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sábado, 2 de agosto de 2014

Os gays e a Bíblia


É no mínimo surpreendente constatar as pressões sobre o Senado para evitar a lei que criminaliza a homofobia. Sofrem de amnésia os que insistem em segregar, discriminar, satanizar e condenar os casais homoafetivos.

No tempo de Jesus, os segregados eram os pagãos, os doentes, os que exerciam determinadas atividades profissionais, como açougueiros e fiscais de renda. Com todos esses Jesus teve uma atitude inclusiva. Mais tarde, vitimizaram indígenas, negros, hereges e judeus. Hoje, homossexuais, muçulmanos e migrantes pobres (incluídas as “pessoas diferenciadas”...).

Relações entre pessoas do mesmo sexo ainda são ilegais em mais de 80 nações. Em alguns países islâmicos elas são punidas com castigos físicos ou pena de morte (Arábia Saudita, Irã, Emirados Árabes Unidos, Iêmen, Nigéria etc).

No 60º aniversário da Decclaração Universal dos Direitos Humanos, em 2008, 27 países membros da União Europeia assinaram resolução à ONU pela “despenalização universal da homossexualidade”.

A Igreja Católica deu um pequeno passo adiante ao incluir no seu Catecismo a exigência de se evitar qualquer discriminação a homossexuais. No entanto, silenciam as autoridades eclesiásticas quando se trata de se pronunciar contra a homofobia. E, no entanto, se escutou sua discordância à decisão do STF ao aprovar o direito de união civil dos homoafetivos.

Ninguém escolhe ser homo ou heterossexual. A pessoa nasce assim. E, à luz do Evangelho, a Igreja não tem o direito de encarar ninguém como homo ou hétero, e sim como filho de Deus, chamado à comunhão com Ele e com o próximo, destinatário da graça divina.

São alarmantes os índices de agressões e assassinatos de homossexuais no Brasil. A urgência de uma lei contra a homofobia não se justifica apenas pela violência física sofrida por travestis, transexuais, lésbicas etc. Mais grave é a violência simbólica, que instaura procedimento social e fomenta a cultura da satanização.

A Igreja Católica já não condena homossexuais, mas impede que eles manifestem o seu amor por pessoas do mesmo sexo. Ora, todo amor não decorre de Deus? Não diz a Carta de João (I,7) que “quem ama conhece a Deus” (observe que João não diz que quem conhece a Deus ama...).

Por que fingir ignorar que o amor exige união e querer que essa união permaneça à margem da lei? No matrimônio são os noivos os verdadeiros ministros. E não o padre, como muitos imaginam. Pode a teologia negar a essencial sacramentalidade da união de duas pessoas que se amam, ainda que do mesmo sexo?

Ora, direis ouvir a Bíblia! Sim, no contexto patriarcal em que foi escrita seria estranho aprovar o homossexualismo. Mas muitas passagens o subtendem, como o amor entre Davi por Jônatas (I Samuel 18), o centurião romano interessado na cura de seu servo (Lucas 7) e os “eunucos de nascença” (Mateus 19). E a tomar a Bíblia literalmente, teríamos que passar ao fio da espada todos que professam crenças diferentes da nossa e odiar pai e mãe para verdadeiramente seguir a Jesus.

Há que passar da hermenêutica singularizadora para a hermenêutica pluralizadora. Ontem, a Igreja Católica acusava os judeus de assassinos de Jesus; condenava ao limbo crianças mortas sem batismo; considerava legítima a escravidão e censurava o empréstimo a juros. Por que excluir casais homoafetivos de direitos civis e religiosos?

Pecado é aceitar os mecanismos de exclusão e selecionar seres humanos por fatores biológicos, raciais, étnicos ou sexuais. Todos são filhos amados por Deus. Todos têm como vocação essencial amar e ser amados. A lei é feita para a pessoa, insiste Jesus, e não a pessoa para a lei.

- Frei Betto, via

sexta-feira, 13 de junho de 2014

“A linguagem é viva, quando falam as obras”


Dos Sermões de Santo António de Lisboa, presbítero:
Quem está cheio do Espírito Santo fala várias línguas. Estas várias línguas são os vários testemunhos de Cristo, como a humildade, a pobreza, a paciência e a obediência; falamos com estas virtudes, quando as praticamos na nossa vida. A linguagem é viva, quando falam as obras. Calem-se, portanto, as palavras e falem as obras. De palavras estamos cheios, mas de obras vazios; por este motivo nos amaldiçoa o Senhor, como amaldiçoou a figueira em que não encontrou fruto, mas somente folhas. Diz São Gregório: «Há uma norma para o pregador: que faça aquilo que prega». Em vão pregará os ensinamentos da lei, se destrói a doutrina com as obras.

Mas os Apóstolos “falavam conforme a linguagem que o Espírito Santo lhes concedia”. Feliz de quem fala conforme o Espírito Santo lhe inspira e não conforme o que lhe parece! [...]

Falemos, por conseguinte, conforme a linguagem que o Espírito Santo nos conceder; e peçamos-lhe, humilde e piedosamente, que derrame sobre nós a sua graça, para que possamos celebrar o dia de Pentecostes com a perfeição dos cinco sentidos e a observância dos dez mandamentos, nos reanimemos com o forte vento da contrição e nos inflamemos com as línguas de fogo na profissão da nossa fé, para que, assim inflamados e iluminados nos esplendores da santidade, mereçamos ver a Deus trino e uno.

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Sodoma, homossexualidade, ataques de drones e oração



A reflexão a seguir é do jesuíta norte-americano Thomas J. Reese, ex-editor-chefe da revista America, dos jesuítas dos EUA, de 1998 a 2005, e autor de O Vaticano por dentro (Ed. Edusc, 1998).

Francisco parece estar me encorajando a ser mais valente e a arriscar cometer erros.

No último domingo, eu preguei em San Francisco sobre a oração. Eu acho que essa foi uma boa decisão pastoral. As pessoas disseram ter gostado da homilia, mas eu fico me perguntando se talvez não foi apenas uma desculpa para evitar assuntos mais controversos.

Para entender o meu dilema, é preciso lembrar que a primeira leitura era do Gênesis 18, em que Abraão discute com Deus sobre a destruição de Sodoma. Por cerca de um nanossegundo, a leitura me levou a pensar a pregar sobre a homossexualidade. Eu não pensei que eu tinha algo de novo ou de interessante para dizer. Além disso, provavelmente não há uma única pessoa em San Francisco que não tenha tomado parte sobre esse assunto. Ah, sim, será que eu mencionei que o pároco que disse algo bom sobre os homossexuais no mês passado foi duramente criticado na blogosfera e denunciado ao arcebispo?

