sexta-feira, 14 de setembro de 2012

''É preciso revalorizar certas ênfases do Vaticano II''

Ilustração: Mattias Adolfsson

Há ênfases, perfeitamente fiéis à tradição cristã mais antiga, que, na obra do Vaticano II, apareceram como inovadoras. São aquelas mesmas ênfases que hoje não só se atenuam, mas também desaparecem muito frequentemente das palavras e das práticas de algumas de nossas comunidades.

Para expressar a condição comum dos crentes em Cristo, a Constituição Lumen Gentium coloca a igualdade em primeiro plano: "Reina, porém, igualdade entre todos quanto à dignidade e quanto à atuação, comum a todos os fiéis, em favor da edificação do corpo de Cristo" (n. 32). Fora dessa igualdade, haveria, de outra forma, cristãos de série A e cristãos de série B?

O Concílio não deixa de notar, no mesmo texto, a diferença das funções, e, entre essas funções, a do pastor. Por que falar tão pouco da igualdade e ter tão pouca audácia para vivê-la de maneira mais visível? Sem dúvida, por medo de "fazer desaparecer" os pastores na comunidade. Por uma insuficiente compreensão da verdadeira natureza das diferenças. E, definitivamente, por uma deplorável desvalorização daquele nome comum de "cristão" que os discípulos receberam um dia em Antioquia (Atos 11,26).

Mas o que haveria para nós, acima da honra de ser cristãos, isto é, de Cristo? Já foi dito, mas é preciso repetir: não há "supercristãos". Às vezes, ouvimos dizer: "Os cristãos e os pastores". Enunciar a distinção desse modo não faz nenhum sentido na lógica do cristianismo.

No decreto sobre o ministério e sobre a vida dos presbíteros, o Vaticano II nos lembra como o ministério dos padres é insubstituível: "Juntamente com os fiéis, são discípulos do Senhor (…) Regenerados com todos na fonte do Batismo, os presbíteros são irmãos entre os irmãos, membros de um só e mesmo corpo de Cristo cuja edificação a todos pertence" (n. 9). A relação de fraternidade é a mais fundamental, e, se não fosse visível na vida cotidiana, o aspecto de "paternidade espiritual" que o ministério pastoral comporta se desnaturalizaria perdendo o seu sentido evangélico: "Vocês têm um único Pai, e todos vocês são irmãos".

Durante o Ano Sacerdotal, na abundância das publicações, custamos muito a descobrir traços claros e insistentes desse importante lembrete conciliar. Do que temos medo? Precisamos de vocações para o ministério presbiteral. Acreditamos, talvez, que a valorização urgente dessa vocação pode ser fecunda e principalmente bem compreendida, se não levar seriamente em consideração o "retorno" do ministério do padre ao interior do povo de Deus, como a dinâmica Lumen Gentium lá o inclui?

No decreto sobre o ecumenismo, o Concílio recomenda uma apresentação da fé cristã que coloque no lugar certo, isto é, no centro, o que não está diretamente "em relação com os fundamentos da nossa fé" (n. 11). A esse respeito, fala de uma "hierarquia das verdades". As devoções têm a sua razão de ser. Ilustram às vezes de maneira oportuna um aspecto ou outro do Mistério cristão. Mas, em outros momentos, a excessiva e persistente atenção a certos aspectos acaba ocultando o que está no coração da Revelação de Deus em Jesus Cristo e, consequentemente, o que é comum entre confissões cristãs. A identidade católica manifestada por essas devoções nascidas ao longo dos séculos deve ser subordinada à especificidade cristã no que ela tem de essencial. É ela, acima de tudo, que é preciso fazer com que seja vista.

A Constituição Gaudium et Spes examina a originalidade da Igreja, que não pode ser reduzida a nenhum modelo político. Mas faz isso situando essa particularidade na sociedade em que a Igreja é solidária com todos os protagonistas da vida comum. O Concílio não hesita em apresentar a Igreja e a sociedade em situação de reciprocidade. O que a Igreja dá ao mundo não está desvinculado do que a Igreja recebe do mundo (nn. 41 a 44). É de Cristo mesmo que nós recebemos incessantemente o Evangelho da salvação para propô-lo ao mundo. É "da história e do gênero humano" que a Igreja recebe novas indicações para a sua presença efetiva entre os homens deste tempo. Não podemos usar como pretexto erros individuais e coletivos dos nossos contemporâneos para pôr a Igreja acima de uma sociedade que não teria nada a nos dizer.

