sexta-feira, 18 de abril de 2014

Sexta Feira Santa


Negligência do prefeito interrompe ato litúrgico de mais de 40 anos

Manifestantes acampam da porta da Catedral e Arquidiocese cancela programação da Sexta-Feira Santa 

Jornal do Brasil

A negligência do prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, em negociar com os ex-moradores do prédio da Oi, no Engenho Novo, interrompeu um ato litúrgico que o mundo inteiro celebra nesta sexta-feira (18). Faz parte da programação da Igreja Católica realizar uma Solene Função Litúrgica comemorativa da Paixão e Morte de Cristo. No no Rio de Janeiro, ela seria realizada às 15h, na Catedral de São Sebastião, pelo Cardeal Dom Orani. A arquidiocese do Rio, no entanto, por questões de segurança, precisou cancelar a solenidade e também os eventos que viriam em seguida - Procissão do Senhor Morto e Auto da Paixão. Durante a madrugada desta sexta, cerca de 95 desabrigados que acampavam em frente à Prefeitura foram expulsos do local por agentes da Polícia Militar e da Guarda Municipal, e se encaminharam à Catedral.

"A liturgia foi cancelada. A igreja foi fechada porque os invasores da fábrica da Oi acamparam na porta da igreja, pedindo abrigo. O padre cancelou tudo, também não vai ter o Auto da Paixão. Já estava tudo programado, já tinha marcado todo o ensaio, não tem como fazer em outro lugar", explica a Associação Cultural da Arquidiocese, que promove o Auto da Paixão.

Os manifestantes acamparam na porta da catedral para solicitar apoio das autoridades eclesiásticas nas negociações com a Prefeitura por moradia. A Arquidiocese comentou que lamenta a situação dos desabrigados e que faria esforços para servir de ponte na negociação, principalmente pelas crianças acampadas. O arcebispo do Rio, Dom Orani Tempesta, teria se oferecido como mediador do conflito. No começo da noite, por volta das 18h, um Major da PM entrou na Catedral para conversar com a Arquidiocese. Até o fechamento dessa reportagem ainda não havia uma posição sobre o conteúdo da conversa.

Na Sexta-Feira da Paixão, não se celebra Missa nas igrejas do mundo todo, mas, sim, a Solene Função Litúrgica comemorativa da Paixão e Morte de Jesus Cristo. Esta teria três partes, liturgia da palavra, adoração da Cruz e comunhão eucarística. Após a cerimônia, seria realizada a tradicional visita à imagem do Senhor Morto, até as 18h, quando sairia da Catedral a procissão do Senhor Morto. Com a participação de Dom Orani, imagens seriam levadas pelas ruas tradicionais do Centro do Rio até a Lapa, para voltar à Catedral e encenar, pelo 35° ano consecutivo, o Auto da Paixão de Cristo, ocasião em que o cardeal ofereceria uma mensagem aos carioca e turistas. 

Repercussão entre fiéis 

Fiéis, que se programaram para assistir a Solene Função Litúrgica, chegaram à Catedral e foram surpreendidos com as portas fechadas. Dezenove pessoas da família de Angela Cardoso vieram de Marcelândia, no Mato Grosso. "Estamos decepcionados. Eu já conheço a Igreja, mas eles não. Queria poder dividir esse momento com a minha família", lamenta Angela.

Para Antônio José Neto, a tristeza é substituída pelo que ele chama de "uma causa justa". Ele diz: "Eu lamento, mas sei que é uma causa justa. Para mim, não houve invasão, houve um pedido desesperado de socorro, que a Igreja acolheu. Nós viemos para participar dessa celebração, mas faz parte da vida. Não vou ser menos abençoado por isso".

Ana Luiza e Gabriela são irmãs e participaram da Jornada Mundial da Juventude. Elas contam que haviam programado um encontro com um grupo de jovens que também estava na Jornada. "Não sabemos como vamos fazer para encontrar com eles, mas estamos pensando em ficar aqui e participar da celebração que vai ter no estacionamento", disse Ana Luiza. A irmã completa: "O que importa é lembrar esse momento e o real significado da Páscoa. Cristo morreu e ressuscitou, por mim, por eles e por todos nós". 

