sexta-feira, 1 de julho de 2011

O que é Estado laico?

Arte: HOT + TEA

Têm surgido com cresente frequência na esfera judiciária questões de caráter administrativo ou judicial envolvendo as relações entre o espiritual e o temporal. Discutem-se a presença de símbolos religiosos em órgãos públicos, o funcionamento desses órgãos em dias santos ou a validade pública de argumentos de caráter religioso.

A questão do que seja Estado laico tem sido enfrentada por numerosos países, com diversas soluções. A França proibiu o uso das burcas, e a Suíça, a construção de minaretes; já na Itália, com a decisão da Corte Europeia de Direitos Humanos, não se considerou atentado à laicidade do Estado a presença de crucifixos em escolas públicas.

Visando a contribuir para aclarar conceitos e vencer preconceitos, o Conselho Nacional de Justiça promoveu recentemente o Seminário Internacional sobre o Estado Laico e a Liberdade Religiosa em Brasília, trazendo especialistas estrangeiros para discutir com juristas pátrios o tema. O que mais impressionou no encontro, marcado pelo pluralismo de posições, foi a constatação de que as convergências eram infinitamente maiores do que as divergências.

Com efeito, concordavam perfeitamente os palestrantes, prof. Daniel Sarmento, procurador regional da República, e pe. Rafael Moraes, doutor em Teologia Moral, em que o Estado deve ser laico, no sentido de neutro em relação à religião, por força dos princípios constitucionais da igualdade e da isonomia, e que os argumentos religiosos têm carta de cidadania apenas quando passíveis de serem traduzidos em razões públicas.

As razões públicas, explicou Kent Greenawalt, professor da Universidade de Columbia, são os argumentos acessíveis a todos os cidadãos, independentemente do seu credo. Não se baseiam em visões compreensivas ou premissas religiosas, e sim em razões de justiça política. Determinar com precisão o que é razão pública não é uma tarefa fácil, mas o seu marco teórico oferece critérios úteis para a atuação dos agentes públicos, especialmente os juízes, numa democracia liberal.

Massimo Introvigne, sociólogo italiano da religião, foi enfático, em sua conferência, ao defender uma liberdade religiosa plena, que o Estado deve respeitar, não apenas enquanto imparcialidade frente aos diferentes credos, mas no reconhecimento do direito de expressá-lo publicamente e angariar adeptos, através da argumentação e da coerência de vida, nunca pela força ou fraude.

Interessante notar que a nossa Constituição alberga três princípios básicos em matéria de relações entre Igreja e Estado, que são os de separação, cooperação mútua e liberdade religiosa (CF, arts. 5º, VI, e 19, I). No Seminário, procurou-se discutir as melhores formas de aplicar esses princípios. As divergências ficaram por conta das especificações decorrentes dos princípios, no que concerne a questões polêmicas tais como as das uniões homoafetivas, ensino religioso confessional nas escolas públicas e colocação de símbolos religiosos em órgãos públicos.

Já na conferência inaugural, o prof. Jorge Miranda, ilustre constitucionalista português, mostrou que o ponto de equilíbrio entre o Estado confessional e o laicismo agnóstico é justamente uma laicidade saudável, que preserva a autonomia do fenômeno político e ao mesmo tempo respeita o direito de as religiões defenderem e transmitirem os seus valores morais, que embasam a vida social e a dignidade da pessoa humana.

Pode-se dizer que o Seminário, com suas exposições e conclusões, a serem publicadas proximamente, marcou um novo e saudável paradigma nacional de relações entre Igreja, aqui considerados todos os credos, e Estado, reconhecendo ao fator religioso, quando expresso em argumentos de justiça política e não de mera autoridade, foro de cidadania no debate jurídico.

- Ives Gandra Martins Filho
Publicado no jornal O Globo de hoje, e aqui reproduzido via Conteúdo Livre.

Para um cristão, o estilo é a mensagem


"A fé não é questão de números, mas de convicção profunda e de grandeza de ânimo, de capacidade de não ter medo do outro, do diverso, mas de sabê-lo escutar com doçura, discernimento e respeito. Do testemunho cotidiano dos cristãos no mundo depende a recepção do Evangelho como boa ou má comunicação, e portanto, boa ou má notícia."

Essa é a opinião de Enzo Bianchi, teólogo italiano e prior do Mosteiro de Bose, em artigo para o jornal La Stampa, 21-06-2009. A tradução é e Benno Dischinger.

Eis o texto, reproduzido via IHU com grifos nossos.


Conjugar a exigência do Evangelho com a realidade na qual é dado viver sempre foi a preocupação e o desafio de toda geração de cristãos, chamados – para usar as próprias palavras de Jesus – a “estar no mundo mas não ser do mundo”. O tema escolhido pela Convenção nacional (...) das Caritas diocesanas (isto é, dos organismos que se encarregam de testemunhar no cotidiano e em seu território a atenção da Igreja pelos “últimos”, dando corpo a um modo de viver a fé cristã que é imediatamente perceptível e legível também numa sociedade secularizada como a ocidental e mesmo por aquele que não compartilha daquela fé) indica muito bem a consciência da comunidade cristã: “Não vos conformeis com este mundo. Por um discernimento comunitário”. A primeira afirmação é uma admoestação de São Paulo aos cristãos de Roma no primeiro século depois de Cristo, exortação que é atualizada com um apelo à importância de operar um discernimento sobre o pensar, sobre o agir e sobre a necessidade que esta reflexão seja “comunitária”, isto é, fruto e também semente de uma comunidade viva e vital.

Esta concepção indica bem o difícil equilíbrio da presença cristã na sociedade: nenhuma “fuga do mundo”, nenhum enclausuramento numa cidadela de “puros”, mas também nenhuma concessão a uma mentalidade mundana que considera descontados ou privados de validade ética comportamentos lesivos da dignidade humana. Já o Antigo Testamento admoestava, de resto, a “não seguir a maioria para praticar o mal?” (Ex 23, 2). Na vivência cotidiana há escolhas que a fé cristã impõe e inspira, certamente deixando aos pastores da Igreja, às figuras representativas institucionais a tarefa de agir no terreno profético, pré-político, pré-econômico, pré-jurídico, mas assinalando aos fiéis, aos leigos cristãos o encargo de uma realização de tais instâncias sob sua responsabilidade mediada pela sua consciência. Parece-me que estes comportamentos capazes de mostrar a diferença cristã possam ser reassumidos em algumas opções de fundo.

O “mandamento novo”, isto é, último e definitivo, deixado por Jesus aos seus discípulos é: “Amai-vos como eu vos amei” (Jo 13,34), amai-vos até despender a vida pelos outros, até doá-la pelos irmãos. Ora, este mandamento que narra a especificidade do cristianismo requer que o cristão não ame somente o próximo, não ame somente os seus familiares, mas ame todos os outros que encontra, e entre estes privilegie os últimos, os sofredores, os necessitados. Ao observar este mandamento, o cristão não pode, pois, pensar na forma política a dar à igualdade, à solidariedade, à justiça social. Se não houvesse também uma epifania política do amor pelo último, da atenção ao necessitado, faltaria à polis algo decisivo nas relações sociais e teria certamente evadido uma grave responsabilidade cristã. Não esqueçamos que, segundo as palavras de Jesus, o juízo para a vida ou para a morte será feito precisamente sobre a relação que houve na vida e na história, aqui e agora, com o homem em necessidade, faminto, sedento, estrangeiro, nu, doente, prisioneiro.

À mesma evangelização da Igreja pertence também a tarefa de indicar o ser humano e sua dignidade como critério primário e essencial à humanização, a um caminho de autêntica plenitude de vida. Isto requer que os cristãos saibam, acima de tudo, dar um testemunho com sua vida, mas saibam também tornar eloqüentes as suas convicções sobre as exigências de respeito, salvaguarda, defesa da vida humana. Diante da guerra que, não obstante as experiências vividas, continua atraindo os poderes políticos e os seres humanos, os cristãos devem saber manifestar sua contrariedade e sua condenação, na convicção de que não pode existir uma guerra justa, como profeticamente indicou o magistério de João XXIII, retomado por João Paulo II por ocasião da segunda Guerra do Golfo.

Os cristãos devem saber manifestar de modo eloqüente sua opção em favor do respeito da vida dos povos e das pessoas, ameaçados também por possíveis catástrofes ecológicas. Devem promover o respeito da vida de cada ser humano individual que, por certo, nasce de um homem e de uma mulher, mas, na visão de fé é sobretudo querido, pensado, amado por Deus que o chama à vida; o respeito de cada homem e cada mulher, dos quais tem sentido não só a vida, mas também o sofrimento até a morte. São necessárias hoje, da parte dos crentes, a criatividade, a fadiga de investigar e de pensar, a capacidade de expressar-se em termos que sejam compreensíveis também pelos não cristãos, termos antropológicos, portanto, e não teológicos ou dogmáticos.

Esta ação na polis – não me cansarei de repeti-lo – não deve nunca prescindir do estilo de comunicação e de práxis: também esta é uma instância fundamental, porque o estilo tem sido importante quanto ao conteúdo da mensagem, principalmente para não cristãos. Sim, o estilo com o qual o cristão está na companhia dos homens é determinante: dele depende a própria fé, porque não se pode anunciar um Jesus que narra Deus na mansidão, na humildade, na misericórdia, e o faz com estilo arrogante, com tons fortes ou até mesmo com atitudes que pertencem à militância mundana! E, precisamente para salvaguardar o estilo cristão é preciso resistir à tentação de exibir-se, de fazer-se falar, de mostrar os músculos... A fé não é questão de números, mas de convicção profunda e de grandeza de ânimo, de capacidade de não ter medo do outro, do diverso, mas de sabê-lo escutar com doçura, discernimento e respeito. Do testemunho cotidiano dos cristãos no mundo depende a recepção do Evangelho como boa ou má comunicação, e portanto, boa ou má notícia.

quinta-feira, 30 de junho de 2011

Sobre passeatas e a repressão do desejo

Ilustração: Derek Eads

DOMINGO PASSADO, em São Paulo, foi o dia da Parada Gay.

