sábado, 20 de agosto de 2011

A maior solidão é a do ser que não ama

Tapete: aqui

A maior solidão é a do ser que não ama. A maior solidão é a dor do ser que se ausenta, que se defende, que se fecha, que se recusa a participar da vida humana.

A maior solidão é a do homem encerrado em si mesmo, no absoluto de si mesmo, o que não dá a quem pede o que ele pode dar de amor, de amizade, de socorro.

O maior solitário é o que tem medo de amar, o que tem medo de ferir e ferir-se, o ser casto da mulher, do amigo, do povo, do mundo. Esse queima como uma lâmpada triste, cujo reflexo entristece também tudo em torno. Ele é a angústia do mundo que o reflete. Ele é o que se recusa às verdadeiras fontes de emoção, as que são o patrimônio de todos, e, encerrado em seu duro privilégio, semeia pedras do alto de sua fria e desolada torre.


- Vinicius de Moraes

Senhor, perdoa-lhes. Eles não sabem o que fazem...


Têm repercutido na imprensa, ao longo de toda a semana, as notícias sobre a visita de Bento XVI à Espanha para participar da Jornada Mundial da Juventude (JMJ) e os confrontos entre os jovens católicos participantes da jornada e manifestantes contrários à visita do papa. Chamou-me especialmente a atenção a legenda de uma foto publicada no site do Globo: "Um manifestante mostra uma camisinha para um católico, que revida o ato com um crucifixo na mão" - achei emblemática não só dos acontecimentos em si, mas também do tratamento que estes vêm recebendo da imprensa.

A realização desta JMJ em Madri é de grande complexidade, e vem sendo há meses alvo das mais diversas críticas, tanto de fora quanto de dentro da Igreja Católica. De fora, na medida em que, em plena e grave crise econômica na Europa, e particularmente na Espanha, o contribuinte espanhol se viu onerado pelos custos de uma visita pontifícia - que, ao contrário do que argumentou conosco um rapaz outro dia no Twitter, não é uma visita de um chefe de Estado para questões de Estado; nesta ocasião específica, trata-se de uma visita de um líder religioso, a fim de participar especificamente de um evento religioso, exigindo todo um aparato montado pelo Estado às custas do contribuinte.

As críticas de dentro da Igreja são talvez mais contundentes. Essas, não vi veiculadas na grande imprensa, que preferiu se ater ao caráter folclórico, talvez rídículo, talvez chocante, dos jovens católicos brandindo cruzes perante os manifestantes que ostentavam camisinhas. Critica-se o sentido populista da Jornada, critica-se suspeitas de corrupção, critica-se supostos interesses escusos por trás da festa, critica-se o papa por ir falar aos jovens católicos na Espanha em vez de aos famintos no Chifre da África. Como dissemos ao rapaz do Twitter, há um importante debate a se fazer em torno dos muitos fatores envolvidos nesse evento. A saída mais fácil é criar dois lados opostos, um bom e um mau, um certo e um errado: o papa é bom, os manifestantes são maus; os jovens católicos são bons, os manifestantes são maus. Ou loucos. Ou o contrário. Tanto faz: a lógica é a mesma, e o pernicioso é acreditar nessa divisão simplista e maniqueísta.

O advogado Renato Pacca, autor de um dos blogs do jornal O Globo, publicou uma observação interessante esta semana, a propósito das manifestações públicas de repúdio às políticas da Igreja Católica (entre elas, um beijo gay coletivo) organizadas pelo movimento LGBT espanhol, que acusou a JMJ de ser "discriminatória e excludente". A entidade também incentivou os jovens a defenderem uma sexualidade "livre, plural, segura e prazerosa". Reproduzo sua crítica abaixo:
Não é incrível o conceito muito particular desses manifestantes quanto à liberdade de pensamento e de manifestação??? Ninguém é obrigado a seguir a doutrina católica apostólica romana, mas é preciso um mínimo de respeito para com a crença alheia e para com o direito de reunião. Imaginem se os católicos estivessem protestando contra uma reunião do movimento gay? Certamente seriam acusados de querer impor a doutrina da Igreja, de não respeitar a diversidade sexual, e por aí vai.

Pois bem, o movimento gay espanhol demonstra apenas intolerância e radicalismo ao querer confrontar a Igreja e seus seguidores. A liberdade, para eles, só serve em beneficio próprio, pois não se inibem de exercer a opressão em relação à opinião alheia, quando podem. O que poderia ser mais discriminatório e excludente do que pretender impor uma única visão de mundo, alegadamente "plural" mas evidentemente de índole totalitária?
Ele não deixa de ter razão. O problema é que precisamos ter uma infinita atenção para não cairmos na esparrela de tentar mudar o "sistema" sem sair de dentro dele. Se moralistas e fundamentalistas religiosos se imiscuem nos negócios de Estado para nos negar direitos e impingir violências, não podemos reagir gritando de volta que "loucos", "demônios", "bandidos", "doentes", "pervertidos", "errados" são "eles", e nos metermos a julgar os seus preceitos religiosos. O que está fundamentalmente errado é justamente isso, a lógica do "nós" contra "eles". Porque aí permanecemos na lógica da exclusão, do totalitarismo, do autoritarismo, da imposição da "minha" moral, que é "melhor" do que a "sua". Aí, nos restringimos ao embate de forças, e quem for mais forte ganha. Só que, lamento informar, cabo-de-guerra não é diálogo. A lógica do "certo ou errado" é a antítese do pluralismo.

De um lado e de outro, o que se viu na Espanha esta semana, infelizmente, foi um festival de violência e intolerância de parte a parte. Que mundo manifestantes de um lado e de outro pretendem construir com isso?

Impróprio para menores

Um vídeo que mostra um beijo entre dois homens, postado no Youtube como um protesto contra a censura a beijos gays na televisão, foi classificado como impróprio para menores de 18 anos e teve seu acesso restringido no site.


No vídeo, dois homens simulam uma cena de novela em que um deles reclama que o outro não quer beijá-lo na frente dos outros e antes das 22h. O namorado argumenta que essa restrição não existe e que a classificação indicativa para beijos gays e héteros é a mesma. A cena termina com um beijo entre os dois.

Para o diretor e ator do vídeo, Rafael Puetter, houve censura do Youtube. Uma mensagem no site, porém, afirma que a restrição foi feita pelo próprio autor.

"Foi uma censura a uma crítica à censura. O vídeo critica a televisão por não mostrar beijos [gays], e, na internet, que teoricamente é livre, eles classificam como impróprio?", diz o diretor, cujo vídeo já teve mais de 60 mil visualizações.

Puetter se refere a decisões do SBT e da Globo de cortar cenas de beijos gays e discussões sobre relações homossexuais em novelas.

Um texto no Youtube afirma que restrições podem ocorrer quando há cenas de sexo e nudez, apologia ao ódio, chocantes e repugnantes, atos perigosos e ilegais.

Como o vídeo mostra apenas um beijo entre dois homens, Puetter fez um vídeo-resposta questionando a atitude do Youtube.



O material mostra também cenas de beijos héteros de classificação livre no site.

Segundo o Ministério da Justiça, na TV e no cinema não existe diferença de classificação indicativa para beijos homo e heterossexuais. O ministério não regula vídeos no Youtube.

O diretor de comunicação do Google, Felix Ximenes, não comentou o caso, mas disse que o fato de o vídeo continuar no ar significa que a empresa não viu problemas no conteúdo.

Segundo ele, porém, quando há denúncias sobre as imagens por parte de usuários, o site tem a obrigação de avisar que as cenas podem ser chocantes. Ximenes afirmou que a classificação indicativa para maiores de 18 anos poderá ser substituída por um aviso sobre o choque que as imagens podem causar.

Ele disse que não há como confirmar se a restrição foi feita a pedido do autor do vídeo ou de usuários. Ximenes afirmou que, se ela tiver sido feita pelo autor, ele pode pedir revisão para reverter a situação.

O advogado Fábio Souza, especialista em direitos homoafetivos, afirma que a restrição pode caracterizar discriminação. Porém, como a homofobia ainda não foi criminalizada, uma eventual condenação teria que se basear em princípios constitucionais.

Fonte: Folha de S. Paulo, 17/08/11

Sinfonia de corpos


Na festa do Corpo de Cristo, deixarei meu corpo flutuar em alturas abissais. Acariciei uma por uma de minhas rugas, desvelarei histórias, apreenderei, na ponta dos dedos, meu perfil interior.

Não recorrerei ao bisturi das falsas impressões. Nem ao espectro da magreza anoréxica. O tempo prosseguirá massageando meus músculos até torná-los flácidos como as delicadezas do espírito.

Suspenderei todas as flexões, exceto as que aprendo na academia dos místicos. Beberei do próprio poço e abrirei o coração para o anjo da faxina atirar pela janela da compaixão iras, invejas e amarguras.

Pisarei sem sapatos o calor da terra viva. Bailarino ambiental, dançarei abraçado à Gaia ao som ardente de canções primevas. Dela receberei o pão, a ela darei a paz.

Acesas as estrelas, contemplarei na penumbra do mistério esse corpo glorioso que nos funde, eu e Gaia, num único sacramento divino. Seu trigo brotará como alimento para todas as bocas, suas uvas farão correr rios inebriantes de saciedade.