Celebração com os desabrigados

A situação dos ex-moradores do prédio da Oi mobilizou membros da Igreja Católica. Um culto ecumênico, organizado às pressas, reuniu católicos, evangélicos e desabrigados no estacionamento da Catedral, por volta das 15h. Cerca de 30 pessoas entoaram hinos, leram trechos da Bíblia e fizeram orações. Às 18h, foi realizado outro ato, com orações e hinos. 

Durante o ato houve um princípio de tumulto quando o repórter de uma emissora de televisão, que foi impedido pelos desabrigados de entrar no estacionamento, se exaltou. Em uma discussão acalorada, ele provocou o grupo: "um monte de sem terra aí, um monte de sem teto". Revoltados, os desabrigados responderam gritando e jogando água em direção ao repórter.  A Polícia, que estava próxima ao local, filmou a ação. Outros integrantes do grupo que ocupa a Catedral apaziguaram a discussão, pedindo para que as ofensas e provocações não fossem respondidas.  

Para Luiz Augusto, Ministro da Sagrada Comunhão, a celebração foi uma forma "prática" de propagar o evangelho. "Eu não gosto de tumulto na rua, nunca participei de greve e nem nada disso, mas quando o ser humano está sendo ameaçado na sua integridade, o meu papel de cristão fala mais alto", explica. Luiz participou na celebração do culto e levou uma palavra de conforto para os desabrigados. "A gente acredita que fé é vida, então, estar aqui hoje realmente é a Via Sacra. Hoje nós estamos vivendo a Via Sacra atualizada", define a Coordenadora da Caridade Social, Aurea Gesler.

O Ministro de Louvor, Yan Piorno, tocou violão para o grupo que se reuniu a fim de celebrar a Páscoa. "Na verdade, esse é exatamente o público que deveria entrar na Igreja, que são os menos favorecidos. Então, nós viemos aqui dar assistência. A Prefeitura disse que está vendo um abrigo para eles, mas a gente sabe que isso pode não proceder. Há muito tempo que esse pessoal está na chuva, está na rua e até agora a Prefeitura não fez alguma coisa. Eu não vi coerência de eu estar em outra Igreja celebrando a Paixão de Cristo e essas pessoas estarem aqui, então, essa foi a minha Paixão de Cristo", diz.

Sexta Feira Santa



JESUS, O MAIOR DEFENSOR DOS DIREITOS HUMANOS DE TODOS OS TEMPOS!
"Eu vim para os perdidos", respondeu Jesus quando questionado sobre o fato de andar na companhia de marginais e excluídos
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Sexta Feira Santa


"Mas ele foi trespassado por causa das nossas trangressões, esmagado em virtude das nossas iniquidades. O castigo que havia de trazer-nos a paz, caiu sobre ele, sim, por suas feridas fomos curados." ( Is. 53, 5).

