terça-feira, 27 de setembro de 2011

Bento XVI: "A abertura da Igreja deve prevalecer sobre a institucionalização"

Estêncil: Bovey Lee

Num post de domingo passado sobre a leitura do Evangelho de domingo (uma linda reflexão sobre o que é a ação verdadeiramente justa e inspirada pela fé, que você pode ler aqui), respondemos ao Ricardo Cavalcante, leitor que nos fez o seguinte questionamento: "Como podemos defender uma fé que nos reprime e pesa nossa cruz?" - e nos remeteu a um artigo sobre um pronunciamento do Papa Bento XVI, em sua recente visita à Alemanha, cujo título era "Papa diz que católicos não podem aceitar casamento gay".

Entre outras coisas, dissemos o seguinte:


"É preciso tomar enorme cuidado com a forma como a imprensa de modo geral, veículos LGBT e veículos de comunicação cristãos mais fundamentalistas transmitem os pronunciamentos do Magistério. Muitas vezes, ocorrem distorções graves, piorando ainda mais uma situação que já não é, de fato, das mais confortáveis.


Dito isso, e procurando-se ter uma perspectiva mais realista e bem contextualizada das palavras das autoridades do clero, há que se entender que a Igreja mudou muito ao longo da história - e é uma LONGA história, ao longo da qual muitas transformações se acumularam -, que as mudanças continuam acontecendo, e, principalmente, que as mudanças acontecem da base para o topo. Isso quer dizer que é a partir das vozes dos leigos que a Igreja se transforma com o tempo, a fim de cumprir sua vocação de atender as necessidades espirituais de seus membros.


Acreditamos que há muitos motivos para, apesar dos tempos difíceis que correm, termos esperança. Cada vez mais vozes, tanto no Magistério quanto entre leigos e teólogos, religiosos ou não, vêm questionando a doutrina católica com relação à homossexualidade. Há muita movimentação acontecendo, e muitas transformações por vir."

Para nossa surpresa, e como que confirmando nossas palavras, nos deparamos hoje com esta nota sobre o tal discurso do Papa na Alemanha. De todo o discurso, a maioria dos veículos, LGBT e fundamentalistas, vem destacando o fato de que o Papa vetou a realização imediata de reformas, sobretudo no tocante a uma possível revisão da doutrina católica acerca de o homoerotismo ser um comportamento desordenado (e NÃO um pecado, nunca é demais lembrar. Mais esclarecimentos aqui).

Porém, em meio a tantas matérias que ressaltam tudo o que o Papa disse que não mudará na Igreja agora, eis que nos caiu nas mãos um relato mais completo e isento de seu último discurso em sua visita ao país; um discurso em que ele salienta que há necessidade de mudança, sim, e que a principal e mais urgente delas é que a Igreja deixe de ter como objetivo principal "os valores do mundo" - o poder pelo poder, a institucionalização pela institucionalização, a riqueza pela riqueza - e se abra para sua missão original de reconduzir cada pessoa a si mesma e ao encontro com Deus, abraçando sua vocação para a pobreza e reconhecendo que "a Igreja não são apenas os outros, não é apenas a hierarquia, o Papa e os Bispos; a Igreja somos nós todos, os batizados".

A Igreja não pode, tampouco, partir para a reforma pela reforma; há que realimentar e reacender o fogo do Espírito onde ele é mais necessário: em seu próprio coração. Por mais que se diga que as mudanças não são para agora, e por mais que não vejamos nenhuma transformação concreta ainda no horizonte, a mudança já está acontecendo, aqui e agora. Vale a leitura para ver que, como dissemos ao Ricardo, temos motivos, sim, para ter esperança.

Eis a matéria:


Se a Igreja pretende realizar plenamente sua missão, deve “destacar-se da mundanidade”, fazendo que o chamado à abertura prevaleça sobre a atenção à organização e à institucionalização.

Esta foi a mensagem do Papa, no Konzerthaus de Freiburg, aos católicos comprometidos na Igreja e na sociedade, no último encontro da sua visita de quatro dias à Alemanha.

“Assistimos, há decênios – disse o Pontífice em seu discurso, o mais longo dos pronunciados nesta 21ª viagem apostólica, a terceira à sua pátria –, a uma diminuição da prática religiosa, constatamos o crescente afastamento duma parte notável de batizados da vida da Igreja.”

