sábado, 21 de abril de 2012

Solidariedade do primaz da Igreja Anglicana no Brasil aos LGBT


Sabendo do imbróglio pessoal entre Toni Reis, presidente da ABGLT (Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Travestis e Transexuais), e o pastor Silas Malafaia, que envolve pedidos de direito de resposta, processos de difamação e um debate marcado para o dia 15 de maio em Brasília, Dom Ricardo Lorite de Lima, maior autoridade da Igreja Anglicana no Brasil, manifestou seu apoio aos direitos homossexuais.

Para Dom Ricardo, os evangélicos, vítimas do preconceito religioso desde o racha da Igreja Romana, vítimas de perseguições durante séculos, e ainda por cima cristãos, não deveriam compactuar com o preconceito. Em carta enviada a Toni Reis, ele diz o seguinte:

"Querido Toni, receba o apoio integral da Igreja Anglicana do Brasil, que fiel ao ensinamento do Mestre Jesus ama e acolhe a todos, sem distinção nenhuma!

Infelizmente os evangélicos deste país esqueceram que já foram vítimas da intolerância neste país! Os evangélicos deveriam estar ao lado daqueles que ainda hoje são vítimas da intolerância e não estarem aliados aqueles que no passado foram seus algozes!

Realmente o brasileiro tem a memória muito fraca!

Os líderes religiosos devem estar a serviço dos direitos humanos e não a discriminação e ódio.

Grande abraço,

++Lorite"

(Reproduzido via Fora do Armário e Gospel LGBT)

"Jesus era gay? Provavelmente"

Vitral: Igreja de S. João Evangelista, Indianápolis

Artigo publicado ontem, 20/04/12, no jornal britânico The Guardian. Seu autor, Paul Oestreicher, sacerdote anglicano, é capelão da Universidade de Sussex.

Uma homilia de Sexta-feira da Paixão sobre as últimas palavras de Jesus ao ser crucificado constitui um enorme desafio espiritual ao sacerdote. Os jesuítas deram início a essa tradição, adotada por muitas igrejas anglicanas. Tendo sido agraciado com esse privilégio na capital da Nova Zelândia, Wellington, minha segunda casa, eu estava dolorosamente ciente do contexto: uma Igreja profundamente dividida, em todo o mundo, pelas questões de gênero e sexualidade. Meu tema era o sofrimento, e meu sentimento era que eu não poderia me furtar de falar do sofrimento dos LGBTs nas mãos da Igreja ao longo de muitos séculos.

Seria esse assunto tão controverso um bom tema para uma Sexta-feira da Paixão? Pela primeira vez em meu ministério, tive a certeza de que sim. Aquelas palavras finais de Jesus não me deixavam outra alternativa. "Vendo Jesus sua mãe e o discípulo a quem ele amava de pé ao seu lado, disse à sua mãe, 'Mulher, eis aí o seu filho!' Depois disse ao discípulo: 'Eis aí tua mãe'. E dessa hora em diante o discípulo a levou para a sua casa."

Esse discípulo era João, a quem Jesus, afirma o Evangelho, amava de maneira especial. Todos os demais discípulos haviam fugido, com medo. Três mulheres, mas um único homem, tiveram a coragem de acompanhar Jesus em sua execução. Esse homem tinha claramente um lugar único na afeição de Jesus. Em todas as representações clássicas da Última Ceia, um dos temas preferidos da arte cristã, João encontra-se ao lado de Jesus, em geral com a cabeça repousando sobre o seu peito. Ao morrer, Jesus pede a João que cuide de sua mãe, e à mãe que o aceite como filho. E João leva Maria para casa. João torna-se, inequivocamente, parte da família de Jesus.

Jesus era um rabbi hebraico. Não se casou, algo fora do comum. A ideia de que ele tinha um relacionamento romântico com Maria Madalena é fruto da ficção, sem nenhum embasamento bíblico. Por outro lado, os indícios de que ele pudesse ser aquilo que hoje chamamos de gay são muito fortes. Todavia, mesmo militantes em defesa dos direitos LGBT na Igreja relutam em defender essa tese. Uma notável exceção foi Hugh Montefiore, bispo de Birmingham e converso de uma proeminente família judaica. Ele se atreveu a sugerir essa possibilidade - que foi encarada com desdém, como se sua intenção fosse, pura e simplesmente, chocar.

Após muita reflexão e certamente sem o menor desejo de causar qualquer escândalo, senti que não me restava nenhuma opção senão dizer, pela primeira vez em meio século de sacerdócio anglicano, que Jesus pode muito bem ter sido homossexual. Se fosse desprovido de sexualidade, não teria sido verdadeiramente humano. Acreditar nisso seria herético.

Heterossexual, bissexual, homossexual: Jesus pode ter se enquadrado em qualquer uma dessas possibilidades. Não há como saber com certeza qual. A alternativa homossexual simplesmente parece ser a mais provável. O relacionamento íntimo com o discípulo amado aponta nessa direção. Qualquer pessoa assim interpretaria hoje. Embora não haja nenhuma tradição rabínica de celibato,  Jesus poderia perfeitamente ter optado por evitar a atividade sexual, fosse ele gay ou não. Muitos cristãos vão preferir adotar essa hipótese, mas não vejo nenhuma necessidade teológica disso. A expressão física de amor fiel é divina. Defender o contrário seria aderir a um tipo de puritanismo que por muito tempo maculou as Igrejas.

Todos esses elementos, eu sentia no fundo do meu coração, precisavam ser abordados na Sexta-feira Santa. A meu ver, tratava-se de um ato de penitência por todo o sofrimento e perseguição aos homossexuais que persistem ainda hoje em muitos setores da Igreja. Poucos leitores deste texto estarão se sentindo mais ultrajados do que a congregação liberal para a qual eu estava pregando, mas tenho plena consciência do quanto estas reflexões serão dolorosas para a maioria dos cristãos teologicamente conservadores ou, simplesmente, mais tradicionais. A pergunta essencial, para mim, é: o que é preciso para amar? E, para os meus críticos: o que dizem as Escrituras? Neste caso, as duas respostas apontam na mesma direção.

Se Jesus era gay ou não, isso de modo algum afeta quem ele foi e seu significado para o mundo hoje. Em termos espirituais, não faz a menor diferença. O que importa, neste contexto, é que há muitos seguidores LGBT de Jesus – religiosos e leigos – que, apesar da Igreja, permanecem, notável e humildemente, seus membros fieis. Se as Igrejas cristãs, em suas várias formas, se dispusessem a aceitá-los, acolhê-los e amá-los mais abertamente, os discípulos seriam em número bem maior.

O céu é dos diferentes

Arte: Silas Kopf

O pecado maior que a Igreja de Jesus pode cometer é fechar-se em si mesma, negar-se ao diferente, propor uma identidade cristã homogênea e de rígidas exigências, a não ser naquilo que decorre necessariamente do mandamento do amor.

Isto porque Jesus fez e propôs a experiência de um Deus profundamente libertador. Que deixa as noventa e nove ovelhas sadias e homogêneas e vai buscar à margem, a diferente. Ele mesmo nos disse que, no banquete celeste, nos surpreenderíamos por ver sentados aqueles que não imaginamos, os que julgávamos “de fora”.

Bom critério para avaliarmos nossa maturidade humana, nossa caminhada cristã, nosso seguimento de Jesus é refletirmos como lidamos com o diferente de nós. O mesmo é fácil, cômodo, um amor auto-centrado e sem horizonte. O difícil e belo é o outro, que, na sua diferença, revela tanto a nós mesmos, em nossa singularidade, quanto ao amor de Deus, em suas multiformes maneiras de ser origem e senhor de toda a vida.

“Se o céu é profundamente humano, então é um radical encontro. Bem entendida, esta categoria poderia, melhor do que qualquer outra imagem, nos fazer vislumbrar a realidade plenificante e dinâmica do céu. Encontro significa a capacidade de ser-nos-outros sem perder a própria identidade. O encontro supõe o vigor de aceitar o diferente como diferente, acolhê-lo e deixar-se enriquecer por ele. Com isso rompemos o mundo do nosso ‘eu’ e permitimos a surpresa, a aventura e mesmo o risco. Todo encontro é um risco, porque se dá numa abertura para o imprevisível e para a liberdade. Onde há liberdade tudo é possível: céu e inferno. O céu como encontro significa que o homem, quanto mais se abre para novos horizontes divinos e humanos, mais se encontra consigo mesmo e forma com quem se encontra uma comunhão vital”. (Boff, Leonardo. Vida para além da morte. Ed. Vozes. p. 70)

Testemunhas

Ícone daqui

A leitura que a Igreja propõe neste domingo é o Evangelho de Jesus Cristo segundo Lucas 24,34-48 que corresponde ao Domingo 3º da Páscoa, ciclo B do Ano Litúrgico. O teólogo espanhol José Antonio Pagola comenta o texto.

Lucas descreve o encontro do Ressuscitado com seus discípulos como uma experiência fundante. O desejo de Jesus é claro. Sua tarefa não acabou na cruz. Ressuscitado por Deus depois de sua execução, ele toma contato com os seus para pôr em funcionamento um movimento de “ testemunhas” capaz de contagiar a todos os povos com a Boa Notícia. Vocês são minhas testemunhas. Não é fácil converter em testemunhas esses homens afundados no desconcerto e no medo. Ao longo de toda a cena os discípulos permanecem calados, num silêncio total. O narrador só descreve seu mundo interior: eles estão cheios de terror, só sentem turbação e incredulidade, tudo aquilo lhes parece demasiado formoso para que seja verdadeiro.

É Jesus quem vai regenerar sua fé. O mais importante é que eles não se sintam sozinhos. Eles o sentiram cheio de vida no meio deles. Estas são as primeiras palavras que escutam do Ressuscitado: “Paz para vocês... Por que o coração de vocês esta cheio de dúvidas?”