domingo, 13 de abril de 2014

Domingo de Ramos



Hoje, Domingo de Ramos, ao adentrar as portas da igreja, todo nós, exultantes, com os ramos de oliveira e as palmas, daremos um duplo testemunho acerca do Senhor: pelos ramos de oliveira confessaremos o Messias, o Ungido, já que é da oliveira que sai o azeite para a unção; e ao recebê-lo com as palmas da vitória, daremos testemunho de seu triunfo sobre a morte, porque teremos compreendido o significado de seu último sinal que foi o Despertar de Lázaro.
Através destes dois pórticos entraremos na Semana Santa e este curto tempo que vamos viver estará marcado por acontecimentos misteriosos, muitas vezes, aparentemente contraditórios, pouco claro para a nossa mente “pragmática” e “realista”. Se estivermos atentos, isto será uma constante na semana que iniciaremos.
Se olharmos atentamente para o Senhor, veremos no Evangelho deste Domingo de Ramos que o Senhor avança e entra triunfalmente em Jerusalém e é recebido como um rei vitorioso. Não obstante, montado num jumento, se apresenta como um soberano humilde, não-violento. E isto já nos adverte que seu reino não é deste mundo (Jo 18,36).
Jesus recebe silencioso todas estas aclamações do povo e, ante a curiosidade de alguns gregos que querem vê-lo, diz umas palavras que, até mesmo para os discípulos mais próximos são, no mínimo, enigmáticas. 
É chegada a hora em que o Filho do Homem será glorificado. Amém! Amém! Digo-vos: se o grão de trigo caído na terra não morre, fica só; mas se morre, dá muito fruto. Jo 12, 23-24.
Seus discípulos, certamente se perguntariam: Como pode ser que o Senhor, que acaba de ressuscitar Lázaro, e que hoje é aclamado pela maioria do povo de Israel, nos diga agora que sua glorificação consiste em que morrerá como um grão de trigo?
É que neste curto espaço de tempo de uma semana, momento em que vamos nos submergir no Mistério de nossa Salvação, tudo será renovado.
A morte vai adquirir um novo significado, será uma morte frutífera; Deus será glorificado por sua morte porque irá transformá-la numa passagem luminosa para a Ressurreição. Porém, esta transformação o Senhor a realizará atravessando a dor, as trevas e a solidão que a morte contém em suas entranhas.
Todas as palavras que o Senhor dirige à multidão são pouco compreensíveis. Como pode ser que um dos elementos mais repulsivos da época, o elemento de tortura por excelência que utilizavam os romanos, a cruz, seja transformado pelo Senhor, com sua presença, num pólo de atração para Ele? (...)
Quiçá, como diz Martín Buber falando dos profetas, porque as realidades significativas se realizam mais na profundidade do fracasso que na superficialidade do êxito. O êxito é efêmero, passageiro, porém, no fracasso nossa consciência fica perturbada para sempre.
Quem se recorda dos que mataram os profetas e o Cristo? 
Então, com um novo olhar, estes acontecimentos nos podem ser iluminados. 
Nas palavras finais do Evangelho do Domingo de Ramos, o Senhor vai se distanciando lentamente da multidão até ocultar-se dela. A sua vida pública vai chegando ao seu fim. A hora da glória só será compartilhada na intimidade por alguns poucos. Veremos que a maioria dos que hoje o recebem como rei, pedirão que seja crucificado. O aparente êxito de hoje, será transformado no aparente fracasso dos dias que virão. 
Por isso, tudo pode ser novo nesta semana que começa se não abandonamos o Senhor porque, é a partir de suas ações, e não de nossos pensamentos, que cada coisa terá um novo olhar.
Pois bem, se o novo nos dá medo, se todo o edifício que temos cuidadosamente construído por pensamentos e conceitos se nos desmorona ante os acontecimentos que vamos contemplar, como poderemos participar deste tempo da Paixão sem perigo para as nossas almas, como dirá o diácono nos ofícios desta Semana? 
A resposta é bastante simples, porém, não simplória: responder à proposta que o Senhor nos faz no Evangelho: Se alguém me serve, siga-me, e onde eu estiver, ali estará também o meu servo. E, se alguém me servir, meu Pai o honrará. (Jo 12, 26).
Seguir o Senhor para estar com Ele, para servi-Lo, fazer um silêncio profundo sobre nossas necessidades, sobre nossos pensamentos, sobre nossos sentimentos, sobre nossas opiniões. Estar atentos aos acontecimentos sem a interferência de nosso eu, sequer para tentar compreender. Silêncio receptivo: somente a ação de Deus, seus atos, suas palavras, seu silêncio. Podemos repetir ao longo destes dias uma pequena oração “Não eu, Senhor, senão Tu”. 
E, ao mesmo tempo, com o olhar posto somente n’Ele, pedir-Lhe que nos revele as traições, as negações, a covardia e a indiferença que guardamos em nosso coração, defesas que impedem sua presença redentora em nós.
Quiçá então, ao final deste curto percurso, animemo-nos a recorrer, algo se faça novo em nós, e comece nosso caminho rumo a verdadeira conversão.
O Domingo de Ramos, o Senhor entra em Jerusalém e nos convida para que O sigamos. Pressentindo já a glória da Ressurreição, abraçamos a todos vocês, amigos e fiéis, com o santo ósculo da Páscoa que faz passar por nós o sopro da Vida nova. Que as portas da igreja, que abrimos hoje solenemente na liturgia, sejam simbolicamente as portas de nosso coração aberto e vulnerável, orientado unicamente, neste tempo de uma semana, para a realização do Pai e do Filho e do Espírito Santo.