Alguns criticam o caráter carnavalesco e caricatural do evento. Alexandre Vidal Porto, em artigo na Folha do próprio domingo [reproduzido aqui], escreveu que, na luta pela aceitação pública, "é mais estratégico exibir a semelhança" do que as diferenças, pois a conduta e a aparência "ultrajantes" podem ter "efeito negativo" sobre o processo político que leva à igualdade dos homossexuais. Conclusão: "O papel da Parada é mostrar que os homossexuais são seres humanos comuns, que têm direito a proteção e respeito, como qualquer outro cidadão".

Entendo e discordo. Para ter proteção e respeito, nenhum cidadão deveria ser forçado a mostrar conformidade aos ideais estéticos, sexuais e religiosos dominantes. Se você precisa parecer "comum" para que seus direitos sejam respeitados, é que você está sendo discriminado: você não será estigmatizado, mas só à condição que você camufle sua diferença.

Importa, portanto, proteger os direitos dos que não são e não topam ser "comuns", aqueles cujos comportamentos "caricaturais" testam os limites da aceitação social.

Nos últimos anos, mundo afora, as Paradas Gays ganharam a adesão de milhões de heterossexuais porque elas são o protótipo da manifestação libertária: pessoas desfilando por sua própria liberdade, sem concessões estratégicas. É essa visão que atrai, suponho, as famílias que adotam a Parada Gay como programa de domingo. A "complicação" de ter que explicar às crianças a razão de homens se esfregarem meio pelados ou de mulheres se beijarem na boca é largamente compensada pela lição cívica: com o direito deles à diferença, o que está sendo reafirmado é o direito à diferença de cada um de nós.

O mesmo vale para a Marcha para Jesus, que foi na última quinta (23), também em São Paulo. Para muitos que desfilaram, imagino que a passeata por Jesus tenha sido um momento de afirmação positiva de seus valores e de seu estilo de vida -ou seja, um desfile para dizer a vontade de amar e seguir Cristo, inclusive de maneira caricatural, se assim alguém quiser.

Ora, segundo alguns líderes evangélicos, os manifestantes de quinta-feira não saíram à rua para celebrar sua própria liberdade, mas para criticar as recentes decisões pelas quais o STF reconheceu a união estável de casais homossexuais e autorizou as marchas pela liberação da maconha. Ou seja, segundo os líderes, a marcha não foi por Jesus, mas contra homossexuais e libertários.

Pois é, existem três categorias de manifestações: 1) as mais generosas, que pedem liberdade para todos e sobretudo para os que, mesmo distantes e diferentes de nós, estão sendo oprimidos; 2) aquelas em que as pessoas pedem liberdade para si mesmas; 3) aquelas em que as pessoas pedem repressão para os outros.

O que faz que alguém desfile pelas ruas para pedir não liberdade para si mesmo, mas repressão para os outros?

O entendimento trivial desse comportamento é o seguinte: em regra, para combater um desejo meu e para não admitir que ele é meu, eu passo a reprimi-lo nos outros.

Seria simplório concluir que os que pedem repressão da homossexualidade sejam todos homossexuais enrustidos. A regra indica sobretudo a existência desta dinâmica geral: quanto menos eu me autorizo a desejar, tanto mais fico a fim de reprimir o desejo dos outros. Explico.

Digamos que eu seja namorado, corintiano, filho, pai, paulista, marxista e cristão; cada uma dessas identidades pode enriquecer minha vida, abrindo portas e janelas novas para o mundo, permitindo e autorizando sonhos e atos impensáveis sem ela. Mas é igualmente possível, embora menos alegre, abraçar qualquer identidade não pelo que ela permite, mas por tudo o que ela impede.

Exemplo: sou marido para melhor amar a mulher que escolhi ou sou marido para me impedir de olhar para outras? Não é apenas uma opção retórica: quem vai pelo segundo caminho se define e se realiza na repressão - de seu próprio desejo e, por consequência, do desejo dos outros. Para se forçar a ser monogâmico, ele pedirá apedrejamento para os adúlteros: reprimirá os outros, para ele mesmo se reprimir. No contexto social certo, ele será soldado de um dos vários exércitos de pequenos funcionários da repressão, que, para entristecer sua própria vida, precisam entristecer a nossa.

- Contardo Calligaris
Publicado hoje na Folha de São Paulo e reproduzido via Conteúdo Livre, com grifos nossos

Estado laico e sociedade livre

Ilustração: Miguel Mansur

O Brasil vem apresentando uma maturidade institucional que surpreende até os mais otimistas. Obviamente, a Constituição de 1988 não resolveu todos os problemas brasileiros, muitos ainda graves; mas há de se reconhecer que os caminhos institucionais para o desenvolvimento social, cultural e econômico estão abertos. Não é mais necessária uma revolução; faz falta agora trabalharmos, continuarmos trabalhando.

Neste mês de junho, um passo a mais nesse processo civilizatório foi dado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que organizou um seminário internacional sobre o Estado laico, em Brasília. Esse evento pode ser o marco simbólico de um olhar mais republicano sobre o poder público, informado por dois critérios básicos: Estado laico e sociedade livre.

Por um lado, um Estado que de fato seja neutro, isento, isonômico. Não apenas formalmente, mas que na sua atuação não se baseie em determinadas pretensões de verdade em matéria religiosa (por exemplo, punir uma conduta em razão de uma religião e classificá-la como pecado). O Estado deve se valer de critérios de justiça política, de razões públicas (generalizáveis para todos os cidadãos), e não de visões compreensivas (específicas para determinados grupos).

Viver essa neutralidade exige um contínuo aprendizado, especialmente dos homens públicos e dos líderes religiosos. Perceberem na prática que são âmbitos diversos, esferas com autonomias próprias. Esse profundo respeito pela pluralidade se manifesta no diálogo, na capacidade de ouvir o outro e também na completa separação entre os direitos do cidadão e a prática religiosa. A adesão a determinado credo religioso não pode acarretar nem privilégio, nem discriminação.

Por outro lado, deve-se encarar o caráter laico do Estado como meio para uma sociedade livre. A laicidade estatal não é um projeto de valores, para tornar a sociedade "laica", para "protegê-la" das religiões. O Estado é - e deve ser cada dia mais - laico, mas a sociedade em si não é laica. Ela será o que os seus cidadãos quiserem ser.

O Estado laico é instrumento para criar um espaço de liberdade e de pluralismo, e não para impor valores considerados "laicos". A laicidade é um meio, e não um fim. Essa afirmação não significa uma mitigação da neutralidade do Estado. É a proteção para que continue sendo laico. Caso contrário, o Estado ainda estaria atuando por visões compreensivas não generalizáveis.

O caráter laico do Estado não decorre de uma substituição de referenciais - antes, uma visão religiosa; agora, uma visão ateia ou agnóstica da vida -, mas de uma revisão do seu âmbito e das suas competências. O Estado laico não diz que as religiões são falsas, e sim que é incompetente para qualquer declaração nesse âmbito.

É um Estado com objetivos - em certo sentido - mais modestos. Ele não pretende ditar como os cidadãos se devem portar para ter uma vida feliz (assumiu esse papel durante muito tempo); agora, deseja "apenas" criar um ethos de paz e de liberdade. Cada um buscará a felicidade ao seu modo, com as suas escolhas, com a sua visão de mundo.

Alguém pode questionar: pouco realista essa teoria, não? Ela conseguirá resolver as divisões da sociedade brasileira, cada dia mais notórias, principalmente por causa da atividade social e política de grupos minoritários, antes invisíveis e que agora lutam não apenas por uma "não discriminação", mas pelo pleno acolhimento da sua diversidade? Refiro-me aos homoafetivos, aos de religiões com matriz africana, etc. Será possível, de fato, uma convivência harmoniosa entre esses grupos e a "maioria" brasileira, de corte conservador?

Infelizmente, ainda não foi descoberta uma receita que garanta a convivência harmoniosa num cenário de multiculturalismo sistemático. Para a real existência de uma comunidade continua sendo necessário um vínculo comum, por menor que seja, entre os seus membros.

Não vejo, no entanto, a pluralidade brasileira como um obstáculo para esse núcleo comum, que pode e deve nascer de um profundo respeito pelo outro. De ambos os lados! Não se pode ver no outro apenas um "diferente" ou um "retrógrado". Com essas visões parciais não há espaço para o diálogo, já que não se vê o outro como pessoa. Batalhemos por essa profunda compreensão mútua, a começar por nós mesmos, respeitando os nossos "diversos".

Será essa uma atitude ingênua? Respondo com outra pergunta: por que as posturas imobilistas (ou pessimistas) são as mais adequadas para lidar com a realidade social? Parece-me que por trás desse pessimismo social há uma forte dose de arrogância e, por consequência, de irrazoabilidade: "Eu respeito os outros, mas eles não têm a mínima condição de me respeitar". É exatamente o oposto: se eu consigo, imagine os outros! Fá-lo-ão com muito mais facilidade e elegância.

Um último ponto. Esse novo paradigma para as relações entre Estado e religiões não implica o fim das tensões entre os dois âmbitos. Sempre haverá conflitos. As religiões são fonte de valores para a sociedade e, inevitavelmente, há discordância entre os "fatos políticos" e os "critérios de valor". Mas esse dualismo entre dados de fato e critérios, como defendeu Karl Popper, é extremamente saudável para uma sociedade. Permite o seu aperfeiçoamento, ao impedir que a vontade política num determinado momento adquira status de critério último de valor. Daí, por exemplo, a extrema relevância da decisão do Supremo Tribunal Federal de permitir as marchas a favor da maconha (mesmo que seja difícil - a meu ver - encontrar razões públicas que justifiquem a liberação do tóxico).