Quando esquecemos a presença viva de Jesus no meio de nós, quando o fazemos opaco e invisível com os nossos protagonismos e conflitos, quando a tristeza impede-nos sentir de tudo menos sua paz, quando nos contagiamos uns aos outros, o pessimismo e a incredulidade... aí então estamos pecando contra o Ressuscitado. Torna-se impossível uma igreja de testemunhas.

Para despertar sua fé, Jesus não lhes pede que olhem seu rosto senão suas mãos e seus pés. Que vejam as feridas da crucificação. Que tenham sempre ante seus olhos seu amor entregado até o fim. Ele não é um fantasma: “Sou eu mesmo”, O mesmo que conheceram pelos caminhos da Galileia.

Cada vez que tentamos fundamentar a fé no Ressuscitado com nossas elucubrações, nós o convertemos num fantasma. Para nos encontrarmos com ele, temos que percorrer o relato dos evangelhos: descobrir essas mãos que bendiziam os enfermos e acariciavam as crianças, esses pés cansados de caminhar ao encontro com os mais esquecidos, descobrir suas feridas e sua paixão. Esse Jesus é o mesmo que agora vive Ressuscitado junto ao Pai.

Apesar de vê-los cheios de medo e dúvidas, Jesus confia em seus discípulos. Ele mesmo lhes enviara o Espírito que os sustentava. Por isso encomenda-lhes que prolonguem sua presença no mundo: “Vocês são testemunhas disso”. Eles não hão de ensinar doutrinas sublimes, mas contagiar sua experiência. Eles não têm que predicar grandes teorias sobre o Cristo, mas irradiar o seu Espírito. Eles devem fazê-lo crível com sua vida, não somente com as palavras. Este é sempre o verdadeiro problema da Igreja: a falta de testemunhas.

(Fonte: IHU)

sexta-feira, 20 de abril de 2012

Os trinta e três nomes de Deus

Foto via Facebook

De vez em quando perguntam-me se acredito em Deus. Mas é claro. Acredito mais que a maioria das pessoas. Tenho até trinta e três nomes para ele. Esses nomes foi a Margueritte Yourcenar que me contou. Ela foi uma escritora maravilhosa, autora do livro "Memórias de Adriano", quem lê nunca mais esquece, quer ler de novo. Pois esses são os trinta e três nomes de Deus que ela me ensinou. É só falar o nome, ver na imaginação o que o nome diz, para que a alma se encha de uma alegria que só pode ser um pedaço de Deus... Mas é preciso ler bem devagarinho...

1.Mar da manhã.
2.Barulho da fonte nos rochedos sobre as paredes de pedra.
3.Vento do mar de noite, numa ilha...
4.Abelha.
5.Vôo triangular dos cisnes.
6. Cordeirinho recém-nascido....
7.Mugido doce da vaca, mugido selvagem do touro.
8.Mugido paciente do boi.
9. Fogo vermelho no fogão.
10.Capim.
11.Perfume do capim.
12.Passarinho no céu.
13.Terra boa...
14.Garça que esperou toda a noite, meio gelada, e que vai matar sua fome no nascer do sol.
15. Peixinho que agoniza no papo da garça.
16. Mão que entra em contato com as coisas.
17.A pele, toda a superfície do corpo
18. O olhar e tudo o que ele olha.
19.As nove portas da percepção.
20.O torso humano.
21.O som de uma viola e de uma flauta indígena.
22.Um gole de uma bebida fria ou quente.
23.Pão.
24.As flores que saem da terra na primavera.
25.Sono na cama.
26. Um cego que canta e uma criança enferma.
27. Cavalo correndo livre.
28.A cadela e os cãezinhos.
29.Sol nascente sobre um lago gelado.
30.O relâmpago silencioso.
31. O trovão que estronda.
32.O silêncio entre dois amigos.
33.A voz que vem do leste, entra pela orelha direita e ensina uma canção...

Agradeço ao Carlos Brandão por haver me apresentado os trinta e três nomes de Deus da Margueritte. Não é preciso que sejam os seus. Faça a sua própria lista. Eu incluiria: Ouvir a sonata Apassionata de Beethoven. Sapos coaxando no charco. O canto do sabiá. Banho de cachoeira. A tela “Mulher lendo uma carta”, de Vermeer. O sorriso de uma criança. O sorriso de um velho. Balançar num balanço tocando com o pé as folhas da árvore... Morder uma jabuticaba... Todas essas coisas são os pedaços de Deus que conheço... Sim, acredito muito em Deus.

- Rubem Alves

(Presente do querido Tiago Medeiros, via Facebook)

"Aceitar meu filho incondicionalmente me fez uma pessoa mais feliz"

Receber a notícia de que o filho é homossexual é um acontecimento que pode abalar as estruturas de uma família, por mais que ela se considere aberta às diferenças. É mais fácil lidar com as piadinhas maldosas quando tudo não passa de suspeita e falatório. Mas o cenário muda depois de um irrefutável: "Pai, eu sou gay".

Para o industriário Ricardo Reder, 48 anos, de Santana do Parnaíba (SP), o fato de Victor ter admitido ser homossexual, há cerca de dois anos, caiu como uma bomba. "Pertenço a uma família tradicional do interior de Minas Gerais, de uma cidadezinha pequena. Imagine, para mim, o que essa descoberta causou", admite. O garoto, hoje com 18 anos, ficou tão perturbado com a reação dos pais que decidiu buscar abrigo na casa da avó. "Você nunca acha que tem preconceito, até a realidade tomar conta da sua vida", diz Ricardo.

Ele e a mulher, a analista de faturamento Suerda, de 42 anos, descobriram o Grupo de Pais de Homossexuais (GPH) na internet e encontraram na figura de Edith Modesto, sua fundadora, o apoio de que precisavam. "Ela nos disse algumas verdades", confessa Ricardo, que um mês após a declaração do filho resolveu trazê-lo de volta para casa. Edith chamou a atenção do casal para o fato de que uma relação não é feita só de sexo. "Em vez de ficar imaginando seu filho na cama com outro homem, pensa que ele vai ter alguém pra cuidar dele quando estiver doente", ela disse para Ricardo. Essa visão amorosa fez com que ele repensasse alguns conceitos. "Nunca deixei de amá-lo. E me coloquei no lugar dele, tentando compreender o seu sofrimento."

Da rejeição inicial até hoje, o relacionamento da família só melhorou. "Fui para a casa da minha avó porque fiquei muito chateado com a reação dos meus pais", conta Victor. O jovem quis dar um tempo para Suerda e Ricardo, e também para si mesmo. "Queria que sentissem a minha falta", completa. Ele conta que uma das maiores emoções da vida dele foi quando o pai foi buscá-lo: "Me senti amado, acolhido. Nossa relação, que até então era um pouco distante, melhorou muito. Ele passou a me ver como pessoa, como ser humano. Hoje somos muito unidos".

O grupo de Edith, pesquisadora e especialista em diversidade sexual, surgiu a partir de uma experiência pessoal. Mãe de sete filhos, ela e o marido passaram pela mesma situação de Ricardo e Suerda quando seu caçula, Marcello, assumiu ser homossexual. "Fiquei muito surpreso quando soube, há vários anos", conta o professor universitário aposentado Lauro, 81. "Nunca percebi, porque ele não tinha nenhuma característica. O que me importa é que ele é um professor da USP, com doutorado nos Estados Unidos, inteligente, trabalhador e meu amigo", afirma.

Militar e evangélico, Antonio Aparecido dos Santos, 51 anos, de São Paulo, é um exemplo para muita gente que se considera de mente aberta e moderna. Sobre a homossexualidade, ele é objetivo em seu argumento: "Quem somos nós para julgar a natureza alheia?”. Após sempre ter desconfiado que o filho, Airon Wisniewski, de 22 anos, fosse gay, Antonio não se surpreendeu com a confirmação. "Não me choquei nem um pouco e aceitei numa boa”, afirma. O filho se orgulha de ter uma relação de companheirismo com o pai. “Nunca vou me esquecer do momento em que decidi ‘sair do armário’. Ele tirou os óculos, colocou a mão no meu ombro e disse que, independente de qualquer coisa, continuaria a ser meu pai e a me amar muito”, revela, emocionado.

Foi com a mesma convicção que Laurindo Pissioli, de 61 anos, de Frutal (MG), apoiou a filha, a analista de testes Cristiane, 35 anos. “Quando ela era pequena, todo mundo a achava diferente", lembra. Cristiane diverte-se ao contar que o pai sempre apresenta suas namoradas aos amigos como noras. "O pessoal questionava: ‘Laurindo, como você pode ter uma nora se só tem filhas?' E ele: ‘É nora porque é mulher da minha filha, oras!’. Todo mundo ria”, afirma Cristiane.

Agir com naturalidade é a resposta do militar Antonio para quem tenta atingi-lo com preconceitos. Quando alguém diz que o filho dele é "bicha", sabe o que ele diz? “É bicha, sim. Tem saúde e me dá muita alegria. E aí?", conta Antonio, que considera o namorado de Airon um filho. “Gosto tanto do Anderson que até dou bronca de pai nele”, diverte-se ele, que, no quartel, aconselha um amigo de trabalho a aceitar a filha homossexual.

Para Ricardo Reder, o caminho da aceitação foi mais doloroso. Hoje ele até permite que Victor leve o namorado para dormir em casa. "Eu achava que fazia de tudo por meu filho e descobri que estava errado. Hoje posso afirmar que aceitá-lo plena e incondicionalmente me transformou numa pessoa mais feliz e completa."