Depois, há o debate acadêmico sobre se o pecado de Sodoma foi sexual ou se foi um pecado contra a hospitalidade a estranhos. Abraão e Sara recentemente tinham mostrado hospitalidade para três estranhos e foram recompensados com uma gravidez. Os mesmos três homens vão a Sodoma, onde são recebidos por Ló e pela sua família, mas os moradores querem ter relações sexuais com eles. Quando Ló tenta proteger os seus convidados, a multidão volta-se contra dele, porque ele não é um cidadão de verdade, mas sim um "estrangeiro residente". Os hóspedes do Ló acabam salvando-o, puxando-o para dentro de casa e fechando a porta.

Ló é tão protetor de seus três hóspedes homens que ele oferece à multidão suas duas filhas virgens, ao invés. Você não precisa ser feminista para pensar que oferecer suas filhas para uma multidão para serem estupradas é uma ideia horrível. Mais tarde, essas mesmas filhas embebedam o seu pai e têm relações sexuais com ele para "assegurar a posteridade ao nosso pai". Talvez eu devesse ter pregado sobre o efeito corruptor da cultura patriarcal.

Em todo caso, sobre o tema da homossexualidade, eu não poderia dizer nada melhor do que o Papa Francisco disse no avião a caminho de volta para Roma do Rio de Janeiro. Quando perguntado sobre o "lobby gay" no Vaticano, ele respondeu:

"Acredito que quando nos encontramos com uma pessoa gay, deve-se distinguir o fato de ser uma pessoa gay do fato de fazer parte de um lobby, porque nem todos os lobbies são bons. Se uma pessoa é gay e busca o Senhor e tem boa vontade, mas quem sou eu para julgá-la? (…) Não se deve marginalizar essas pessoas por isso. (…) O problema não é ter essa tendência [da homossexualidade]... Devemos ser irmãos".

Como os padres gays têm sido falsamente acusados pela crise dos abusos sexuais, a declaração do papa é muito significativa. Em 2005, o Vaticano emitiu um documento dizendo que os homens com tendências homossexuais profundamente enraizadas não deveriam ser ordenados ou admitidos no seminário. A maioria interpretou que isso significava que alguém com uma orientação homossexual não poderia ser padre, mesmo que fosse celibatário.

O Papa Francisco deixou claro que ser gay não é um impedimento para a ordenação. Para ele, a questão não é a orientação, mas sim se uma pessoa é um bom padre. Mesmo que um padre falhe no celibato, e depois "se converte, o Senhor perdoa e, quando o Senhor perdoa, se esquece. E nós não temos o direito de não nos esquecermos". O papa deixou claro que não há espaço para a homofobia, seja na Igreja ou na sociedade. Mas e se eu tivesse dito o que ele disse 24 horas antes que ele dissesse, eu teria sido denunciado ao arcebispo.

Na realidade, quando eu li Gênesis 18, os meus pensamentos se voltaram do sexo para a guerra contra o terrorismo. Até recentemente, o governo Obama tem usado dezenas de drones para perseguir terroristas no Afeganistão, no Paquistão e em outras partes do mundo. Ela ainda está lançando ataques aéreos de drones, mas em menor número.

O diálogo entre Abraão e Deus soou como uma conversa que deveria ocorrer na sala de guerra quando se planeja um ataque de drones. Quantas mortes de civis são aceitáveis quando se persegue terroristas?

Um dos princípios da teoria da guerra justa é que os civis devem ser imunes ao ataque direto, razão pela qual a maioria dos moralistas julgou o uso de armas atômicas e de bombardeios de saturação durante a Segunda Guerra Mundial como imorais. Mas a teoria da guerra justa também reconheceu que civis inevitavelmente morrem em guerras. Os militares falam de danos colaterais, o que é uma forma antisséptica de descrever as mortes de civis. O Pentágono já não contabiliza as mortes de civis por causa da reação negativa ao elevado número de mortes de civis no Vietnã.

Em Gênesis 18, Abraão soa como um eticista argumentando contra as mortes de civis.

"Tu destruirás o justo com o injusto? Talvez haja cinquenta justos na cidade! Destruirás e não perdoarás a cidade pelos cinquenta justos que estão no meio dela?" Cada vez que Abraão vence a discussão com Deus, ele pressiona por um valor menor, até que ele consegue fazer com que Deus concorde que ele não destruiria a cidade se houvesse dez pessoas inocentes.

A lição aqui é a de que Deus quer que poupemos uma cidade cheia de terroristas pelo bem de dez inocentes? Se você tomar essa posição, esqueça os drones. Tem alguém na sala de guerra dando ouvidos a Abraão? O sigilo nos impede de saber. As informações sobre os ataques com drones devem ser tornadas públicas, juntamente com os números de vítimas civis, para que nós, como uma nação, possamos nos unir a Abraão e a Deus nessa discussão.

Quando eu pensei sobre o quão pouco impacto a minha congregação de fiéis poderia ter sobre a política de drones dos EUA, eu desisti. Assim, eu abandonei os homossexuais e os drones como temas para o meu sermão e falei sobre a oração. Fui covarde ou pastoral? Eu não sei, mas Francisco parece estar me encorajando a ser mais valente e a arriscar cometer erros.

Autor: Thomas J. Reese
Fonte: Unisinos, via

domingo, 3 de junho de 2012

A Trindade Santa


Deus não poderia fazer outra coisa senão amar. Fazer discípulos não é recrutar mão de obra ou procurar aderentes. Antes de qualquer coisa, trata-se de ir. O único mandamento é amar!

A reflexão a seguir é de Raymond Gravel, sacerdote de Quebec, Canadá, publicada no sítio Culture et Foi, comentando as leituras do Domingo de Pentecostes (3 de junho de 2012). A tradução é de Susana Rocca.

Eis o texto, aqui reproduzido via IHU.