“A evangelização, em nosso tempo, só será possível por contágio de alegria”

 
A Mensagem do Santo Padre aos jovens em preparação à 29ª Jornada Mundial da Juventude (13 de abril de 2014, em nível diocesano) está centrada no tema “Felizes os pobres em espírito, porque deles é o Reino dos Céus” (Mt 5,3). Trata-se da primeira mensagem que o Papa Francisco dirige aos jovens, incorporando-se assim na tradição iniciada pelo beato João Paulo II e continuada por Bento XVI, por ocasião de cada Jornada Mundial da Juventude. Depois da extraordinária JMJ vivida no Rio de Janeiro, no mês de julho de 2013, o Papa retoma seu diálogo com os jovens do mundo e apresenta-lhes os temas das três próximas edições do evento, dando início ao itinerário de preparação espiritual que, ao longo de três anos, levará à celebração internacional, em Cracóvia, em julho de 2016.

Os temas das três próximas JMJ, tomadas das Bem-aventuranças do Evangelho, mostram como o Santo Padre considera esta passagem do Evangelho de Mateus um ponto de referência fundamental para a vida dos cristãos, chamados a fazer dele um programa de vida.

Segue a mensagem, na íntegra.


Mensagem do Santo Padre Francisco para a XXIX Jornada Mundial da Juventude
(Domingo de Ramos, 13 de Abril de 2014)

«Felizes os pobres em espírito, porque deles é o Reino do Céu» (Mt 5, 3)

Queridos jovens,

Permanece gravado na minha memória o encontro extraordinário que vivemos no Rio de Janeiro, na XXVIII Jornada Mundial da Juventude: uma grande festa da fé e da fraternidade. A boa gente brasileira acolheu-nos de braços escancarados, como a estátua de Cristo Redentor que domina, do alto do Corcovado, o magnífico cenário da praia de Copacabana. Nas margens do mar, Jesus fez ouvir de novo a sua chamada para que cada um de nós se torne seu discípulo missionário, O descubra como o tesouro mais precioso da própria vida e partilhe esta riqueza com os outros, próximos e distantes, até às extremas periferias geográficas e existenciais do nosso tempo.

A próxima etapa da peregrinação intercontinental dos jovens será em Cracóvia, em 2016. Para cadenciar o nosso caminho, gostaria nos próximos três anos de refletir, juntamente convosco, sobre as Bem-aventuranças que lemos no Evangelho de São Mateus (5, 1-12). Começaremos este ano meditando sobre a primeira: «Felizes os pobres em espírito, porque deles é o Reino do Céu» (Mt 5, 3); para 2015, proponho: «Felizes os puros de coração, porque verão a Deus» (Mt 5, 8); e finalmente, em 2016, o tema será: «Felizes os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia» (Mt 5, 7).

1. A força revolucionária das Bem-aventuranças
É-nos sempre muito útil ler e meditar as Bem-aventuranças! Jesus proclamou-as no seu primeiro grande sermão, feito na margem do lago da Galileia. Havia uma multidão imensa e Ele, para ensinar os seus discípulos, subiu a um monte; por isso é chamado o «sermão da montanha». Na Bíblia, o monte é visto como lugar onde Deus Se revela; pregando sobre o monte, Jesus apresenta-Se como mestre divino, como novo Moisés. E que prega Ele? Jesus prega o caminho da vida; aquele caminho que Ele mesmo percorre, ou melhor, que é Ele mesmo, e propõe-no como caminho da verdadeira felicidade. Em toda a sua vida, desde o nascimento na gruta de Belém até à morte na cruz e à ressurreição, Jesus encarnou as Bem-aventuranças. Todas as promessas do Reino de Deus se cumpriram n’Ele.

Ao proclamar as Bem-aventuranças, Jesus convida-nos a segui-Lo, a percorrer com Ele o caminho do amor, o único que conduz à vida eterna. Não é uma estrada fácil, mas o Senhor assegura-nos a sua graça e nunca nos deixa sozinhos. Na nossa vida, há pobreza, aflições, humilhações, luta pela justiça, esforço da conversão quotidiana, combates para viver a vocação à santidade, perseguições e muitos outros desafios. Mas, se abrirmos a porta a Jesus, se deixarmos que Ele esteja dentro da nossa história, se partilharmos com Ele as alegrias e os sofrimentos, experimentaremos uma paz e uma alegria que só Deus, amor infinito, pode dar.