Na mesa cósmica, ofertarei as primícias de meus sonhos. De mãos vazias, acolherei o corpo do Senhor no cálice de minhas carências. Dobrarei os joelhos ao mistério da vida e contemplarei o rosto divino na face daqueles que nunca souberam que cosmo e cosmético são gregas palavras, e deitam raízes na mesma beleza.

Despirei os meus olhos de todos os preconceitos e rogarei pela fé acima de todos os preceitos. Como Ezequiel, contemplarei o campo dos mortos até ver a poeira consolidar-se em ossos, os ossos se juntarem em esqueletos, os esqueletos se recobrirem de carne e a carne inflar-se de vida no Espírito de Deus.

Proclamarei o silêncio como ato de profunda subversão. Desconectado do mundo, banirei da alma todos os ruídos que me inquietam e, vazio de mim mesmo, serei plenificado por Aquele que me envolve por dentro e por fora, por cima e por baixo.

Suspenderei da mente a profusão de imagens e represarei no olvido o turbilhão de ideias. Privarei de sentido as palavras. Absorvido pelo silêncio, apurarei os ouvidos para escutar a brisa de Elias e, os olhos, para admirar o que extasiou Simeão.

Não mais farei de meu corpo mero adereço estranho ao espírito. Serei uma só unidade, onda e partícula, verso e reverso, anima e animus.

Recolherei pelas esquinas todos os corpos indesejados para lavá-los no sangue de Cristo, antes que se soltem de seus casulos para alçar o voo das borboletas.

Curarei da cegueira os que se miram no olhar alheio e besuntarei de cremes bíblicos o rosto de todos que se julgam feios, até que neles transpareça o esplendor da semelhança divina.

Arrancarei do chão de ferro os pés congelados da dessolidariedade e farei vir vento forte aos que temem o peso das próprias asas. Ao alçarem o topo do mundo, verão que todos somos um só corpo e um só espírito.

Farei do meu corpo hóstia viva; do sangue, vinho de alegria. Ébrio de efusões e graças, enlaçarei num amplexo cósmico todos os corpos e, no salão dourado da Via Láctea, valsaremos até que a música sideral tenha esgotado a sinfonia escatológica.

Na concretude da fé cristã, anunciarei aos quatro ventos a certeza de ressurreição da carne e de todo o Universo redimido pelo corpo místico de Cristo. Então, o que é terno tornar-se-á, nos limites da vida, eterno quando a morte transvivenciar-nos.

- Frei Betto
Reproduzido via Amai-vos

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Quem procura, acha


Se procurar bem você acaba encontrando.
Não a explicação (duvidosa) da vida,
Mas a poesia (inexplicável) da vida.


- Carlos Drummond de Andrade

Preconceito, basta!

Cartum: Laerte. Clique na imagem para ampliar
(e no link em "Laerte" para uma excepcional entrevista)

Achado na seção de cartas do Estadão, 08/08/11:

Tenho 60 anos de idade e nunca me atraiu ou manifestei interesse em manter uma relação homossexual. Devo me orgulhar disso? Torna-me um ser humano melhor?
Luiz Nusbaum lnusbaum@uol.com.br
São Paulo

Grata pela compreensão, Luiz Nusbaum. Um bom fim de semana para você. :-)

Com amor,

Cris

Homofobia em família: as unhas e a caixa de ferramentas


Entro em uma loja especializada em produtos para unha e cabelo e uma voz bem alta para que toda a loja ouvisse me chama atenção: “não, ele não gosta de unhas, não! Ele gosta é de ferramentas! Não é fulano? Lá em casa ele tem uma caixa de ferramentas! Eu dei a ele. Não gosta de unhas não, gosta de ferramentas!” Isso gritado para um menino de talvez pouco mais de dois anos, e, claro, para o restante da loja. Fiquei em choque. Fiquei ali, muda, estática, estarrecida, olhando fixamente para aquela cena. Eu estava de costas, mas virei metade do corpo em direção àquela família e fiquei encarando toda a cena. O que algum tempo depois me fez pensar como a escandalosa não me perguntou o que eu tanto olhava. Passado o choque, fiquei pensando: a preocupação é o que vão pensar sobre o filho dela, se vão pensar que é um viadinho? Ou ela acredita na idéia escrota de que se a pessoa for criada direito não “se torna” homossexual? Ou ela acha que se o cara gostar de esmalte, claro que é viado? Ou se o cara gostar de caixa de ferramenta não é viado, pois viado que é viado gosta mesmo é de esmalte?

Depois foi um turbilhão de sensações e pensamentos. Como será a vida desta criança? Crescerá um homofóbico, um machista, um conservador, uma bicha reprimidíssima, destas que precisam reafirmar a masculinidade das formas mais controversas e ridículas? O que a família fará com esta criança? O que causará a ela? Ele, se percebendo gay um dia, terá coragem de assumir? Achei tão triste e dolorosa aquela cena. Não apenas pelo garoto, tão vulnerável e frágil, mas por ser a história de todos nós. Sim, é a história de cada um de nós. Quem nunca sofreu homofobia em família, em maior ou menor grau, de forma explícita ou velada? Quem nunca se viu no meio de questões com saia, tipo de sapato, corte do cabelo e insistência na história d@ namorad@? É por isso, por nossa própria homofobia em família, que sabemos bem que não se trata apenas deste menino nem de um episódio isolado.

Fiquei muito triste. Aquela cena me abalou de um jeito que eu não esperava. Talvez tenha mexido fundo em minha própria história. Talvez tenha gritado na minha cara que eu ainda faço muito pouco, que tenho que fazer mais. E como eu gostaria que cada pessoa LGBT entendesse a necessidade de se posicionar, a necessidade de lutar. Como eu gostaria que tod@s, agora, neste exato momento, procurassem como ajudar na luta por nosso reconhecimento, na luta contra a discriminação, contra a homofobia e a favor do amor.Afinal, não podemos mais permitir este tipo de comportamento tacanho. Não podemos mais permitir agressões e mortes cotidianas. E não falo somente de agressões e mortes físicas. Há muitas outras que deixam marcas indescritíveis, como todos nós, infelizmente, sabemos tão bem. Não se trata somente de mim ou de você. Trata-se de cada um de nós e também dos que ainda estão a caminho. Trata-se de cada uma destas crianças. Que elas não sofram o que não precisariam sofrer.

Por tudo isso é que assumir é um ato político. É uma questão social. Assumir é a melhor cura para nossos males de opressão. Não assumir é carregar todas as mágoas em silêncio e em absoluta solidão. Não assumir é continuar sofrendo todo tipo de perversidade. Não assumir é uma dor infindável. Não assumir é uma prisão, mas não apenas sua. Não assumir é se omitir. Não uma omissão individual, particular, é uma omissão social, uma omissão política, é não colaborar com a quebra do ciclo perverso a que somos subjugados. Não assumir é morte lenta. Sei que assumir não é fácil. Assumir é conversar com papai e/ou mamãe. É vê-los chorar. É se sentir nu. Assumir é reconhecer toda uma parte da vida trancada, oprimida, tolhida – e saber que não se poderá recuperá-la. Assumir é reconhecer o quanto se foi magoad@ e dizer para quem nos magoou: você me machucou naquele dia, no outro, aqui, ali, desta e daquela forma.

Assumir é dizer ao mundo que sim, eu sou @ mesm@ de sempre, mas jamais serei @ mesm@.

- Ivone Pita
Publicado originalmente na Políticativa, coluna da autora no Gay1

Acredito em Deus

Foto: Sarah

Voltando às causas de por que acredito em Deus.

Acredito em Deus porque me tratam com cruel impiedade e eu nunca tive coragem para ser impiedoso com ninguém.

O último que me foi violentamente impiedoso veio se chegando de mansinho, o que ele queria em verdade era romper comigo e me deixar estraçalhado.

Foi falsamente gentil, conversou normalmente comigo e armou-me na conversa uma arapuca. Aí eu me descuidei e ele deu o bote: rompeu comigo, desligou-me o telefone na cara.

Deixou no seu rastro a minha tristeza e desilusão.

Mas eu acredito em Deus porque, apesar do dano imenso e irreparável que me causou, não lhe tenho ódio nem raiva, estava escrito que tinha de acontecer, meu agressor foi somente objeto do meu destino, que consiste unicamente em estar sempre em litígio com as pessoas que amo.

Acredito em Deus porque ele me permitiu o câncer mas logo me provocou a esperança.

Acredito em Deus porque todos os dias ele me renova a sensação cálida de que muita gente gosta de mim, me admira e torce para que eu volte a ser feliz.

Acredito em Deus porque, em meio a tanta maldade, existe muita gente boa e generosa, que só veio ao mundo para entender os outros e amá-los.

Acredito em Deus porque em meio a tanta inveja existem alguns pontos de extrema e sincera dedicação, que me tocam com sua solidariedade.

Acredito em Deus porque, apesar de tanta fome no mundo, são milhões os exemplos de escolas, creches, hospitais, asilos, onde o amor se espalha por seus frequentadores e fá-los animarem-se até o regozijo.

Acredito em Deus porque, se a vida me tira hoje o entusiasmo, amanhã permitirá que eu seja dominado pelo arrebatamento.

