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quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

O Estado em nome de Deus


Para entender que vídeo é este, veja, abaixo, 
o segundo comentário de Conceição Lemes.

Esse caso do veto do Ministério da Saúde ao vídeo direcionado ao público gay da campanha de prevenção às DST-Aids para o Carnaval 2012 tem dado pano pra manga, e com razão. Em meio a boatos, equívocos, desmentidos e "mentidos" do Ministério da Saúde, fizemos um breve levantamento do que se está dizendo por aí.

E, por favor, não deixe de ler o comentário de Beto Volpe, que deixamos lá para o final.


"As campanhas do Ministério da Saúde procuram destacar as especificidades daqueles segmentos da população que se encontram mais expostos ao HIV e dar holofote à vulnerabilidade provocada pelo preconceito e pela negação de seus direitos. Assim, já estiveram em destaque as mulheres, a população negra, as pessoas idosas, as jovens, entre outros.

Como faz habitualmente, ainda no final de 2011, o Ministério constituiu um grupo de trabalho composto por especialistas em prevenção, técnicos em comunicação, representantes da sociedade civil, dos jovens e do movimento gay, que acertaram qual seria o segmento prioritário e as estratégias de comunicação.

Decidiu-se por uma campanha que fosse clara o bastante sem ser vulgar, em que os jovens gays se enxergassem sem estereótipos, que falasse de camisinha, da necessidade de portá-la e de não se esquecer de usá-la. Era importante tomar cuidado com os atores e sua interpretação para não haver dúvidas de que eram gays e que a relação deles chegaria à necessidade do preservativo.

Com essas orientações, abriu-se um processo de licitação em que 12 propostas criativas foram analisadas antes da escolha final. A partir daí, o Ministério realizou dez grupos focais com jovens, gays e heteros, onde se ajustaram detalhes da criação e se fizeram recomendações e alertas.

Não é a primeira vez que os jovens gays são alvos da campanha da Aids. O Ministério da Saúde já produziu filmes que contemplavam os gays em 2007 e 2010, sempre dividindo o foco principal com outros jovens.

Lamentavelmente, quase ninguém viu esses filmes, uma vez que a grade de programação era pequena e concentrava-se em horários de baixa audiência, ao contrário da versão heterossexual, destacada nos horários nobres.

A perplexidade diante da suspensão da divulgação do vídeo lançado pelo ministro Padilha, no último dia 2, revela que a homofobia institucional não escolhe ideologia e que o que orienta as decisões governamentais são acordos políticos e interesses eleitorais, mesmo que isso custe vidas e imploda toda uma política de saúde pública democrática, construída com base em evidências."

- Oswaldo Braga, em seu blog


"O que pega é a desculpa do Ministério da Saúde e de seu ministro Alexandre Padilha – o mesmo que teve enfrentamento em janeiro desse ano com as feministas que eram contra o cadastro das grávidas e Dilma (só depois de muita pressão e porque iria ficar bem mal para sua imagem de defensora das mulheres) voltou atrás e vetou - que decidiram retirar o vídeo no site do ministério e da publicidade em TV aberta.

Segundo a Folha, o ministério acredita que a postagem do vídeo no portal foi 'um equívoco'. Mas o grande equívoco é assistirmos a mais uma atitude hipócrita de um Governo em relação aos homossexuais desse país. Mais uma negligência de uma esquerda que diz ter compromisso com os Direitos Humanos, mas na verdade está muito mais comprometida com o que há de mais asqueroso no poder: a falta de fibra pra realmente mudar o estado de coisas de uma minoria que é agredida constantemente nas ruas."

- Vitor Angelo, no Blogay (Folha de S. Paulo)


"Tolerância é bom. Porém, legal mesmo não é apenas tolerar, mas acreditar que as diferenças tornam o mundo mais interessante e rico do que a monotonia monocromática da velha ditadura comportamental a que estamos subjugados pela religião, pela tradição, pelo preconceito.

Dizem que falta informação e, por isso, temos uma sociedade que pensa de forma tão tacanha. Que não temos contato com o 'outro' e, portanto, continuamos a temê-lo. Mas e quando a informação sobre o outro não flui por medo dos atores públicos que deveriam tornar isso possível? É difícil ser vanguarda na defesa dos direitos humanos, eu sei. Mas o governo pode se esforçar um pouco mais.