- Heloísa Noronha
Colaboração para o UOL

Preconceito aumenta risco de depressão, diz estudo

Mães de gays se recusam a permanecer no armário e afirmam o orgulho que têm dos filhos
na Parada do Orgulho Gay de Nova York em 1974. Vimos no blog da Amelia, aqui.

O preconceito pode estar levando jovens homossexuais a casos de depressão e suicídio. Pesquisa realizada pelo Instituto de Ciências Médicas da Unicamp constatou que homossexuais têm tendência maior a desenvolver transtornos mentais em relação a jovens heterossexuais da mesma faixa etária. A discriminação, sobretudo por parte da família, é um fator de risco para o aumento desses casos.

Isso porque o adolescente ainda necessita da proteção do ambiente familiar e mimetiza seus valores. Assim, quando rejeitado, acaba internalizando o preconceito sofrido e se auto-discrimina por sua orientação sexual.

“Nos adolescentes, isso funciona de forma mais grave porque ainda está num momento crítico de construção da individualidade”, afirma Daniela Ghorayeb, autora do estudo e PhD em saúde mental pela Unicamp. A pesquisa faz parte de sua tese de doutorado, que deu sequência a um estudo anterior sobre a saúde mental dos adultos homossexuais.

Cerca de 67% dos entrevistados afirmaram sentir vergonha de sua orientação sexual. E, enquanto nos adultos a religião e pressões da sociedade são os fatores que induzem a esse tipo de sentimento, sobretudo entre as mulheres, nos adolescentes entre 16 e 21 anos é o medo de frustar a família o que mais pesa. “Acho que até já tive raiva de mim, mas não era só ser gay, era muita coisa junto”, diz um entrevistado.

Além disso, 35% dos pesquisados apresentaram depressão e 10%, risco de suicídio. Já entre os heterossexuais, apenas 15% sinalizaram quadro depressivo e nenhum caso de tentativa ou intenção de se matar. Por sua vez, quando a homossexualidade do jovem é bem recebida pela família, e a proteção aumenta, diminuem os riscos de transtornos mentais. “Pior porque passei por muita coisa e melhor porque enfrentei, mesmo com a depressão, eu só me trancava, chorava, não queria nada, foi horrível, aí sou melhor porque tá passando”, declara um dos participantes, em trecho da pesquisa.

Segundo Ghorayeb, muitos adolsecentes afirmaram terem sido impedidos de exercer afetividade e terem medo de serem agredidos fisicamente e verbalmente. “Alguns adolescentes, a partir de um certo horário, não andam na rua. Não anda porque sabe que existe iminência de violência física”, explica a pesquisadora. Tanto a falta de liberdade para expressar sentimentos quanto o risco de agressão tem efeito negativo na saúde mental e qualidade de vida das pessoas. No último mês, uma criança de 12 anos cometeu suicídio depois de sofrer “bulling” na escola por conta de sua orientação sexual, em Vitória (ES).

Ghorayeb comenta que no exterior existem cada vez mais pesquisas para mensurar o quanto o preconceito pode interferir na saúde mental de jovens. Há também um cuidado, em alguns lugares, de se proporcionar tratamento na rede de saúde tanto para os adolescentes quanto para a família, que recebe parte desse impacto. No Reino Unido, nos centros de saúde públicos, há profissionais especializados no tema para auxiliar na orientação familiar. Aqui no Brasil, este é o segundo estudo que cruza homossexualidade e saúde mental, sendo o primeiro a sua tese de mestrado.

Na rede de saúde, não existe nenhum tipo de auxílio especializado para estes casos. “É necessário divulgar para a comunidade acadêmica melhorar a formação dos profissionais de saúde nesse sentido”, afirma Ghorayeb.

A pesquisa considerou apenas os homossexuais que assim se definiram. Além disso, por conta da dificuldade de se conseguir voluntários com esse perfil, por conta da discriminação, a pesquisadora utilizou a técnica de recrutamento denominada “snowball sampling”. Cada entrevistado indicava outros cinco que correspondiam ao perfil.

Por conta disso, o público foi bastante homogêneo e não teve abrangência de diversas classes sociais. A média de renda familiar foi entre cinco mil e sete mil reais. A maioria tinha planos de ingressar no ensino superior. “Se pesquisar outra faixa de renda, vai se chegar a resultados bem diferentes”, afirma Ghorayeb.

- Clara Roman, em sua coluna na Carta Capital em 06/04/12
Colaboração do amigo @wrighini

Evolução e pecado original: releituras do Gênesis

Ilustração: Ashley Percival

Como nos sentimos quando ouvimos a história do Gênesis? Por um lado, ela é tão familiar que se tornou caseira, e não conseguimos perceber a sua recorrente alteridade. Por outro lado, ela passou a exemplificar a batalha entre ciência e religião. Para os fundamentalistas cristãos, ela constitui a Palavra de Deus absoluta que refuta a teoria da evolução pela seleção natural. Para os ateus evolucionistas, a ciência oferece provas quase irrefutáveis de que Deus não existe, tornando obsoletos nossos antigos mitos de origem.

Isso se torna ainda mais problemático se levarmos em consideração o que Paulo diz em Romanos 5, 12-19, repassando a história da salvação até o pecado de Adão. Em um mundo em que nos conhecemos como macacos altamente evoluídos – embora sendo macacos cujos cérebros pularam as faixas da evolução até adquirir consciência –, como devemos interpretar essas histórias de pecado, de morte e de salvação de uma forma que não nos torne ridículos ou infantis?

O teólogo jesuíta Jack Mahoney recentemente tentou dar uma resposta por meio do que ele chama de "uma teologia cristã do altruísmo". Em seu livro Christianity in Evolution: an Exploration [Cristianismo em evolução: Uma exploração] ele argumenta que a teoria da evolução tornou a doutrina do pecado original redundante. Cristo não morreu por nossos pecados para satisfazer a Deus. Ao contrário, ele é a entrada de Deus na espécie humana em evolução, a fim de nos ensinar a imitar o altruísmo trinitário. Nós somos "propensos ao interesse próprio e até mesmo à obsessão própria", mas isso não é atribuível a "algum desastre moral primordial".

Cristo, por exemplo nos mostra como superar essas características evolutivas naturais, para que o seu testemunho "possa ser visto como um passo evolutivo maior no avanço moral da humanidade e como uma indicação de que o altruísmo universal é o convite moral e o destino evolutivo das espécies humanas". Mais importante ainda é que, morrendo, Cristo enfrentou a universalidade da morte e, ressuscitando, ele "salvou seus companheiros seres humanos da extinção, seu destino evolutivo, para compartilhar com eles a vida divina da Trindade".

No entanto, tenho dúvidas sobre a a viabilidade ou conveniência do ponto de vista de Mahoney, e gostaria de dizer por quê.

O mito do Gênesis não é factual, mas é veraz. Os mitos são portadores de sentido para além do que as nossas mentes racionais podem suportar. Eles não explicam nem discutem. Por um processo paradoxal de ocultação e revelação simultâneos, eles evocam ressonâncias sutis e evasivas.

A história do Gênesis toca em muitos enigmas sobre o que significa ser humano. Há, por exemplo, a intuição de que desejo e proibição parecem presos em uma relação parasitária mútua. Há também o enigma da sexualidade humana – a dolorosa história de amor e violência, liberdade e dominação, deleite e desastre, que constitui o romance e a tragédia em curso das nossas uniões sexuais. E depois há a relação entre nós e o restante da criação como um paraíso que se torna um deserto de conflito e discórdia, e a harmonia original entre Deus, a humanidade e a natureza que se rompe ao longo de linhas de culpa e alienação, vergonha e expulsão.

Nascemos em um mundo que nunca foi diferente do que é, e demitologizar é em si apenas mais um mito – o mito do progresso impulsionado pela razão e pela ciência. Esse mito moderno está rapidamente se tornando um pesadelo acordado, enquanto vemos o colapso das nossas instituições econômicas e democráticas, e a devastação do ambiente natural.

Como o filósofo Paul Ricoeur sugere, assim como Adão e Eva, nós descobrimos que a serpente sempre esteve no paraíso, que as suas origens são inexplicáveis, que a sua presença é um obscuro mistério dentro da história humana. Não importa como a chamemos – pecado original, alienação, angústia existencial, uma predisposição genética –, não estamos em paz com nós mesmos e com o nosso mundo, e mesmo que, com grande sabedoria e paciência, adquiramos algum nível de paz, é um dom frágil e efêmero.

Entre o início e o fim das Escrituras, descobrimos a história redentora do nosso próprio vir a ser – macacos vindo a ser humanos vindo a ser deuses mediante a nossa divinização em Cristo. Mas nós também precisamos mudar o foco de nossas lentes antropocêntricas. Esse não é um projeto moral, como Mahoney parece sugerir, e também não é um projeto puramente humano. Cristo é um redentor cósmico, e a Carta aos Romanos nos diz que toda a criação geme em dores de parto enquanto espera a glória da redenção.

Uma teologia que procura se explicar perante o tribunal da ciência sempre abrirá mão de muito, e uma ciência que tranca as suas portas contra a teologia sempre saberá muito pouco.

- Tina Beattie
Reproduzido via Amai-vos, com grifos nossos.