Acredito em Deus porque, no final das contas, vivi. E me emocionei, me deixei tocar pela dor dos outros e tanta gente percebeu a minha dor e teve compaixão por ela.

Acredito em Deus porque ainda distingo as cores, ainda vejo as paisagens e ainda escuto os discursos.

Acredito em Deus porque ainda discirno o aroma das flores e das frutas. E acredito em Deus porque ainda pelo tato percebo o que está me esperando em mais esta esquina da vida, se espumas ou espinhos.

Acredito em Deus porque um filho de amigo meu, com 16 anos de idade, encerrou-me em seu quarto anteontem e tocou duas músicas preciosas para mim, acompanhando-se magistralmente ao piano do lado de sua alcova.

Acredito em Deus. E noto esparsos sinais de que Deus acredita em mim.

- Paulo Sant'Anna
Reproduzido via Conteúdo Livre

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Saborear


Que a mim, pois, seja dado saborear o momento, antes que ele se propague pelo restante do mundo!

- Virginia Woolf
RT @cantodosaber

Tuitadas

Imagem: aqui

"A travesti, por não aceitar ser homem ou mulher, é vista como um ser que agride a sociedade machista" bit.ly/qdMHuY

Lutar pelos nossos direitos nem sempre é tão complicado - mas faz muita diferença bit.ly/pwM7A7

Websérie aposta em crowdfunding para falar abertamente sobre a vida de um adolescente gay glo.bo/pjEpNm

Portal gay pede o casamento de Ênio e Beto em 'Vila Sésamo glo.bo/n8GtKT

Pesquisa CNT/Sensus mostra índices parecidos de aprovação à união homoafetiva, casamento gay e adoção por homossexuais glo.bo/ox5hLt

Equador fecha quase 30 clínicas que prometiam 'cura' para homossexualidade glo.bo/owGYs8

Espanhóis protestam contra custos de viagem do papa a evento no país glo.bo/n9jvBj

'Margaridas' viajam até um ano para participar de Marcha em Brasília bit.ly/p5qAqN

Ótima análise! Valeu pela dica @flavioalves_65! "As entranhas da homofobia" (@srtabia p/ o @Amalgamablog) Imperdível! amalgama.blog.br/08/2011/as-ent…

Excelente: "Nem as orelhas estão livres" bit.ly/pU268I

CONTARDO CALLIGARIS - "A Árvore da Vida" e "Melancolia" bit.ly/qIMify

"O monstro", Luis Fernando Veríssimo bit.ly/o7PuSU

RT @ivonepita: E o machismo continua… http://t.co/8CgALg4 via @imprenca

1a. Jornada de Direito Antidiscriminatório bit.ly/ohhU2g

“Malafaia é homofóbico e São Luís não pode conceder um título a uma pessoa que discrimina outras pessoas" bit.ly/onBh0v RT @NossosTons

As atrocidades cometidas em nome de Deus... RT @cynaramenezes: "Minha luta: matar gays em manifestações contra a igreja" elmundo.es/america/2011/0…

Casamento e homofobia: as torções do direito e os mastros da democracia bit.ly/r0Umg5

O preço do laicismo é a eterna vigilância bit.ly/nCTmvw

"Pare de se contorcer! Você está oprimindo a minha liberdade religiosa!" twitpic.com/683m82

Sobre o (suposto) conflito entre fé e ciência

Confesso: me deu uma certa vergonha alheia pelo jornalista, que me pareceu tão preocupado em criar uma "pegadinha" para o entrevistado, colocá-lo numa saia justa, sei lá, que acabou  transformando o que poderia ser uma ótima pauta séria numa tentativa de matéria engraçadinha - um desperdício de entrevista boa jogada pela janela, a começar pelo título, bobo toda a vida. Pena. O que vale é que o entrevistado se sai de tudo com tranquilidade, e salva esta matéria publicada esta semana no site do jornal O Globo. ;-)

Beijos,
Cris


"Não existe conflito entre extraterrestres e a Igreja"
Inspirado pelo que chama de "época de ouro" da conquista do espaço, que culminou com a chegada do homem à Lua em 1969, José Funes, então com seis anos, decidiu ser astrônomo. Quase 15 anos depois, porém, ouviu outro chamado, desta vez de Deus. Assim, logo depois que obteve seu diploma de astrônomo da Universidade de Córdoba, na Argentina, em 1985, ingressou na ordem dos jesuítas, recebendo novo diploma em filosofia antes de seguir para Roma, onde foi ordenado.

Em 2006 os dois caminhos se encontraram e Funes foi apontado diretor do Observatório do Vaticano pelo Papa Bento XVI. Homem de fé e de ciência, ele defende o diálogo como forma de superar os conflitos. Para ele, o Big Bang e o Gênesis não são contraditórios, e sim caminhos diferentes da eterna busca humana pelo conhecimento e pela verdade. Até a possibilidade de existência de vida extraterrestre já é aceita pela Igreja. "Não vejo contradição entre fé e ciência, pois a verdade é uma só", diz ele, que está no Rio para participar do workshop "The Evolving Universe", evento promovido pela PUC-Rio e pela Fundação Planetário.

Sendo, ao mesmo tempo, cientista e padre, como o senhor equilibra questões de ciência e fé?
Não vejo contradição entre fé e ciência, pois a verdade é uma só. Creio que as duas ajudam e apoiam uma a outra. Claro que cada uma tem sua própria linguagem, método e perspectiva, mas podemos aprender da diversidade entre as duas. Houve conflitos no passado e provavelmente teremos conflitos no futuro, mas podemos superar esses conflitos com o diálogo.

O senhor certamente já ouviu questionamentos do tipo: "a Bíblia diz que Deus criou o mundo em seis dias e descansou no sétimo, quando então ele teria criado o Universo?". Como isso influencia o diálogo?
É preciso estarmos atentos à linguagem, ao contexto e às culturas. A Bíblia não é um livro de ciência. Então, se estamos procurando uma explicação científica para o início do Universo, não vamos achar na Bíblia. A Bíblia é um livro que foi escrito entre 2 mil e 3 mil anos atrás e seus autores não tinham o conhecimento científico que temos hoje. O livro do Gênesis não diz como Deus criou o Universo, o que havia no seu começo, se era matéria escura, energia escura, átomos. Esse não é o escopo e o objetivo da Bíblia. Os autores da Bíblia foram inspirados por Deus para comunicar uma mensagem religiosa e não uma mensagem científica.

O senhor concorda que o Big Bang é a melhor explicação para a origem do Universo? O que sente quando dizem que ele não precisou da ação de Deus para acontecer?
A teoria do Big Bang é a melhor explicação científica que temos hoje para a origem do Universo. Temos várias evidências de que o Universo tem cerca de 14 bilhões de anos e, com os dados que temos, é, sim, a melhor explicação disponível. Deus, para nós cristãos, não é a energia escura, a gravidade ou qualquer outra explicação científica de como o Universo se fez. Esse não é o Deus cristão. O Deus em que acreditamos é o pai de Jesus, autor da criação, o pai amoroso que toma conta de nós e nos ama tanto que nos enviou seu filho. Claro que se pensarmos Deus como a energia escura, a força da gravidade etc, não precisamos de Deus para explicar a realidade do Universo.

E quanto aos argumentos de que o Universo que vivemos é resultado de um desenho inteligente que seria a prova da existência de Deus?
Se entendermos o desenho inteligente como um teoria científica ou um caminho teológico para Deus, não concordo, pois não é boa ciência, nem boa teologia. Segundo a teoria do Big Bang, de forma a termos vida como conhecemos, precisamos que o Universo tenha tido uma espécie sintonia fina. Se diferentes parâmetros físicos, como a massa do elétron, a constante da gravidade, a velocidade da luz, tivessem seus valores mudados, acabaríamos com um Universo diferente. Não é possível ter uma prova da existência de Deus do ponto de vista da ciência. Por outro lado, essas explicações científicas são racionais e compatíveis com nossa crença de que Deus é o Criador. Não vejo nenhum conflito real entre a teoria do Big Bang e o que sabemos pela fé. Do ponto de vista da fé, creio que há um propósito para a criação do Universo.

A Igreja aceita a possibilidade de existência de vida extraterrestre?
Primeiro, deixemos bem claro que não temos provas de que exista vida no Universo fora da Terra. Dito isso, há um ramo interdisciplinar de estudo chamado astrobiologia que tem se desenvolvido muito nos últimos 20 anos e que tem como objetivo procurar por vida. Vivemos em um Universo com centenas de bilhões de galáxias, cada uma delas formada por centenas de bilhões de estrelas, que por sua vez têm centenas de bilhões de planetas orbitando elas, então é possível que haja vida lá fora no Universo. Vamos ver. Não há conflito entre a possibilidade de existência de vida extraterrestre e a doutrina da Igreja. Temos que fazer mais pesquisas, pois até o momento não temos provas da existência de vida fora da Terra. A Igreja encoraja essas pesquisas e não podemos fazer mais que isso.