Afinal de contas, que mensagem o poder público quer passar barrando a divulgação em massa de campanhas de saúde destinadas aos gays que não se escondam atrás de nossa vergonha heterossexual e mostrem a realidade como ela é? Dois gays ficando em uma balada é uma cena que não difere de um homem e uma mulher na mesma situação – ao contrário do que os autores de novelas querem passar, com aquelas cenas platônicas ridículas, quando envolvem duas pessoas do mesmo sexo, feitas para não ofender os membros da TFP na sala de jantar."

- Leonardo Sakamoto, no Blog do Sakamoto, com grifos nossos


"Temos que nos posicionar enfaticamente, não contra o Departamento [de DST, Aids e Hepatites Virais] que tem suas limitações de decisão, mas contra o próprio Ministro que, de cara limpa, fez um discursos bonitinho para a mídia e plateia (...) e, como já vem se tornando uma marca da sua gestão, mudou de rumo mal apagaram os holofotes."

- CEDUS, via Tantas Notícias


"Os dois movimentos [militantes e ONGs LGBT e de Aids] vão caminhar juntos nessa questão. Inclusive no que diz respeito às denúncias que serão feitas tanto aqui – por exemplo, ao Ministério Público Federal — quanto internacionalmente, em órgãos de defesa dos direitos humanos.

Para quem desconhece os bastidores dos dois movimentos, saiba que essa associação é fato raro, pois, em geral, eles atuam separadamente. Mas a repercussão à proibição do filme foi tão grande entre os seus militantes que a campanha de prevenção à aids no Carnaval 2012 conseguiu a proeza de juntá-los numa mesma luta."

- Conceição Lemes, no Vi o Mundo - inclui a íntegra da nota da ABGLT


"Como repórter especializada na área de saúde há 30 anos, acompanho a epidemia de HIV/aids desde os anos 80. Já vi muitas campanhas de prevenção da transmissão sexual do HIV/aids e garanto: o novo filme [vídeo do início deste post] é medíocre, só pra cumprir tabela; é uma das piores campanhas de carnaval já vistas em toda a história do programa de aids brasileiro.

(...) 'Esse vídeo burocrático, sem criatividade, apenas com dados do boletim epidemiológico, feito de improviso, a toque de caixa, só comprova que houve censura e veto à campanha original', denuncia Mario Scheffer, ativista da luta contra a aids e presidente do da luta contra a aids e presidente do Grupo Pela Vidda-SP (ONG aids fundada em 1989). 'A censura imposta ao vídeo original é clara demonstração de discriminação e violação aos direitos dos homossexuais, população altamente vulnerável à infecção pelo HIV e que demanda, portanto, campanha de saúde pública de grande alcance. Essa discriminação imposta aos gays, dentro do próprio governo, é co- responsável pelo crescimento da epidemia nessa população.'

(...) 'O Ministério da Saúde se rendeu à patrulha religiosa dos fundamentalistas e aos conservadores de plantão da base aliada que tanto influenciam as decisões governo hoje', afirma Scheffer. 'No ano passado, aconteceu a mesma coisa. A campanha do Ministério da Saúde prevista para 1 de dezembro, Dia Mundial de Luta Contra a Aids, iria abordar os jovens gays. Mas o tema foi ‘abortado’, dando lugar a uma campanha genérica sobre preconceito.'

Mario Scheffer não fala apenas como ativista. Tem expertise em Saúde Pública e Comunicação; é sanitarista, pesquisador na área e pós-doutor em Ciências pela Faculdade de Medicina da USP .

'A abordagem não pode estar restrita a peças especificas para guetos, como quer o ministro Padilha ao veicular o vídeo só em locais de freqüência gay', argumenta. 'A divulgação em larga escala do filme abordando gays e prevenção do HIV é importantíssima, porque ele enfrenta um problema de saúde pública que estão jogando pra debaixo do tapete.'

Primeiro, porque jovem gay 'não existe' socialmente. Jamais uma pesquisa vai trazer quantos jovens se declaram homossexuais. Ao se referir à adolescência, os testemunhos de gays adultos quase sempre evocam sentimentos que eram marcados pelo silêncio e incertezas.

Segundo, porque no momento em que a sociedade toma conhecimento, via mensagem sensível mas realista da realidade homossexual, o jovem gay confronta-se com a construção íntima de sua identidade. A auto-estima é um passo importantíssimo para a prevenção eficaz.