Este é o desafio. Um Estado laico no qual todo brasileiro possa sentir-se em casa, uma vez que é "em casa" que uma pessoa é mais livre - para pensar, falar e ser o que quiser.

- Nicolau da Rocha Cavalcanti
Publicado no Estado de S. Paulo em 29/06/2011 e reproduzido via Conteúdo Livre

Os gays e o casamento


O mais notável nessa campanha por casamentos homossexuais não é o avanço dos movimentos gays e o ocaso de barreiras e preconceitos antigos, mas o prestígio do casamento. Com tantos casais heterossexuais dispensando o ritual matrimonial para viverem juntos, a insistência dos gays em se casarem como seus pais deveria aquecer o coração dos mais radicais dos bispos.

Eu sei que em muitos casos a oficialização do conúbio, se esta é a palavra, tem mais a ver com questões legais do que com romance, mas o que a maioria quer é o ritual.

Quer as juras públicas de amor eterno e todo o simbolismo da cerimônia tradicional, mesmo sem véus e grinaldas. Era de se esperar que quem escolheu um relacionamento sexual, digamos, anti-convencional, muitas vezes tendo que enfrentar a incompreensão ou a ira dos conservadores, quisesse distância do que é, afinal, o mais “careta” dos ritos sociais. Mas não. Querem o tradicional.

Este fenômeno deve ter a ver com outro de difícil compreensão. Ouvi dizer que as formaturas nas universidades brasileiras voltaram a ser paramentadas, com becas e tudo, não por insistência de pais tradicionalistas mas dos próprios formandos, que em vez da informalidade que se esperava deles num mundo cada vez mais prático e sem tempo para velhos costumes ou costumes de velhos, exigiram todas as formalidades.

No fim as pessoas querem significado. Querem que o valor do que fazem seja enaltecido pela cerimônia, qualquer cerimônia. Mesmo careta.

Seja como for, aposto que daqui a alguns anos, quando se puder fazer a estatística, menos gays dos que estão se casando agora terão se separado do que casais heteros. Se a instituição do casamento sobreviver aos tempos e aos modos, será em boa parte graças a eles e a elas.

- Luis Fernando Veríssimo
Publicado hoje no Estado de S. Paulo e reproduzido via Conteúdo Livre

“A nossa lealdade à Igreja requer que sejamos críticos"


Deixar-se surpreender por Cristo, como Maria Madalena. Ter mais coragem e menos medo para debater questões difíceis dentro da Igreja. Recusar quaisquer "polarizações simplistas" da Igreja entre esquerda e direita. Mostrar a nossa lealdade à Igreja sendo críticos, com amor e humildade. Assumir a nossa vocação de aprender a amar a Deus – todos, homens ou mulheres, gays ou heterossexuais.

Eis a proposta e o desafio evangélico apresentado por Timothy Radcliffe, teólogo e padre dominicano inglês. Nesta entrevista, concedida por e-mail com exclusividade para a IHU On-Line de 12/4/2009, o ex-Mestre Geral da Ordem dos Pregadores, ou Dominicanos, fala sobre os atuais desafios da Igreja e as dificuldades de se apresentar o mistério da Páscoa à sociedade de hoje.

Segundo Radcliffe, que, após ter deixado o cargo superior da Ordem, leciona na Universidade de Oxford, "somos o corpo de Cristo, mas também somos uma comunidade de pessoas falíveis". Nesse sentido, porém, "a nossa lealdade à Igreja requer que sejamos críticos. Mas devemos ser muito amorosos e humildes, sabendo que nós também não temos todas as respostas", afirma.

Nascido na Inglaterra, Timothy Radcliffe é teólogo e padre dominicano. Em 1992, foi eleito Mestre Geral da Ordem dos Dominicanos, o primeiro membro da província inglesa a ser eleito para o cargo desde a fundação da ordem, em 1216. Antes disso, havia sido prior provincial da Inglaterra e presidente da Conferência dos Superiores Religiosos de Inglaterra e Gales, tendo lecionado Sagrada Escritura na Universidade de Oxford. Em 2001, após deixar o cargo de mestre geral da ordem, voltou a lecionar na universidade. Atualmente, é membro da comunidade dominicana em Blackfriars, Oxford, na Inglaterra. Presidente do International Young Leaders Network, Racdliffe foi um dos fundadores do Las Casas Institute, que aborda questões referentes à ética, política e justiça social, ambos desenvolvidos na Universidade de Oxford.

Confira a entrevista, com reportagem de Moisés Sbardelotto, aqui reproduzida via Diversidade Católica com grifos nossos.


Como a Paixão de Cristo se expressa nas "paixões" que vivemos hoje no mundo (crise financeira e ecológica, desemprego, violência etc.) e na Igreja (o caso dos lefebvrianos, a excomunhão no caso do aborto da menina do Recife, a questão dos preservativos na África etc.)?
Eu acredito que a crise financeira tem suas raízes em um sistema econômico que cultivou a ganância, criando divisões ainda mais severas entre ricos e pobres. Vivemos na ilusão de que a ganância movimenta o mercado, que cria prosperidade, que transborda para enriquecer a todos. Isso é simplesmente falso. O mercado financeiro, com o dinheiro sendo vendido e revendido, também se tornou ainda mais distante da realidade. Hoje, aterrissamos de novo no mundo real com uma colisão. Este é o momento mais doloroso, especialmente para as pessoas mais pobres.

Devemos duramente tentar torná-lo um novo começo, no qual construamos um sistema econômico que seja enraizado na realidade, no valor real do que é comprado e vendido e no valor real do trabalho das pessoas ao produzir isso. Então, se agirmos com coragem, em vez de apenas tentar restaurar o status quo, poderemos então torná-lo um novo começo. Nós, cristãos, acreditamos que toda crise pode ser frutífera.

Com relação à crise de comunicação da Igreja nos casos que você mencionou, devemos fazer uma distinção entre a) os erros feitos pela Igreja e b) a forma em que eles foram mal informados e exagerados pela imprensa, que muitas vezes só fica muito feliz ao caçoar da Igreja. Cada um desses casos apresenta diferentes desafios. A readmissão do bispo lefebvriano que negou amplamente o Holocausto foi devido a uma falha de comunicação dentro do Vaticano. Isso envergonhou profundamente o Papa, que escreveu uma carta muito comovedora e humilde a todos os bispos da Igreja, e isso deve marcar uma nova fase na relação dele com o colégio dos bispos em todo o mundo.

Eu estava na África no momento da excomunhão da menina depois de um aborto e distante dos meios de comunicação comuns, e por isso não fui capaz de acompanhar o caso. Ele foi claramente tratado de uma forma que produziu um escândalo e prejudicou a reputação da Igreja. Eu compreendo que o Vaticano tenha feito, ao final, uma declaração que foi altamente crítica à decisão de excomungar a menina, mas isso quase não foi publicado. A misericórdia sempre deve triunfar.

Finalmente, houve a questão dos preservativos na África. Da forma como eu compreendo, o Papa fez uma afirmação que não tinha a ver com fé ou moral, mas sobre se é ou não verdade que o uso dos preservativos faz com que a Aids se difunda mais ou não. Essa é uma questão complexa. Alguns cientistas concordariam com o Papa, enquanto muitos não. Portanto, não foi uma declaração formal de uma posição à qual os católicos deveriam concordar, já que não foi sobre fé ou moral, mas apenas no contexto em que um julgamento moral deveria ser feito. Foi lamentável e produziu muita confusão. Mas, se questionarmos qualquer pessoa durante muito tempo, especialmente quando ela está cansada, então quem de nós às vezes não escolheria palavras que são lamentáveis? Eu fiz muitas afirmações à imprensa sob pressão e às vezes não escolhi bem minhas palavras e por isso, aqui, eu tenho a mais profunda simpatia com o Papa!

Qual a sua opinião sobre os atuais problemas da Igreja nestes dias? Como os cristãos católicos podem vivê-los e compreendê-los à luz da Páscoa?
Não há nada novo no que estamos vivendo hoje. A Igreja sempre cometeu erros e não escolheu as melhores palavras. Somos o corpo de Cristo, mas também somos uma comunidade de pessoas falíveis, que cometem erros, que são mal interpretadas e assim por diante. São Pedro mesmo foi confrontado por São Paulo em questões de fé. Então, temos que aceitar que a providência de Deus pode agir mesmo por meio desses momentos dolorosos. Isso não é nem próximo da profundidade da crise das condenações da Modernidade há centenas de anos. E nem se compara com a crise da [primeira] Sexta-Feira Santa!

Em segundo lugar, somos todos membros da Igreja. Devemos usar nossa voz para compartilhar a nossa fé. Às vezes, a nossa lealdade à Igreja requer que sejamos críticos. Mas devemos ser muito amorosos e humildes, sabendo que nós também não temos todas as respostas. Dom Robert Lebel, do Canadá, disse que os católicos que criticam a Igreja, que são "inquebrantáveis na sua pertença a essa mesma Igreja, são as testemunhas das quais ela tem necessidade para progredir. Estas testemunhas são as mais eficazes porque são de dentro. Elas são da Igreja, elas são a Igreja que se autocritica para ressuscitar incessantemente a sua dupla fidelidade a Cristo e ao mundo no qual ele se encarnou".