E se encontrarmos vida fora da Terra e ela for diferente de nós, o senhor acha que há alguma contradição com os ensinamentos da Igreja? Afinal, a Bíblia não diz que fomos criados à imagem e semelhança de Deus?
Não vejo nenhuma contradição entre a possibilidade de existência de vida no Universo com a fé em Deus como o Criador. Nós fomos criados à imagem de Deus, mas basicamente é nossa natureza espiritual que foi criada à imagem de Deus. Isso é que é importante. Outros seres podem ter sido criados com diferentes aparências, mas também abrigando a natureza espiritual de Deus.

O mesmo vale para a discussão entre criacionismo e evolução?
Não sou biólogo, e sim astrônomo, mas posso dizer que do ponto de vista da ciência a evolução está comprovada. Na opinião da Igreja, não há oposição entre a criação e a evolução. Assim como no caso do Big Bang, são linguagens diferentes. Não podemos ler a Bíblia literalmente e isso está claro para a Igreja Católica. Ninguém na Igreja faria isso. E temos evidências da ciência de que a evolução existe. Assim como a vida, o Universo também evolui. Nos próprios processos físicos há evolução das galáxias, das estrelas, então a ideia da evolução é bem compreendida por nós.

(Fonte: O Globo, 15/08/11)

Será Deus homofóbico?


Recente pesquisa do Ibope revelou que mais da metade dos entrevistados se manifestaram contrários ao direito de homossexuais constituírem uma família. Não foi revelada – e por certo não foi questionda – a orientação sexual dos pesquisados. Mas caberia. Aliás, a pesquisa, para ter maior legitimidade, deveria ser feita somente entre a população LGBT. Afinal, é a ela que diz respeito.

Qual a justificativa para perguntar a alguém qual o direito do outro? Quem poderia falar, com mais propriedade, sobre o desejo de casar, de ser professor, médico ou policial? Um dado consolador é que os jovens, as pessoas com melhor nível de escolaridade e maior poder aquisitivo se mostraram mais tolerantes. Pelo jeito esse é o caminho. Educação. Só ela permite melhor renda e mais condições sociais.

Talvez o resultado mais surpreendente seja o quesito que identifica a religião dos pesquisados. Os mais intransigentes são os quem se dizem evangélicos ou protestantes, seguidos pelos católicos e os adeptos de outras crenças e credos. De qualquer modo, das religiões que existem, não deve haver nenhuma que não pregue o amor ao próximo. As mais próximas, por terem sido trazidas com a colonização, acreditam em um Deus que veio à Terra encarnado na pessoa do próprio filho. Jesus Cristo desde menino exercitou a tolerância. Em nenhuma de suas pregações incitou o ódio ao semelhante ou negou a alguém o direito de subir ao reino do céu. Basta lembrar que impediu que Madalena fosse apedrejada, multiplicou pães para dar de comer a quem tinha fome e morreu na cruz para salvar toda a humanidade.

Assim, cabe questionar qual a justificativa de evangélicos, protestantes e católicos se posicionarem de modo tão assustadoramente preconceituoso contra quem tem orientação sexual diversa da maioria, mas não significa alguma ameaça nem causa mal a ninguém.

Afinal, o que querem lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e travestis são os direitos mais elementares: direito à cidadania, à inclusão social. Direito de terem sua integridade física resguardada. Para isso é indispensável a garantia de acesso ao trabalho, para exercerem a profissão que lhes garantir a subsistência. Também precisam que lhes seja assegurado o direito de constituírem família, terem filhos. Enfim, eles, como todas as pessoas, querem somente o direito de ser felizes.

Mas o que se vê nos meios de comunicação, em face do chocante número de concessões a segmentos religiosos, é a instigação sistemática e reiterada ao preconceito e à discriminação. As caminhadas e marchas que proliferam,em vez de pregarem o amor ao Deus que professam, nada mais fazem do que incitar o ódio a um determinado segmento da população.

A tudo isso a sociedade se mantém indiferente. Como o legislador se omite, vem o Judiciário fazendo justiça e o Executivo criando alguns mecanismos protetivos. Ainda assim, não há justificativa para tamanha rejeição. Não se atina a origem de tanta perseguição. Ao certo não pode ser a suposta incapacidade de procriar. Esse óbice, aliás, nem mais existe, quer com o advento de modernas técnicas de reprodução assistida, quer pela disposição dos casais homoafetivos de adotarem crianças cujos pais não souberem amar a ponto de protegê-las. Deste modo, cabe perguntar: quem disse aos pregadores, padres e pastores que é pecado amar o seu igual? Quem lhes outorgou a missão de banir a diversidade sexual da face da Terra? Será que Deus é homofóbico?

- Maria Berenice Dias
Reproduzido via Conteúdo Livre

Bichinhos e Bichinhas LGBT's


Não que haja alguma graça. Mas, me acabei de rir com o artigo a seguir sobre a homossexualidade animal.

Dei umas gargalhadas, primeiro, porque achei fofíssimo.
Segundo, porque fiquei pensando no Clero fundamentalista quebrando a cabeça.rs!

Fico imaginando aquele membro fundamentalista da Hierarquia da Igreja, proferindo um discurso tacanho aos pobres animais ou tentando invalidar a credibilidade da pesquisa. Imagine só Noé: "Você fica fora da Arca Animal devasso, sem vergonha". Ou o melhor, um discurso amoroso...."Nós os acolhemos, siga sua consciência e mantenha o celibato, afinal 'tudo lhe é permitido, mas nem tudo lhe convém' Sr. Pinguin (...)".

No Concílio Vaticano II, há uma resolução que diz, se não me engano, alguma coisa sobre a necessidade da Igreja andar em harmonia com a Ciência. Mas, parece que poucos ouvem esta “resolução”, digamos assim, de 1962 e a última palavra é da Tradição. Então, ainda é mais fácil usar o poder para manter as convicções próprias daquilo que convém ou não convém mudar, ou, ser pensando. Ou seja, “andaremos com a Ciência, até aqui, a medida que ela afirme o que já deduzimos”. Imagina alguém dizer que a Terra não é plana, afinal Josué pediu a Deus para fazer o Sol parar, ‘aí daqueles que contestarem!’!

Confiram a matéria da BBC:

Casais de aves do mesmo sexo podem ter relação estável, aponta estudo
Por BBC, BBC Brasil, 16/8/2011

Uma nova pesquisa aponta que pares de aves do mesmo sexo têm relacionamentos tão estáveis e duradouros como os casais de pássaros do sexo oposto.
Os cientistas da Universidade da Califórnia Berkeley e da Universidade Saint-Etienne, na França, analisaram o comportamento de mandarins (Taeniopygia guttata), aves canoras que cantam para seus parceiros, em um hábito apontado como algo que fortalece o relacionamento do casal.
Segundo os pesquisadores, pares formados por aves do mesmo sexo cantam e cuidam um dos outro da mesma forma que os casais formados por aves do sexo oposto.

A pesquisadora americana Julie Elie, que liderou o estudo, afirma que os resultados mostram que 'relacionamentos entre animais podem ser mais complexos do que apenas um macho e uma fêmea que se encontram e se reproduzem'.

Elie e os outros pesquisadores da equipe se interessaram pelo comportamento dos mandarins, pássaros que estabelecem relacionamentos que duram a vida toda e são muito sociais.
Os machos cantam para os parceiros, e os pássaros alisam as penas uns dos outros, além de dividir um ninho. 'Eu me interesso em como eles estabelecem os relacionamentos e como usam a comunicação acústica em suas interações sociais', disse Elie à BBC.

'Minhas observações me levaram a um resultado surpreendente: indivíduos do mesmo sexo também interagem de uma forma associativa, como pares de machos e fêmeas', afirmou.
O estudo foi publicado na revista especializada Behavioural Ecology and Sociobiology.

Observação

Julie Elie e seus colegas de pesquisa, Clementine Vignal e Nicolas Mathevon, da Universidade de Saint-Etienne, criaram jovens mandarins em grupos do mesmo sexo. Mais da metade dos pássaros formaram pares com outra ave.

A equipe então monitorou os pássaros para captar sinais de que os pares estavam totalmente ligados. Segundo Elie, pares de aves que formaram casais ficavam lado a lado e faziam ninhos juntos. Eles também se cumprimentavam tocando os bicos.

No estágio seguinte da pesquisa, os cientistas introduziram fêmeas nos grupos de pares de machos. De oito machos que já tinham formado casais do mesmo sexo, cinco ignoraram completamente as fêmeas e continuaram interagindo com o parceiro macho.
Segundo os pesquisadores, as descobertas indicam que, mesmo entre aves, o impulso para encontrar um parceiro é bem mais complicado do que simplesmente a necessidade de reprodução.

'O relacionamento de um par entre espécies socialmente monogâmicas representa uma parceria cooperativa que pode dar vantagens para a sobrevivência. Encontrar um parceiro social, não importa seu sexo, pode ser uma prioridade', diz a cientista.

Outros exemplos

Além dos mandarins, existem outros exemplos de casais do mesmo sexo entre aves.Entre gaivotas e albatrozes monogâmicos, este tipo de relacionamento dá às fêmeas a chance de criar filhotes sem um parceiro macho.
'Fêmeas copulam com machos, e então criam os filhotes juntas', afirma a pesquisadora Julie Elie.

Em cativeiro, ocorreram pelo menos dois casos de pinguins machos formando relacionamentos longos entre si quando existiam fêmeas disponíveis.