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Entre a cruz e o arco-íris

Bordado daqui

Ainda sobre o episódio do cartaz da parada LGBT de Maringá e seu diálogo com a arquidiocese local: nosso amigo Murilo Araújo escreveu um brilhante editorial no Vestiário.org, que vale muito a pena ler (aqui). Achamos tão pertinente a sua reflexão, que resolvemos reproduzir um trechinho aqui:
(...) Vamos fazer um esforço de repensar: em vez de ficar reproduzindo a mania de perseguição, afirmando um eterno embate entre religiosos e militantes, alguém parou para pensar no significado bonito que esse cartaz carrega? 
De certo modo, ele representa a igreja com que eu sonho cotidianamente. Trata-se de um sonho muito particular, porque quem tem outra fé (ou não tem nenhuma) tem todo o direito de discordar desse meu pensamento, ou de apenas não se preocupar com isso. Mas, se substituíssemos a Catedral de Nossa Senhora da Glória por uma escola, ou por um prédio do governo, o cartaz continuaria representando a minha utopia: uma instituição que transforma uma só cor em várias, e que gera a diversidade, em vez de anulá-la. 
(...) [O arcebispo, D. Anuar] Batistti afirmou que a preocupação maior da Igreja deve ser contra a violência e não contra o movimento, e apontou caminhos para a criação de uma espécie de “pastoral da diversidade” na Arquidiocese. Se a iniciativa é válida ou não, a discussão é outra, mas eu, talvez inocentemente, vejo pelo menos o esforço de diálogo como um sinal de esperança. Continuar na briga desmedida é fazer mais do mesmo. E acho que não queremos ser todos um bando de fundamentalistas, mesmo que cada um ao seu modo.


Leia também:
Uma questão de justiça: os LGBTs de Maringá e a Catedral
Entre a cruz e o arco-íris

Orientação espiritual para crianças

Foto: Alex Ruiz

Com certeza, você esbarra em amigos e vizinhos no shopping, no cinema, em restaurantes e barzinhos, mas hoje dificilmente conhece alguém próximo que sai de casa para ir à missa aos domingos. O que antes era uma obrigação a cumprir, uma espécie de ritual familiar, com direito a roupa nova, hoje nada mais é do que uma cena do passado distante.

Os pais não se sentem mais à vontade em impor uma religião às crianças, como há 50 anos, quando a doutrina passava de pais para filhos. Sem querer obrigá-los os filhos a seguir os mesmos passos, os pais – em sua maioria criados na religião católica – não sabem mais como agir. (...)

Para responder a essa inquietação dos pais, especialistas explicam por que continua sendo imprescindível transmitir aos filhos conceitos de fé, amor e respeito. O teólogo e escritor Leonardo Boff é um dos que ensinam aos pais como apresentar o sagrado às crianças. “Nunca passar a ideia de um Deus vigiador e castigador. Isso gera medo. E o que se opõe à fé não é a não fé, mas o medo. A criança com medo tem dificuldades de crer, de confiar, de se entregar a alguém.”

Emerson Pedersoli, psicólogo com formação clínica e especialista em psicologia da educação, sempre envolvido com casais e famílias, confirma: “Os pais estão realmente perdidos. Vieram de uma educação rígida, mas não conseguiram achar o meio do caminho. Saíram do extremo da rigidez para a liberdade em excesso.”

Nos cursos e palestras que ministra, Pedersoli conversa muito com os pais e percebe que, hoje, eles tendem a deixar a orientação espiritual para o futuro, quando os filhos estiverem crescidos. “Mas a ideia de deixá-los crescer sem apresentar nenhum parâmetro já é deixá-los perdidos”, assegura. Aí, pode ser tarde, “porque eles não terão como decidir, porque não foram orientados”.

Ele acredita que em tempos de grande liberdade de escolha, dar aos filhos orientação espiritual é “fundamental”, mas avisa: “Costumo dizer que é preciso associar a fé ao raciocínio. E não ter uma fé cega, do tipo acreditar porque estão dizendo. Ao contrário: acredito porque pesquiso, estudo e aprofundo”.

Compreensão do mundo
Nem sempre pais e filhos têm a mesma opinião quando o tema é espiritualidade. Especialistas sugerem que os adultos não rotulem ou usem juízos de valor para tratar do assunto com as crianças Nem a rigidez de antes nem a liberdade excessiva. Como os pais podem encontrar o meio do caminho e apresentar o sagrado às crianças? Quem responde é Leonardo Boff (...). Depois de abandonar suas funções de frade franciscano (...), Boff vive atualmente no Jardim Araras, região campestre ecológica do município de Petrópolis (RJ), e compartilha vida e sonhos com a educadora Márcia Maria Monteiro de Miranda.

“Creio que devemos entrar pela porta certa, que é a inteligência emocional. A criança não entende conceitos que não passam por alguma experiência ou metáfora. Deus é uma realidade grande demais para ela fazer uma representação”, observa.

Ele crê que os pais devem primeiro mostrar à criança o sagrado. “Ela é sensível ao sagrado. A gente faz isso entrando numa igreja. Ela percebe que lá é outra lógica, diferente da rua, do mercado, dos shoppings. Na igreja há silêncio ou se fala baixinho, há espaços altos, as figuras, os altares. Dessa experiência nasce o respeito, a veneração: estamos diante de algo importante. É preciso dizer que Deus mora ali. Mas Ele gosta mesmo de morar no coração da criança, protegendo-a, iluminando-a, fazendo-a querida para as outras pessoas.”

Outra experiência importante do sagrado, segundo o teólogo, é mostrar as estrelas. “Sempre há noites estreladas, mesmo nas grandes cidades. E perguntar: ‘Quem se esconde atrás daquelas estrelas?’, ‘Quem faz com que elas se movimentem?’, ‘Quem criou aquele céu todo?’. E aí dizer: ‘Foi Deus quem quis embelezar nossas noites e alegrar nossos olhos. Todos nós nascemos das estrelas, porque tudo o que está no nosso corpo veio delas, especialmente do Sol. Todos nós queremos brilhar. E com razão. Porque devemos ser como as estrelas: nascemos para brilhar.’”

Ele aponta outra experiência importante – o nascimento de um bebê. “A criança logo se interessa: ‘De onde veio?’. Sabe que veio da mãe. E a mãe veio de onde? De quem ela recebeu a criança? E daí explicar que há no céu um pai carinhoso e uma mãe bondosa que nos amam e nos mandam essas crianças. Cada criança é um sinal de amor de Deus. Enquanto nascerem crianças é prova de que Deus ainda nos ama e ama o mundo.” O contato com o mar também fala do sagrado: “É a experiência da majestade e da grandeza, que inspira respeito e cuidado. Deus tem majestade. É um mar de amor e de vida”.

Outra forma é despertar a criança para a beleza da natureza: “De uma flor, de um gatinho que nasce, de um cachorrinho, de um pássaro ou mesmo o descortinar de uma paisagem a partir de um lugar alto. Aí emerge o mistério da vida e da beleza. Deus é aquele que dá vida e faz tudo belo neste mundo”.

Por fim, o teólogo constata: “A criança é muito sensível à oração. À noite, antes de deitar, os pais podem ensinar pequenas orações, como ‘Com Deus me deito, com Deus me levanto, com o Pai, o Filho e o Espírito Santo’. Há tantas fórmulas… Cada família tem a sua. Conheço pais que são ateus e as crianças pedem à mãe para rezar. E aí é importante encenar a oração: fazer silêncio, juntar as mãos, pensar no mais alto do céu, nas estrelas e num grande pai bom ou numa grande mãe bondosa. E só quando estiverem concentrados, então fazer a oração. Geralmente, pedem para repetir. Mas não troquem as fórmulas de oração. As crianças querem sempre a mesma fórmula”.

Estado de Alma
Professora do Instituto de Ciências Humanas da PUC Minas e mestre em ciências da religião, Luzia Werneck acha importante que os pais trabalhem com as crianças a compreensão do mundo: “Se você trilha o caminho da espiritualidade, tudo fica mais leve”.

Para Luzia, a questão da espiritualidade, da fé e da religião não deve ser uma imposição. “Os pais devem pegar a criança pelas mãos e trilhar esse caminho da compreensão do mundo. Conheço pais que são ateus, mas ensinam valores humanos. Será que posso afirmar que não há espiritualidade ali, mesmo que eles sejam ateus?”

Espiritualidade, para Luzia, é “olhar o mundo como se fosse a primeira vez. Não viciar o olhar. Até para conversar sobre a existência de Deus você não pode impor sua opinião. Se você fizer isso, impede o outro de compreender o mundo a partir da própria vivência”. Ela cita uma letra de um canto gregoriano dos monges trapistas, que diz o seguinte: ‘O mundo é um grande berço e nós temos que pensar que mãos vão embalar esse berço. Quando um filho nasce, o lar é um grande berço. E devemos saber que mãos vão conduzir esse sujeito e qual a espiritualidade que vai permear a vida. Para mim, espiritualidade é um estado de alma’”.

Sem filhos, Luzia, no entanto, tem sete sobrinhos. “Converso muito com eles e a espiritualidade acontece em qualquer hora e lugar. Outro dia, passeando num sítio para olhar as árvores e os pássaros, nos deparamos com um ninho onde a fêmea tomava conta dos filhotes. Paramos para observar e conversar sobre o saber cuidar, que não é só da condição humana.”

- Déa Januzzi, para o Estado de Minas
Leia na íntegra no Conteúdo Livre

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Casais gays também são família, reconhecem bispos mexicanos

Imagem daqui

No contexto da 93ª Assembleia Plenária da Conferência Episcopal Mexicana (CEM), cujo tema é a família e as dificuldades e ameaças por ela enfrentadas atualmente, Víctor René Rodríguez Gómez, secretário-geral da CEM, observou que a Igreja não exclui as uniões entre pessoas do mesmo sexo:

"Os casais do mesmo sexo que formam uma família nunca estiveram excluídos da Igreja; o que queremos deixar muito claro é que o matrimônio é entre um homem e uma mulher, e o consideramos um patrimônio da humanidade. A Igreja Católica está longe de considerar uma exclusão ou separação de quem pensa diferente, mas também é nossa missão deixar muito claro, conforme o Evangelho, o que o Senhor nos revelou com relação à vida, à família e à instituição matrimonial."