As Bem-aventuranças de Jesus são portadoras duma novidade revolucionária, dum modelo de felicidade oposto àquele que habitualmente é transmitido pelos mass media, pelo pensamento dominante. Para a mentalidade do mundo, é um escândalo que Deus tenha vindo para Se fazer um de nós, que tenha morrido numa cruz. Na lógica deste mundo, aqueles que Jesus proclama felizes são considerados «perdedores», fracos. Ao invés, exalta-se o sucesso a todo o custo, o bem-estar, a arrogância do poder, a afirmação própria em detrimento dos outros.

Queridos jovens, Jesus interpela-nos para que respondamos à sua proposta de vida, para que decidamos qual estrada queremos seguir a fim de chegar à verdadeira alegria. Trata-se dum grande desafio de fé. Jesus não teve medo de perguntar aos seus discípulos se verdadeiramente queriam segui-Lo ou preferiam ir por outros caminhos (cf. Jo 6, 67). E Simão, denominado Pedro, teve a coragem de responder: «A quem iremos nós, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna» (Jo 6, 68). Se souberdes, vós também, dizer «sim» a Jesus, a vossa vida jovem encher-se-á de significado, e assim será fecunda.

2. A coragem da felicidade
O termo grego usado no Evangelho é makarioi, «bem-aventurados». E «bem-aventurados» quer dizer felizes. Mas dizei-me: vós aspirais deveras à felicidade? Num tempo em que se é atraído por tantas aparências de felicidade, corre-se o risco de contentar-se com pouco, com uma ideia «pequena» da vida. Vós, pelo contrário, aspirai a coisas grandes! Ampliai os vossos corações! Como dizia o Beato Pierjorge Frassati, «viver sem uma fé, sem um património a defender, sem sustentar numa luta contínua a verdade, não é viver, mas ir vivendo. Não devemos jamais ir vivendo, mas viver» (Carta a I. Bonini, 27 de Fevereiro de 1925). Em 20 de Maio de 1990, no dia da sua beatificação, João Paulo II chamou-lhe «homem das Bem-aventuranças» (Homilia na Santa Missa: AAS 82 [1990], 1518).

Se verdadeiramente fizerdes emergir as aspirações mais profundas do vosso coração, dar-vos-eis conta de que, em vós, há um desejo inextinguível de felicidade, e isto permitir-vos-á desmascarar e rejeitar as numerosas ofertas «a baixo preço» que encontrais ao vosso redor. Quando procuramos o sucesso, o prazer, a riqueza de modo egoísta e idolatrando-os, podemos experimentar também momentos de inebriamento, uma falsa sensação de satisfação; mas, no fim de contas, tornamo-nos escravos, nunca estamos satisfeitos, sentimo-nos impelidos a buscar sempre mais. É muito triste ver uma juventude «saciada», mas fraca.
Escrevendo aos jovens, São João dizia: «Vós sois fortes, a palavra de Deus permanece em vós e vós vencestes o Maligno» (1 Jo 2, 14). Os jovens que escolhem Cristo são fortes, nutrem-se da sua Palavra e não se «empanturram» com outras coisas. Tende a coragem de ir contra a corrente. Tende a coragem da verdadeira felicidade! Dizei não à cultura do provisório, da superficialidade e do descartável, que não vos considera capazes de assumir responsabilidades e enfrentar os grandes desafios da vida.

3. Felizes os pobres em espírito…
A primeira Bem-aventurança, tema da próxima Jornada Mundial da Juventude, declara felizes os pobres em espírito, porque deles é o Reino do Céu. Num tempo em que muitas pessoas penam por causa da crise económica, pode parecer inoportuno acostar pobreza e felicidade. Em que sentido podemos conceber a pobreza como uma bênção?

Em primeiro lugar, procuremos compreender o que significa «pobres em espírito». Quando o Filho de Deus Se fez homem, escolheu um caminho de pobreza, de despojamento. Como diz São Paulo, na Carta aos Filipenses: «Tende entre vós os mesmos sentimentos que estão em Cristo Jesus: Ele, que é de condição divina, não considerou como uma usurpação ser igual a Deus; no entanto, esvaziou-Se a Si mesmo, tomando a condição de servo e tornando-Se semelhante aos homens» (2, 5-7). Jesus é Deus que Se despoja da sua glória. Vemos aqui a escolha da pobreza feita por Deus: sendo rico, fez-Se pobre para nos enriquecer com a sua pobreza (cf. 2 Cor 8, 9). É o mistério que contemplamos no presépio, vendo o Filho de Deus numa manjedoura; e mais tarde na cruz, onde o despojamento chega ao seu ápice.