Até que ponto o Concílio Vaticano II deu respostas à nossa sociedade moderna? É necessário um Vaticano III para uma atualização da Igreja?
Eu não sei se precisamos de um Vaticano III ou não. O que nós precisamos é discutir questões sensíveis e complexas com mais coragem e com menos medo. O Papa muitas vezes destacou a nossa fé na razão, e devemos mostrar isso ousando debater questões difíceis. Para que isso ocorra, devemos recusar qualquer polarização simplista da Igreja entre esquerda e direita, tradicionalistas, conservadores [e progressistas]. Devemos discutir as questões racionalmente, à luz dos Evangelhos e do magistério da Igreja, sem representar partidos políticos, confiantes que o Espírito Santo pode nos guiar mais profundamente no mistério da nossa fé. Não devemos simplesmente rejeitar qualquer afirmação como falsa ou absurda. Mesmo se ela não estiver correta, devemos nos atrever a procurar pela semente de verdade que ela contém e compreender a intuição que levou as pessoas a afirmarem-na.

Como a Ressurreição pode ser vivida por todos os sofredores e marginalizados do mundo, especialmente dentro da própria Igreja, como os gays e as mulheres que sentem o chamado de Deus?
Para muitas pessoas na Igreja, este é um tempo de dor, quando Deus parece estar ausente, e o futuro parece desolador, e talvez elas se sintam mal acolhidas e depreciadas. Mas deixemo-nos surpreender por Cristo, que vem ao nosso meio e nos chama pelo nome, assim como fez com Maria Madalena, a primeira anunciadora da Ressurreição e a primeira padroeira da Ordem Dominicana! Todos, homens ou mulheres, gays ou heterossexuais, têm a mesma vocação, que é a de aprender a amar mais profundamente e assim entrar no mistério do amor de Deus que é a Trindade.

Rembrandt e o Cristo humano

Rembrandt: "Cabeça de Cristo", c. 1648-56
(clique na imagem para vê-la ampliada)

A propósito da festa de Corpus Christi e aproveitando o ensejo da exposição sobre a figura de Cristo na obra de Rembrandt, no Museu do Louvre, publicamos hoje nosso último post da série sobre a abordagem do pintor à figura de Jesus, posterior a 1648.

quarta-feira, 29 de junho de 2011

O pescador impulsivo e radical


A festa de São Pedro Apóstolo no dia 29 de junho representa uma boa ocasião para re-visitar e contemplar essa figura ímpar à qual o Novo Testamento dá lugar de destaque: Simão bar Jonas, ou Simão filho de João, pescador que teve seu nome mudado pelo carpinteiro Galileu que fazia milagres e seduzia multidões.

“Por isso eu te digo que tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja”. Assim reportam os evangelhos sinóticos as palavras de Jesus de Nazaré a Simão filho de João que o confessara como Messias e Filho de Deus quando perguntado pela identidade do Mestre que seguia compaixão. Recebendo um nome e uma missão maiores que ele mesmo, Simão Pedro estará à frente do grupo de seguidores do nazareno crucificado e fará a primeira interpretação pública de sua ressurreição no evento de Pentecostes.

Até chegar ali, o itinerário de Simão, o pescador foi tudo menos tranqüilo. Em um dia aziago de pesca inexistente ele já guardava suas redes quando aquele homem irrompeu em sua vida e subiu em seu barco. A abundância da pescaria que antes se negava a suas mãos experientes e calosas perfurou-lhe os olhos e o espírito, fazendo-o prostrar-se e reconhecer-se indigno daquele sinal. O Galileu de olhos e palavrairresistíveis prometera fazê-lo pescador de homens. E Pedro deixara para trás seu meio de vida, sua família, tudo que era até então para segui-lo em seu caminho errante e perigoso.

Quanto amava aquele Mestre desconcertante e sempre imprevisível! Mas ao mesmo tempo quanto ele o deixava perplexo e mesmo indignado às vezes. Pois não haviam ele e os outros deixado tudo para segui-lo? E não receberiam nada emtroca? Não estavam dispostos a protegê-lo e cuidar sua vida? Então porque ele se expunha daquela maneira expondo juntamente consigo a todos que o acompanhavam? E Pedro perguntava sem cessar e se agitava, mas quando Jesus serenamente lhe abria a porta de saída a fim de deixá-lo livre para afastar-se, era obrigado a confessar que não podia fazê-lo, pois só dos lábios do Mestre saíam as palavras da verdadeira vida.

Quando o cerco apertou em torno ao Mestre, Simão Pedro fez bravatas, puxou espada, cortou orelhas de soldado e teve que ser repreendido por Aquele que, traído, não retribuía violência com violência. Mas quando o levaram teve medo, muito medo. E perguntado se o conhecia, negou. Traiu uma, duas, três vezes o Mestre amado para depois chorar amargamente de arrependimento. Escondeu-se apavorado quando Jesus morreu junto com outros. E só a fala exaltada das mulheres que afirmavam ter visto Jesus vivo o convenceu a sair de casa e conferir o túmulo vazio, recebendo depois a visita do Ressuscitado em pessoa.

De frágil e medroso, Pedro passou a ser o corajoso líder do grupo sempre mais numeroso de homens e mulheresque espalhavam pelo mundo a Boa Notícia da vitória de Jesus sobre a morte. Interrogado pelo próprio Ressuscitado sobre seu amor, foi-lhe dada a chance de declarar por três vezes seu amor incondicional ao mesmo Jesus que antes por três vezes negara. A este homem instável e tão enternecedoramente humano Jesus confiou sua Igreja, seu amado rebanho mandando que dele cuidasse e a ele apascentasse.

A isso Pedro dedicou o resto de sua vida. Pescador de homens e timoneiro da barca do Senhor , singrou resoluta e valentemente os perigosos caminhos dos começos do Cristianismo, quando o anúncio da Boa Nova e o testemunho de Jesus significavam ameaça, prisão e morte certa.

O pescador convertido em apóstolo não escapou ao destino de tantos irmãos e irmãs de fé . Morreu crucificado em Roma, seguidor fiel do Mestre por quem – depois de tantas idas, vindas e descaminhos – finalmente entregou sua vida sem retorno. Seus sucessores à frente do rebanho de Jesus Cristo foram, ao longo da história, chamados ao mesmo ofício de anunciar a Boa Notícia e zelar sobre a comunidade dos seguidores de Jesus. Também a eles foi e é pedida a fidelidade radical e o testemunho de amor total diante das ovelhas que devem apascentar e frente a um mundo muitas vezes hostil à mensagem do Evangelho.

Como Pedro, frágeis, nem sempre fiéis, tantas vezes temerosos, os Papas foram e são chamados a assumir a missão que os ultrapassa: estar à frente do rebanho do Senhor e ser sinais visíveis de sua presença em meio ao mundo. A figura do pescador impulsivo e radical os inspira e encoraja. Como ele, confiam na promessa do próprio Senhor de que não deixará as portas do Inferno prevalecerem sobre sua Igreja.

- Maria Clara Bingemer
Reproduzido via Amai-vos

Luteranos publicam carta pastoral sobre homossexualidade


A presidência da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB) emitiu, na sexta-feira, 24, Carta Pastoral sobre homoafetividade. O texto reafirma o amor incondicional de Deus, destaca a discriminação sofrida por homossexuais e enfatiza o respeito mútuo pelas posições distintas, de diálogo franco, desarmado e fraternal.

A notícia é da Agência Latino-Americana e Caribenha de Comunicação (ALC), 27-06-2011, reproduzido via IHU com grifos nossos.

Assinado pelo pastor presidente, Nestor Paulo Friedrich, o documento aceita a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que reconhece a união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como “entidade familiar”, entendida como sinônimo de “família”.

Lembra os posicionamentos emitidos em 1999 e 2001, a partir dos quais reafirma que o grau de dificuldade para lidar com o assunto relações homoafetivas ou homossexualidade não diminuiu; que o amor incondicional de Deus pelos humanos é a base essencial para abordar esse tema. Enfatiza que as pessoas de orientação homossexual - por serem discriminadas e estigmatizadas - e seus familiares sofrem muito.

Apontou as limitações inerentes à eclesialidade luterana, por não haver um magistério com prerrogativa de estabelecer normas éticas a serem seguidas pelos fiéis. Destaca que pastores e pastoras têm a responsabilidade de orientar as pessoas para o discernimento ético, fortalecendo-as a tomarem, em liberdade e responsabilidade, suas próprias decisões diante de Deus.

Às comunidades, recomenda o zelo para evitar uma postura maniqueísta, que distingue o bem e o mal. Observa que há questões em que cristãos devem lidar com a tensão oriunda da dificuldade de dar respostas rápidas, propõe a convivência com o debate difícil, mas sério, aberto, respeitoso, e diz que a separação entre joio e trigo caberá ao Senhor.

Entende que o importante é o empenho do Estado para superar a intolerância, o preconceito, a estigmatização de comportamentos e as consequências que provocam violência, sofrimento, perseguição e morte. Insiste que a intolerância é fonte de condenações e que, do ponto de vista do Estado, a decisão do STF quer impedir isso.

Assim, espera que o Estado assegure e concretize os direitos fundamentais da liberdade de pensamento, de crença e de manifestação. Que coíba a violência decorrente de posturas extremas, como querer calar a voz dos que buscam o diálogo.

Afirma que somente se crescerá e avançará nesse tema, se a opção for por uma postura de respeito mútuo pelas posições distintas, de diálogo franco, desarmado e fraternal, de busca da superação da exclusão e, que proponha uma “opção radical por manifestações e gestos que deem lugar à graça e ao amor de Deus”.

Marchas, abraços e contramarchas


Foram três manifestações distintas. Todas na cidade de São Paulo e na mesma semana, como que encadeadas. A coincidência delas, ainda que não seja inusitada, sugere alguma reflexão.