Embora insistisse em que a visão da Igreja e do Evangelho é a família baseada no amor entre um homem e uma mulher abertos à vida e na capacidade de auto-doação, Rodríguez Gómez disse que a Igreja também respeita e valoriza outros tipos de convivência, como aqueles constituídos por mães e seus filhos ou avós e netos, devido à migração dos pais.

Um adendo: a rigor, os textos bíblicos foram escritos em uma época muito anterior à concepção do amor como fundamento da família, na qual o vínculo matrimonial tinha um caráter muito mais utilitário e econômico do que afetivo. Salientam, sim, o respeito entre os cônjuges, mas nada falam do "amor" no sentido do amor romântico, em vigor no Ocidente há menos de três séculos - como vimos na excelente retrospectiva histórica publicada aqui ontem. Ademais, de todo modo, nada impede que um casal gay seja igualmente aberto à possibilidade de ter filhos e ao exercício da auto-doação.

Juan Pedro Juárez Meléndez, bispo de Tula, referiu-se aos desafios enfrentados pelas famílias que vivem com um ou dois salários mínimos, renda com a qual é impossível ter uma existência digna; assinalou ainda que a falta de emprego é outra das situações difíceis que afetam gravemente as famílias mexicanas, assim como o problema da migração.

Jorge Patrón Wong, bispo-auxiliar de Papantla, mencionou a perda de valores e de solidariedade, assim como o aumento da pobreza e a ampliação das desigualdades econômicas. Sobre este último ponto, Rodríguez Gómez lamentou que, cada vez mais, muitos tenham pouco e poucos tenham muito.

Apesar das mudanças cada vez mais evidentes, é difícil prever quanto tempo a Igreja levará para rever sua doutrina com relação à sexualidade em geral e ao matrimônio em particular, bem como à questão da homossexualidade. Porém, o combate à violência, a defesa da dignidade das pessoas diante das dificuldades sociais e econômicas e a valorização e disseminação dos valores da solidariedade, fraternidade, apoio mútuo, respeito, diálogo e empatia, a capacidade de colocar-se no lugar do outro: esses constituem, de fato, importantes desafios à sociedade e às famílias de todos os formatos e tipos. Que a Igreja, e cada um dos cristãos em suas relações e vidas diárias, cumpramos nossa vocação de ajudar as sociedades latino-americanas e em todo o mundo a encará-los de frente. E, como sublinhou o secretário-geral da CEM, sem exclusões. :-)

Com amor,
Cris

Com informações de La Jornada (México). Colaboração do amigo @wrighini.

Sinais de Deus para o nosso tempo


Tudo começou de novo com a Ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo. Passou o que era velho e tudo se fez novo, a partir de dentro, num dinamismo plantado no coração de cada cristão que recebe o Sacramento do Batismo. Caiu a velhice do pecado e do egoísmo, desmoronaram os muros da desconfiança, da inveja e do ciúme. Os cristãos exultam pela sua renovação espiritual, pois recuperaram com alegria a condição de filhos de Deus e podem esperar com plena confiança o dia da ressurreição (cf. Oração do III Domingo da Páscoa).

Descrever assim a vida pode parecer sonho, quem sabe, uma ilusão, ou otimismo ingênuo. Alguns chamariam utopia, por não perceberem que o sentido originário de palavra aponta para o lugar ideal a ser alcançado e não um projeto imaginário e impossível de se concretizar. É que os cristãos não têm medo de ver as coisas a partir dos olhos de Deus, enxergando, além de todas as chagas existentes no mundo, a grandeza o plano de Deus. “O olho de Deus sobre o mundo é o Coração de Cristo, mas a pupila é aquela ferida de amor! A ferida está no Coração de Cristo. Ele foi ferido porque manifestou por inteiro o amor. Ele é o amor do Pai vindo à terra, e nos amou dando tudo... E nós, se vivermos como Ele, poderemos olhar por dentro e ver a Deus, e o Pai pode olhar dentro da chaga do Coração de Cristo e ver a todos nós” (Chiara Lubich, cf. Nuova Umanità 2012/2, p. 167).

Após a Ressurreição de Jesus, seus discípulos tiveram que aprender este novo modo de compreender a vida (Lc 24,35-48). Ao mostrar-lhes suas mãos e seus pés, com as marcas da crucifixão, ele abriu-lhes os olhos. Não estavam diante de um fantasma! A experiência da presença do Ressuscitado foi novidade para todos. Madalena pensou estar diante de um jardineiro, os discípulos de Emaús o viam apenas como andarilho, os próprios apóstolos à margem do lago não o reconheceram. Os gestos de delicadeza, com que de várias formas se apresentou aos seus, foram mimos cujos frutos se multiplicam no correr dos séculos para as sucessivas gerações de cristãos, das quais nós somos, por enquanto, os últimos! Não é mais possível ver Jesus Cristo e os acontecimentos com os olhos da carne. Faz-se necessário dar o salto da fé!

Os primeiros discípulos de Jesus receberam a missão de espalharem pela terra uma vida nova e um modo novo para compreender o mundo e os acontecimentos. Cheios do Espírito Santo, eles começaram a pregar o Evangelho de Cristo. Quando experimentaram a incompreensão e a prisão, ficavam “alegres por terem sido considerados dignos de injúrias por causa do santo Nome. E cada dia, no templo e pelas casas, eles não cessavam de ensinar e anunciar que Jesus é o Cristo” (At 5,41-42). Quando se desencadeou a perseguição e mataram Tiago, um dos Apóstolos (At 12,1), “a palavra do Senhor crescia e se espalhava cada vez mais” (At 12,24). Todos os períodos mais críticos e de maior sofrimento para a Igreja, com a força da Páscoa de Cristo, suscitaram novos frutos, quando acolhidos como chamado à fidelidade ao Senhor!

Até hoje, “no jardim da Igreja se cultivam as rosas dos mártires, os lírios das virgens, as rosas dos casados, as violetas das viúvas” (Santo Agostinho). Cada pessoa, segundo a vocação e o estado de vida que lhe foi concedido pelo Senhor, é chamada a “ser testemunha” (Lc 24,42). Sua vida fará referência a valores consistentes, que não se abalam com ameaças, segundo a orientação do Apóstolo: “Não seremos mais como crianças, entregues ao sabor das ondas e levados por todo vento de doutrina, ludibriados pelos homens e por eles, com astúcia, induzidos ao erro. Ao contrário, vivendo segundo a verdade, no amor, cresceremos sob todos os aspectos em relação a Cristo, que é a cabeça” (Ef 4,14-15).

Comprometer-se com a verdade, denunciar o mal existente, indicando em Jesus Cristo o único caminho e o remédio eficaz, orar pelos que nos perseguem, tomar a iniciativa da caridade, perdoar sempre, valorizar mais o que une do que o que separa as pessoas, esperar com paciência a vitória do bem, são algumas das muitas possibilidades para oferecer o testemunho de Cristo em todos os tempos, inclusive o nosso, a partir do olhar da pessoa que entrou no Coração de Cristo, para ver tudo através da chaga aberta em seu peito. Ali, o cristão se sente cômodo, sem ser acomodado, para não ficar sossegado até que os confins da terra reconheçam que Jesus é o Senhor.

- Dom Alberto Taveira Corrêa, Arcebispo Metropolitano de Belém
Fonte: ZENIT (Grifos nossos)

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quarta-feira, 18 de abril de 2012

Tudo é mistério

Foto: José Pombo

Para o amigo Marcio Retamero. ;-)

Tudo, aliás, é a ponta de um mistério, inclusive os fatos. Ou a ausência deles. Duvida? Quando nada acontece há um milagre que não estamos vendo.

- Guimarães Rosa

(Via Tiago Medeiros, no Facebook)

Família e casamento: construções históricas

Foto via Facebook

O chamado “casamento por amor”, como o compreendemos na atualidade, é invenção recente, surgida no período compreendido entre os séculos XVII e XVIII, com o advento do individualismo e das exigências de controle dos comportamentos, operacionalizadas através da instituição de “normas de civilidade” ou da “gramática dos gestos”.

O dever do historiador é dar à sociedade que é sua o sentimento da relatividade de seus valores 
(Veyne, 1987, p. 44).

É usual lermos e ouvirmos afirmações de que “a família, desde o início, tem sido a base da sociedade civilizada, composta por pai, mãe e filhos”; que “família é algo de direito natural, inscrito na própria condição humana”; que estaríamos a presenciar iniciativas tendentes a “modificar conceitos milenares como o do casamento”... Gostaria, aqui, de trazer algumas breves notas de caráter histórico, para contribuir com o debate.

Ao longo de toda a história da espécie humana, diversas foram as conformações assumidas pelos agrupamentos familiares. Distintas como distintas suas culturas, visões do mundo, concepções religiosas. Nos tempos atuais ainda podemos ver, nos diversos países, conformações familiares diferenciadas, onde igualmente encontraremos diferenciada distribuição de poder e reconhecimento da dignidade.

Ainda que as religiões cristãs sejam majoritárias em nosso país, não podemos nos esquecer de que este é um país laico e democrático, regime que não se deixa regular pela primazia dos interesses da maioria sobre os da minoria, como magistralmente lecionou o ministro Ayres Brito, por ocasião do julgamento da ADPF 132, em maio do ano de 2011. No Brasil, a liberdade de culto (inclusive a de não professar credo nenhum) é direito constitucionalmente assegurado. Dessa forma, resulta inválido invocar argumentação de caráter religioso para tratar institutos de natureza civil. Tratar dessa forma – histórica e dogmática - as questões da vida civil, penso que não contribui para melhorar o entendimento entre os segmentos em debate.