“Surge a pergunta: Porventura não deverá a Igreja mudar? Não deverá ela, nos seus serviços e nas suas estruturas, adaptar-se ao tempo presente, para chegar às pessoas de hoje que vivem em estado de busca e na dúvida?

“Uma vez alguém instou a beata Madre Teresa a dizer qual seria, segundo ela, a primeira coisa a mudar na Igreja. A sua reposta foi: tu e eu!”, recordou.

“Este pequeno episódio evidencia-nos duas coisas: por um lado, a Religiosa pretendeu dizer ao seu interlocutor que a Igreja não são apenas os outros, não é apenas a hierarquia, o Papa e os Bispos; a Igreja somos nós todos, os baptizados. Por outro lado, Madre Teresa parte efetivamente do pressuposto de que há motivos para uma mudança. Há uma necessidade de mudança. Cada cristão e a comunidade dos crentes são chamados a uma contínua conversão”, explicou.

O Pontífice se perguntou, portanto, em que consiste esta renovação. “Mas, no caso da Igreja, o motivo fundamental da mudança é a missão apostólica dos discípulos e da própria Igreja. (…) A Igreja deve verificar incessantemente a sua fidelidade a esta missão”.

O Papa advertiu que, “por causa das pretensões e condicionamentos do mundo, o testemunho fica muitas vezes ofuscado, são alienadas as relações e acaba relativizada a mensagem”.

Para cumprir a sua missão, a Igreja deve “continuamente manter a distância do seu ambiente, deve por assim dizer 'desmundanizar-se'”.

Duas tendências
A Igreja deve seu ser à permuta desigual entre Deus e o homem. “Encontra o seu sentido exclusivamente no compromisso de ser instrumento da redenção, de permear o mundo com a palavra de Deus e de o transformar introduzindo-o na união de amor com Deus.”

Neste sentido, afirmou, “está sempre em movimento, deve colocar-se continuamente ao serviço da missão que recebeu do Senhor”.

No entanto, advertiu, existe “uma tendência contrária, ou seja, a de uma Igreja que se acomoda neste mundo, torna-se auto-suficiente e adapta-se aos critérios do mundo. Deste modo, dá uma importância maior, não ao seu chamamento à abertura, mas à organização e à institucionalização”.

Por isso, a Igreja “deve esforçar-se sem cessar por destacar-se da mundanidade do mundo” e, neste sentido, “a história vem em ajuda da Igreja com as diversas épocas de secularização, que contribuíram de modo essencial para a sua purificação e reforma interior”.

Secularização, positiva
“De fato, as secularizações – sejam elas a expropriação de bens da Igreja, o cancelamento de privilégios, ou coisas semelhantes – sempre significaram uma profunda libertação da Igreja de formas de mundanidade: despojava-se, por assim dizer, da sua riqueza terrena e voltava a abraçar plenamente a sua pobreza terrena.”

Assim, explicou, “liberta do seu fardo material e político, a Igreja pode dedicar-se melhor e de modo verdadeiramente cristão ao mundo inteiro, pode estar verdadeiramente aberta ao mundo. Pode de novo viver, com mais agilidade, a sua vocação ao ministério da adoração de Deus e ao serviço do próximo”.

A Igreja se abre ao mundo, “não para obter a adesão dos homens a uma instituição com as suas próprias pretensões de poder, mas sim para os fazer reentrar em si mesmos e, deste modo, conduzi-los a Deus”.

Diante dos escândalos
Neste sentido, o Papa lamentou que os escândalos atuais relacionados ao clero tenham ensombrecido a mensagem da Igreja.

“Cria-se uma situação perigosa, quando estes escândalos ocupam o lugar do skandalon primordial da Cruz tornando-o assim inacessível, isto é, quando escondem a verdadeira exigência cristã por trás da incongruência dos seus mensageiros”, advertiu o Papa.

Por isso, sublinhou a necessidade de “depor tudo aquilo que seja apenas táctica e procurar a plena sinceridade, que não descura nem reprime nada da verdade do nosso hoje, mas realiza a fé plenamente no hoje vivendo-a precisa e totalmente na sobriedade do hoje, levando-a à sua plena identidade, tirando dela aquilo que só na aparência é fé, não passando na verdade de convenções e hábitos nossos.

“Uma Igreja aliviada dos elementos mundanos é capaz de comunicar aos homens, precisamente no âmbito sociocaritativo – tanto aos que sofrem como àqueles que os ajudam –, a força vital particular da fé cristã”, concluiu.

- Fonte: Zenit
Reproduzido via Amai-vos, com grifos nossos

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