Quarta-feira, dia 22, foi o dia do abraço coletivo na Paulista, concebido como "um gesto de amor à cidade e respeito ao próximo", além de um repúdio aos atos de violência contra homossexuais ocorridos recentemente na região. Centenas de pessoas deram-se às mãos ao meio-dia, caminhando simbolicamente na contramão da avenida, um dos maiores ícones da cidade e expressão perfeita da vida frenética, tensa e impessoal que tem feito a fama dos paulistanos. Bela demonstração de que por aqui também há ações cívicas no sentido mais básico da expressão, qual seja, o da conduta que busca compartilhar o desafio de construir uma ordem social justa, igualitária e governada por todos e para todos.

No dia seguinte, sob o embalo do Corpus Christi, foi a vez da Marcha para Jesus, promovida por igrejas e congregações evangélicas com o intuito de expressar publicamente a fé, o amor e a exaltação do nome do filho de Deus, que precisaria ser mais valorizado. Muitos milhares de pessoas foram às ruas proclamar "o Senhorio de Jesus", cantar e dançar ao som de bandas e cantores gospel. Diversas famílias aproveitaram para agradecer os milagres e as dádivas recebidas.

Pelo andar da carruagem, porém, o que se viu na manifestação foram mais trevas do que luz. Valendo-se do nome e da imagem de Jesus, a caminhada desfilou uma sucessão de ataques aos que são considerados os atuais piores "inimigos" da cristandade, verdadeiros aliados do demônio: os homossexuais, atacados em si, em seus direitos e em suas reivindicações. Puxada por pastores-políticos, a passeata não perdoou algumas instituições do País (o STF, antes de tudo) que, por se mostrarem sensíveis a temas tidos como tabus, deveriam ser vistas como auxiliares do processo de entronização de Satanás na Terra.

O ato foi festivo e familiar na formatação geral, mas teve um subtexto que lhe deu o tom de marcha fúnebre, uma contramarcha, triste na evolução e reacionária no objetivo. Deixou claro que a fé muitas vezes caminha abraçada com o fanatismo e o fervor obscurantista, veículos certos da intolerância e da discriminação. Para piorar, a marcha forneceu palco para campanhas políticas explícitas, deixando-se arrastar por elas.

Por último, fechando a semana, o domingo assistiu à 15.ª Parada Gay, festa alternativa que há anos contagia a cidade e a insere no circuito das mais avançadas lutas por direitos. São Paulo se acostumou e se identificou tanto com ela que chegam a surpreender as manifestações homofóbicas que ainda ocorrem entre os paulistanos. Os gays dão vazão em alto e bom som, de modo espalhafatoso, irreverente e alegre, muitas vezes chocante, a uma agenda sintonizada com o modo de vida atual, em cujo centro está um sempre mais ampliado desejo de liberdade. Põem-se no meio da democratização social em curso, processo que encontra resistência em hábitos seculares, manifestações de fé cega e fanática, postulações machistas de autoridade, fundamentalismos de todo tipo. A parada por eles organizada proclama um mundo estruturado pela diversidade, pela tolerância, pelo respeito à liberdade de cada um e aos direitos de todos, mundo que não existe de modo pleno, mas já dá mostras de sua potência civilizacional. O tema da parada 2011 fala por si: "Amai-vos uns aos outros: basta de homofobia!".

O registro das três manifestações mostra uma São Paulo de múltiplas comunidades e agendas, uma cidade plural, marcada pela diversidade - uma terra onde todos têm voz e se podem manifestar. A Marcha pela Descriminalização da Maconha, realizada semanas atrás, deve ser igualmente lembrada. A cidade condensa essa pluralidade em sua própria dinâmica, em seus bairros étnicos, em seu multiculturalismo, nos milhões de imigrantes europeus, escravos africanos, brasileiros de outros Estados, latino-americanos, que ajudaram a construí-la e cujos descendentes aqui permaneceram, amalgamados e pouco segmentados entre si. Uma cidade plural e sem guetos.

Com o passar do tempo São Paulo se tornou uma cidade hipermoderna, globalizada, que deslocou a vida tradicional, que prevalecia soberana, ainda que não com exclusividade. Basta lembrar que foi aqui que se realizou a Semana de Arte Moderna, em 1922, com a qual se anunciou o destino que estaria reservado à futura metrópole. Hoje a cidade avança sob os fluxos de uma vida mais "líquida", tecnológica, pouco controlável e dificilmente governada. Não deixou, porém, de ser capitalista nem conseguiu civilizar seu capitalismo, que continua responsável pela reiteração do que há de desigualdade, pobreza e alienação na cidade. A "vida líquida" prevalecente também não soterrou a "vida sólida" de antes, que encontra muitas maneiras de se reproduzir, recebendo oxigênio até mesmo do que a hipermodernidade produz de mais típico. A liberdade e a tolerância incentivadas pela "vida líquida", por exemplo, fazem a fé cega e as convicções rígidas da "vida sólida" se encrespar e sobreviver.

Gays e evangélicos, com suas marchas e contramarchas, mostram uma São Paulo em transição. O predomínio de um modo "líquido" de vida não produz imediatamente uma boa sociedade, nem mesmo uma sociedade melhor, pois oculta demasiadas distorções e injustiças, obriga a que se viva no risco e na incerteza, de maneira excessivamente frenética e fora de controle. Nem sequer facilita a mobilização social. Mas a "vida sólida" de antes não tem mais como nos dar segurança ou nos orientar, o que faz com que tenhamos de viver entre dois mundos, um que ainda não se afirmou plenamente e outro que pena para sobreviver.

Assim com São Paulo, assim com a maior do planeta. Bem-vindos ao século XXI, no correr do qual estaremos imersos numa batalha para saber que eixo, que ética e que ideias estruturarão a "vida líquida" em que passaremos a viver.

- Marco Aurélio Nogueira, professor de teoria política da Unesp, em artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo, 29-06-2011, e reproduzido via IHU.

Léo Áquilla é impedida de se hospedar em hotel de São Paulo



O Léo Àquilla sempre tem ótimas colocações.
Parabéns pela iniciativa e que seu exemplo possa ser replicado.

Fonte: A Capa

Experimentar ou aprender?

Foto: David Boni

São palavras do grego. Fixemos: "mathéin": aprender e "pathéin": experimentar. É claro que há mais sentidos ocultos nessas palavras, mas fiquemos com estes. Entre mathéin e pathéin, há um caminho a ser percorrido. Aristóteles dizia que as pessoas iam aos cultos mais para experimentar (pathéin) que para aprender (mathéin) verdades. Cerca de 2.400 anos depois acontece o mesmo nos templos cristãos, muçulmanos e judeus.

A maioria dos crentes vai experimentar os mistérios. Poucos privilegiam a teologia, o catecismo, o aprendizado. Aprofundam-se no sentir e quase nunca no entender.

A maioria dos pregadores de hoje segue a linha do "pathéin". Conduzem o fiel para sentir, experimentar, orar em línguas, emocionar-se, pedir curas, abrir os braços, chorar, dançar. Pregam mais o sentir do que o entender, captar, aprender e raciocinar. Desminta-me quem puder. Ligue o rádio e a televisão e verá se a intenção é ensinar a refletir ou a emocionar-se.

Televisão, rádio, congressos e templos estão repletos de "pathéin". "Sinta e experimente Deus" está muito mais em voga do que "entenda e compreenda o que a mensagem dizia naqueles tempos e o que nos diz agora".

Na verdade, a ordem é "confie e beba e não faça perguntas". Uma boa religião precisa de mais do que isso! Perguntar também é coisa do céu!

- Pe. Zezinho, SCJ
Reproduzido via Mensageiro de Santo Antonio, julho/agosto de 2011.

"Católico e homossexual, quero viver a minha fé e a minha diferença"


Para viver bem e verdadeiramente em andamento, Jean-Michel Dunand escolheu escrever e contar o seu itinerário, que resultou no livro De la honte à la lumière. (Presses de la Renaissance). Atualmente, animador de pastoral em um grande liceu católico de Montpellier, passou “da vergonha à luz”...

A entrevista é de Elisabeth Marshall e está publicada no sítio da revista francesa La Vie, 31-05-2011. A tradução é do Cepat, aqui reproduzida via IHU com grifos nossos.

Eis a entrevista.


Desde muito cedo você sentiu que não era “semelhante aos outros”. Quando e como você descobriu sua homossexualidade?

Desde quando possa me lembrar eu era sensível ao corpo dos homens. Quando eu tinha seis anos, indo com meus pais para a festa popular, eu descobri que a beleza dos corpos masculinos me fascinava. Eu realmente não entendia e pensava que era o único no mundo a fazer esta experiência. Na minha pequena cidade de Albertville, na Sabóia, eu não tinha nenhum modelo homossexual com quem me identificar. Em almoços de família, às vezes se fazia menção a um primo, com mais de dez anos, exilado em outra cidade e que, segundo eles, tinha “costumes estranhos”, mas eu não sabia que ele e eu compartilhávamos talvez a mesma experiência.

Não se escolhe, você escreve, ser homossexual, assim como não se escolhe ser heterossexual. Isso não está no domínio da liberdade?

Levei um tempo para perceber que eu não tinha feito uma escolha, que eu não podia mudar. Minha homossexualidade se impôs a mim da mesma maneira que a minha estatura ou o meu porte físico. Eu nunca fui afeminado, refinado, mas quando eu jogava, era natural que eu exibisse os trejeitos de uma garota. Atraído pela vida religiosa, eu me imaginava como carmelita seguindo os passos de Teresa. Eu pensava: "Se fosse uma mulher, entraria na ordem." Não estou dizendo que a homossexualidade é inata, mas que ela se inscreve na singularidade de uma história. No entanto, nas mentes e nas igrejas, ainda perdura a ideia de que se pode mudar, de que é uma questão de vontade... Mas quem se exporia voluntariamente à diferença?

É com a escola, como adolescente, que o olhar dos outros começou a pesar.