Se nos voltarmos para o Antigo Testamento (conjunto de livros bíblicos que serve de fundamento além dos cristãos, aos judeus), vamos constatar que a família entre os hebreus tinha caráter poligâmico. Mas poligamia unilateral: o varão possuía várias fêmeas, assim como possuía rezes e filhos; quanto maior o número desses bens, maior o seu poder no seio da tribo. Naquele contexto, dada a necessidade imperiosa de se garantir a viabilidade demográfica e militar da tribo, sempre ameaçada por guerras e escassez de alimentos, a procriação ocupava papel de valor estratégico, tão importante a ponto de constituir crime o desperdício do sêmen – recordemos a sanção aplicada pelo deus hebreu a Onam, por este haver vertido ao solo seu esperma, a fim de não fecundar sua cunhada, com quem realizara casamento levirato, vigente entre os hebreus (Regulamentado no Gênesis 38:9-10 e no Deuteronômio 25:5-6; 9-10 e condenado no Levítico, 18:16; 20; 20:21).

Nesse período (da primazia do Antigo Testamento como bússola moral e jurídica), o amor no interior do casamento, quando existe, é no contexto da poligamia: a mulher fecunda não necessariamente será a amada (diligebat; dilectio). Como diz o historiador Philippe Áries, “a mulher perfeita do Antigo Testamento (mas tambem a do Antigo Regime) não é apenas fecunda e mãe, ela é dona da casa, à testa de uma verdadeira empresa doméstica” (ARIÈS, 1987, 15-3-154).

Submetida à rigorosa moral que lhe impunha reserva, recato e pudor, a esposa-mãe-dona de casa até o século XVIII viveu sob o modelo apropriado pelos cristãos dos estóicos, que reprimia todos os arroubos sentimentais, fosse qual fosse a natureza dos sentimentos. Assim, temos os principais teólogos dos primeiros anos do cristianismo a censurar intensamente o desejo e a paixão, ainda que entre os esposos – “Nada é mais imundo do que amar a sua mulher como uma amante...”, nos diz São Jerônimo, tomando emprestado o texto de Sêneca (ARIÈS, 1987, 157). Mesmo aí, vamos constatar que o casamento nada mais era do que uma transação comercial. Sua finalidade principal manteve-se sendo a garantia da transmissão do patrimônio, operada por meio da circulação das mulheres; daí porque a filiação segue a linha masculina e a virgindade e a fidelidade feminina foram valores tão importantes – do contrário ter-se-ia ameaçada a linha sucessória do patrimônio, que era essencialmente reconhecimento ao homem: – como ser certeza de que aquele filho é mesmo do marido, gozassem as mulheres dos mesmos direitos sexuais que os homens? (RUBIN, 1975).

Outra de sua finalidade era o controle da concupiscência (desejo, paixão). Resistindo à tendência de proscrever o casamento, traço de sua inclinação ao estoicismo, o cristianismo também precisava censurar as tendências sensualísticas, eróticas. Para Paulo de Tarso (São Paulo) seria bem preferível que se abstivessem do casamento. Não sendo possível, ele o vê como o meio legítimo para extravasar os desejos não dominados – “é melhor casar do que arder” (ARIÈS, 1987, p. 53). Nesse contexto, o sexo torna-se uma obrigação recíproca entre os esposos – debitum. O esposo deve amar (diligite) a sua mulher como seu próprio corpo; estas, porém, devem se manter submissas (subditae). Um amor assim, diz-nos Ariès, é apropriação, demanda tempo para se consolidar (depende da mutualidade de interesses e apego): “É por essa razão que não há nada de chocante, mesmo para as concepções morais mais exigentes, se os casamentos são negociados em função das alianças e dos bens” (ARIÈS, 1987, 158).

Aos afeitos a afirmações categóricas e intelectualmente levianas, que proclamam ser o casamento como o temos hoje em nosso ordenamento um conceito milenar, impõe-se recordar que até o século XIII - há apenas oitocentos anos atrás, portanto -, o casamento era instituído através de um contrato de celebração privada, no âmbito restrito das duas famílias envolvidas e cuja dissolução poderia se dar a qualquer tempo, por simples vontade de qualquer dos cônjuges. Era constituído por meio do pagamento dos esponsais, ou dote (do latim pretium, preço; ou dos, doação), prática originária do código visigótico e que chegou ao direito português sob o nome de arras. Tanto que a expressão "mulher arriada" significava "mulher legalmente casada", em oposição à "mulher barregã" - mulher amancebada (ALMEIDA, 1993, pp. 46-58). Em outras palavras, constituía uma negociação mercantil, operada através da compra da mulher pelo noivo, que remunerava o seu genitor pela tradição do bem.

Casamento enquanto sacramento religioso é instituto que, como todos, possui datação histórica: a Igreja Católica travou batalha que durou do século IV ao XIII para conseguir transformar o casamento de simples contrato civil e privado em sacramento, a ser conferido pela sua ordem religiosa, hegemônica. Perante a legislação portuguesa (Ordenações Manuelinas, promulgadas em 1521, e as Ordenações Filipinas, promulgadas em 1603 e confirmadas em 1640), possuíam os mesmos direitos os casados pelo sacramento religioso (católico), os que apenas coabitavam e aqueles casados por contratos (ALMEIDA, 1993, pp. 46-58).

O chamado “casamento por amor” como o compreendemos na atualidade é, portanto, invenção recente, surgida no período compreendido entre os séculos XVII e XVIII, com o advento do individualismo e das exigências de controle dos comportamentos, operacionalizadas através da instituição de “normas de civilidade” ou da “gramática dos gestos” – uso de pratos individuais ao comer, não escarrar na hora das refeições, usar talheres, falar com moderação, dormir em quartos individuais, controlar os sentimentos, atentar para a postura e a aparência etc. O indivíduo e o casal romântico, estruturado “no amor divino que une duas almas na terra” são invenções precisamente dessa época, na Europa, e daí disseminadas para as colônias que explorava. Até o século XIX, o modelo que vigora no interior dessas famílias europeias é profundamente hierarquizado: a família-tronco correspondia à maior parte das vezes a um modelo de exploração agrícola da pequena propriedade familiar, que não contemplava a partilha entre os filhos, a sucessão restrita ao filho mais velho. A solidariedade pautava-se em laços de linhagem e não numa concepção universal humanista (ARIÈS e DUBY, 1991, p. 254; 540).

Os profissionais do Direito, sobretudo, não podem se deixar levar por idealizações míticas. Não podemos perder de vista a perspectiva histórica e cultural na construção e modificação dos institutos sociais e jurídicos – recordo-me, criança, o quanto eram estigmatizadas as mulheres “amasiadas”, tidas como não constituintes de família, colocadas no lugar da imoralidade e do despudor, demandando intensas e longevas batalhas judiciárias até que, por fim, a norma viesse a reconhecer-lhe os direitos.

Como revela a historiadora Lynn Hunt, foi graças ao desenvolvimento da empatia – a capacidade de se por no lugar do outro e compreender o seu sofrimento – que a noção de Direitos Humanos pode se desenvolver (HUNT, 2009). É necessário que não percamos de vista essa sua marca originária. Do contrário, não estaremos a promover a ideia de justiça, do “a cada um o que lhe cabe segundo as suas necessidades”, mas apenas a empregar nossa autoridade intelectual à serviço de concepções dogmáticas. Conduta que, absolutamente, não se coaduna com o papel que cabe aos profissionais do Direito.

- Rita C. C. Rodrigues
Publicado originalmente na Revista Jus Navigandi

Referências:
ALMEIDA, Angela Mendes de. O gosto do pecado: Casamento e sexualidade nos manuais de confessores dos séculos XVI e XVII. Rio de Janeiro: Rocco, 1993.
ARIÈS, Phillippe e DUBY, Georges. História da vida privada. Da renascença ao Século das Luzes. Volume 3. São Paulo: Companhia das Letras, 1991.
ARIÈS, Philippe e BÉJIN, André (orgs.). Sexualidades Ocidentais. 3ª edição. São Paulo: Brasiliense, 1987.
HUNT, Lynn. A Invenção dos Direitos Humanos: Uma História. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
RUBIN, Gayle. The traffic in women. in REITER, Rayna (ed.) Towards an anthropology of women. New York, Monthly Rewiew Press, 1975. pp.157-210. (Tradução de Edith Piza, Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social/PUC/SP).

Jesus não é homofóbico. Já a escola…

Foto daqui

A esta altura, você já deve ter ouvido falar do aluno de uma escola americana que foi ameaçado de suspensão por ter ido à aula no dia 20 de abril de ano passado (data em que é comemorado o Dia do Silêncio, quando acontecem protestos nos EUA contra a intimidação de estudantes gays) com uma camiseta em que se lia "Jesus não é homofóbico". Proibido de usar a camiseta, que segundo o diretor seria de "natureza sexual" e de "conteúdo indecente e inapropriado ao ambiente escolar", ele entrou com um processo contra a escola e teve ganho de causa, mas seu advogado já avisou que ele não quer permissão para usar sua camiseta apenas em um dia do ano, e postula que a liberdade de expressão de seu cliente está sendo violada.