Referências bíblicas:
1ª leitura: Dt 4,32-34.39-40
2ª leitura: ROM 8,14-17
Evangelho: MT 28,16-20

Cada ano, após Pentecostes, desde o século XIV, nós celebramos a festa da Trindade Santa: a festa de Deus, o Deus único e trino, o Deus em pessoas. Eu lia o comentário de Gérard Sindt na revista Signes d’aujourd’hui, que dizia: “O nosso Deus é um Deus pessoal. Em Cristo, nós descobrimos Deus em pessoas (no plural), que nos ensina a nossa personalidade relacional” e – eu acrescentaria – comunional. De fato, Deus é relação e comunhão com a sua criação, conosco. E por que isso? Simplesmente porque Deus é Amor. No Ângelus do dia 22 de maio de 2005, o Papa Bento XVI convidava as pessoas a reconhecer que Deus é único, que ele é Pai, Filho e Espírito Santo, que ele não é solidão, mas comunhão perfeita, pois Deus é Amor. Eis aí a grande revelação que Cristo nos trouxe: o Ser de Deus é o Amor em estado puro. Então, Deus não poderia fazer outra coisa senão amar. De fato, o amor não existe se não for movimento, reciprocidade, dom, acolhida, relação e comunhão. Na história, Deus não cessou de se revelar e ele continua a fazê-lo hoje, pois se é Deus ele não pode ser e não pode existir mais que como Fonte de Amor, o amor criado que dá a vida, que se multiplica, que se expande e nos faz descobrir sempre mais Deus.

Para falar em Deus, precisamos defini-lo como relação, dom, partilha, comunicação, intercâmbio, comunhão. A única maneira de alcançar a totalidade é necessariamente três pessoas em Deus, porque o Amor tem isto de particular: é preciso que exista um terceiro: “O meu mandamento é este: amem-se uns aos outros, assim como eu amei vocês” (Jo 15,12). O Amor não volta àquele que ama; se dá a outro, daí seu crescimento e a sua fecundidade. Também, o Amor não se fusiona; ele estabelece uma relação interpessoal. É o que faz dizer ao padre francês Léon Paillot: “Deus, nosso Deus é essencialmente relação, intercâmbio. Mas é preciso uma terceira pessoa para que todos os Eu se tornem um Nós”.

Não podemos falar de um Deus Pai sem que haja uma relação de amor com um dos filhos gerados por ele. E se não houvesse nada além do que o Pai e o Filho, poderíamos pensar que eles se bastariam a se próprios: o Pai dá a vida e o Filho a recebe... Porém, isso faria um Deus limitado, centrado em si próprio. E, portanto, diz o teólogo Gérard Sindt: “Deus, na Bíblia, tende ao descentramento de si próprio, e é o Espírito que é o operador. Ele é a fecundidade operacional de Deus, a sua feminidade e a sua maternidade. A feminidade, ela própria, é experiência de Deus”. E Gérard Sindt acrescenta: “Quando se fala de pessoas em Deus, é sempre o Espírito que é mais difícil de atingir. Ele representa aqui a terceira pessoa, isto é, nós”. Nós estamos envolvidos, portanto, do mistério de Deus, da Trindade. Também, para que haja comunhão, é preciso três pessoas; se não houvesse mais do que duas, seria simplesmente uma relação. Assim, o Espírito assegura a fecundidade do Amor do Pai ao seu Filho que partilha conosco.

Mas o que nos dizem as três leituras de hoje sobre Deus?

1. Deuteronômio 4,32-40: Estamos no Antigo Testamento, a Antiga Aliança, e o autor do Deuteronômio se maravilha diante deste Deus diferente dos outros deuses; não é uma força escura ou impessoal como os outros deuses: Deus está, juntamente, longe e perto: “Javé é o único Deus, tanto no alto do céu, como aqui em baixo, na terra” (Dt 4,39). Ele fala ao homem (Dt 4,33) e ele se escolheu um povo (Dt 4,34). Essas duas coisas fazem parte da sua singularidade. Poderíamos ter pensado que Deus é incomunicável, que o mundo dos homens e o mundo de Deus não se encontram nunca, que eles não falam a mesma língua... Mas não! É tudo o contrário: com Deus existe uma comunicação possível, uma proximidade admirável, e não morremos! (Dt 4,33). Deus liberou seu povo da escravidão (Dt 4,34), e ele quer a felicidade dos seres humanos que ele escolheu (Dt 4,40).

Esse antigo texto do Deuteronômio não conhecia certamente o Deus Trino tal como o conhecemos hoje e que foi definido pela Igreja do século IV. Mas já podemos entrever sinais da Trindade, nos versículos 35-38, que o lecionário infelizmente cortou na liturgia deste domingo: fala-se da Palavra, do Verbo (segunda pessoa da Trindade), e do Fogo, do Espírito (terceira pessoa da Trindade). É uma antecipação do Deus relação e comunhão, tal como hoje é confessado.

2. Romanos 8,14-17: Na sua carta aos Romanos, São Paulo nomeia as três pessoas em Deus, sem mesmo conhecer o conceito da Trindade. Além do mais, ele nos integra na família trinitária: “Todos os que são guiados pelo Espírito de Deus são filhos de Deus” (Rom 8,14). É o Espírito que segura o vínculo entre Deus e nós; ele nos tira dos nossos medos e das nossas escravidões, e nos faz reconhecer Deus como Pai (Rom 8,15). Além disso, diz São Paulo, nós somos como Cristo: “E se somos filhos, somos também herdeiros: herdeiros de Deus, herdeiros junto com Cristo” (Rom 8,17). E São Paulo acrescenta: “uma vez que, tendo participado dos seus sofrimentos, também participaremos da sua glória” (Rom 8,17). Mas atenção para não cair na teologia do martírio como necessidade de salvação! O que São Paulo quer dizer é que nas nossas experiências humanas de libertação e de sofrimento, nós somos como Cristo; assemelhamo-nos a ele. Assim como ele, nós também devemos assumir a nossa condição humana até o fim, isto é, até a morte, para ressuscitar como Cristo.

É evidente que no momento em que São Paulo escreve a sua carta, a perseguição cristã fazia parte do programa. Mas, hoje, como não é mais o caso, nós não devemos inventar silícios, como parecem propô-lo algumas correntes conservadoras cristãs. Nós não devemos levar mais do que os silícios que a vida nos impõe: os nossos limites humanos, as nossas capacidades, a doença, o sofrimento e a morte. A Sexta-Feira Santa precede sempre o Domingo de Páscoa. Foi o caso de Jesus de Nazaré e será o caso para nós também.

