas ‘coisas’. O espírito capta nelas símbolos e metáforas de uma outra realidade, presente nelas mas que não está circunscrita a elas, pois as desborda por todos os lados. Elas recordam, apontam e remetem à outra dimensão a que chamamos de profundidade.

Assim, uma montanha não é apenas uma montanha. Pelo fato de ser montanha, transmite o sentido da majestade. O mar evoca a grandiosidade, o céu estrelado, a imensidão, os vincos profundos do rosto de um ancião, à dura luta da vida e os olhos brilhantes de uma criança, o mistério da vida.

É próprio do ser humano, portador de espírito, perceber valores e significados e não apenas elencar fatos e ações. Com efeito, o que realmente conta para as pessoas, não são tanto as coisas que lhes acontecem mas o que elas significam para suas vidas e que tipo de experiências marcantes lhes proporcionaram.

Tudo que acontece carrega, existencialmente, um caráter simbólico, ou podemos dizer até sacramental. Já observava finamente Goethe:”tudo o que é passageiro não é senão um sinal” (Alles Vergängliche ist nur ein Zeichen”). É da natureza do sinal-sacramento tornar presente um sentido maior, transcendente, realizá-lo na pessoa e faze-lo objeto de experiência. Neste sentido, todo evento nos relembra aquilo que vivenciamos e nutre nossa profundidade.

É por isso que enchemos nossos lares com fotos e objetos amados de nossos pais, avós, familiares e amigos; de todos aqueles que entram em nossas vidas e que tem significado para nós. Pode ser a última camisa usada pelo pai que morreu de um enfarte fulminante com apenas 54 anos, o pente de madeira da avó querida que faleceu já há anos ou a folha seca dentro de um livro, enviada pelo namorado cheio de saudades. Estas coisas não são apenas objetos; são sacramentos que nos falam para o nosso profundo, nos lembram pessoas amadas ou acontecimentos significativos para nossas vidas

O espírito nos permite fazer uma experiência de não-dualidade, tão bem descrita pelo zenbudismo. “Você é o mundo, é o todo” dizem os Upanishads da Índia enquanto o guru aponta para o universo. Ou “Você é tudo” como muitos yogis dizem. O Reino de Deus (Malkuta d’Alaha ou ‘os Princípios Guias do Todo) estão dentro de vós” proclamou Jesus. Estas afirmações nos remetem a uma experiência viva ao invés de uma simples doutrina.

A experiência de base é que estamos ligados e religados (a raiz da palavra ‘religião’) uns aos outros e todos com a Fonte Originária. Um fio de energia, de vida e de sentido passa por todos os seres tornando-os um cosmos ao invés de caos, uma sinfonia ao invés de cacofonia. Blaise Pascal que além de genial matemático era também místico, disse incisivamente; “é o coração que sente Deus, não a razão” (Pensées, frag. 277). Este tipo de experiência transfigura tudo. Tudo se torna permeado de veneração e unção.

As religiões vivem desta experiência espiritual. Elas são posteriores a ela. Articulam-na em doutrinas, ritos, celebrações e caminhos éticos e espirituais. Sua função primordial é criar e oferecer as condições necessárias para permitir a todas as pessoas e comunidades de mergulharem na realidade divina e atingir uma experiência pessoal do Espírito Criador. Infelizmente muitas delas se tornaram doentes de fundamentalismo e de doutrinalismo que dificultam a experiência espiritual.

Esta experiência, precisamente por ser experiência e não doutrina, irradia serenidade e profunda paz, acompanhada pela ausência do medo. Sentimo-nos amados, abraçados e acolhidos pelo Seio Divino. O que nos acontece, acontece no seu amor. Mesmo a morte não nos mete medo; é assumida como parte da vida, como o grande momento alquímico da transformação que nos permite estar verdadeiramente no Todo, no coração de Deus. Precisamos passar pela morte para viver mais e melhor

domingo, 2 de setembro de 2012

Mas o que amo, amando-te?


“Mas o que amo, amando-Te? Não uma beleza corpórea, não uma graça transitória, não um fulgor como o da luz, que agrada a estes olhos, não doces melodias de cantos de todo tipo, não o suave perfume de flores, de unguentos e de aromas, não o maná e o mel, não membros joviais ao abraço carnal. Não são essas coisas que amo, amando o meu Deus. E, no entanto, por assim dizer, amo uma luz, uma voz, um perfume, um alimento e um abraço quando amo o meu Deus: luz, voz, perfume, alimento e abraço do homem interior que está em mim, onde resplandece em minha alma uma luz que não se dissipa no lugar, onde ressoa uma voz que o tempo não rouba, onde exala um perfume que o vento não dispersa, onde provo um sabor que a voracidade não reduz, onde me aperta um abraço que a saciedade nunca dissolve. É isso o que eu amo quando amo o meu Deus.”