A ideia democrática, por exemplo, não se aplica à Igreja do mesmo modo que na sociedade política. Ela pode e deve, no entanto, inspirar os modos de relação dentro da comunidade cristã. Não basta repetir abusivamente que "a Igreja não é uma democracia". Seria melhor mostrar o que um sadio espírito democrático pode oferecer de vivificante na atuação daquele "momento comum" que é a expressão do povo de Deus. Realmente acreditamos nesse "momento comum" em que o próprio Espírito "fala à Igreja"?

Essas ênfases certamente não esgotam a obra do Vaticano II. No entanto, é necessário revivificá-los se a Igreja quer que não se diluam aqueles elementos importantes da renovação desejada pelo Concílio. A verdadeira Tradição eclesial perderia, assim, em parte, o sopro que se manifestou há 50 anos e do qual a comunidade cristã, mais do que nunca, precisa para ser testemunha fiel do Espírito "renova a face da terra".

- Gaston Piétri, padre em Ajaccio, na França.
Artigo publicado no jornal La Croix, 25-08-2012.
Tradução: Moisés Sbardelotto.
Via IHU.

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Oração sem fé vai a pé


«Dois homens subiram ao templo para orar: um era fariseu e o outro, cobrador de impostos. O fariseu, de pé, fazia interiormente esta oração: ‘Ó Deus, dou-te graças por não ser como o resto dos homens, que são ladrões, injustos, adúlteros; nem como este cobrador de impostos. Jejuo duas vezes por semana e pago o dízimo de tudo quanto possuo.’ O cobrador de impostos, mantendo-se à distância, nem sequer ousava levantar os olhos ao céu; mas batia no peito, dizendo: ‘Ó Deus, tem piedade de mim, que sou pecador.’ Digo-vos: Este voltou justificado para sua casa, e o outro não. Porque todo aquele que se exalta será humilhado, e quem se humilha será exaltado.» (Lucas 18, 10-14)

Sherlock Holmes e o Dr. Watson acampavam na floresta. Estavam prestes a adormecer, deitados sob o céu estrelado, quando o detetive perguntou ao seu assistente: «Watson, observe: o que vê?».

«Vejo milhares e milhares de estrelas.»

«E o que é que isso quer dizer para você, Watson?»

«Quer dizer que, entre todos os planetas do universo, somos verdadeiramente afortunados por estar aqui na Terra. Somos pequenos aos olhos de Deus, mas muito especiais para o seu coração. E para você, Holmes, o que significa?»

«Significa que alguém roubou a nossa tenda!»

* * *

Desde a aurora da civilização esteve sempre presente uma interrogação inquietante: quem é que governa este vasto universo e como é que nós convivemos com ele?

As pessoas imaginavam que os deuses eram como os chefes das tribos e reis que conheciam: fortes e poderosos mas excêntricos, vingativos, caprichosos, não se importando com ninguém a não ser com eles próprios. Deuses assim precisavam de ser tratados como peças de porcelana e muitos presentes, subornos, incenso, ofertas imoladas e, sobretudo, imensas virgens sacrificadas em cerimónias solenes. A finalidade de tudo isto era amansar os deuses e tê-los sob controlo, de maneira a que as pessoas se pudesse distender e continuar as suas vidas.

Era tudo terrivelmente primitivo, mas é onde muitos continuam presos, tentando controlar e manipular um pequeno e não muito simpático Deus com subornos, promessas e observâncias religiosas desprovidas de adesão interior.

Foi aí que o fariseu ficou enclausurado, do lado de fora da vida, num sítio em parte nenhuma que ele pensava ser esplêndido. «Obrigado Deus», dizia, «não sou como o resto dos homens». Não percebia nada de Deus, de si próprio ou do essencial da vida.

Mas o cobrador de impostos, que ele havia desprezado, tinha a perceção correta: Deus não precisa de ser adulado, persuadido ou comprado. Ele já nos ama, ele já quer que sejamos felizes. E ele já sabe que nunca cresceremos inteiramente a não ser que nos ajude e perdoe constantemente.

Aquele pobre cobrador de impostos, permanecendo ao longe, com a cabeça inclinada, compreendeu o que está em jogo na oração e na devoção: a transformação interior com a ajuda de Deus. E o preço dessa mudança é simplesmente dizer a verdade, ou seja, ser humilde: Senhor, preciso de mudar, e para isso preciso da tua ajuda e do teu perdão em doses massivas.