Nosso querido amigo Murilo Araújo, em editorial publicado no Vestiário.org (leia na íntegra aqui), comentou o caso:
Eu, como bom católico (e gay melhor ainda), poderia fazer um enorme discurso sobre teologia inclusiva e falar o quanto a administração de uma instituição dessas está equivocada em não acolher uma mensagem tão “profética” e tão inclusiva. Mas pagãos, filhos de santo, adeptos de quaisquer outras religiões, agnósticos e ateus não têm nada a ver com isso. Sem falar que a questão também não é de fé. 
O problema todo envolvido nesse caso é de liberdade, tanto de crença quanto de expressão. E principalmente, uma questão de compromisso com educação de qualidade. Me corrijam se eu estiver errado, mas até onde me avisaram, a função de uma escola é formar cidadãos melhores, críticos e conscientes, que respeitem as diferenças e que procurem um mundo mais decente pra todas as pessoas. 
Na contramão disso, justamente num espaço em que se deveria gerar e incentivar debates dos mais diversos tipos, um ponto de vista desviante e provocativo é proibido. (...) 
A primeira coisa que me incomoda nessa ladainha toda é um suposto educador dizendo que uma frase que fala de Jesus tem conteúdo sexual. Me ajudem, porque eu não achei. [Nota nossa: Talvez ele se refira, Murilo, à palavra "homofóbico", que remete a "homossexualidade", que costuma ser reduzida, simplisticamente, à expressão genital da ampla dimensão afetivo-sexual do ser humano. Pode ser isso.] Ainda assim, mesmo que tivesse, fico me perguntando se não seria justamente a escola o melhor lugar para se debater esse tipo de assunto. Ou vamos ignorar a importância da educação sexual? Ou vamos continuar pensando a sexualidade apenas como relação entre macho e fêmea, preocupados exclusivamente com a reprodução da espécie? Vamos usar o Gênesis para falar de sexualidade? 
As coisas estão andando tão tortas ultimamente que começo a me perguntar se não sou eu quem está enganado com relação à postura que escolas têm que assumir no combate à homofobia (assim como a qualquer outra forma de violência).
(Com informações do Vestiário, A Capa, Vírgula, G1 e Advocate.com e a colaboração dos amigos Hugo Nogueira, Murilo Araújo e Thiago Rufino)

O encontro que não pode ser esquecido

Foto via Blue Pueblo

A palavra “Páscoa” evoca no coração de todos nós cristãos sentimentos de alegria, de fé, de amor pela Pessoa de Jesus que, tendo vencido a morte, ressuscitou dando-nos a todos o anúncio que não somos mais escravos da morte e do pecado. A vida resplandece e floresce em quem crê no Senhor ressuscitado. Mas ao mesmo tempo esta palavra evoca todo o caminho que o povo de Israel realiza desde a sua libertação da escravidão do Egito nas noites estreladas no deserto, na experiência do frio e do calor, da fome. Evoca a tentação da idolatria de um lado e de outro o amor incansável de Deus que através de Moises, caminha na frente do povo rumo a terra prometida. Um caminho que inicia com a libertação e que termina somente no encontro definitivo com o novo cordeiro imolado, Cristo Jesus, em cujo sangue somos lavados e nossas vestes se fazem mais brancas do que a neve.

Páscoa, nova aliança sagrada da passagem da morte a vida. A grande páscoa de Cristo, resultado de tantas pequenas Páscoas que se realizam no caminho de todo cristão. Páscoa, experiência de nossa fragilidade e da graça de Deus. Um encontro que não pode ser esquecido porque é festa a ser contada de pai para filho por todas as gerações. Celebração em que o menor de todos, vendo todos os preparativos, fica extasiado e se aproxima do mais velho e pergunta com alegria e brilho nos olhos: por que fazemos isto? E inicia o relato pascal, a grande alegria de contar aos que vêm depois de nós que fomos amados por Deus e libertados de todos os nossos pecados.

Páscoa celebrada de pé, com sandálias nos pés, com bastão na mão, comendo o cordeiro “sem mancha e defeito”, imolado, pronto para retomar o caminho, comido com erva amarga para que o povo nunca esqueça que a alegria maior é sempre unida a cruz e a dor. Uma dor de alegria e celebração, é verdade que os pés sangram e doem, que o coração está ferido, mas é também verdade que um espírito novo está presente no coração de quem crê. Páscoa nova, celebrada não mais de pé, mas com pressa, por Jesus no cenáculo como despedida solene dos seus discípulos, como entrada dolorosa na paixão, onde o mesmo Jesus experimenta o abandono de todos, a solidão, a dificuldade do caminho, as lágrimas amargas, a negação dolorosa. Mas com plena consciência de ter realizado o projeto do Pai até o fim no amor oblativo de si mesmo. Onde tudo é consagrado com o derramamento do seu sangue, sangue vivo de amor e fecundante de una nova vida.

Páscoa não compreendida, sofrida no início do caminho da traição, mas que na medida em que a morte de cruz se aproxima, aumenta a dor e incerteza, o medo de que tudo está terminado. Mas o Cristo caminha de cabeça erguida, voluntariamente, até o calvário, para se consumir no amor ao Pai. O seu “tudo está consumado” não é desespero e nem fracasso, mas sim realização de amor e “sim” definitivo. Como é bela a páscoa contemplada como pequenas ou grandes mortes, pequenas ou grandes ressurreições. Páscoa é festa que se prepara a partir de dentro para fora, num processo de conversão e de infinito amor. Experiência de pecado e de graça, somente os que tem atravessado consciente e corajosamente o deserto da “quaresma”, nos quatro caminhos indicados pelo Papa Bento XVI: oração, silêncio, partilha e jejum poderão experimentar a alegria da Páscoa. Sem esta vivencia a Páscoa será um canto vazio, um conector não marcante, uma passagem que não transforma a vida, mas a torna ainda mais vazia.

A páscoa é uma festa que é marcada por uma palavra tão familiar a todos nós e inclusive presente em todas a s línguas de todos os que creem “aleluia”. É necessário que cante a mente, cante o coração e cante o corpo que se acorda do seu sono e do seu silêncio para contemplar o Cristo ressuscitado. O canto do aleluia nos faz perceber que a nossa “HORA” chegou, embora não ainda plenamente, a hora da vida, da alegria, da vitória sobre o mal. Páscoa no mundo tecnológico e do consumismo, banalizada, reduzida a “férias”, viagens, compras, ovos pascais e colombas pascais, chocolate diet e outras coisinhas que servem para preencher o vazio do coração sem fé.

Banalizar a Páscoa, instrumentalizá-la para comércio é algo que fere não a sensibilidade dos cristãos, mas a fé. A páscoa no hoje da nossa história é sermos semeadores de esperança somente, que nasce da noite para o dia, outra numa semana e outra num mês e outra no fim da vida e outra ainda daqui a 100 anos. Quero ser semeador da semente da esperança que nascerá daqui a 100 anos, assim não correrei o risco da vaidade. Crer na Páscoa é graça de Deus. Dizer feliz páscoa é dizer ao outro, seja qual for, “você é feliz só se crê que Cristo nasceu, sofreu, morreu e ressuscitou” e que ele lhe espera no céu para você participar da sua glória. A páscoa, mais que uma celebração, uma memória, é uma Pessoa viva, Cristo, e você que crê em Cristo.

Feliz páscoa!

- Frei Patrício Sciadini, OCD, religioso, Carmelita Descalço
Reproduzido via ZENIT

terça-feira, 17 de abril de 2012

Incontrolável compaixão...


“Muita gente pequena, em lugares pequenos, fazendo coisas pequenas, pode mudar o mundo...”

Tempo atrás, os meios de comunicação noticiaram turistas socorrendo 88 refugiados africanos chegando exaustos às mais badaladas praias das Ilhas Canárias. Os surpreendidos banhistas ajudaram, espontaneamente, os imigrantes clandestinos a descer das canoas, os cobriram com suas toalhas e lhes deram comida. Diante da pergunta dos jornalistas de por que reagiram assim, os improvisados samaritanos responderam: como não ajudá-los? Quê outra coisa poderíamos fazer?

Diante do sofrimento reagimos espontaneamente com compaixão. Quando vemos o sofrimento de alguém, a compaixão é a reação imediata. A compaixão não se reduz à mera empatia, mas ação para aliviar o sofrimento do outro.

Na parábola do Bom Samaritano, Lucas descreve uma série de ações: o samaritano se compadece, se aproxima, enfaixa as feridas, coloca o ferido no seu animal, o conduz à hospedaria, o cuida... Ações de ajuda, diferenciando-se de outras propostas retóricas ou descomprometidas.

Todos sabemos da importância dos relacionamentos para o desenvolvimento e a saúde das pessoas. Na parábola, o samaritano se aproxima do homem ferido, o toca, o abraça, lava suas feridas e o faz subir em sua cavalgadura... Contato físico, toque, carinho... Só depois é que usa o azeite e o vinho, como instrumentos de assepsia.

Diante da visão do homem ferido, o samaritano “se compadece”. O termo grego significa abraçar visceralmente a situação do outro.

Não confundir compaixão com lástima ou pena. A compaixão compartilha o sofrimento do outro: padece-com. A compaixão derruba as diferenças entre ajudador-ajudado e prevê reciprocidade: “hoje por ti, amanhã por mim!” A lástima, pelo contrário, interpõe distância entre a pessoa e o sofredor. A lástima não se coloca no lugar do compadecido, pois a relação estabelecida é de cima para baixo e tal desigualdade não é rompida pelos gestos de ajuda; só há sentimento, o que é muito pouco!

Nossa sociedade é muito lastimosa e pouco compassiva. Há situações que requerem ajuda imediata; o perigo é permanecer nessa visão alienante de lástima. A compaixão pergunta pelos desajustes estruturais que estão por detrás de cada desgraça e nos coloca do lado das vítimas; lê o drama da injustiça e da opressão. A “compaixão” se perverte quando faz do sofrimento um espetáculo televisivo e não se detém em analisar as causas estruturais que ocasionaram tamanha desgraça.

A compaixão começa pela capacidade de fixar o olhar no rosto do necessitado, desmontando preconceitos e perguntar por sua vida, sonhos, preocupações e dor. Acolhe, sem interpretar ou julgar. Escutar é fundamental! A compaixão permite colocar-se no lugar e na perspectiva do outro.
O samaritano conduz o animal para a pousada, como um servo. Desçamos, pois, dos nossos “jumentos” (privilégios, preconceitos...) e nos aproximemos fraternalmente dos necessitados.