Eu não disse nada, mas os outros meninos perceberam porque eu não gostava de esportes, futebol, jogos violentos. Eu sempre escondi, com medo de ser descoberto. Mais tarde, muitas vezes pensei que, se nos reconhecemos entre homossexuais é porque podemos ler no olhar do outro esta fadiga de perpetuamente ter que esconder quem se é. E depois houve aquele dia, na quinta, quando cheguei atrasado, eu tive que passar diante de toda a fila e enfrentar os insultos, “bicha”, “marica”... Eu fiz a experiência da vergonha, aquela que joga você vivo em um túmulo.

E depois, outro apelo, o da vida religiosa...

Sim, aos 8-9 anos, eu fui como que tomado por Cristo, eu chorei na Paixão de Jesus, lendo uma vida de santo oferecida por uma catequista. Mais tarde, aos 14 anos, sozinho na Abadia de Tamié, eu experimentei uma presença de amor, uma profunda paz. Eu guardei secretamente este encontro no meu coração e, ao mesmo tempo, eu me construí um personagem, aquele do perfeito cristão, futuro sacerdote que servia a missa, tinha a confiança do padre e ostentava uma grande cruz de madeira bem visível. Era mais fácil ser o aprendiz de santo do que o pequeno homem. Eu preferia que rissem da minha fé do que da minha homossexualidade. Eu levantei, com a religião, uma muralha ao redor de mim para me proteger do olhar dos outros e, principalmente, de mim mesmo, das minhas próprias divagações...

Estas são as páginas mais terríveis de seu livro. Você conta como, aos 14 anos, em Lourdes, você aceita as carícias de um estranho. A sexualidade sem o amor, você diz...

Naquele dia, o chão se abriu sob os meus pés. Senti-me indecente, mas também descobri que fui atraído. Entre 18 e 25 anos, eu vivi um verdadeiro aquartelamento, uma vida dupla, eu era o Dr. Jekyll e o Sr. Hyde. De um lado, no convento das carmelitas, nos grupos de oração e de evangelização, depois no seminário durante alguns anos, eu me apresentava como um modelo de fé, vestido de branco com um manto preto, sandálias nos pés... Do outro, eu me encontrava com homens às escondidas. Recusei-me a me instalar em qualquer relacionamento. Eu pensava que era menos grave, que era a minha única fragilidade e que à base de oração, de confissão, de vida sacramental, eu sairia dessa situação. As poucas vezes que eu me confessei, me falaram de “desvio”. Que me curaria pela oração de libertação. Nesse período, só Cristo não me abandonou.

O que você queria ouvir neste momento?

Olhando para trás, aos 46 anos, eu gostaria de ter sido compreendido em profundidade. Que me levasse de volta à realidade para não mais fugir, mas descobrir a minha humanidade mais profunda, minha afetividade, minha sexualidade, em vez de enterrar tudo sob uma pseudo-espiritualidade. Após ter ouvido muito, constato que não é incomum que as pessoas homossexuais comecem suas relações em ambientes sórdidos. Talvez porque seja proibido viver o amor e a ternura à luz do dia.

O que ajudou você?

Tentaram me curar, me exorcizar de qualquer maneira, queriam me internar para fazer uma sessão de regressão. Eu estava ficando cada vez pior, pensei em suicídio. E eu disse para mim mesmo "basta!". Foi a amizade que me ajudou. A de Patrick, um amigo que me abriu um outro caminho. Comecei a trabalhar como agente de um hospital que me permitiu retomar uma vida normal, uma apreciação adequada de mim mesmo e viver mais verdadeiramente a minha homossexualidade. Eu também encontrei o amor e agora vivo uma relação estável que já dura 20 anos. Finalmente, as pessoas confiam em mim. Sou animador de pastoral em uma escola católica há quase 16 anos graças à confiança que tive, com todo o conhecimento de causa, de um diretor de escola.

O que você está pedindo à Igreja hoje?

Eu não reivindico nada, exceto o direito de viver sem ser amputado de uma parte perdida de mim mesmo. Como católico, eu quero poder viver a minha fé e o desenvolvimento da minha sexualidade e da minha ternura partilhadas com alguém do mesmo sexo. Eu não sou um ativista que lança a bandeira da causa gay. Mas eu não posso aderir a estas certezas segundo as quais "a homossexualidade é contra a natureza e fora do plano de Deus". Isto leva a um impasse. Se eu reivindico algo é uma mudança e uma humildade do olhar. Com as pessoas “homossensíveis” – prefiro falar assim, pois não nos reduz à sexualidade – estamos muitas vezes diante de percursos fraturados, de vidas acidentadas. Mas também de verdadeiras sensibilidades em relação à beleza, à arte, à espiritualidade. Veja o número de homossexuais entre os grandes artistas, designers de moda... Estes são, em todos os casos, vidas singulares que não se pode julgar sem conhecer, nem vasculhar sua intimidade. Diante da mulher adúltera do Evangelho, o que Jesus faz? Ele não a questiona, mas afasta os olhos, inclinando-se ao chão para escrever; ele afasta também os acusadores, pois todos vão se retirando na medida em que ele os faz perceber seu próprio pecado. Não encerremos as pessoas em nossas normas e em nossos olhares inflexíveis.

Você criou, em 2000, em conjunto com mosteiros, a Comunhão Betânia, a serviço de pessoas homossensíveis e transgêneros.

Sim, é uma comunhão contemplativa. Nós nos encontramos duas vezes por ano para um retiro num mosteiro, às vezes na Abadia de Tamié. Mas nós estamos, diariamente, em união de oração através de um pequeno ofício composto de salmos, das bem-aventuranças e de uma oração de intercessão, como uma ponte entre nós. Além do círculo de amigos engajados, há amigos que rezam todas as quintas-feiras em nossa intenção, pais de filhos homossexuais, contemplativos como o carmelo de Mazille, inclusive bispos que se juntam a nós nesta fraternidade espiritual. Nosso objetivo é mudar os olhares, propor também gestos simbólicos como, por exemplo, durante eventos do orgulho gay, propondo uma oração nas igrejas para erguer espiritualmente o caminho das pessoas homossensíveis. Eu acredito que a evolução dos cristãos em relação aos homossexuais se fará pela oração. A militância assusta, os monges não! Ao convidar para a oração, nós convidamos pacificamente a acolher este olhar de Cristo que desloca. A Igreja precisa, em relação a essa questão, de uma cura de silêncio. Eu não peço que reconheça a homossexualidade no mesmo nível da heterossexualidade, mas que olhe as pessoas e proporcione instâncias de encontro e de escuta.

Que mensagem gostaria de deixar aos cristãos?

Antes de arriscar uma palavra, ter tempo para ouvir as pessoas homossexuais. Antes de discutir sobre ideias, conhecer vidas. Foi poder falar e ser ouvido que, pessoalmente, me salvou. No meu trabalho eu sou discreto sobre a minha vida pessoal, mas eu sei que eu tenho a confiança do meu bispo, do meu diretor diocesano, do meu diretor da escola, eu sou franco com eles. Foi Freud quem disse: “Quando alguém fala, é dia!” É talvez justamente por que faça dia que eu escrevi e publiquei este livro.

Rembrandt e os peregrinos de Emaús

Rembrandt: "Os peregrinos de Emaús", c. 1648
(clique na imagem para vê-la ampliada)

A propósito da festa de Corpus Christi e aproveitando o ensejo da exposição sobre a figura de Cristo na obra de Rembrandt, no Museu do Louvre, publicamos hoje mais uma abordagem do pintor à figura de Jesus, agora de c. 1648, quando ele tinha 42 anos.

terça-feira, 28 de junho de 2011

O Vaticano e os casamento gays de Nova York


A história prossegue. A Igreja Católica permanece imóvel. Ciro e Guido, juntos há sete anos, receberam nesta manhã a bênção do pastor Giuseppe Platone no templo valdense de Milão. Não é um casamento, mas é o reconhecimento, por parte da mais antiga confissão protestante italiana, de que a sua união e o seu compromisso de amor merece ser acompanhado pela comunidade religiosa.

A reportagem é de Marco Politi, publicada no jornal Il Fatto Quotidiano, 26-06-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto, reproduzida via IHU.

Andrew Cuomo, o governador ítalo-americano do Estado de Nova York, católico declarado, festeja há 48 horas a vitória trazida pela aprovação dos casamentos gays. Sexta-feira à noite, com 33 votos contra 29, o Senado do Estado de Nova York aprovou a lei que autoriza o matrimônio dos casais do mesmo sexo, apesar da oposição extenuante do arcebispo da cidade, Timothy Michael Dolan, que também é presidente da Conferência Episcopal norte-americana.

Devido ao choque, o L'Osservatore Romano, relatando a notícia, escreveu o nome do arcebispo ao contrário: "Donal". Nova York é o sexto Estado norte-americano que reconhece o matrimônio gay e é um campo politicamente importante – não só pelas características da cidade, mas também pela presença de um compacto eleitorado católicos de origens italianas, polonesas e irlandesas.

E a Igreja Católica na Itália continua negando a possibilidade de que se aprove uma lei sobre os casais de fato hetero e homossexuais. É compreensível que, com base na sua tradição, a hierarquia católica entenda o matrimônio como a fundação de uma família, em que homem e mulher dão vida a uma prole.

Incompreensível e inaceitável é que o Vaticano continue pretendendo impor um veto à legislação civil. Do outro lado do Tibre, já se sabe, a doutrina dos "princípios inegociáveis", aprovada no Santo Ofício pelo então cardeal Ratzinger no final de 2002, tornou-se uma Bíblia. Pretender-se-ia impor que governantes e parlamentares nunca façam uso – laicamente e no respeito ao pluralismo social – da legítima autonomia do político, quando se trata de matérias que o magistério vaticano declarou como irrenunciáveis: divórcio, aborto, uniões civis, testamento biológico (e – veja bem – financiamento para as escolas católicas).