3. Mateus 28,16-20: Em nenhum lugar da Bíblia nós encontramos uma fórmula trinitária tão explícita e elaborada como no final do Evangelho de Mateus, onde assistimos ao envio missionário dos apóstolos, na noite da Páscoa: “Portanto, vão e façam com que todos os povos se tornem meus discípulos, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo” (Mt 28,19). Segundo os exegetas, essa fórmula se constituiu na liturgia do batismo, no final do século I. Isso não quer dizer que o evangelista Mateus conhecia o Deus Trino como o conhecemos hoje; ele utiliza simplesmente o nome de Deus, revelado na história, como um Pai, por Jesus Cristo seu Filho, no Espírito de Cristo que nos habita. Devemos salientar que para Mateus o batismo não está reservado a um povo em particular; ele é universal: “todos os povos” (Mt 28,19).

A missão consiste, então, em batizar, em fazer discípulos. Não aderindo a uma doutrina, mas sim entrando numa comunidade de fé que se enraíza em Deus, pelo Espírito Santo que nos habita. É evidente que a pessoa que ensina é importante, mas ele diz respeito aos mandamentos que Cristo nos deu: “ensinando-os a observar tudo o que ordenei a vocês” (Mt 28,20)... Porém, de fato, estes mandamentos se resumem num só: “Amem-se uns aos outros, assim como eu amei vocês” (Jo 15,12). O nosso Amor deve ser fecundo, voltado aos outros, para que ele produza frutos, e que ele revele outros rostos do Deus Amor, outras pessoas em Deus, pelo Espírito Santo. Apesar das dúvidas que surgissem e que persistissem sobre Deus, da parte desses próximos (Mt 28,17), Cristo nos confirma a sua presença, pois ele mora em nós pelo seu Espírito: “ensinando-os a observar tudo o que ordenei avocês. Eis que eu estarei com vocês todos os dias, até o fim do mundo” (Mt 28,20).

Concluindo, eu gostaria simplesmente de propor a vocês esta bela reflexão do exegeta francês Jean Debruynne sobre o evangelho desse domingo: “Trata-se de fazer discípulos e fazer discípulos não é recrutar mão de obra ou procurar aderentes. Antes de qualquer coisa, trata-se de ir. Ir é partir, é sair. É ser livre. Ir é o contrário de estar fechado na verdade, e prisioneiro dos seus princípios. Ir é caminhar para a frente, e não de ré. Ir é um sinal de confiança. Vá! É uma decisão. Trata-se de aprender a guardar os mandamentos e não guardá-los na geladeira. O único mandamento é amar!”.

sábado, 2 de junho de 2012

Deus não pertence a uma religião


A leitura que a Igreja propõe neste domingo é o Evangelho de Jesus Cristo segundo Mateus 28, 16-20 que corresponde ao Domingo da Santíssima Trindade, ciclo B do Ano Litúrgico. O teólogo espanhol José Antonio Pagola comenta o texto.

Eis o texto, aqui reproduzido via IHU.


No núcleo da fé cristã num Deus trinitário há uma afirmação essencial. Deus não é um ser tenebroso e impenetrável, encerrado egoisticamente em si mesmo. Deus é Amor e só Amor. Nós cristãos acreditamos que no mistério último da realidade, dando sentido e consistência a tudo, não há senão Amor.

Jesus não escreveu nenhum tratado acerca de Deus. Em nenhum momento o encontramos expondo aos camponeses da Galileia alguma doutrina sobre Ele. Para Jesus, Deus não é um conceito, uma bela teoria, uma definição sublime. Deus é o melhor Amigo do ser humano.

Os investigadores não duvidam de um dado que recolhem dos evangelhos. As pessoas que escutavam Jesus a falar de Deus e o viam atuar em seu nome experimentavam Deus como uma Boa Nova. O que Jesus diz de Deus soa-lhes a algo de novo e bom. A experiência que comunica e contagia parece-lhes a melhor notícia que podem escutar de Deus. Por quê?

Talvez o primeiro que captam é que Deus é de todos, não só dos que se sentem dignos para apresentar-se ante Ele no templo. Deus não está preso a um lugar sagrado. Não pertence a uma religião. Não é uma propriedade dos piedosos que peregrinam a Jerusalém. Segundo Jesus, ele “faz sair o seu sol sobre bons e maus”. Deus não exclui nem discrimina ninguém. Jesus convida todos a confiar Nele: “Quando oreis dizei: Pai!”

Com Jesus eles vão descobrindo que Deus não é só dos que se aproximam dele carregados de méritos. Antes deles, escuta a quem lhe pede compaixão porque se sentem pecadores sem remédio. Segundo Jesus, Deus anda sempre procurando aqueles que vivem perdidos. Por isso se sente tão amigo de pecadores. Por isso lhes diz que Ele “veio procurar e salvar o que estava perdido”.

Também se dão conta de que Deus não é só dos sábios e entendidos. Jesus agradece ao Pai porque gosta de revelar aos pequenos coisas que estão ocultas aos ilustrados. Deus tem menos problemas para entender-se com o povo simples do que com os doutos que acreditam saber tudo.

Sem dúvida, a vida de Jesus foi dedicada em nome de Deus a aliviar o sofrimento dos doentes, libertar os possuídos por espíritos malignos, resgatar leprosos da marginalização, oferecer o perdão a pecadores e prostitutas..., o que os convenceu que Jesus experimentava Deus como o melhor Amigo do ser humano, que só procura o nosso bem e apenas se opõe aos que nos fazem mal. Os seguidores de Jesus nunca puseram em dúvida que o Deus encarnado e revelado em Jesus é Amor e só Amor para todos.

sexta-feira, 1 de junho de 2012

Ânimo, vocês não estão sozinhos!

Foto via Blue Pueblo

Textos para sua reflexão:
At 2, 1-11, 1Cor 12, 3-7.12.13 e Jo 20, 19-23

Era festa de Pentecostes. Cinqüenta dias haviam se passado desde todos aqueles acontecimentos que cercaram a morte e a ressurreição de Jesus. O Mestre já havia aparecido a eles e, na sua frente, havia ascendido aos céus. Porém, os discípulos ainda encontravam-se fechados e com medo do que poderia lhes acontecer. Ainda que tivessem visto e trouxessem em seus corações a certeza de que o Senhor havia ressuscitado, não sabiam como agir ou que caminhos seguir para levar adiante os ensinamentos do Senhor, já que não viam como enfrentar o resto do povo que não possuía a mesma experiência que a deles. Então, o Espírito Santo veio sobre eles e se manifestou na forma de línguas de fogo sobre suas cabeças (cf At 2,1-11).

Imediatamente, tudo clareou. Não havia mais espaço para o medo, para o limite, para as fronteiras. Era urgente que a mensagem de Jesus Cristo fosse levada a todos os homens e mulheres!