Talvez o caso mais famoso seja o de dois pinguins machos, Roy e Silo, do zoológico do Central Park, de Nova York. Eles formaram um casal e não deram atenção para nenhuma fêmea durante pelo menos um ano.Eles até construíram um ninho juntos e chocaram um ovo doado a eles por um dos tratadores.

Fonte:
MSN


Rodolfo Viana

Eu sou como Eu sou


O mistério é o de que, apenas com o aprendizado da humildade, da paciência e da fidelidade, na repetição do mantra, poderemos ter completo acesso a tudo o que existe. Esta é a característica presencial do mistério de Deus, que é, que é agora, que é sempre, que é tudo. As estruturas da linguagem, que são atreladas ao tempo, e as motivações do desejo e da imaginação, que são atreladas ao ego, sempre falham em encontrar a porta de entrada desse mistério. Ao nos conduzir ao momento presente, e para além do ego, o mantra passa pela estreita porta que conduz à cidade de Deus.

Em última análise, só o silêncio faz sentido. O agir e o pensar, que podem se tornar modalidades de operação muito compulsivas, não fazem de mim quem eu sou. Deus sendo Deus, é o que nos faz sermos quem somos. Deus é como Deus é, e Eu sou como Eu sou, o que equivale a dizer que só posso ser em Deus. (...)

Dizer isso tudo, é claro, é uma coisa. Compreender, é outra, e a característica finita e dual de nossas percepções mentais limita enormemente a compreensão. Todavia, a compreensão é como um poste de sinalização, que aponta para essa experiência essencial de sermos quem somos. A vida só poderá nos satisfazer se for vivida a partir dessa essência. Por que iríamos tentar ser qualquer outra coisa, se Deus está satisfeito em ser Deus. Deus é a criatividade do amor que se auto-comunica. A prece é, simplesmente, a completa receptividade a essa energia criativa, no centro mais profundo e mais real de nosso ser, onde nada mais somos, a não ser o que somos. Aqui, além de todo esforço e autoprojeção, de toda culpa ou vergonha, e de todas as operações psicológicas, explodimos na realização de estarmos sendo conhecidos pelo Único que é.

A fidelidade à meditação diária, e ao nosso mantra durante nossos períodos de meditação, é tudo. Sabemos que não devemos pensar acerca de Deus, ou imaginar a Deus, durante esses períodos de máxima importância, simplesmente, porque ele está presente. Ele está ali, não apenas para ser encontrado, mas, para ser amado. Amando, descartamos os pensamentos.

“Pois estou convencido de que nem a morte nem a vida, nem os anjos nem os principados, nem o presente nem o futuro, nem os poderes, nem a altura, nem a profundeza, nem qualquer outra criatura poderá nos separar do amor de Deus manifestado em Cristo Jesus, nosso Senhor.” (Rm 8, 38-39)

Qual, então, é o motivo de nos deixarmos desencorajar por nossas distrações?

- John Main, OSB
In Word made flesh (Londres: Darton, Longman, 1993), pp. 40-41.
Tradução de Roldano Giuntoli
Reproduzido via Comunidade Mundial de Meditação Cristã no Brasil, com grifos nossos

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Descuido


Felicidade se acha é em horinhas de descuido.

- Guimarães Rosa

Felicidade

Ilustração: Dabs and Myla

Não se preocupem: não vou dar, pois não tenho, receita de ser feliz. Não vou querer, pois não consigo, dar lição de coisa alguma. Decido escrever sobre esse tema tão gasto, tão vago, quase sem sentido, porque leio sobre felicidade. Recebo livros sobre felicidade. Vejo que, longe de ser objeto de certa ironia e atribuída somente a livros de autoajuda (hoje em dia o melhor meio de querer insultar um escritor é dizer que ele escreve autoajuda), ela serve para análises filosóficas, psicanalíticas. Parece que existe até um movimento bobo para que a felicidade seja um direito do ser humano, oficializado, como casa, comida, dignidade, educação.

Mas ela é um estado de espírito. Não depende de atributos físicos. Nem de inteligência: acho até que, quanto mais inteligente se é, mais possibilidade de ser infeliz, porque se analisa o mundo, a vida, tudo, e o resultado tende a não ser cor-de-rosa. Posso estar saudabilíssimo, e infeliz. Posso ter montanhas de dinheiro, mas viver ansioso, solitário. Talvez felicidade seja uma harmonia com nós mesmos, com os outros, com o mundo. Alguma inserção consciente na natureza, da qual as muralhas de concreto nos isolam, ajuda. Mas dormimos de cortinas cerradas para não ver a claridade do dia, ou para escutar menos o rumor do mundo (trem passando embaixo da janela não dá). Tenho um amigo que detesta o canto dos pássaros, se pudesse mataria a tiro de chumbinho os sabiás que alegram minhas manhãs. Um parente meu não suportava praia, porque o barulho do mar lhe dava insônia.

Portanto, cada um é infeliz à sua maneira. Acho que felicidade também é uma predisposição genética: vemos bebês e criancinhas mal humorados ou luminosos. Parte dela se constrói com projetos e afetos.

O que se precisa para ser feliz?, me perguntam os jornalistas. Melhor seria: O que é preciso para não ser infeliz? Pois a infelicidade é mais fácil de avaliar, ela dói. Concordo que felicidade é uma construção laboriosa quando se racionaliza: melhor deixar de lado, ela vai se construir apesar dos nossos desastres. Difícil ser feliz assistindo ao noticioso, refletindo um pouco, e vendo, por exemplo, que as bolsas despencam no mundo todo, os dinheiros derretem, muitas vidas se consumiram por nada, muita gente boa empobrece dramaticamente, muita gente boa enriquece (não direi que os maus enriquecem com a desgraça dos bons porque isso é preconceito burro). Enquanto a histeria coletiva solapa grandes fortunas ou devora pequenas economias juntadas com sacrifício. Obama, de quem ainda sou fã, aparece elegante e pronuncia algumas de suas frases elegantes, mas aparentemente não diz grande coisa porque na legenda móvel embaixo de sua bela figura as bolsas continuam a despencar. Vamos consumir, vamos poupar, vamos desviar os olhos, vamos fazer o quê? Talvez em conjunto gastar menos, pensar menos em aproveitar a vida, e trabalhar mais - mas aí a gente reclama, queremos é trabalhar menos e gastar mais.

Aqui entre nós, vejo uma reportagem sobre a gastança de nossas crianças e jovens. Gostei do tênis azul, do amarelo e do rosa, diz uma menininha encantadora. Ah, e do lilás também. Qual a senhora vai comprar?, pergunta a repórter. A mãe, também encantadora, ri: Acho que todos. Está decretada a dificuldade de ser feliz, pois se eu quero todas as cores. todas as marcas, todos os carros, todos os homens ricos ou mulheres gostosas, preparo a minha frustração, portanto a infelicidade. Na ex-fleumática Inglaterra, bandos de jovens desocupados destroem bairros de Londres e cidades vizinhas. Seu terror são pobreza, desemprego, falta de assistência para os velhos e de futuro para os moços. Não há como, nessa condição, pensar em ser feliz, a gente quer mesmo é punir, destruir, talvez matar. Complicado.

Uma boa rima para felicidade pode ser simplicidade. Ainda tenho projetos, sempre tive bons afetos. O que mais devo querer? A pele imaculada,o corpo perfeito, a bolsa cheia, a bolsa ou a vida? Acho que, pensando bem, com altos e baixos, dores e amores, e cores e sombras, eu ainda prefiro a vida.

- Lya Luft
Reproduzido via Conteúdo Livre

Nem as orelhas estão livres


Eu juro que estava planejando uma coisa enormemente legal para esta postagem, mas uma coisa não exatamente legal, mas enormemente surpreendente, se interpôs e ganhou. Deixo o próximo post para frivolidades, e neste trago o pitoresco e insólito caso de violência homofóbica que atingiu heterossexuais. Isso diz muita coisa, não?

Bom, alguns dias atrás, um homem teve metade da orelha decepada num legítimo ataque homofóbico. A grande diferença é que ele não é gay. A cidade é São João da Boa Vista, uma dessas centenas de cidades do interior de São Paulo que transpiram a cultura do rodeio e do cowboy. O evento é a Exposição de Agropecuária Industrial e Comercial. Tudo nos trilhos, quando de repente algo acontece! Pai e filho se encontram e, pasmem, eles se abraçam! Diante de tão obscena prática, um grupo de sete jovens se aproxima e, numa exemplar demonstração de zelo pela instituição da família e dos bons costumes, perguntam: -Vocês são gay? Fico imaginando o que terão pensado pai e filho, que, possivelmente atônitos, respondem: -Não. -Ah, parecem dizer os jovens, e vão embora. Cinco minutos depois retornam e atacam os imorais. O filho tem ferimentos leves. O pai acorda com meia-orelha a menos. Arrancaram-na às dentadas.

Esse caso revela duas coisas surpreendentes e perturbadoras. A primeira é: Você não precisa ser gay para ser vítima de um ataque homofóbico. Você basta parecer ser gay. Isso quer dizer que mais do que uma posição política, a relação héteros x gay se guiam em parâmetros éticos. Precisamos desse lamentável acontecimento para que tomássemos consciência disso, mas quando se chega ao ponto em que a sociedade espontaneamente cria instrumentos repressores não de práticas de sexualidade, mas tão-somente de afeto, temos de nos perguntar das razões pelas quais essas coisas acontecem. Nunca o ideal de "somos todos pessoas" foi tão forte. Pena que foi pro mal. "Somos todos pessoas" na hora de apanhar de grupos de jovens homofóbicos.