(...) Em tempo: matéria publicada nesta terça-feira pela Folha de S. Paulo dá a versão de que o veto ao filme destinado aos jovens homossexuais seria da presidenta Dilma, que também teria barrado o do elefante. Diz que ela teria gostado apenas do vídeo na praia, destinado ao público heterossexual.

Independentemente de quem tenha vetado essa campanha, uma coisa é certa: o obscurantismo venceu a saúde pública."

- Conceição Lemes, em excelente análise no Vi o Mundo


"@marcofeliciano Pressão Nossa: Ministério da Saúde manda tirar do site vídeo com cena homossexual glo.bo/yG6KoF

Essa tuitada do pastor e deputado federal Marco Feliciano, do Partido Social Cristão por São Paulo, sacramenta o fim do estado laico no Brasil. O lobby religioso uma vez mais exigiu e neste carnaval a campanha de prevenção à AIDS não contará com a peça publicitária para o público homossexual, produzida justamente pelo preocupante recrudescimento da epidemia entre essa população. Esse fato vem logo após o governo vergonhosamente ceder a esse grupo conservador e suspender a distribuição dos kits anti-homofobia, perpetuando os casos de bullying físico e psicológico contra os jovens gays e lésbicas nas escolas.
Isso já havia sido anunciado na campanha eleitoral com a supressão de temas como aborto e união civil entre pessoas do mesmo sexo do programa de governo. Tudo em prol de uma coligação política que tende mais para uma inquisição moderna, que conseguiu unir os cristão das mais diversas religiões e é baseada no preconceito, preconizando a exclusão e o sofrimento para aqueles que não forem do povo de Deus.

Muito se faz neste mundo em nome do Pai. Em nome dEle são atirados aviões sobre vidas, são explodidas mulheres em meio a multidões, são executados homossexuais e outras pessoas que pensam ou agem de forma diferente das Escrituras. Em nome dEle o destino de 33 milhões de pessoas foi alterado, sendo que outros tantos o tiveram selado, pois não se pode usar ‘contraceptivos’. Em nome do Pai a eternidade no Paraíso pode ser garantida apenas mantendo em dia o carnê de mensalidades, não importando o quão execrável possa ser sua existência. Em nome dEle, homens ditos de Deus vociferam duras palavras contra os pederastas e sodomitas em pregações onde falta a única coisa que o Pai realmente quer que façamos nesse mundo: amar uns aos outros.

Quando se mistura Estado e religião não dá coisa boa. É só verificar ao redor do mundo e através da história e ver que os resultados são a rigidez da sociedade e um sistema político ditatorial, sempre em nome do Pai. Lembro de uma situação na clínica de fisioterapia onde faço meu tratamento, quando em conversa sobre esse tema com uma senhora evangélica ela posicionou-se, peremptoriamente:

- Quem assumir a presidência tem que governar com o ‘povo de Deus’ (evangélicos de forma geral).
Ao que eu rebati:
- E se um espírita assumir a presidência?
- …… (silêncio)

Ditadura é assim, só e boa para os poucos que estão por cima da carne seca, como se costuma dizer. Eles controlam a informação e decretam a censura de tudo que não lhes convém. E nós deveríamos estar escolados sobre isso, saímos de uma há menos de trinta anos."

- Beto Volpe, no Imprença, com grifos nossos.

* * *

Atualização em 23/02/2012:

Você encontra aqui um relato sobre a reunião de militantes com representante do Ministério da Saúde para esclarecimento do caso.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Eu sou a filha da Chiquita Bacana


Resiliência – Capacidade de o indivíduo lidar com problemas, superar obstáculos ou resistir à pressão de situações adversas (Wikipédia)

É isto de que boa parte das minorias são feitas. Para existir, o que por si só já é resistir, num mundo com padrões rígidos de ser aos quais você não satisfaz, por um motivo ou outro, ou por quase todos, é preciso resiliência.

E isto fica absolutamente claro através da celebração das “filhas da chiquita”. A festa surgiu em 1975 no bojo da maior manifestação religiosa do norte do Brasil, o Círio de Nazaré que atrai cerca de 2.000.000 de pessoas em Outubro.