O Espírito prometido por Jesus em diversas ocasiões veio animar aqueles homens que se encontravam fechados, abrindo-lhes as portas do entendimento, enchendo-lhes o peito de coragem, e os impulsionando a ir além e além. E, o que se sucede a partir daquele dia começado no silêncio e na escuridão do Cenáculo, é conhecido: a mensagem de Jesus se espalha pelo mundo, a Igreja se constitui e a humanidade é invadida por uma nova esperança. Onze homens medrosos transformariam a história da humanidade, que nunca mais seria a mesma após receber a mensagem de Cristo.

O Espírito que veio sob a forma de vento e de fogo e permanece a soprar e a aquecer nossos corações com o entendimento e a coragem necessários para que possamos continuar o trabalho dos Onze. Se também temos medo, Ele nos acalma; se os caminhos são tortuosos, Ele os aplaina; se só vemos trevas, Ele faz brilhar as luzes. É ele que nos anima e que nos enche de desejos e sonhos, fazendo com que nossos atos nos ultrapassem. É esse mesmo Espírito que forma o corpo místico de Cristo ao que nos une de forma indelével e eterna, e através do qual formamos uma só família e uma só Igreja.

O Espírito de Deus é o sopro criador, o transformador de realidades, o acalentador de corações. Encher-se desse Espírito é deixar-se invadir pelo próprio amor de Deus, é deixar-se mover pelas cordas impulsionadoras do Pai que nos quer irmãos e irmãs em todo o mundo. É, por fim, abandonar-se à graça e deixar que Deus viva em nós, suplantando-nos de tal modo que sejamos imagem e semelhança Dele e O testemunhemos concretamente.

Que o Espírito que anima a vida da Igreja, garantindo-lhe a alma e o ardor vibrantes, possa também acender essa mesma chama em nossos corações e suscitar-nos o desejo de melhor amar e servir sempre, em qualquer lugar, a qualquer pessoa.

- Gilda Carvalho
Reproduzido via Amai-vos

quarta-feira, 30 de maio de 2012

Onde sopra o Espírito?

Foto via Blue Pueblo

A festa de Pentecostes, celebrada neste domingo, lembra a vinda do Espírito Santo sobre os primeiros cristãos, reunidos no cenáculo em Jerusalém. Com a força do Espírito, sentiram-se animados a partir em missão.

Daí para a frente, o Espírito Santo iria conduzir a Igreja. Ele se encarregaria de indicar os rumos, e até de antecipar os passos que os cristãos deveriam dar.

Foi o que aconteceu, por exemplo, quando Pedro foi procurado por Cornélio, um pagão, que o convidava a visitar sua casa. Ao entrar, Pedro se surpreendeu, vendo que o Espírito Santo descia sobre os pagãos, da mesma maneira como tinha descido sobre eles em Pentecostes.

Pedro então compreendeu que os pagãos eram destinatários do Evangelho, tal como o povo de Israel. A Igreja aprendeu a estar atenta aos sinais do Espírito, para tomar suas decisões com segurança.

Foi o que aconteceu em nossa época, com o anúncio do Concílio Vaticano Segundo, em janeiro de 1959. O Papa João 23 não se cansava de testemunhar que a idéia de um concílio tinha surpreendido a ele mesmo. A certeza da inspiração divina lhe vinha da pronta adesão do povo, que de imediato se identificou com a proposta do papa. Com esta certeza, a Igreja pôde levar em frente a realização do Concílio.

Algumas manifestações do Espírito são fáceis de identificar. Sobretudo quando contam com o aval do povo. A própria teologia reconhece que o "sensus fidelium”, a "intuição dos fiéis” é sinal seguro de procedimento eclesial.

Mas existem situações mais complicadas. Nem sempre o clamor do povo é porta-voz do Espírito Santo. Há certas manifestações, também políticas e sociais, cuja ênfase, em vez de manifestar caminhos seguros de procedimentos corretos, esconde interesses não confessados, e tenta forçar rumos que não levam ao bem comum.

Por isto, não dá para colocar na conta do Espírito Santo todas as manifestações populares. A confiança no Espírito de Deus não dispensa o esforço de discernimento, para perceber os valores que estão em jogo.

O próprio Evangelho nos dá uma pista, quando Jesus explica como seria o procedimento do Espírito. Disse Ele que o Espírito "não falará de si mesmo...; mas, receberá do que é meu e vo-lo anunciará” (Jo 16, 13).

Com esta afirmação, Jesus sinaliza a necessidade de constatar a coerência entre o que ele fez e ensinou, com as manifestações que possam ocorrer. Para serem do Espírito, precisam estar em sintonia com as verdades objetivas proclamadas por Cristo.

A Bíblia conta uma bonita história, para advertir da necessidade de discernir a presença de Deus. Elias estava refugiado na caverna, nas proximidades do monte Horeb. Foi avisado que Deus passaria naquela noite. Ele se colocou então na entrada da caverna. Veio um forte furacão que fazia as rochas se contorcerem. Mas Deus não estava no furacão. Depois aconteceu um violento terremoto, que sacudiu a terra. Mas Deus não estava no terremoto. Depois desceu um fogo devorador. Mas Deus não estava no fogo. Por fim, veio uma brisa suave, que amenizou todo o ambiente. Era Deus que estava chegando.

Precedendo a este episódio, o mesmo livro narra a cena do confronto de Elias com os 400 sacerdotes do deus Baal. Desafiados por Elias a invocarem o seu deus para que fizesse descer fogo sobre a lenha da oferenda, os sacerdotes gritaram o dia inteiro, mas não foram capazes de se fazerem ouvir por seu falso deus. Ao passo que Elias, com poucas palavras, foi prontamente atendido por Javé.

Há certas manifestações que se assemelham à gritaria dos sacerdotes de Baal. Em nada contribuem para o discernimento objetivo dos problemas a resolver.

A análise objetiva da realidade é garantia mais segura do acerto das decisões a serem tomadas.

- Dom Demétrio Valentini, Bispo de Jales (SP)

(Fonte: Amai-vos)

segunda-feira, 28 de maio de 2012

''O cristianismo não é uma religião do medo, mas da confiança e do amor''

Foto: Pink Sword

O cristianismo não é uma religião do medo, mas da confiança e do amor ao Pai que nos ama. Essas duas densas afirmações nos falam do envio e da acolhida do Espírito Santo, o dom do Ressuscitado, que nos torna filhos em Cristo, o Filho unigênito, e nos coloca em uma relação filial com Deus, relação de profunda confiança, como a das crianças.