A segunda revelação é ainda mais contundente. Gostaria de usar um exemplo. Dois homens gay caminham em direção ao bar. Um deles está vindo do trabalho, usa terno, e, além da cueca fio-dental por debaixo da calça de brim, nada nele é gay. O outro usa uma calça verde-limão, uma regata vermelha e tênis cinza. Na direção dos dois vem um "grupo de jovens". Eles estão à cata de "viados" há horas. Têm uma necessidade inexplicável de bater em "viados". Como se isso apaziguasse alguma coisa não sabem o quê. Quem vocês acham que eles vão atacar primeiro. Nosso amigo "flamboyantly gay" ou o cara de terno? O ponto é: O alvo dos ataques homofóbicos é de uma inspiração eminente e fundamentalmente do imaginário. Antes de um problema social e de saúde pública, os ataques homofóbicos são de uma matiz ideológica. Por isso são crimes de ódio. Por isso é tão urgente que as pessoas do Brasil e do mundo encarem esse problema: o problema de nem sequer tolerarmos o que discorda de nós.

As estatísticas dos últimos anos revelam que, em média, a cada dia uma pessoa é morta no País em ataques homofóbicos. O Caso de São João da Boa Vista nos mostra que o ser ou não ser gay é o fator menos determinante nessas assassinatos. Em última instância, a aparência delas às condenou à tortura moral e física e à morte. Como podemos tolerar isso? Como podemos não tolerar dois homens se beijando mas tolerar um homem matando outro? Terá nossa homofobia raízes tão fortes que preferiremos matar pessoas a matar nossos preconceitos? Vamos pensar nisso. Vamos pensar que vivemos num mundo onde nem abraços são tolerados.

- Getúlio FM
Reproduzido via Blogue do Frido

Somos inclusivos?

Maquete: Ofra Lapid

Certa vez, em um artigo, afirmei que ninguém quer um pobre por perto... Esse pensamento não é fruto de um arroubo político, de teorias libertárias e revolucionárias, pelo contrário, é simples constatação do quotidiano, daquilo que muitas vezes elegemos para nós e, em contraprestação, renegamos todo o resto que se difere de um ideal muito próprio e pessoal.

A verdade é que o homem ocidental recusa a ideia de fracasso, de derrota, por um modelo de vida social altamente competitivo, em que, no fim último, são valorizados e reconhecidos aqueles que obtiveram significativas posses materiais, sendo, os restantes, estigmatizados como coitados, indignos, sofredores... Colocados à margem, chegam a causar repulsa em muitos por contraporem o ideal material, capitalizado, desejado e perseguido no imaginário coletivo.

Em uma sociedade de ideal financeiro, em que se vale pelo que se tem, possui, e não pelo que se é, em que a propriedade é colocada acima da pessoa e de sua dignidade, todos aqueles que não conseguem evoluir nesse meio, de um modo ou outro, são marcados pela ausência de uma identidade positiva, em outras palavras, o homem, para sociedade, vale aquilo que ele tem, se ele não tem nada, ele não vale nada!

No meio gay isso é um fator ainda mais excludente, pois uma das características das comunidades homossexuais é: seus membros possuírem um poder aquisitivo acima da média, e um nível de formal pessoal e acadêmica de igual forma elevadas. Entretanto, existem as exceções, e elas não são poucas, e, às vezes, bem mais acentuadas do que se possa imaginar.

Assistindo a esse vídeo abaixo fico a imaginar que, hoje, até para se sentir alguém amado por Deus tem que se pagar por isso. Contudo, somos adeptos de uma teologia inclusiva e o que temos feito para mudar isso? O que temos incluído; será o homem em sua integralidade, ou parte desse homem, em que só se considera humano e alguém, aqueles que têm posses? Fica a reflexão para o nosso modo de ser cristão inclusivo:

- Renato Hoffmann
Reproduzido via Gospel LGBT

terça-feira, 16 de agosto de 2011

A Tua vontade


A oração não transforma Deus, mas transforma aquele que ora. Não oramos a fim de informar a Deus, como se ele ignorasse os eventos e aquilo que estamos pensando ou sentindo. Antes oramos dizendo: “seja feita a tua vontade”.

- Soren Kierkegaard

Tuitadas

Clipart daqui

Dá pra imprimir um milhão de panfletos e jogar de helicóptero em cima das "marchas" homofóbicas? bit.ly/mW5iuz (@TonyGoes)

RT @gondimricardo: Os religiosos consideravam Jesus underground?

15/8: Festa de Nossa Senhora da Glória bit.ly/nx4CFm

Homens estão mais conscientes de seu papel como pai e contam suas histórias bit.ly/oPyfxJ

Laços humanos são bênção e maldição bit.ly/qKKVq5

As utopias de Edgar Morin: "bem-viver", em vez de "bem-estar" bit.ly/pfk0fS

"Orgulho vetado": editorial da Folha de São Paulo sobre o veto ao projeto do Dia do Orgulho Hétero bit.ly/rtqH9J

RT @flavioricco: Autor de "Insensato Coração" vê trajetória vitoriosa e aguarda posição da Globo sobre roubo d capítulos televisao.uol.com.br/colunas/flavio…

Pais denunciam escolas públicas por misturar religião com educação glo.bo/o7qtq2

Falta de pauta, falta de senso, falta de ética, falta de tudo bit.ly/orH4q4 (@lolaescreva)

Marcamos mais um ponto, e temos muitas razões para nos orgulharmos disso bit.ly/og9G4L

Sobre a morte de Maria


Celebrou-se ontem (15 de agosto) a festa de Nossa Senhora da Glória, a mesma festa litúrgica da Assunção de Nossa Senhora, em que a Igreja celebra a glorificação de Maria coroada como rainha do céu e da terra...

I

O mesmo grande Anjo que outrora
lhe trouxera a mensagem da conceção,
ali estava, aguardando a sua atenção,
e disse: o tempo do teu aparecimento é agora.
E ela perturbou-se como antes e mostrou
ser de novo a serva, assentindo profundamente.
Mas ele irradiava e, aproximando-se infinitamente,
desapareceu como que no rosto dela e mandou
aos Apóstolos que se tinham afastado
que se juntassem na casa da encosta,
a casa da Ceia derradeira. Eles vieram a passo pesado
e entraram cheios de temor: ali se encontrava posta
sobre estreito leito, aquela que tinha mergulhado
misteriosamente no declínio e na eleição,
imaculada, como criatura de indiviso coração,
escutando o coro angelical com ar maravilhado.
Então, quando os viu atrás das suas velas,
expectantes, arrancou-se ao excesso de harmonia
das vozes e ofereceu-lhes ainda as duas vestes belas,
de todo o coração, as únicas que possuía,
e ergueu a sua face para este aqui e aquele além...
(Ó fonte de inomináveis lágrimas em caudais!)

Mas ela reclinou-se nos seus requebros finais
e atraiu os céus para tão perto de Jerusalém
que a sua alma, ao escapar,
apenas teve de um pouco se elevar:
e já a levava Aquele que tudo dela sabia
para a Natureza divina a que ela pertencia.

II

Quem poderia pensar que até à sua chegada
o vasto Céu imperfeito era?
O Ressuscitado ocupara a sua morada,
porém a seu lado, havia vinte e quatro anos, estivera
um trono vazio. E todos já começavam
a habituar-se à pura ausência
que estava como que fechada, pois a ofuscavam
os raios de luz do Filho em permanência.

E assim ela também, ao entrar no Céu naquele dia,
não se dirigiu a Ele, por muito que o desejasse;
ali não havia ligar, só Ele lá se encontrava e resplandecia
numa claridade que a ela lhe doía.
Porém, como agora essa figura comovente
aos bem-aventurados se juntasse
e discretamente, luz na liz, um lugar viesse ocupar,
expandu-se então do seu ser um brilho incandescente
de tal intensidade que o Anjo que ela estava a iluminar
gritou, ofuscado: quem é esta?
Houve um silêncio de espanto. Depois todos viram em festa
Deus Pai nas alturas Nosso Senhor deter
de modo a, envolto na luz do amanhecer,
o lugar vazio, como um pouco de compunção,
se mostrar, uma réstia de solidão
como algo que ainda suportava, um nada
de tempo terreno, uma cicatriz sarada.
Olharam para ela: o seu olhar com receio aí pousou,
profundamente inclinado, como se sentisse: eu sou
a sua dor mais longa; e, de súbito, caiu para diante.
Mas os Anjos consigo a tomaram
e a apoiaram e cantaram de felicidade exultante
e a elevaram e no lugar cimeiro a colocaram.

III

Porém, diante do Apóstolo Tomé, chegado
já demasiado tarde, apareceu
o rápido Anjo, há muito para tal compenetrado,
e junto ao lugar da sepultura a ordem deu:

afasta a pedra para o lado. Queres saber
onde está aquela que comove o teu coração?
Vê: como almofada de alfazema, a jazer
se encontrou ali, em breve posição,

para que a Terra tivesse o seu odor
nas dobras, como um pano raro.
Tudo o que está morto (tu o sentes), toda a dor
Estão envoltos no seu aroma claro.