Este contexto é interessantíssimo. O mais importante evento gay de Belém do Pará nasce em simbiose total com a festa católica mais tradicional da região. Espera-se a imagem da santa ser transladada até a Igreja da Sé e depois no meio deste percurso acontece a festa. Há shows de drag, música e muito, muito fervo.

Eu conhecia esta história por alto, mas ontem vi o ótimo documentário “As filhas da Chiquita” (Direção: Priscilla Brasil. 2006). O filme retrata muito bem esta interseção entra as duas festas e a maneira como cada um dos respectivos organizadores lida com esta confluência de motivos, pessoas e rituais tão díspares.

O discurso da Igreja é o óbvio ululante e não poderia ser outro a partir dos personagens escolhidos para representá-la: um padre com cara de infeliz que repete todos os bordões de uma teologia rasa contra a homossexualidade e uma senhorinha fofa de cabelos quase azuis que diz que um assassino merece mais perdão do que um homossexual.

A fala das “chiquitas” é bem mais interessante. Mostra como cada um, e muitos se afirmavam devotos, ressignificou a pertença religiosa para além da questão da culpa pela homossexualidade. Mais do que isso, desde que esta é entendida como algo intrínseco, vivê-la é de algum modo respeitar a sua natureza e, assim sendo, ser autêntico, verdadeiro, valores morais positivos diante de Deus.

O documentário, rapidamente, conversa com gente simples sentado num bar. Um diz que a homossexualidade é algo estranho à cultura cabocla, indígena da região, uma espécie de contágio que viria do “sul”, das novelas a que os companheiros de mesa logo desdizem; um senhor faz mesmo um discurso bastante libertário sobre o que, nós “do sul”, chamamos de “direitos individuais”. O que mais me chamou atenção nesta sequência, no entanto foi o uso tranqüilo, plenamente incorporado ao discurso, do termo “gay”. Não deixou de me causar certo fascínio pensar que tal termo foi incorporado à homossexualidade nos E.U.A. como uma forma de positivar a experiência de ser homossexual e foi se propagando por meio da militância e setores mais engajados com esta mesma finalidade, chegando até uma mesa de bar bem simples em Belém do Pará.

É o “mestre de cerimônias” da festa das filhas da Chuiquita, no entanto, que nos dá a forma mais feliz de entender a relação entre estas duas festas. Uma imagem que sai cheia de flores, com um manto todo trabalhado na pedraria tinha mesmo que inspirar uma festa gay. E eu acrescentaria: que é conduzida num carro puxado por um bando de homens se roçando uns aos outros para segurar a corda. Ok, talvez a melhor frase mesmo seja a da Miss “Chiquita 2006”, uma drag pobre e descabelada que no seu agradecimento disse cinco frases incompreensíveis, no meio das quais soltou esta: “Nasci feia. Porque quando eu nasci, a beleza tava de férias”.

Fiquei pensando também se apesar de ser um grande fervo a festa das chiquitas não é por si só a manifestação gay política mais significativa do Norte. Existir e se mostrar em praça pública, no evento sagrado e sério do Círio, talvez seja maior do que qualquer manifestação sisuda e cheia de cartazes.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Rainha da Bateria

Foto daqui

Um dia ela quis.

A família foi contra. Nem ligava, ela iria mesmo assim. Sair nua no carnaval. Nua inteirinha. A arte da pintura corporal a adornar. Nada mais. Nem tapa-sexo. Não tinha sequer certeza de que seria permitido.

Candidatou-se. Os 118 quilos não eram impedimento legal, confirmou com a advogada. Sambava melhor que qualquer magra. Animava a bateria. Tinha uma voz incrível e um fôlego incomparável. Cantava e sambava, ao mesmo tempo, a distância do sambódromo inteirinha. Era uma verdadeira sereia do samba.

Amava mulheres. Era, além de tudo, lésbica. Preta, pobre, gorda, lésbica e, claro, mulher. Ela que sonhava em sair nua no carnaval.

O feito rodou as notícias, a mídia. Vieram repórteres de todo o Brasil, do mundo. Se ela conseguisse o posto de rainha seria a primeira gorda e a primeira lésbica a comandar no pé uma bateria do grupo especial. No começo estava até tímida com tantas perguntas. Não gostava de revelar o peso, nem a idade. Os repórteres insistiam. Ela lá, firme. Importava o peso? “Já não dá pra ver que sou gorda?”, retrucava.