Se a nossa oração e a nossa presença nas celebrações não nos estão a transformar, devíamos parar de perder o nosso tempo. Não significa deixar de rezar ou ir à igreja. Significa mudar o coração, abrindo-o a Deus nas questões essenciais da vida, prontos a pronunciar as palavras que têm de ser ditas com toda a verdade:

Senhor, preciso de mudar... muito. E para isso, preciso que me leves pela mão e não me deixes fugir, ainda que eu não possa andar depressa e ainda que continue a tropeçar. Eu confio em ti, Senhor. Sei que sabes por onde ir e eu estou pronto a mudar a minha direção e deixar que tu me mostres o caminho. Amen.

- P. Dennis Clark
In Catholic Exchange
Fonte aqui

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Talvez seja hora, e já passou, de sermos Igreja


Do portal de notícias Gospel+ (acesse e leia na íntegra), via Ide por toda a Web:

A reação de muitos já é bem conhecida, a maioria dos evangélicos encaram isto de forma negativa, se baseando no velho discurso que diz “caridade não salva ninguém, a salvação não é por obras mas pela fé”, o que na minha opinião é o discurso pronto para justificar a nossa indiferença social de forma santa, e, tem ainda uma parcela que chega a ser mais cara de pau e ainda diz, “ahh mas Jesus disse que sempre haverá pobres entre nós”, certo, e por isso tudo bem, cada um cuida do seu e o próximo, bom, eu tenho muito problema, prefiro agir tal como sacerdote e levita, virar o rosto para a miséria, pois, se eu não a vejo significa que não tem e eu não preciso fazer nada certo.

ERRADO!!!

Reino de Deus é formado por Samaritanos, aqueles que desviam do seu caminho para ajudar quem necessita, quem precisa, quem clama por justiça!

Entretanto a ação destas igrejas que optaram por não ter culto no templo para promover ação social choca uma grande maioria, pois, não é de hoje que o domingo para os Cristãos, é, tal como o sábado para os Judeus, e, nele só se deve prestar culto na casa do Senhor, fora disto você é um desviado sem Deus, todavia, para eu acredito que eles não cancelaram culto nenhum, porém, prestaram um tão verdadeiro quanto se estivessem reunidos em um templo.

Como disse um dos pastores destas igrejas, “as igrejas tem a tendência de dizer, “‘ei pessoas venham até nós”‘, eu concordo com ele e ainda faço um adendo, pois, dizemos as pessoas “Ei venham até nós”, porém, raramente vamos até elas.

Jesus disse, “venham a mim os cansados e os sobrecarregados…”, porém, o Senhor nunca deixou de ir ate os cansados e sobrecarregados!

Pense nisto, talvez seja hora, e já passou, de Sermos igreja!!!

Fiquem na paz.

terça-feira, 11 de setembro de 2012

Ceia contextualizada


Do Ide por toda a Web:

Na última ceia de Jesus com seus discípulos estão a mesa todos aqueles que religiosamente falando são excluídos, a começar pelo simples fato de que todos naquela mesa não puderam seguir um rabino, pois, não passaram pelas fases de estudos conhecidas no sistema judaico da época, “Beit Sefer” primeiro, “Beit Talmud” segundo e tão pouco pelo “Beit Midrash” terceiro nível, pois, não eram intelectualmente capazes de prosseguir nos estudos da torah, sendo assim, por exemplo os pescadores na mesa com Jesus tiveram que seguir a profissão da família mesmo por não serem capazes, sem contar os cobradores de impostos que também acompanhavam Jesus na partilha do pão e do vinho, completamente mal visto e mal quistos pelos religiosos da época.

Evidente que Jesus não estava nem um pouco preocupado por seus discípulos serem excluídos pela religião, tão pouco preocupado com o antigo ditado que diz, “diga-me com quem tu andas, que te direi quem tu és”, ate mesmo por esta conduta Jesus já tinha sido também chamado de bêbado e guloso, somente porque comia na casa e participava das festas daqueles que os religiosos nem perto queriam chegar, porém, destes Jesus convivia com intimidade.

Interessante é que na pintura de Da Vinci representando a última ceia de Jesus, a mesa esta cheia de cálices, entretanto, na palestina na época de Jesus não era bem assim, neste tipo de ceia, o vinho era dividido entre todos no mesmo recipiente, o que me faz pensar em tantas coisas, porém, quero dividir apenas um pesamento:

“Será que tal como Jesus, nós estamos preparados para dividir a mesma mesa com os excluídos pela religião, e, não somente se assentar na mesma mesa, mas, dividir do mesmo copo o vinho?”