Publicamos aqui a Audiência Geral do Papa Bento XVI, publicada no jornal L'Osservatore Romano, 23-05-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto, reproduzido via IHU.


Queridos irmãos e irmãs,

Quarta-feira passada, eu mostrei como São Paulo diz que o Espírito Santo é o grande mestre da oração e nos ensina a nos voltarmos novamente para Deus com os termos afetuosos dos filhos, chamando-o de "Abba, Pai". Assim fez Jesus. Mesmo no momento mais dramático da sua vida terrena, Ele nunca perdeu a confiança no Pai e sempre o invocou com a intimidade do Filho amado. No Getsêmani, quando sente a angústia da morte, a sua oração é: "Abba! Pai! Tudo é possível para ti: afasta de mim este cálice! Mas não o que eu quero, mas sim o que tu queres" (Mc 14, 36).

Desde os primeiros passos do seu caminho, a Igreja acolheu essa invocação e a assumiu como própria, sobretudo na oração do Pai Nosso, em que dizemos cotidianamente: "Pai ... seja feita a vossa vontade, assim na terra como no céu" (Mt 6, 9-10). Nas Cartas de São Paulo, encontramo-la duas vezes. O Apóstolo, ouvimo-lo agora, se dirige aos gálatas com estas palavras: "A prova de que vocês são filhos é o fato de que Deus enviou aos nossos corações o Espírito do seu Filho que clama: Abba, Pai!" (Gl 4, 6). E no centro daquele canta ao Espírito que é o capítulo oitavo da Carta aos Romanos, São Paulo afirma: "E vocês não receberam um Espírito de escravos para recair no medo, mas receberam um Espírito de filhos adotivos, por meio do qual clamamos: Abba! Pai!" (Rm 8, 15).

O cristianismo não é uma religião do medo, mas da confiança e do amor ao Pai que nos ama. Essas duas densas afirmações nos falam do envio e da acolhida do Espírito Santo, o dom do Ressuscitado, que nos torna filhos em Cristo, o Filho unigênito, e nos coloca em uma relação filial com Deus, relação de profunda confiança, como a das crianças; uma relação filial análoga à de Jesus, embora a origem e a espessura sejam diferentes: Jesus é o Filho eterno de Deus que se fez carne, nós, ao contrário, nos tornamos filhos n'Ele, no tempo, mediante a fé e os Sacramentos do Batismo e da Crisma. Graças a esses dois sacramentos somos imersos no Mistério pascal de Cristo. O Espírito Santo é o dom precioso e necessário que nos torna filhos de Deus, que realiza aquela adoção filial a qual são chamados todos os seres humanos para que, como precisa a bênção divina da Carta aos Efésios, Deus, em Cristo, "nos escolheu antes de criar o mundo para que sejamos santos e sem defeito diante dele, no amor" (Ef 1,4).

Talvez, o ser humano de hoje não percebe a beleza, a grandeza e a consolação profunda contidas na palavra "pai" com que podemos nos dirigir a Deus na oração, porque a figura paterna muitas vezes hoje não é suficientemente presente, embora muitas vezes não seja suficientemente positiva na vida cotidiana. A ausência do pai, o problema de um pai não presente na vida da criança é um grande problema do nosso tempo, por isso se torna difícil entender na sua profundidade o que quer dizer que Deus é Pai para nós.

De Jesus mesmo, da sua relação filial com Deus, podemos aprender o que significa propriamente "pai", qual é a verdadeira natureza do Pai que está nos céus. Críticos da religião disseram que falar do "Pai", de Deus, seria uma projeção dos nossos pais no céu. Mas o oposto é verdadeiro: no Evangelho, Cristo nos mostra quem é pai e como é um verdadeiro pai, de modo que possamos intuir a verdadeira paternidade, aprender também a verdadeira paternidade. Pensemos na palavra de Jesus no Sermão da Montanha, onde diz: "Amem os seus inimigos, e rezem por aqueles que perseguem vocês! Assim vocês se tornarão filhos do Pai que está no céu" (Mt 5, 44-45).

É justamente o amor de Jesus, o Filho unigênito – que chega ao dom de Si mesmo na cruz – que nos revela a verdadeira natureza do Pai: Ele é o Amor, e nós também, na nossa oração de filhos, entramos nesse circuito de amor, amor de Deus que purifica os nossos desejos, as nossas atitudes marcadas pelo fechamento, pela autossuficiência, pelo egoísmo típicos do homem velho.

Gostaria de me deter um momento sobre a paternidade de Deus, para que possamos nos deixar aquecer o coração por essa profunda realidade que Jesus nos fez conhecer plenamente e para que a nossa oração seja por ela nutrida. Portanto, podemos dizer que, em Deus, o ser Pai tem duas dimensões. Acima de tudo, Deus é nosso Pai, porque é o nosso Criador. Cada um de nós, cada homem e cada mulher, é um milagre de Deus, é querido por Ele e é conhecido pessoalmente por Ele.

No Livro do Gênesis, quando se diz que o ser humano é criado à imagem de Deus (cf. 1, 27), quer-se expressar justamente essa realidade: Deus é o nosso Pai, por Ele não somos seres anônimos, impessoais, mas temos um nome. E uma palavra nos Salmos sempre me toca quando eu a rezo: "Tuas mãos me plasmaram", diz o salmista (Sl 119,73). Cada um de nós pode dizer, nessa bela imagem, a relação pessoal com Deus: "Tuas mãos me plasmaram. Tu me pensaste e criaste e desejaste".

Mas isso ainda não basta. O Espírito de Cristo nos abre a uma segunda dimensão da paternidade de Deus, além da criação, porque Jesus é o "Filho" em sentido amplo, "da mesma substância do Pai", como professamos no Credo. Tornando-se um ser humano como nós, com a Encarnação, a Morte e a Ressurreição, Jesus, por sua vez, nos acolhe na sua humanidade e no seu próprio Filho, para que possamos entrar no seu específico pertencimento a Deus.

Certamente, o nosso ser filhos de Deus não tem a plenitude de Jesus: devemos nos torná-lo cada vez mais, ao longo do caminho de toda a nossa existência cristã, crescendo no seguimento de Cristo, na comunhão com Ele para entrar cada vez mais intimamente na relação de amor com Deus Pai, que sustenta a nossa vida. É essa realidade fundamental que nos é descerrada quando nos abrimos ao Espírito Santo, e Ele nos faz voltar novamente a Deus dizendo-lhe: "Abbá!", Pai! Realmente entramos além da criação na adoção com Jesus; unidos estamos realmente em Deus e filhos de um modo novo, em uma dimensão nova.