Mas a História se vinga quando uma posição se fossiliza. O muro ratzingeriano está desmoronando ano após ano. Justamente nos países catolicíssimos. Em abril de 2007, o Distrito Federal do México descriminalizou o aborto. Em 2009, o mesmo distrito legalizou os matrimônios gays. Em maio de 2010, o presidente de Portugal ratificou uma lei sobre os matrimônios gays, e o mesmo ocorreu dois meses depois na Argentina. Finalmente, no dia 29 de maio passado, em Malta, os cidadãos também introduziram o divórcio por referendo. Embora durante a sua visita em 2010 Bento XVI tenha instado os jovens malteses a se orgulharem porque seu próprio país rejeitava uma norma desse tipo.

É hora que os parlamentares italianos tomem coragem novamente e ponham as mãos sobre uma legislação que dê dignidade civil e garantias para os casais do mesmo sexo. A sociedade italiana está muito mais à frente. Dez anos depois do Gay-Pride do ano 2000, que desencadeou trovões e relâmpagos do Vaticano e revelou alguma covardia cultural também na centro-esquerda, a grande marcha se repetiu este ano em Roma com o apoio público de um prefeito de direita como Gianni Alemanno. É a força das coisas. É a força de uma ideia normal de civilização. Mas, se a classe política continuar em silêncio, então caberá à sociedade civil se mexer. Não se obtém nada de graça.

Fé cega, faca amolada

Ilustração: Marc Johns

O episódio envolvendo o projeto Escola Sem Homofobia do MEC e a marcha cristã contra o PLC 122 (que revê punições para quem viola a dignidade e os direitos de minorias vulneráveis, como idosos, pessoas com deficiências e LGBTs) me suscitaram uma questão que está ligada ao crescimento do fundamentalismo religioso e aos esforços deste para converter seus dogmas em leis para todos. A questão nos leva a crer que o Estado laico e de direito, as liberdades civis e o humanismo estão ameaçados pelo fundamentalismo cristão (católico e, sobretudo, evangélico neopentecostal).

Em primeiro lugar, quero ressaltar que não estou me referindo à totalidade dos crentes cristãos, mas apenas aos fundamentalistas. Conheço muitos crentes católicos e evangélicos que comungam do respeito (e até se sacrificam) pelas liberdades, pela justiça e pela humanidade. Eu mesmo fui educado no cristianismo católico e herdei, do catecismo e das comunidades eclesiais de base, o humanismo e o amor pelo outro que hoje defendo, embora não seja mais católico. Há muitos outros crentes que defendem o mesmo. Mas não é o caso dos fundamentalistas.

Cristãos fundamentalistas são aqueles que crêem na Bíblia sem interpretá-la. Acreditam nos fundamentos de sua religião como verdades absolutas e inquestionáveis – e a Bíblia, como um texto literário escrito em contexto histórico e social bastante diferente do nosso, na maioria de suas passagens não deve ser tomada ao pé da letra. O fundamentalismo religioso tem, então, total identidade com o fanatismo e com o obscurantismo.

As idéias de cristãos fundamentalistas acerca da homossexualidade – de que esta é uma doença ou um “pecado mortal” e que os homossexuais vivem em pecado e que, portanto, “não herdarão o reino dos céus” – são obscurantistas e fanáticas e abrem mão da razão. Esses “cristãos” – muitos deles ocupando espaços na tevê, nas Assembléias Legislativas, Câmaras de Vereadores e no Congresso Nacional – querem que mulheres e homens vivam segundo leis e valores descritos em um livro (a Bíblia) escrito há dezenas de séculos antes de nós. Querem que joguemos fora todas as descobertas científicas e argumentos filosóficos acumulados nos últimos dois mil anos de discurso humano para vivermos conforme vivem os personagens da Bíblia. Não! Mulheres e homens precisam desenvolver suas virtudes e possibilidades humanas, precisam ser humanistas e lutar pelas liberdades civis.

Não se calar diante da tagarelice desses parlamentares e de outros fundamentalistas é, portanto, lutar pela respeito mútuo entre os diferentes, pela solidariedade entre os seres humanos, pela liberdade de crença e de descrença (sim, ateus e agnósticos têm o direito de não crer e nem por isso devem ser considerados pessoas sem ética) e pela laicidade. Em seu Artigo 19, a Constituição afirma que o estado brasileiro é laico e que, como tal, não deve nem pode estabelecer preferências entre as religiões. O texto constitucional dá à pessoa humana o direito de acreditar ou não em um ser divino, mas afirma que o estado não tem sentimento religioso.

A história nos mostra que o fundamentalismo em qualquer religião só leva as pessoas ao autoritarismo, à escravidão e à violência. Fundamentalistas não têm compromisso com a ética que assegura a vida nem com o bem-estar de todos. Essa gente quer estabelecer a paz dos cemitérios. Como diz a letra da canção, “fé cega, faca amolada”.

- Jean Wyllys
Jornalista e linguista, é deputado federal pelo PSOL-RJ e integrante da frente parlamentar em defesa dos direitos LGBT.
Reproduzido via Carta Capital, com grifos nossos.

Leia também:
Jean Wyllys: “O Estado é laico. É por ele que os congressistas devem lutar”.

Em memória de Mim


A crise da missa é, provavelmente, o símbolo mais expressivo da crise que se está a viver no cristianismo atual. Cada vez aparece com mais evidência que o cumprimento fiel do ritual da eucaristia, tal como ficou configurado ao longo dos séculos, é insuficiente para alimentar o contato vital com Cristo de que necessita hoje a Igreja.

O afastamento silencioso de tantos cristãos que abandonam a missa dominical, a ausência generalizada dos jovens, incapazes de entender e gostar da celebração, as queixas e pedidos de quem continua a assistir com fidelidade exemplar, gritam-nos a todos que a Igreja necessita no centro mesmo das suas comunidades uma experiência sacramental muito mais viva e sentida.

No entanto, ninguém parece sentir-se responsável pelo que está a ocorrer. Somos vítimas da inércia, da covardia ou da preguiça. Um dia, quem sabe não longe, uma Igreja mais frágil e pobre, mas com mais capacidade de renovação, empreenderá a transformação do ritual da eucaristia, e a hierarquia assumirá a sua responsabilidade apostólica para tomar decisões que hoje não nos atrevemos nem a expor.

Entretanto não podemos permanecer passivos. Para que um dia se produza uma renovação litúrgica da Ceia do Senhor é necessário criar um novo clima nas comunidades cristãs. Temos de sentir de forma muito mais viva a necessidade de recordar Jesus e fazer da Sua memória o princípio de uma transformação profunda da nossa experiência religiosa.

A última Ceia é o gesto privilegiado em que Jesus, ante a proximidade da Sua morte, recapitula o que foi a Sua vida e o que vai a ser a Sua crucificação. Nessa Ceia concentra-se e revela-se de forma excepcional o conteúdo salvador de toda a Sua existência: o Seu amor ao Pai e a Sua compaixão para com os humanos, levado até ao extremo.

Por isso é tão importante uma celebração viva da eucaristia. Nela atualizamos a presença de Jesus no meio de nós. Reproduzir o que Ele viveu no término da Sua vida, plena e intensamente fiel ao projeto do Seu Pai é a experiência privilegiada que necessitamos para alimentar o nosso seguir a Jesus e o nosso trabalho para abrir caminhos ao Reino.

Temos de escutar com mais profundidade o mandato de Jesus: "Fazei isto em memória de Mim". No meio de dificuldades, obstáculos e resistências, temos de lutar contra o esquecimento. Necessitamos fazer memória de Jesus com mais verdade e autenticidade.

Necessitamos reavivar e renovar a celebração da eucaristia.

- José Antonio Pagola
Reproduzido via Amai-vos, com grifos nossos

Viver na Igreja


A vida cristã pode ser definida como “seguimento de Cristo”; é estar a caminho com Jesus Cristo, pela vida afora (“eu estarei sempre com vocês...”), deixando-se atrair sempre mais por ele, aprendendo dele e tentando praticar o que dele aprendemos. Não vamos sozinhos, mas conosco seguem, no mesmo caminho, tantos outros irmãos, também discípulos do Senhor e membros da Igreja, que nos apóiam e aos quais devemos apoiar; acompanham-nos os santos do céu com sua intercessão e seu exemplo de vida, dando-nos força e coragem para perseverar e seguir em frente.

Viver “na Igreja” e sentir-se parte dela é essencial na vida cristã; caminhar sozinhos é muito difícil e desaconselhável; vamos com os irmãos, na Igreja, comunidade de fé, na comunhão dos santos. Ninguém é filho de Deus sozinho, nem discípulo solitário do Senhor... Por isso, a vida cristã requer a participação nos atos de vida comunitária, como a santa Missa dominical, as outras celebrações da Igreja e os sacramentos. Em tempos de afirmação crescente do individualismo, é necessário cultivar intensamente a dimensão comunitária da fé e da vida cristã.


- D. Odilo Scherer, cardeal arcebispo de São Paulo, em um belo artigo publicado no site da CNBB

Citado no blog do amigo Teleny, defendendo a promoção, pela Igreja, de "uma séria e bem estruturada Pastoral de/para Homossexuais (ou, melhor, da Diversidade)".

Hoje é o Dia Mundial do Orgulho LGBT


No dia 28 de Junho deste ano é comemorado mais um Dia Mundial do Orgulho LGBT. Uma data histórica para a comunidade LGBT que no mesmo dia, mas 42 anos atrás, reagia pela primeira vez contra a homofobia, o preconceito e a represália das autoridades por conta da orientação sexual.