Pense em todos aqueles que pela religião são condenados e julgados, por seu comportamento, por sua sexualidade, cor, etnia, crença e se a resposta for Não, por que então não estamos preparados?!

Acredito e tenho fé de que um dos grandes ensinamentos deste momento da vida de Jesus é que não importam as nossas diferenças, pois, elas não devem nos separar mas sim em amor nos unir.

Suas instruções naquele dia foi para que quando cearmos, dividirmos a mesa, que assim seja feita em sua memória, por isso, quando penso em Jesus neste momento me vem a mente que naquela mesa ninguém foi excluído, nem aquele que minutos depois iria trai-lo, tão pouco aquele que horas depois iria nega-lo, porém, todos puderam dividir o seu corpo e o seu sangue representados naquela ceia.

E ainda ouso pensar que tal gesto realizado por Jesus, este de dividir o pão e o vinho dizendo “este é o meu corpo e o meu sangue que será entregue por todos vocês”, queira significar que o Senhor prefere ser divido ao meio para que não haja mais divisão entre nós, pois, somos todos irmãos.

Graça e Paz a todos!!!

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Deus é guerreiro?


“Assim como a ideologia, o ateísmo ou não importa qual convicção humana, o monoteísmo corre o risco a todo o momento de ser apadrinhado pelas violências. Mas Deus não tem nada a ver com isso...”, escreve Jean-Claude Guillebaud em sua coluna na revista francesa La Vie, edição n. 3489, 12 a 18 de julho de 2012. A tradução é do Cepat.

Jean-Claude Guillebaud é jornalista, escritor e ensaísta. É autor de, entre outros livros, A tirania do prazer, A reinvenção do mundo. Um adeus ao século II e A força da convicção. Em que podemos crer, todos publicados pela Bertrand Brasil. Também O princípio de humanidade, editado pela Ideias e Letras.

Eis o artigo, aqui reproduzido via IHU.


Uma ideia retorna incessantemente nos comentários midiáticos: a pretensa vocação dos três monoteísmos (judeu, cristão e muçulmano) para gerar violência. Esta ideia nunca foi tão generalizada quanto hoje. Ela tornou-se o ruído de fundo da época. É em nome desta pretensa violência que se diaboliza o religioso em geral. E o monoteísmo em particular.

Aponto, como prova, a tendência em confessionalizar a maioria dos atuais conflitos. Do Iraque ao Afeganistão, da Palestina à Irlanda do Norte, os homens fazem a guerra em nome de Deus. Aí se encontraria a verdadeira fonte da violência. Ao diabo a religião! Paremos de lhe dar crédito e a paz voltará sobre a terra.

Ora, esta ideia muito na moda não resiste ao exame. Para dizer a verdade, ela é inclusive um pouco tonta. Porque, enfim!, os sangrentos conflitos do século XX relacionavam-se a duas ideologias – stalinismo de um lado, hitlerismo de outro – que tinham em comum o fato de serem ateias. Pode-se afirmar que o conflito entre Israel e Palestina é uma guerra confessional entre o judaísmo e o islamismo? Certamente que não. Quanto aos textos sagrados, se a Bíblia e o Corão estão efetivamente cheios de relatos guerreiros, o mesmo vale para o Upanishad ou a Bhagavad-Gita que fundam não um monoteísmo mas o politeísmo hindu.

Certamente, a religião corre a todo o momento o risco de tornar-se agressiva e guerreira. A ideia de que há um só Deus e uma só verdade pode exacerbar as paixões daqueles que instrumentalizam a religião. Mas esse perigo não é exclusivo do monoteísmo. O politeísmo dos gregos cantado e recantado pelos adversários da tradição bíblica não era pacífico, longe disso. As guerras entre Esparta e Atenas que, de 431 até 404 a.C., assolaram o Peloponeso estão entre as mais selvagens. Tucídides, que venceu essas guerras, conta todo o horror. Quanto à Esparta, ela era tudo menos não violenta.

Publicado em 2009, um livro do historiador alemão das religiões Jan Assman examina essa pretensa ligação entre a violência e o monoteísmo dos povos do Livro. Aí ele responde com uma erudição iluminadora (Violence et monothéisme, Bayard). Vou citar apenas uma frase de sua conclusão: “Atualmente, após mais de 2.000 anos, é importante mostrar claramente que a violência não está absolutamente inscrita no monoteísmo como uma consequência necessária”.

Assim como a ideologia, o ateísmo ou não importa qual convicção humana, o monoteísmo corre o risco a todo o momento de ser apadrinhado pelas violências. Mas Deus não tem nada a ver com isso...
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