Mas gostaria agora de voltar aos dois trechos de São Paulo que estamos considerando acerca dessa ação do Espírito Santo na nossa oração. Aqui também são duas passagens que se correspondem, mas contêm uma tonalidade diferente. Na Carta aos Gálatas, de fato, o Apóstolo afirma que o Espírito grita em nós "Abba! Pai!". Na Carta aos Romanos, ele diz que somos nós que gritamos: "Abbá! Pai". E São Paulo quer nos fazer compreender que a oração cristã nunca é, nunca ocorre apenas em sentido único de nós a Deus, não é só um "agir nosso", mas é também expressão de uma relação recíproca em que Deus age por primeiro: é o Espírito Santo que grita em nós, e nós podemos gritar porque o impulso vem do Espírito Santo. Nós não poderíamos rezar se não estivesse inscrito nas profundezas do nosso coração o desejo de Deus, o ser filhos de Deus.

Desde que existe, o “homo sapiens” sempre está em busca de Deus, tenta falar com Deus, porque Deus inscreveu a si mesmo nos nossos corações. Portanto, a primeira iniciativa vem de Deus, e, com o Batismo, Deus de novo age em nós, o Espírito Santo age em nós; é o primeiro iniciador da oração, para que possamos depois realmente falar com Deus e dizer "Abba". Portanto, a Sua presença abre a nossa oração e a nossa vida, abre aos horizontes da Trindade e da Igreja.

Além disso, compreendemos – este é o segundo ponto – que a oração do Espírito de Cristo em nós e a nossa n'Ele não é só um ato individual, mas também um ato de toda a Igreja. No rezar, abre-se o nosso coração, entramos em comunhão não só com Deus, mas precisamente com todos os filhos de Deus, porque somos uma coisa só. Quando nos dirigimos ao Pai na nossa sala interior, no silêncio e no recolhimento, jamais estamos sozinhos. Quem fala com Deus não está sozinho. Estamos na grande oração da Igreja, fazemos parte de uma grande sinfonia que a comunidade cristã espalhada em toda a parte da terra e em todo tempo eleva a Deus.

Certamente, os músicos e os instrumentos são diferentes – e esse é um elemento de riqueza –, mas a melodia de louvor é única e em harmonia. Todas as vezes, então, que gritamos e dizemos: "Abba! Pai!" é a Igreja, toda a comunhão dos seres humanos em oração que sustenta a nossa invocação e a nossa invocação é invocação da Igreja. Isso se reflete também na riqueza dos carismas, dos ministérios, das tarefas, que desenvolvemos na comunidade.

São Paulo escreve aos cristãos de Corinto: "Existem diversos carismas, mas um só é o Espírito; há diversos ministérios, mas um só é o Senhor; há diversas atividades, mas um só é Deus que realiza tudo em todos" (1Cor 12, 4-6). A oração guiada pelo Espírito Santo que nos faz dizer "Abbá! Pai!" com Cristo e em Cristo nos insere no único grande mosaico da família de Deus, em que cada um tem um lugar e um papel importante, em profunda união com o todo.

Uma última anotação: aprendemos a gritar! "Abba!, Pai" também com Maria, a Mãe do Filho de Deus. O cumprimento da plenitude do tempo, do qual fala São Paulo na Carta aos Gálatas (cf. 4, 4), acontece no momento do "sim" de Maria, da sua adesão plena à vontade de Deus: "Eis aqui a serva do Senhor" (Lc 1, 38).

Queridos irmãos e irmãs, aprendamos a apreciar na nossa oração a beleza de sermos amigos, ou, melhor, filhos de Deus, de podê-lo invocar com a confidência e a confiança que um filho tem pelos pais que o amam. Abramos a nossa oração à ação do Espírito Santo para que em nós ele grite a Deus "Abba! Pai" e para que a nossa oração mude, se converta constantemente o nosso pensar, o nosso agir para torná-lo cada vez mais conforme ao do Filho Unigênito, Jesus Cristo. Obrigado.

domingo, 27 de maio de 2012

Nós somos Cristo Ressuscitado!


O que vocês não têm a força de suportar, hoje, amanhã vocês conseguirão. O Espírito da verdade é um Espírito aberto. O Pentecostes é, então, a festa de todos os possíveis.

A reflexão a seguir é de Raymond Gravel, sacerdote de Quebec, Canadá, publicada no sítio Culture et Foi, comentando as leituras do Domingo de Pentecostes (27 de maio de 2012). A tradução é de Susana Rocca.

Eis o texto, aqui reproduzido via IHU.


Referências bíblicas:
1ª leitura: At 2,1-11
2ª leitura: Ga 5,16-25
Evangelho: Jo 15,26-27; 16,12-15

Hoje é a festa de Pentecostes: a festa do Espírito Santo, o Espírito de Cristo que nos é dado. Essa festa marca o fim do tempo de Jesus e o começo do tempo da Igreja. Com efeito, Pentecostes é a plenitude da Páscoa, o 50º dia (7x7) da Páscoa do Cristo vivo, cuja vida se manifesta doravante através dos seus discípulos que formam a Igreja. Como nós somos o Cristo Ressuscitado, o Pentecostes não é um fim, mas sim um começo... O que nos dizem os textos bíblicos de hoje referentes a esta festa?

1) Atos 2,1-11 – O relato de Pentecostes, composto por Lucas, no livro dos Atos dos Apóstolos, e que encontramos a cada ano, não é um relato histórico, no sentido material do termo. É um relato teológico que nos diz estar a Antiga Aliança totalmente cumprida e que, com o Pentecostes, o mistério da Páscoa se completou. Diz também que se trata, doravante, de uma recriação do mundo, de uma criação nova onde se encontra a harmonia, a unidade, a Lei nova.

1.1 A harmonia – No livro do Gênese, no Antigo Testamento, o autor do relato da torre de Babel (Gn 11,1-9) quer nos mostrar a divisão entre os humanos que falam línguas diferentes e que são incapazes de entender-se: “Vamos descer e confundir a língua deles, para que um não entenda a língua do outro” (Gn 11,7). A torre continua incompleta e os homens se dispersam: “Javé os espalhou daí por toda a superfície da terra, e eles pararam de construir a cidade“ (Gn 11,8). Para São Lucas, o Pentecostes é a harmonia reencontrada: “Quando ouviram o barulho, todos se reuniram e ficaram confusos, pois cada um ouvia, na sua própria língua, os discípulos falarem” (At 2,6). É, então, Babel em sentido inverso: “Como é que cada um de nós os ouve em sua própria língua materna?” (At 2,8).