No início da manhã de 28 de Junho de 1969, alguns homossexuais em Nova York decidiram reagir à constante perseguição de policiais que diariamente invadiam clubs e casas que funcionavam de forma praticamente clandestina mas eram tradicionais pontos de encontro entre cidadãos LGBT.

O bar Stonewall Inn – mais conhecido por Stonewall – foi o palco deste acontecimento histórico, dando origem à chamada Batalha (ou Revolta) de Stonewall, considerada a primeira manifestação organizada de cidadãos LGBT contra o preconceito.

Desde 1969 a data é lembrada mundialmente por diversos países que comemoram o Dia Mundial do Orgulho LGBT. Parabéns a todos nós! :-)

Fonte: Do Lado

Rembrandt, Jesus e seus discípulos

Rembrandt: "Jesus e seus discípulos", c. 1634
(clique na imagem para vê-la ampliada)

A propósito da festa de Corpus Christi e aproveitando o ensejo da exposição sobre a figura de Cristo na obra de Rembrandt, no Museu do Louvre, publicamos hoje mais uma abordagem do pintor à figura de Jesus, agora de 1634, quando ele tinha 28 anos - um Jesus profundamente humano em meio à humanidade de seus discípulos.

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Quebrando o ciclo do ódio


O que têm em comum Mark Strohan (texano preso por homicídio e que deverá ser executado no próximo dia 20 de julho) e Rais Bhuiyan (bengali, imigrante legal, vivendo nos Estados Unidos há vários anos, cego de um olho)? O traço em comum entre os dois é justamente o olho perdido de Rais Bhuyan. Pois o responsável pela perda parcial de visão do bengali foi justamente Mark Strohan, que o atacou com um tiro no rosto.

Tudo começou no dia 11 de setembro de 2001, data que marca um novo ciclo na história ocidental e do mundo inteiro. O ataque às torres gêmeas plantou o terror e o ódio no centro do hemisfério, deixando um lastro de morte e destruição. Neste dia, Mark Strohan perdeu sua irmã e a inocência que lhe restava no coração. Passou a ser movido pelo desejo de vingança e pelo ódio a tudo e a todos que levassem qualquer proximidade e semelhança com os autores do atentado, responsáveis por sua perda e a dor incurável que ela provocara em sua vida.

Mark Strohan passou a perseguir e atacar imigrantes. Atirava para matar. Com dois, conseguiu seus intentos: um paquistanês e um indiano. Com Rais Bhuyan conseguiu apenas destruir seu olho. O bengali sobreviveu. E Mark Strohan foi preso. Era o dia 21 de setembro, dez dias depois do atentado que mudou o mundo e plantou o ódio no seu coração. O bengali retomou aos poucos sua vida, tendo que aprender a conviver com sua nova situação física. O texano ficou dez anos preso, foi condenado à pena capital e agora sua execução foi marcada.

Há, porém, uma voz que se levanta entre Mark Strohan e sua programada morte: surpreendentemente, a de Rais Bhuyan. O bengali que perdeu parte da visão pela arma do condenado não parece reger-se pela lei do Talião: "Olho por olho, dente por dente”. Mas sim pela compaixão que ensina a ver no outro, qualquer que ele seja, não importa o que haja feito, um irmão em humanidade. No intrincado aparelho judicial estadunidense, Rais Bhuyan luta para transformar a pena de morte decretada para Strohan em prisão perpétua. Não deseja a morte de seu agressor e, pelo contrário, luta para devolver-lhe a vida.

Bhuiyan declara haver chegado à decisão de empreender este combate pela vida do homem que atirou em seu rosto e perfurou seu olho após um longo e duro processo de sofrimento e purificação. Dele saiu sem ódio no coração, mas cheio de gratidão por lhe ter sido dada a chance de viver. Sentia em si o desejo de fazer algo pelos outros. E logo essa alteridade em direção à qual se movia a nova compaixão que o habitava recebeu um rosto e um nome: o de Mark Strohan. Após consultar as famílias dos dois outros homens mortos pelo texano e delas receber a aprovação para o que desejava fazer, Rais lançou-se de corpo e alma na luta para libertar Strohan da injeção letal que deverá levá-lo à morte no próximo mês de julho.

Sua conduta chama a atenção e surpreende a opinião pública. Bhuys tem que dar entrevistas explicando por que, em vez de vingar-se, escolheu perdoar. Como vítima do ódio, não seria mais lógico alegrar-se com a morte do agressor? A esta pergunta ele responde dizendo que deseja quebrar o ciclo do ódio e que o único caminho para isso é o perdão. Não vê Strohan como inimigo, mas como seu semelhante. Entende o que fez como fruto de uma perda de consciência e privação de sentidos. Deseja resgatá-lo como ser humano e dar-lhe a chance de ter sua vida de volta e redescobrir-se como ser humano.

Trabalhando em parceria com a advogada do condenado, Bhuys tem esperança de conseguir seu intento. Quer encontrar-se com Strohan, falar com ele, declarar-lhe pessoalmente seu perdão. Ao saber disso, o texano chorou muito. Está disposto a receber seu defensor na prisão. O perfume do perdão derramado sobre o ódio e a violência que separou estes dois homens ungiu a distância e inaugurou uma nova aproximação. Uma ponte foi construída, o fosso foi transposto, Bhuys e Strohan contemplam sua condição de seres criados para o amor e a relação, recém recuperada e renovada.

Contra a irracionalidade da violência, apenas a irracionalidade do perdão pode ter algum poder, alguma eficácia. Porque, como a palavra mesma diz, per-doar é persistir no dom. O dom da vida foi generosamente concedido a Strohan e a Bhuys. Rompido pela violência de um, é restaurado pelo perdão do outro que persiste na doação. E o dinamismo vital continua em movimento, sem ser lançado no país escuro do "rigor mortis”. Contemplando a maravilha deste milagre, louvamos a Deus que criou a Strohan e a Bhuys à sua imagem e semelhança.

- Maria Clara Bingemer
Reproduzido via Amai-vos, com grifos nossos.

A "Parada" é triste...




Triste.

É o que sinto e tenho certeza que muitos dos que lêem aqui sentem o mesmo após a 15º Parada Gay.

Sinto-me triste, como cidadão, como cristão, como gay, mas principalmente como comunicólogo.

Escrevo também pra chamar atenção daqueles que entendem muito bem o propósito de um dialogo e pra que tenham uma leitura ainda mais atenta dos meios de comunicação com relação ao tema LGBT X Religioso.

O nível da comunicação crítica vai de mal a pior. Como falei num post anterior a respeito da importância da TV neste pais, é dela ainda, o papel de pautar com maior amplitude todos os brasileiros sobre temas socialmente relevantes. Pasmado, ou não, não ache que é do jornalismo este papel, é ainda, da novela.

O jornalismo no meio TV é superficial, tem pouca empatia e se gera crítica ela é absolutamente rasa. É triste, não pra você que chegou aqui. Pois, se de alguma forma você chegou aqui, faz uso dessa leitura, parabéns! Pelas teorias mais vanguardistas de comunicação, você é alguém que se informa e forma opinião e a faz pois conta com a dispersão dos “pólos de emissão de informação”. Mais sobre aqui.

Poucos jornalistas, como o Fernando de Barros Silva, preocupam-se em apurar determinadas noticias e incitar a crítica quando faz menção em sua matéria que o "peso do discurso político" na parada devia ser maior que "a vontade de dançar". E ao frisa as palavras do diplomata Alexandre Vidal Porto sobre a “descarnavalização do ato em benefício de uma visão menos estereotipada e caricata dos homossexuais”.

Pena que tal crítica foi no meio impresso (Folha de S. Paulo). Dei-me o trabalho e fui capcioso em buscar na GloboNews, veja aqui, as matérias sobre a Parada Gay. Se você clicou e viu, agora imagine os cortes e recortes que receberá a mesma matéria ao ir para os jornais da emissora.

Volto a frisar que a questão não é a emissora em si, mas sim a mediocridade com que é tratado o tema pelos “telejornalistas” em geral. A mesma matéria poderia ser de qualquer ano, com as imagens de qualquer outra Parada Gay. A carnavalização chama mais atenção do que a responsabilidade social e a importância do tema para a sociedade que luta contra a violência física e moral.

Ora jornalistas, há aí algum ruído muito estranho. Ou, da assessoria de imprensa que comunicou de forma deturpada o tema para a grande mídia ou do jornalista que apurou a notícia. O chato é que passou longe a discussão desejada e ansiada por todos e largamente discutida aqui. Os trios coloridos foram, já a discussão de "como coexistir no mesmo espaço geográfico laico sendo possível um dialogo mais humano" ficou pra poucos.  Amar uns aos outros então...


Tão pouco são os que levam a discussão a serio quanto os que de fato, por conta própria não vão continuar a atirar lenha na fogueira pra gerar mais “pautas quentes”. Como cidadão, isto é bem triste.

Fico triste como gay também, ao pensar que poucos se dignam ao dialogo público de forma mais humana. E principalmente, quando dizemos querer menos ódio é mais ódio que se vê ao invés de mais amor. Onde isto vai nos levar?

Como Cristão, a rigidez e o embate também é muito entristecedor. Principalmente, porque aqueles que tem um discurso mais humano tem pouca voz.

Fico com a conclusão reflexiva da Equipe do Diversidade Católica a respeito do embate LGBT X Cristãos, dada neste post:

(...) no fim das contas, não é disso que se trata? O que importa mais: se vamos ganhar "nós" ou "eles", ou se vamos construir uma sociedade plural, onde todas as identidades - de gênero, de raça, e, por que não?, de religião - possam conviver e dialogar?”

Pensar nestes por que não’s é com certeza um caminho naturalmente mais crítico e saudável à todos.



Rodolfo Viana
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