Perguntavam sobre a família, afinal, duas mulheres de mais de 100 quilos que têm um filho e uma filha não é exatamente o padrão do comercial de margarina. Biscates, desafiavam o mundo inteiro com sua mera existência. Que não é mera coisíssima nenhuma, vale dizer.

Imoral. Pronto. Como são geralmente as biscates, ela era uma verdadeira imoral. O mau exemplo em pessoa. Ninguém escolhe nascer negro, claro, mas ela podia fazer um regime. Exercícios. Cirurgia pra reduzir o estômago. Podia não se casar ou tentar um tratamento para resolver os problemas psicológicos que levavam “ao homossexualismo”. Podia fingir casando-se com um homem. Podia não desejar sair pelada pela avenida.

Ofensa. Foi esse o tom das respostas pela internet. Ofensa pelo amor que ela nutria à sua companheira. Ofensa por seu corpo. Ofensa por seu desejo carnavalesco. Enfim não foi eleita rainha da bateria.

Indagada pelo repórter, o último que veria em sua vida de curto flash midiático, como lidaria com essa derrota, com a frustração de não realizar o sonho, respondeu:

“Derrota seria não tentar” e acrescentou, ainda, esmigalhando o tom de autoajuda que a imprensa tanto gostaria de levar ao ar: “Meus fãs ainda poderão me ver. Fui convidada pela escola de samba Unidos do Tupiniquim, em São Vicente, para comandar a bateria. Me aguarde!”

Certas biscates não desistem. Que bom.

PS. Inspiradoras mulheres…quando ser biscate é ter coragem: A Musa (Haonê) e Vânia Flor (musa do Salgueiro/2012)

- Marília Moscou
Reproduzido do excelente Biscate Social Club

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Amor de carnaval tem que ser sem violência

Imagem daqui

É fevereiro e começamos a contar os dias para a chegada do Carnaval. Época de festar, frevar, sambar e namorar bastante, como dizia a música: Beijo na boca é coisa do passado, a moda agora é, é namorar pelado. Em alguns estados são quase duas semanas de bloquinhos, bailes, micaretas, mesmo com as críticas que possamos ter a este período que começa a inebriar o país é importante lembrar que para nós feministas Carnaval não é sinônimo de carta branca para passar a mão na cabeça dos casos de violência machista e mercantilização do corpo da mulher e não é raro nos depararmos com aumento de casos de violência contra a mulher durante as folias, por que será, né?

O Observatório da Discriminação Racial, da Violência Contra a Mulher e a Comunidade LGBT, promovido pela Secretaria Municipal da Reparação (Semur), registrou 254 casos até o final da tarde da última terça-feira, 08 de março, último dia oficial do Carnaval.

A maior parte deles, 149, foi de racismo. As denúncias de agressão a mulher vem em seguida, com 63 registros. Contra grupos LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e travestis) foram 42 casos. (Violência contra a mulher foi a segunda mais recorrente no carnaval de Salvador)

A questão é tão séria que chama atenção dos governos estaduais, no nordeste aparecem campanhas em diversas unidades federativas com o eixo do combate à violência contra a mulher, principalmente a física. Tanto que este ano o afoxé Filhos de Gandhy levará para o circuito do carnaval soteropolitano o tema da violência machista, numa alusão carnavalesca e importante da campanha do laço branco. A questão é que o Carnaval, apesar de parecer para muitas pessoas, não é um momento de abertura de um vórtex onde toda a construção social e cultural que envolvem as mulheres e os negros somem como mágica.

Normalmente acabamos caindo pela máxima de que no Carnaval é meio inócuo de se fazer coisas para disputar ideologicamente a sociedade, passo longe dessa ideia e acho iniciativas como o “Maria vem com as outras” e o “Adeus Amélia” fantásticas e que devem ser mais exploradas, pois é importante ter bailes e bloquinhos que se pretendam festejar, mas sem perpetuar as opressões diversas existentes em nossa sociedade. Quando se tratam de blocos compostos por mulheres acho melhor ainda, pois normalmente as mulheres de verdade são substituídas pelas siliconadas da capa da playboy nas passarelas do samba. No caso das mulheres negras não somos apenas substituídas nas grandes escolas de samba, se em uma sociedade patriarcal a máxima para mulher é ser santa ou puta, para as mulheres negras é ser da cor do pecado ou domésticas e raramente a mulher para ser assumida como parceira de vida ou companheira.