- Santo Agostinho

(Fonte aqui)

Uma Palavra que se torna ação


O que quer dizer praticar a fé? Será que é primeiramente ir à missa no domingo? Será fazer preces e devoções? Não! Praticar a própria fé é ajudar aos desprovidos, é acolher os excluídos, é partilhar com os pobres.

A reflexão é de Raymond Gravel, padre da arquidiocese de Quebec, Canadá, publicada no sítio Réflexions de Raymond Gravel, comentando as leituras do 22° Domingo do Tempo Comum (2 de setembro de 2012). A tradução é de Susana Rocca.

Eis o texto, aqui reproduzido via IHU.


Referências bíblicas:
1ª leitura: Dt 4,1-2.6-8
2ª leitura: Jc 1,17-18.21.22.27
Evangelho: Tiago 7,1-8.14-15.21-23

Após a incursão sobre o discurso do Pão da Vida no evangelho de João, voltamos a São Marcos, o evangelista do ano B, que nos convida a refletir sobre o rosto de Deus traçado pelo Cristo da Páscoa. Nós devemos ouvir a Palavra, escutá-la atentamente, interpretá-la e atualizá-la a fim de nos alimentarmos para levá-la à prática. A Palavra deve se tornar Ação, Agir; caso negativo, ela é inútil. Infelizmente, como acontece frequentemente no caso da liturgia, foram cortados os versículos mais importantes do evangelho e da segunda leitura de hoje. São versículos que ilustram muito bem as mensagens que os autores quiseram entregar às suas comunidades.

Que rosto de Deus se desenha através da Palavra deste domingo? Um Deus que quer uma resposta livre da nossa parte, e não uma submissão alienante às regras e às doutrinas de Igreja. O exegeta Gérard Sindt escreve: “O nosso Deus é um Deus que quer homens livres e não escravos, que espera uma resposta filial e não uma submissão alienante. Não é a estrita observância de preceitos duvidáveis o que honra Deus, mas a fidelidade ao mandamento único: Amarás!”

1. Religião/Fé: O padre francês François Varone dizia que sempre devemos passar da religião à fé. Por quê? Porque a religião acaba afogando a fé até fazê-la morrer. Mas existe oposição entre os dois ou há complementaridade? O padre francês Léon Paillot escreve: “Religião ou fé? Eu creio que Jesus indica prioridades: não temos que colocar a carroça na frente dos bois. Certamente, a fé em estado puro não existe: ela se materializa em atitudes, em sentimentos, em gestos, em decisões. Na Igreja há ritos, devoções, formulações dogmáticas, estruturas que podem variar conforme as épocas e os lugares. Isso é normal. Mas o importante é não colocar essas formas que mudam antes do essencial, que é a fé, pois as formas só estão para encarná-la. O aparelho religioso não é o objetivo, e sim um meio que nos indica a direção para ir até o Outro”.

Se eu entendo bem o evangelho de hoje, o que Cristo denuncia é o fato de colocar a religião por baixo da fé. O que é mais importante? Comer com as mãos sujas por ter trabalhado, ajudado, reconfortado? Ou comer com as mãos limpas por não ter feito nada pelos outros? É verdade que podemos sujar as mãos e lavá-las antes de comer. É evidente! Mas não é essa a questão que Marcos levanta. O que o evangelista quer fazer compreender aos seus leitores é que as regras de pureza se tornaram tão importantes que os fariseus e os escribas não ousam fazer mais nada para não contrair uma impureza. É a regra, a religião e seus ritos que ficam por cima da fé e da prática.

O exemplo que São Marcos dá para ilustrar seu pensamento e que está cortado no lecionário deste domingo é o seguinte: Jesus diz aos fariseus e aos escribas: “Vocês são bastante espertos para deixar de lado o mandamento de Deus a fim de guardar as tradições de vocês’” (Mc 7,9). "Com efeito, Moisés ordenou: ‘Honre seu pai e sua mãe’" (Mc 7,10) (o que significa: ocupa-te deles, caso estejam precisando de ajuda). “Mas vocês ensinam que é lícito a alguém dizer a seu pai e à sua mãe: ‘O sustento que vocês poderiam receber de mim é Corbã, isto é, consagrado a Deus’” (Mc 7,11). “E essa pessoa fica dispensada de ajudar seu pai ou sua mãe” (Mc 7,12). “Assim vocês esvaziam a Palavra de Deus com a tradição que vocês transmitem. E vocês fazem muitas outras coisas como essas“ (Mc 7,13). Não é à toa que o Cristo do evangelho trata os fariseus e os escribas como hipócritas citando o profeta Isaias na versão grega dos Setenta: “Este povo me honra com os lábios, mas o coração deles está longe de mim. Não adianta nada eles me prestarem culto, porque ensinam preceitos humanos’"(Mc 7,6-7).