Olha para a mortalha: onde está a brancura
que a torne mais deslumbrante, sem a alterar?
A luz que emana desta morta pura
mais a iluminou do que a luz solar.

Não te admiras de quão suavemente lhe escapou?
Quase como se ela ainda aí estivesse, nada saiu do lugar.
Porém todo o Céu nas alturas se agitou:
Homem, ajoelha-te, segue-me com o olhar e começa a cantar.

- Rainer Maria Rilke

Fonte: SNP Cultura (Portugal)

Tolerar, verbo transitivo


Vinte e oito de junho de 1969. A data marcou o início de uma onda de protestos que varreram as ruas do bairro de Greenwich Village, em Nova York. Protagonizadas pela comunidade gay local, as violentas manifestações expressaram um grito de reação contra as constantes perseguições promovidas pela força policial e pelo poder municipal.

Na verdade, os protestos de Stonewall, como ficaram conhecidos, inseriram-se em um contexto histórico mais amplo, pautado pela efervescência dos mais variados movimentos de afirmação das liberdades civis que percorreram os Estados Unidos naquela época.

A expressão "orgulho" ("pride"), estreitamente associada à luta pela conquista da cidadania plena da chamada comunidade LGBT, representa o contraponto do sentimento de "vergonha", que sempre pautou o tratamento opressivo dado à orientação e à identidade sexual diversa do padrão socialmente aceito. Afinal, tais comportamentos evocavam a noção de defeito, de modo que deveriam permanecer ocultos diante do vexame familiar e social que provocavam.

A dignidade humana, como se sabe, é patrimônio que não está restrito a grupos específicos. No entanto, são justamente as minorias que mais se ressentem do exercício pleno de seus direitos, já que as sociedades tendem a ditar o seu ritmo à luz de uma maioria. Fixa-se, então, um padrão comum, e a ele se agrega o qualificativo da normalidade.

A situação se agrava quando a minoria não é percebida como uma projeção natural da diversidade e da pluralidade humana, mas como um desvio a ser menosprezado, esquecido ou corrigido.

É nesse momento que se abrem as portas para o exercício diário da intolerância e da violência. A destinação de datas relacionadas com as minorias é apenas uma das ferramentas disponíveis no vasto terreno da luta pela efetividade dos direitos humanos.

Em realidade, elas possuem valor meramente simbólico, já que o objetivo é o de chamar a atenção do grupo social em favor de quem é, diariamente, esquecido no exercício de seus direitos. Busca-se promover a conscientização de que a dignidade humana não é monopólio restrito à maioria. Vem daí a consagração dos dias "da Mulher", "da "Consciência Negra" e "do Índio".

Nessa perspectiva, a reserva de uma data especial para a celebração do orgulho dos heterossexuais se mostra desnecessária, uma vez que não há discriminação por tal condição. Não são associados à doença ou ao pecado, tampouco são alvo de perseguições no trabalho, nas escolas ou em outros ambientes sociais. A união heterossexual, por sua vez, é totalmente amparada pelo Estado e pelo Direito.

Além disso, a iniciativa legislativa propicia uma leitura perigosa, capaz de desvirtuar a própria dinâmica dos direitos humanos.

Com efeito, ao acentuar o vínculo já consolidado entre "orgulho" e o "padrão socialmente aceito", a lei cria dificuldades para que se elimine o estigma da "vergonha" que persegue o movimento oposto. Afinal, vergonha não emerge do que se mostra normal, mas, sim, do que se qualifica como anormal.

Em verdade, a energia criativa do legislador deveria ser canalizada em prol de políticas públicas eficientes para o processo de consolidação da respeitabilidade integral dos direitos humanos.

A questão é especialmente urgente em uma cidade onde são recorrentes os atos de violência racial, étnica, religiosa, de gênero e de orientação sexual. Experiências frutíferas poderiam ser alcançadas nos bancos escolares públicos.

Leis que se mostrassem preocupadas com a formação de crianças desprovidas de quaisquer preconceitos já seriam muito bem-vindas.

Afinal, na base da educação dos direitos humanos repousa o valor-fonte da tolerância. É chegada a hora de aceitarmos tudo o que não se apresente como espelho.

- Marcos Zilli
Professor de direito processual penal da Faculdade de Direito da USP e coordenador da Coleção "Fórum de Direitos Humanos"
Reproduzido via Conteúdo Livre

* * *

Esse artigo foi publicado originalmente na Folha de S. Paulo, como resposta positiva à pergunta "A criação do Dia do Orgulho Hétero incentiva a homofobia?". Clique aqui para ler o artigo "Os Intocáveis", do vereador Carlos Apolinário, autor da lei que cria o Dia do Orgulho Heterossexual, que à pergunta acima responde que "não".

Vale ler também o editorial da Folha de S. Paulo de hoje, comentando o veto do prefeito de São Paulo ao projeto.

Alento aos desolados com a Igreja

Foto: Jon Bertelli

Atualmente há muita desolação com referência à Igreja Católica institucional. Verifica-se uma dupla emigração: uma exterior, pessoas que abandonam concretamente a Igreja e outra interior, as que permanecem nela mas não a sentem mais como um lar espiritual. Continuam a crer apesar da Igreja.

E não é para menos. O atual Papa tomou algumas iniciativas radicais que dividiram o corpo eclesial. Assumiu uma rota de confronto com dois importantes episcopados, o alemão e francês, ao introduzir a missa em latim; elaborou uma esdrúxula reconciliação com a Igreja cismática dos seguidores de Lefebvre; esvaziou as principais intuições renovadoras do Concílio Vaticano II, especialmente o ecumenismo, negando, ofensivamente, o título de “Igreja” às demais Igrejas que não sejam a Católica e a Ortodoxa; ainda como Cardeal mostrou-se gravemente leniente com os pedófilos; sua relação para com a AIDS beira os limites da desumanidade. A atual Igreja Católica mergulhou num inverno rigoroso. A base social de apoio ao modelo velhista do atual Papa é constituída por grupos conservadores, mais interessados nas performances mediáticas, na lógica do mercado, do que propor uma mensagem adequada aos graves problemas atuais. Oferecem um “cristianismo-prozac”, apto para anestesiar consciências angustiadas, mas alienado face à humanidade sofredora.

Urge animar estes cristãos em vias de emigração com aquilo que é essencial ao Cristianismo. Seguramente não é a Igreja que não foi objeto da pregação de Jesus. Ele anunciou um sonho, o Reino de Deus, em contraposição com o Reino de César, Reino de Deus que representa uma revolução absoluta das relações desde as individuais até as divinas e cósmicas.

O Cristianismo compareceu primeiramente na história como movimento e como o caminho de Cristo. Ele é anterior à sua sedimentação nos quatro evangelhos e nas doutrinas. O caráter de caminho espiritual é um tipo de cristianismo que possui seu próprio curso. Geralmente vive à margem e, às vezes, em distância crítica da instituição oficial. Mas nasce e se alimenta do permanente fascínio pela figura e pela mensagem libertária e espiritual de Jesus de Nazaré. Inicialmente tido como “heresia dos Nazarenos” (At 24,5) ou simplesmente “heresia” (At 28,22) no sentido de “grupelho”, o Cristianismo foi lentamente ganhando autonomia até seus seguidores, nos Atos dos Apóstolos (11,36), serem chamados de “cristãos.”

O movimento de Jesus certamente é a força mais vigorosa do Cristianismo, mais que as Igrejas, por não estar enquadrado nas instituições ou aprisionado em doutrinas e dogmas. É composto por todo tipo de gente, das mais variadas culturas e tradições, até por agnósticos e ateus que se deixam tocar pela figura corajosa de Jesus, pelo sonho que anunciou, um Reino de amor e de liberdade, por sua ética de amor incondicional, especialmente aos pobres e aos oprimidos e pela forma como assumiu o drama humano, no meio de humilhações, torturas e da execução na cruz. Apresentou uma imagem de Deus tão íntima e amiga da vida, que é difícil furtar-se a ela até por quem não crê em Deus. Muitos chegam a dizer: “se existe um Deus, este deve ser aquele que traz os traços do Deus de Jesus”.

Esse cristianismo como caminho espiritual é o que realmente conta. No entanto, de movimento, ele muito cedo ganhou a forma de instituição religiosa com vários modos de organização. Em seu seio se elaboraram as várias interpretações da figura de Jesus que se transformaram em doutrinas e foram recolhidas pelos atuais evangelhos. As igrejas, ao assumirem caráter institucional, estabeleceram critérios de pertença e de exclusão, doutrinas como referência identitária e ritos próprios de celebrar. Quem explica tal fenômeno é a sociologia e não a teologia. A instituição sempre vive em tensão com o caminho espiritual. Ótimo quando caminham juntas, mas é raro. O decisivo é, no entanto, o caminho espiritual. Este tem a força de alimentar uma visão espiritual da vida e de animar o sentido da caminhada humana.