A questão da mercantilização do corpo das mulheres não é menor, mas obviamente assusta mais casos de violência sexual estimulados por esta mercantilização, a mulher é sempre de alguém, nunca dela mesma e paga caro por esta concepção arraigada no senso comum. Talvez no carnaval seja um dos momentos mais ilustrativos, até por que como todo mundo vai para avenida com o intuito de se divertir, pular carnaval e afins nunca imaginamos ser alvo de violência ao ir com as amigas para um bloco de carnaval ou para um baile.

A objetificação da mulher e a perpetuação da lógica de propriedade do homem se perpetuam no Carnaval, as vezes de forma mais grave do que em outros períodos, talvez que de maneira mais massiva só se presencie durante as calouradas, nas quais veteranos muitas vezes se aproveitam de calouras bêbadas para poder irar uma casquinha. No carnaval talvez seja pior, justamente por conta da lógica do ninguém é de ninguém e eu sou de todo mundo e todo mundo me quer bem.

Durante a festa a mulher bebe, se diverte, como todo mundo. Diz ao homem que não quer ficar com ele. Isso já deveria bastar para um homem com um mínimo de senso ético desencanar da dita mulher. Pois não. Ele fica lá, enchendo o saco. Ela continua dizendo que não quer ficar com ele. No final da noite, ela trêbada se deita. Ele vai lá e começa a abusar dela. Carícias não só não-solicitadas, como repelidas, não são carícias. São atos de violência. Se a mulher não diz não, isso não significa um “sim” automático, até porque ela não estava em condições de dizer nenhum dos dois. (MOSCHKOVICH, Marília. A cena do Big Brother é um problema do Brasil)

Grande parte das vezes as mulheres vítimas de violência durante as folias não são acolhidas dessa forma, mas sim como se tivessem provocado sua própria violência, perpetuando a lógica de culpabilização das mulheres pelas ações machistas perpetradas em nossa sociedade e, sobretudo, pelos homens. Rodinhas de homens coagindo garotas a beijarem ou até mesmo se aproveitar de mulheres que não tem a mínima condição de sequer ficarem sentadas, recolocando assim o debate sobre estupro de vulnerável na pauta da sociedade.

Tão grave quanto o ataque do estuprador são os comentários que consideram que a culpa do estupro é da vítima. Estar bêbada, usar determinadas roupas e até mesmo “olhar” de certo jeito são argumentos frequentemente usados por defensores de estupradores para culpar a vítima. Ora, se o estupro fosse causado por uma saia curta, quase todos os homens heterossexuais seriam estupradores e todas as mulheres teriam sido estupradas. O que causa estupro não é a roupa, o comportamento da vítima (corrobora com isso, inclusive, o fato de que a maior parte dos casos de violência sexual acontece dentro da família da vítima, em casa). É o estuprador. (MOSCHKOVICH, Marília. A cena do Big Brother é um problema do Brasil)

Não fechar os olhos para coisas como estas enquanto nos divertimos entre amigos, ficantes, namorados e afins é importantíssimo, pois o combate a violência machista e a coisificação das mulheres também deve aparecer durante as festas e folias, é necessário que metamos a colher quando vemos acontecer em nossa frente abuso. Pois hoje pode ser com aquela menina que tu não conheces, mas amanhã pode ser tu, tua irmã, filha, mãe e faz parte das nossas tarefas como feministas sim reafirmarmos a necessidade de defesa e autodefesa das mulheres inclusive durante o Carnaval e em todos os estados do Brasil. Assim como deve estar casada uma política real de atendimento as mulheres em situação de violência, não apenas doméstica, mas de todas as formas. Política que tenha investimento suficiente para acolher e dar suporte as mulheres que sofrem com violência sexual, psicológica e afins durante os festejos momescos e que garanta para nós um ótimo Carnaval.

A maioria de nós curte pular o Carnaval e nada melhor do que pular nos bloquinhos e bailes sem ter a preocupação e o medo de ser abusada, violentada ou estuprada por um desconhecido, ou até mesmo por alguém próximo. O combate à violência contra mulher é por mim, por você, por todas nós e a todos os momentos.

- Luka
Reproduzido do excepcional Blogueiras Feministas
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