O adjectivo grego ptochós (pobre) não tem um significado apenas material, mas quer dizer «mendigo». Há que o ligar com o conceito hebraico de anawim (os «pobres de Iahweh»), que evoca humildade, consciência dos próprios limites, da própria condição existencial de pobreza. Osanawim confiam no Senhor, sabem que dependem d’Ele.

Como justamente soube ver Santa Teresa do Menino Jesus, Cristo na sua Encarnação apresenta-Se como um mendigo, um necessitado em busca de amor. O Catecismo da Igreja Católica fala do homem como dum «mendigo de Deus» (n. 2559) e diz-nos que a oração é o encontro da sede de Deus com a nossa (n. 2560).
São Francisco de Assis compreendeu muito bem o segredo da Bem-aventurança dos pobres em espírito. De facto, quando Jesus lhe falou na pessoa do leproso e no Crucifixo, ele reconheceu a grandeza de Deus e a própria condição de humildade. Na sua oração, o Poverello passava horas e horas a perguntar ao Senhor: «Quem és Tu? Quem sou eu?» Despojou-se duma vida abastada e leviana, para desposar a «Senhora Pobreza», a fim de imitar Jesus e seguir o Evangelho à letra. Francisco viveu a imitação de Cristo pobre e o amor pelos pobres de modo indivisível, como as duas faces duma mesma moeda.

Posto isto, poder-me-íeis perguntar: Mas, em concreto, como é possível fazer com que esta pobreza em espírito se transforme em estilo de vida, incida concretamente na nossa existência? Respondo-vos em três pontos.

Antes de mais nada, procurai ser livres em relação às coisas. O Senhor chama-nos a um estilo de vida evangélico caracterizado pela sobriedade, chama-nos a não ceder à cultura do consumo. Trata-se de buscar a essencialidade, aprender a despojarmo-nos de tantas coisas supérfluas e inúteis que nos sufocam. Desprendamo-nos da ambição de possuir, do dinheiro idolatrado e depois esbanjado. No primeiro lugar, coloquemos Jesus. Ele pode libertar-nos das idolatrias que nos tornam escravos. Confiai em Deus, queridos jovens! Ele conhece-nos, ama-nos e nunca se esquece de nós. Como provê aos lírios do campo (cf. Mt 6, 28), também não deixará que nos falte nada! Mesmo para superar a crise económica, é preciso estar prontos a mudar o estilo de vida, a evitar tantos desperdícios. Como é necessária a coragem da felicidade, também é precisa a coragem da sobriedade.

Em segundo lugar, para viver esta Bem-aventurança todos necessitamos de conversão em relação aos pobres. Devemos cuidar deles, ser sensíveis às suas carências espirituais e materiais. A vós, jovens, confio de modo particular a tarefa de colocar a solidariedade no centro da cultura humana. Perante antigas e novas formas de pobreza – o desemprego, a emigração, muitas dependências dos mais variados tipos –, temos o dever de permanecer vigilantes e conscientes, vencendo a tentação da indiferença. Pensemos também naqueles que não se sentem amados, não olham com esperança o futuro, renunciam a comprometer-se na vida porque se sentem desanimados, desiludidos, temerosos. Devemos aprender a estar com os pobres. Não nos limitemos a pronunciar belas palavras sobre os pobres! Mas encontremo-los, fixemo-los olhos nos olhos, ouçamo-los. Para nós, os pobres são uma oportunidade concreta de encontrar o próprio Cristo, de tocar a sua carne sofredora.