O problemático na Igreja romano-católica é sua pretensão de ser a única verdadeira. O correto é todas as igrejas se reconhecerem mutuamente, pois todas revelam dimensões diferentes e complementares do Nazareno. O importante é que o cristianismo mantenha seu caráter de caminho espiritual. É ele que pode sustentar a tantos cristãos e cristãs face à mediocridade e à irrelevância em que caiu a Igreja atual.

- Leonardo Boff
Reproduzido via IHU

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Cuidado

Ilustração: Draco Imagem

Cuidado para não te tornares aquilo que combates.

- Friedrich Nietzsche
(Via Rev. Marcio Retamero)

Tuitadas

Ilustração: Vintage Printable

O difícil diálogo entre as religiões bit.ly/r9pSbd

Abaixo-assinado pelo padre Roy Bourgeois, que corre o risco de dispensa p/ seu apoio à ordenação sacerdotal feminina bit.ly/nPdErs

@TonyGoes e o dia que não aconteceu: Kassab anuncia veto ao projeto do Dia do "Orgulho Hétero" bit.ly/oUYguY

O dia do orgulho destro bit.ly/ocxhkG

Um documentário sobre homossexualidade de 1967. Necessário para uma perspectiva do qto já conquistamos... e qto falta bit.ly/qnfh0k

RT @pepaulodea: radiopowerstrike.com/fernandodovale… Um novo espaço na rede de estudos bíblicos voltados para o público LGBT

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Até quando exclusões e demonização do outro, e impossibilidade de diálogo, meu Deus? Muros ainda separam povos bit.ly/om3aif

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Existe um céu para Amy



Estava demorando.

Consegui passar pela enxurrada da morte da Amy Winehouse com alguma dignidade, apesar dos meus pontos em comum com a história e a personalidade dela. Por uma sorte do destino e muito trabalho interior, eu continuo caminhando neste mundo; ela ficou no tempo. Falar sobre compulsão num mundo compulsivo é chover no molhado. Todo mundo está mais do que careca de saber que excesso não dá boa coisa. Excesso de compras dá endividamento, excesso de chatice dá solidão, excesso de drogas dá overdose. A grande questão é frear a primeira pedra do “quem usa drogas sabe que vai morrer” ou do “só podia dar nisso mesmo”. Não é totalmente verdade e nem precisaria ser se os nossos tempos muito doidos não exigissem holocaustos humanos aos nossos deuses do excesso. A máquina de moer personalidades nunca esteve tão ligada e com as atenções tão voltadas a ela. A lista dos gênios que morrem aos 27 precisa ser atualizada com urgência porque as pessoas querem ter a segurança de que os maus vão mesmo ter um final trágico. Porque quem é mau precisa ir para o inferno num vôo sem escalas e sem banheiro.

Vou jogar uma bomba, agora: NÃO EXISTE INFERNO! Aquilo que chamamos de inferno, o lugar escaldante onde os julgados maus sofrerão a danação eterna é muito bonito na Divina Comédia de Dante mas não tem nada a ver nem com o Deus dos nossos pais – Aquele mesmo, que é puro Amor e Acolhimento – nem com o olhar assustado da pobre Amy Jade – aquela mesma, que virou Winehouse e não conseguiu sair mais dela. Condenar aquela história de solidão e sofrimento da garota inglesa “tagged” com a etiqueta PROBLEMA é tão eficaz quanto mandar uma ovelha para o supletivo. O que precisa ser feito mesmo é parar de sacrificar pessoas para fortalecer o pressuposto do “quem é mau vai pro inferno”. E a omissão talvez seja nosso pecado mais grave.

A Divindade que vive dentro de nós não deveria ser convidada a condenar maus e aplaudir bons – até porque a gente nem sabe quem é realmente bom e quem é realmente mau – mas a ser divina em sua essência e acolher, agregar, restaurar, AMAR.

Sinto pela garota inglesa que não encontrou a saída. Agradeço por ter tido a chance de continuar caminhando e olhar pra tragédia como um passado. Agora, é minha responsabilidade multiplicar o bem que um dia foi feito na minha vida.

Com amor,
Zu.

Pão para os cachorrinhos


Uma bela reflexão sobre o trecho evangélico da liturgia de ontem pela pastora batista italiana Lidia Maggi, sobre o papel de uma mulher em "forçar" Jesus a ampliar os seus próprios horizontes.

O artigo foi publicado na revista Rocca, 15-09-2007. A tradução é de Moisés Sbardelotto, aqui reproduzida via IHU com grifos nossos.

Eis o texto.


Na memória da Igreja, permanecerá a recordação de um encontro que ajudou o Messias a pôr o foco com maior clareza na sua vocação. Será lembrada a fadiga desse diálogo, marcado por endurecimentos e incompreensões; confronto verdadeiro, no entanto, em que os interlocutores, e Jesus em primeiro lugar, se põem em jogo até o fim para dele sair radicalmente mudados.

Não será lembrado o nome dessa mulher estrangeira, grega e pagã, que, movida por um inabalável amor materno, ousou se apresentar diante do Filho de Davi. Mas a sua fé indomável, a sua firmeza, a inteligência com a qual soube se pôr diante do Messias, se tornarão evangelho. Ela não será nem censurada a imagem de um Messias que se esforça para acolher as razões do outro, que chega até à ofensa, comparando as pessoas pagãs com animais.

Para fazer com que se compreenda plenamente o amor de um Deus que transborda as fronteiras confessionais, pode ser mais eficaz o efeito de choque desse episódio do que uma afirmação genérica e benévola sobre Deus, pai de todos. Essa história tem a força de uma parábola. Desloca convicções, abre novas perspectivas, levanta questões e espera respostas de quem ouve.

Uma mulher pede a ajuda a Jesus, e este a rejeita com palavras duras. Ela insiste e discute com magistral sabedoria as afirmações do mestre. A fineza dos argumentos leva Jesus a rever a sua posição e a conceder a cura invocada. O escândalo desse relato é que as palavras duras de Jesus não são dirigidas a religiosos e poderosos, mas sim a uma pobre mãe dilacerada pela dor de uma filha doente. Caso único em todos os evangelhos. E pouco importa se a mulher é pagã, idólatra ou o que for...: ainda assim é uma mãe! Pode parecer inoportuno para falar de filhos justamente a quem invoca pela própria filha: "Não é bom tomar o pão dos filhos para dá-lo aos cachorrinhos" (Marcos 7, 27; Mateus 15, 26).

Certamente, a mulher podia supor que esse profeta, pertencente a um outro mundo, a um outro credo, a uma outra fé, não a acolheria facilmente.

Mas o sofrimento pela filha, atormentada por um demônio, leva a pedir ajuda para além dos muros da sua pertença. E o desejo de bem-estar leva uma mãe a não se deter diante da primeira rejeição. Essa história parece sugerir que, antes ainda de experimentar o amor universal que une todas as pessoas sobre a terra, os mortais acertam as contas com a universalidade do mal que atinge indistintamente justos e injustos, judeus e pagãos, escravos e livres, homens e mulheres. O mal parece não conhecer limites, barreiras, religiões... Não é por acaso que o protagonista do livro de Jó é justamente um homem estrangeiro. Pode bastar o anúncio de um Deus particular que liberta um povo (e só esse?!) para combater a universalidade do mal? A luta entre particularismo divino e universalismo diabólico parece díspar!

E se a urgência da missão de Jesus a um povo agredido parece levá-lo a definir as prioridades e a considerar que não pode se permitir digressões, a determinação de uma mulher estrangeira ousa defender que existe um direito de ajuda para todos aqueles que foram agredidos pela vida. Um direito que pode fazer com que sejam revistas até as urgências da missão. Como é possível, além disso, dividir tão radicalmente o campo de missão ("Eu vim para as ovelhas perdidas de Israel")? O mundo está contaminado pelas pessoas. Os cães e os filhos habitam o mesmo espaço vital! As imagens utilizadas por Jesus são, então, retomadas e ampliadas pela mulher que afirma compreender por que o pão para saciar os filhos não pode ser jogado aos cachorrinhos... mas estes não estão distantes, eles vivem em contato com os filhos, debaixo da mesa. Esse pai amoroso que sacia os filhos não pode desprezar o fato de dar atenção a um filhote dilacerado do mal.

Dois olhares sobre a fé se confrontam. Aparentemente, parecem irreconciliáveis.

De um lado, o de Jesus, que sente como vinculante a sua pertença. Não é tempo de desperdício! Na crise, é preciso otimizar os recursos e concentrar as energias! Não se pode salvar o mundo inteiro. É preciso ter prioridades! E os filhos de Israel só têm ele, são como ovelhas sem pastor, agora que o último profeta foi morto.

De outro lado, há o desejo e a determinação de uma mulher que reivindica audiência. Seu único cartão de visita é a dor e o desespero pela filha.

Porém, algo na narração faz supor imediatamente que a tensão entre as duas posições é menos forte. Por que Jesus vai além dos limites do seu território, se ele realmente está convencido de que ele veio só para os seus? O encontro com a mulher cananeia o confirma nessa intuição. Os mais próximos de Jesus – os evangelhos nos revelam – estão mais distantes. E aquela que deveria estar mais distante, no entanto, ajuda o Messias a desfazer essa tensão entre chamado particular e missão universal, que o levará, no fim da sua missão, a enviar os discípulos a todos os cantos da terra.
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