Uma pergunta: Você apenas lastima ou é mesmo compassivo?

- Pe. J. Ramón F. de la Cigoña SJ
Reproduzido do blog Terra Boa

Uma questão de justiça: os LGBTs de Maringá e a Catedral


Desde a divulgação dos cartazes da Parada do Orgulho LGBT de Maringá, no Paraná, começou a polêmica. Como a arte de um deles (imagem acima) mostra a Catedral Basílica Menor de Nossa Senhora da Glória, construção-símbolo da cidade, atingida por um raio de luz e "explodindo" em um arco-íris, a assessoria de imprensa da Arquidiocese de Maringá informou, no final da manhã desta segunda-feira (16), que o departamento jurídico da cúria arquidiocesana foi acionado e tomaria providências jurídicas sobre o caso. Em nota a respeito do caso, a arquidiocese reiterou que "a Igreja Católica não tem a pretensão de Domesticar a sociedade, impondo-lhe seus princípios e valores", mas que o cartaz "confrontou opinião religiosa da parcela maior da comunidade maringaense".

"A ideia de fazer esse convite veio justamente, como se pode reparar na imagem, do conceito da catedral como um prisma em que, ao ser injetado um foco de luz solar de um lado, do outro desponta em todas as cores possíveis", disse Luiz Modesto, representante do movimento gay da cidade e editor do site Maringay. "Como a catedral é o primeiro símbolo de Maringá, é um convite a chamar para o diálogo todas as pessoas, para maior aceitação e respeito. Nós aprovamos e gostamos do conceito".

A inspiração veio da capa do álbum "The Dark Side of the Moon", da banda de rock britânica Pink Floyd. A autora dos cartazes polêmicos (há também uma segunda versão, mais próxima da referência original do disco), Elisa Riemer, justificou sua escolha: "Nada melhor que esse símbolo para usar como se fosse o prisma. O prisma tem vários lados e jogando uma luz conseguimos ver todos os caminhos. As sete cores. Imagine que para cada problema você tem sete respostas ou caminhos a tomar e se um estiver bloqueado... Procure a outra cor que lhe indicará outra coisa".

"Não estou ofendendo a religião de ninguém e jamais foi essa a intenção", continuou ela. "Que símbolo usar para definir Maringá? Poderia ter sido usado pra qualquer outra coisa, poderia ter sido usado pra uma campanha de alguma rádio, de alguma banda, de qualquer outro segmento. Mas o que pegou foi justamente isso, foi porque foi usada pra uma campanha LGBT. Não vejo problema algum, e muito menos falta de respeito".

Segundo Elisa, o uso da catedral se deu exclusivamente pela similaridade com o prisma: "Se as pessoas observassem bem, veriam o quanto escureci a catedral e retirei a cruz - para nada, exatamente nada, estar ligado à religião. Não tive a intenção de polemizar e sim de fazer as pessoas pensarem, refletirem". De todo modo, porém, ressaltou Modesto, "este nunca foi o cartaz de divulgação da Parada Gay. O oficial, que usaremos para publicação, é bem mais simples e pode ser visto na Fan Page do evento, no Facebook".

Ainda assim, o arcebispo de Maringá, Dom Anuar Battisti, ontem, no seu blog, lamentou “o uso dado ao cartaz, que confronta com o pensamento e a opinião religiosa da parcela maior da comunidade maringaense”. Diante da polêmica, Luiz Modesto contou ter recebido um convite para tomar café com o arcebispo nesta terça-feira (17). A reunião, segundo ele, foi amigável; o arcebispo teria entendido que o cartaz visava a ampliar o diálogo sobre a homofobia. Levantamentos feitos pelo movimento gay de Maringá registram 38 agressões contra GLBTs nos últimos 12 meses, sendo duas delas assassinatos de travestis.

“Levei alguns dados de suicídio entre adolescentes gays, de violência contra LGBT e assassinato de travestis nos municípios da arquidiocese. O arcebispo comoveu-se. Concordamos que direcionar as atenções para os casos de violência contra o ser humano é muito mais relevante que a polêmica causada pelo cartaz. O foco agora é outro, a criação da Pastoral da Diversidade em Maringá e o indicativo de uma Pastoral Nacional da Diversidade pela CNBB”, relatou Modesto. A proposta, segundo ele, seria de uma pastoral que congregasse os católicos homossexuais: “É necessário divulgar a ideia de que Deus não é ódio e punição, mas amor e acolhimento. Embora a posição da Igreja seja contrária à homossexualidade, deve existir um braço dentro dela que nos proteja da violência e nos acolha da forma como somos, sem deixar-nos desamparados espiritualmente”.

“Estamos abertos à discussão e dispostos a falar dos problemas enfrentados por eles”, disse Dom Anuar, que segundo Modesto teria afirmado também que a preocupação maior deve ser contra a violência, e não contra o movimento.

Caso a pastoral seja criada, será a primeira iniciativa oficial da Igreja Católica para trabalhar diretamente no combate à homofobia. “Para as pessoas que entenderam o cartaz como provocação, eu peço desculpas sinceras. O objetivo maior era criar um diálogo sobre o assunto. E conseguimos”, concluiu Modesto.

O que pode ter contribuído para a má recepção do cartaz - que, para os segmentos mais conservadores de Maringá, provavelmente já seria impactante pela mera associação entre LGBTs e Igreja - foi a saída das sete cores do arco-íris cercada de estilhaços, uma imagem que talvez tenha parecido agressiva. Porém, pode-se entender também a sugestão de explosão como uma referência à urgentíssima necessidade de uma mudança, na sociedade brasileira hoje, com relação à violência sofrida pelos LGBTs. E à importância e responsabilidade da Igreja como foco de transformação da atual situação - afinal, ela é o prisma que transforma a luz. Ou, como tão bem comentou nosso amigo Murilo Araújo em seu editorial brilhante para o Vestiário (leia na íntegra aqui):
De certo modo, [o cartaz] representa a igreja com que eu sonho cotidianamente. Trata-se de um sonho muito particular, porque quem tem outra fé (ou não tem nenhuma) tem todo o direito de discordar desse meu pensamento, ou de apenas não se preocupar com isso. Mas, se substituíssemos a Catedral de Nossa Senhora da Glória por uma escola, ou por um prédio do governo, o cartaz continuaria representando a minha utopia: uma instituição que transforma uma só cor em várias, e que gera a diversidade, em vez de anulá-la.
Mais tarde, ainda na terça-feira, a assessoria de imprensa da Arquidiocese veio a público informar, segundo O Diário, que as palavras de Dom Anuar sobre a Pastoral da Diversidade foram: “Acolho a proposta no coração e a respeito. Vamos encaminhá-la na medida do possível, mas não há indicativo momentâneo de sua criação”. A assessoria informou ainda que Dom Anuar participaria nesta quarta-feira (18) da 50ª Assembleia Geral da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), em Aparecida (SP), e a criação da Pastoral da Diversidade provavelmente seria discutida, por conta da repercussão nacional do caso de Maringá, embora não estivesse na pauta oficial do evento.

É bom saber da própria assessoria de imprensa da Arquidiocese, oficialmente, o que foi dito pelo Arcebispo. Mesmo não havendo "indicativo momentâneo de sua criação", a postura de diálogo e abertura sinalizada foi um primeiro passo; a CNBB estar ciente e discutir a repercussão do ocorrido é outro. O terceiro... bem, o que nós, católicos, gays e não-gays, faremos agora?

De fato, antes mesmo de qualquer discussão sobre a doutrina vigente da Igreja Católica a respeito da homossexualidade, uma coisa é certa: a Igreja - e, como sempre, por "Igreja" referimo-nos não só ao Magistério, mas a todos os batizados - precisa assumir seu papel histórico de mediadora e pacificadora, que tantas vezes desempenhou com mérito, e, também na questão da homofobia, atuar como a defensora da justiça social, contrária a toda forma de violência, que é.

Parafraseando o Fórum Europeu de Grupos Cristãos de Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgêneros em sua carta aberta ao papa Bento XVI ano passado, a Igreja Católica no Brasil precisa, como aconteceu no Chile, posicionar-se explicitamente contra os atos de violência contra a população LGBT. “O silêncio, neste contexto, pode ser perigosamente interpretado pelos perpetradores de atos de violência, tortura e assassinato como um parecer favorável às suas ações”, como bem sublinhou o referido Fórum.

Trata-se, aqui, de uma questão de justiça: justiça perante o direito dos LGBTs de serem respeitados e acolhidos no seio não só da Igreja, mas da sociedade mais ampla; e justiça com o papel histórico da Igreja Católica de defensora da vida e da dignidade da pessoa humana.

Portanto, urge que os católicos, gays ou não, comuniquemos à CNBB que a postura que esperamos da nossa Igreja é de abertura, acolhimento, inclusão e respeito à vida, às diferenças e à dignidade dos LGBTs. Os católicos americanos já se organizaram para transmitir ao respectivo Magistério seu desejo nesse sentido. Os europeus, também. E nós, leigos católicos aqui no Brasil?

Fica a pergunta para a nossa reflexão. De todos nós.

(Com informações do UOL, Folha de S. Paulo, O Diário [aqui e aqui], Maringay, Vestiário e Arquidiocese de Maringá e a colaboração dos amigos @MarkosOliveira, @realfpalhano, @wrighini e @murilo17)


* * *

Atualização em 18/04/12:
Veja aqui a repercussão da notícia no Jornal Hoje, da Rede Globo, que não chega a falar no desfecho da reunião e traz a informação errônea de que a imagem que foi pivô do conflito seria o cartaz oficial da Parada; e, no SBT, já trazendo a referência a uma possível Pastoral da Diversidade. Colaboração do sempre atento @MarkosOliveira. :-)
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