Mas – e chegamos ao terceiro ponto – os pobres não são pessoas a quem podemos apenas dar qualquer coisa. Eles têm tanto para nos oferecer, para nos ensinar. Muito temos nós a aprender da sabedoria dos pobres! Pensai que um Santo do século XVIII, Bento José Labre – dormia pelas ruas de Roma e vivia das esmolas da gente –, tornara-se conselheiro espiritual de muitas pessoas, incluindo nobres e prelados. De certo modo, os pobres são uma espécie de mestres para nós. Ensinam-nos que uma pessoa não vale por aquilo que possui, pelo montante que tem na conta bancária. Um pobre, uma pessoa sem bens materiais, conserva sempre a sua dignidade. Os pobres podem ensinar-nos muito também sobre a humildade e a confiança em Deus. Na parábola do fariseu e do publicano (cf. Lc 18, 9-14), Jesus propõe este último como modelo, porque é humilde e se reconhece pecador. E a própria viúva, que lança duas moedinhas no tesouro do templo, é exemplo da generosidade de quem, mesmo tendo pouco ou nada, dá tudo (Lc 21, 1-4).

4. … porque deles é o Reino do Céu
Tema central no Evangelho de Jesus é o Reino de Deus. Jesus é o Reino de Deus em pessoa, é o Emanuel, Deus connosco. E é no coração do homem que se estabelece e cresce o Reino, o domínio de Deus. O Reino é, simultaneamente, dom e promessa. Já nos foi dado em Jesus, mas deve ainda realizar-se em plenitude. Por isso rezamos ao Pai cada dia: «Venha a nós o vosso Reino».

Há uma ligação profunda entre pobreza e evangelização, entre o tema da última Jornada Mundial da Juventude – «Ide e fazei discípulos entre todas as nações» (Mt 28, 19) – e o tema deste ano: «Felizes os pobres em espírito, porque deles é o Reino do Céu» (Mt 5, 3). O Senhor quer uma Igreja pobre, que evangelize os pobres. Jesus, quando enviou os Doze em missão, disse-lhes: «Não possuais ouro, nem prata, nem cobre, em vossos cintos; nem alforge para o caminho, nem duas túnicas, nem sandálias, nem cajado; pois o trabalhador merece o seu sustento» (Mt 10, 9-10). A pobreza evangélica é condição fundamental para que o Reino de Deus se estenda. As alegrias mais belas e espontâneas que vi ao longo da minha vida eram de pessoas pobres que tinham pouco a que se agarrar. A evangelização, no nosso tempo, só será possível por contágio de alegria.

Como vimos, a Bem-aventurança dos pobres em espírito orienta a nossa relação com Deus, com os bens materiais e com os pobres. À vista do exemplo e das palavras de Jesus, damo-nos conta da grande necessidade que temos de conversão, de fazer com que a lógica do ser maisprevaleça sobre a lógica do ter mais. Os Santos são quem mais nos pode ajudar a compreender o significado profundo das Bem-aventuranças. Neste sentido, a canonização de João Paulo II, no segundo domingo de Páscoa, é um acontecimento que enche o nosso coração de alegria. Ele será o grande patrono das Jornadas Mundiais da Juventude, de que foi o iniciador e impulsionador. E, na comunhão dos Santos, continuará a ser, para todos vós, um pai e um amigo.

No próximo mês de Abril, tem lugar também o trigésimo aniversário da entrega aos jovens da Cruz do Jubileu da Redenção. Foi precisamente a partir daquele acto simbólico de João Paulo II que principiou a grande peregrinação juvenil que, desde então, continua a atravessar os cinco continentes. Muitos recordam as palavras com que, no domingo de Páscoa do ano 1984, o Papa acompanhou o seu gesto: «Caríssimos jovens, no termo do Ano Santo, confio-vos o próprio sinal deste Ano Jubilar: a Cruz de Cristo! Levai-a ao mundo como sinal do amor do Senhor Jesus pela humanidade, e anunciai a todos que só em Cristo morto e ressuscitado há salvação e redenção».

Queridos jovens, o Magnificat, o cântico de Maria, pobre em espírito, é também o canto de quem vive as Bem-aventuranças. A alegria do Evangelho brota dum coração pobre, que sabe exultar e maravilhar-se com as obras de Deus, como o coração da Virgem, que todas as gerações chamam «bem-aventurada» (cf. Lc 1, 48). Que Ela, a mãe dos pobres e a estrela da nova evangelização, nos ajude a viver o Evangelho, a encarnar as Bem-aventuranças na nossa vida, a ter a coragem da felicidade.

Vaticano, 21 de Janeiro – Memória de Santa Inês, virgem e mártir - de 2014.


Fonte
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