Ainda hoje não fazemos a mesma coisa na nossa Igreja? Anos atrás, um padre do Opus Dei me disse: “Tu, Raymond, tu és importante na Igreja. Tu acolhes os homossexuais, os divorciados casados novamente e todos os marginalizados... Eu lhe perguntei: Mas por que tu não fazes isso? E ele me respondeu: Eu não posso se eu quero permanecer fiel ao Magistério da Igreja”. Isso é horrível: o pároco está isento do mandamento do Amor, com a bênção das autoridades religiosas porque ele pertence ao Opus Dei. É exatamente o que São Marcos denunciava, no final do primeiro século, na sua comunidade cristã. E que dizer da falta de sacerdotes, hoje, para celebrar a Eucaristia? Prefere-se privar as pessoas desse sacramento a mudar as regras da ordenação sacerdotal. Quando fazemos isso, não estamos colocando a regra antes do essencial? E, finalmente, quando negamos às mulheres a plena igualdade com os homens na Igreja, somos culpados de uma grande injustiça que é, no entanto, corrigida por todas as sociedades civis avançadas. Como se faz para se esconder por detrás de uma tradição no intuito de justificar o injustificável? Afinal, o que é o essencial na fé cristã?

2. O essencial. A partir das leituras que nós temos hoje, há três coisas que são essenciais:

2.1. A liberdade: Deus nos quer livres. Ele está perto de nós; ele faz história conosco. A sua Palavra nos faz viver; ela restabelece a justiça. Não é esse o propósito do autor do livro do Deuteronômio? “De fato, que grande nação tem um Deus tão próximo, como Javé nosso Deus, todas as vezes que o invocamos? Que grande nação tem estatutos e normas tão justas como toda esta lei que eu lhes proponho hoje?” (Dt 4,7).

2.2. A prática: Na segunda leitura de hoje, Tiago nos diz que crer é agir antes que falar. “Por isso, deixem de lado qualquer imundície e sinal de malícia, e recebam com docilidade a Palavra que lhes foi plantada no coração e que pode salvá-los” (Tiago 1,21). Mas não podemos somente escutar a Palavra de Deus que germina em nós, precisamos também colocá-la em prática: “Sejam praticantes da Palavra, e não apenas ouvintes, iludindo a si mesmos“ (Tiago 1,22). O que quer dizer praticar a fé? Será que é primeiramente ir à missa no domingo? Será fazer preces e devoções? Não! Praticar a própria fé é ajudar aos desprovidos, é acolher os excluídos, é partilhar com os pobres: “Religião pura e sem mancha diante de Deus, nosso Pai, é esta: socorrer os órfãos e as viúvas em aflição, e manter-se livre da corrupção do mundo“ (Tiago 1,27). Quem são as viúvas e os órfãos de hoje?

2.3. O Amor: O Cristo do evangelho de Marcos repreende os fariseus e os escribas por não respeitar o mandamento de Deus, que é o mandamento do Amor. O homem é feito para amar e nada pode impedir-lhe de amar, é frequentemente o que sai dele que é contrário ao Amor: “O que vem de fora e entra numa pessoa não a torna impura; as coisas que saem de dentro da pessoa é que a tornam impura“ (Mc 7,15). Como diz Gérard Sindt: “Vale mais ter as mãos sujas do que não ter mãos!” Isso significa que devemos passar da palavra à ação. O exegeta francês Jean Debruynne acrescenta: “É bem fácil transformar regras em guarda-chuvas”. Isso nos protege dos outros, mas nos impede de intervir para acolher, acompanhar, socorrer, devolver a dignidade e restaurar a justiça para aquelas e aqueles que verdadeiramente precisam. Depois, após ter praticado a nossa fé, nós podemos vir celebrar, com as mãos limpas, o Amor que recebemos e partilhamos.

Para terminar, eu gostaria simplesmente de citar uma palavra do século que vem de Santo Antonio de Pádua: “A palavra é viva quando são as ações que falam. Eu vos peço: que as palavras que calem e que as ações nos falem. Estamos cheios de palavras, mas vazios de ações”.
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