1.2 A unidade – No relato dos Atos dos Apóstolos, doze nações são nomeadas para fazer referência às doze tribos de Israel da Antiga Aliança e para sublinhar a universalidade da missão cristã. Além disso, apesar da diversidade das nações, a unidade está finalmente garantida: “partos, medos e elamitas; gente da Mesopotâmia, da Judeia e da Capadócia, do Ponto e da Ásia, da Frígia e da Panfília, do Egito e da região da Líbia vizinha de Cirene; alguns de nós vieram de Roma, outros são judeus ou pagãos convertidos; também há cretenses e árabes. E cada um de nós em sua própria língua os ouve anunciar as maravilhas de Deus!” (At 2,9-11). O dom do Espírito de Cristo, o Espírito Santo, restabelece completamente a unidade da linguagem na pluralidade de línguas. Isso significa que a unidade só é possível na aceitação da diversidade.

1.3 Lei nova – Por outra alusão à Antiga Aliança, São Lucas quer mostrar que o Pentecostes nos faz passar da Lei de Moisés a uma Lei nova. Para fazer isso, ele evoca a grandiosa manifestação de Deus no monte Sinai, para concluir a primeira Aliança. Segundo as explicações rabínicas, as chamas de fogo tinham gravado os dez mandamentos sobre tábuas de pedra. Aqui as línguas de fogo se pousam sobre cada um dos membros da assembleia: “Apareceram então umas como línguas de fogo, que se espalharam e foram pousar sobre cada um deles” (At 2,3). Então, a Lei nova não está mais inscrita sobre tábuas de pedra, mas sim no coração dos discípulos. Será que não é o que o profeta Ezequiel tinha já anunciado: “Darei para vocês um coração novo, e colocarei um espírito novo dentro de vocês. Tirarei de vocês o coração de pedra, e lhes darei um coração de carne” (Ez 36,26). Podemos, então, compreender aqui que a Lei nova é aquela do Amor e que o Amor pode se exprimir em todas as línguas, já que ele é universal e ele permite a unidade.

2) Ga 5,16-25 – Bem no princípio da carta, São Paulo explica aos Gálatas que eles não devem seguir a Lei judaica para serem autênticos crentes. Sim, o crente está livre de toda lei. Por outra parte, São Paulo se inquieta: “Irmãos, vocês foram chamados para serem livres. Que essa liberdade, porém, não se torne desculpa para vocês viverem satisfazendo os instintos egoístas. Pelo contrário, disponham-se a serviço uns dos outros através do amor” (Gal 5,13). Um cristão deve viver sob a guia do Espírito: “Mas, se forem conduzidos pelo Espírito, vocês não estarão mais submetidos à Lei” (Gal 5,18).

A fé cristã finca uma luta entre a Lei de Moisés inscrita em tábuas de pedra e a Lei do Espírito inscrita no coração dos crentes. Não nos equivoquemos: é o Espírito que nos faz viver, não pelas regras... e é muito mais exigente. Pois, além das permissões e das proibições, o Espírito nos impulsiona a sair de nós mesmos para ir até os outros: “Pois toda a Lei encontra a sua plenitude num só mandamento: ‘Ame o seu próximo como a si mesmo’” (Ga 5,14). A única maneira de saber se nós somos do Espírito de Cristo é pelos frutos que damos: “Mas o fruto do Espírito é amor, alegria, paz, paciência, bondade, benevolência, fé, mansidão e domínio de si. Contra essas coisas não existe lei” (Ga 5,22-23).

3) Jo 15,26-27; 16,12-15 – Dois extratos que compõem o evangelho desse domingo, dois extratos que são emprestados do discurso de despedida de Jesus, na noite da Quinta-Feira Santa. Trata-se, de fato, do testamento espiritual de Cristo composto pela Igreja do fim do século I, à luz da sua fé pascal. Nesse primeiro extrato (Jo 15,26-27), o Espírito está presente como o defensor, o Paráclito, o advogado: “O Advogado, que eu mandarei para vocês de junto do Pai, é o Espírito da Verdade que procede do Pai. Quando ele vier, dará testemunho de mim” (Jo 15,26). “Vocês também darão testemunho de mim, porque vocês estão comigo desde o começo” (Jo 15, 27).

A linguagem utilizada por São João é aquela de um processo. Segundo o exegeta francês Jean Debruynne, a narrativa nos leva ao processo de Jesus, onde testemunhar significa reconhecer aquele por quem nós testemunhamos. Não reconhecê-lo seria negá-lo, condená-lo e levá-lo à morte. Neste contexto, o Espírito Santo é o advogado da defesa. Para um cristão, reconhecer Cristo é reconhecê-lo nos outros, naqueles e naquelas através dos quais Cristo se identifica: os pobres, os pequenos, os necessitados, os mal amados, os excluídos... Então, o testemunho consiste em acolhê-los, como a Cristo mesmo. Assim, os cristãos, os discípulos de Cristo se tornam, por sua vez, as testemunhas da Páscoa, e o Espírito, seu advogado da defesa, lhes faz descobrir a verdade completa.

No segundo extrato desse domingo (Jo 16,12-15), São João nos diz que a verdade sobre Cristo se faz progressivamente na história da Igreja: “Ainda tenho muitas coisas para dizer, mas agora vocês não seriam capazes de suportar” (Jo 16,12). Isso quer dizer que a revelação de Deus pode muito bem ser completada... não foi tudo dito sobre Deus: “Quando vier o Espírito da Verdade, ele encaminhará vocês para toda a verdade” (Jo 16,13). Isso é excessivamente importante, porque não é totalmente assim que funcionamos atualmente na Igreja. Atuamos frequentemente como se tudo já tivesse sido dito e não houvesse mais nada para dizer; só repetir o passado. O papel do Espírito que nos habita é de nos encaminhar progressivamente à verdade completa sobre o Cristo sempre vivo através dos seus discípulos. Isso não quer dizer que o Espírito Santo vai trazer uma nova revelação; ele retomará o que já ouviu, “porque o Espírito não falará em seu próprio nome, mas dirá o que escutou e anunciará para vocês as coisas que vão acontecer” (Jo 16,13).

Então, o Espírito Santo, em cada geração nos esclarece sobre a maneira de compreender o evento da Páscoa, em situações sempre novas e sempre imprevistas. Senão, seria o caso de parar de dizer que Cristo está sempre vivo, se rejeitarmos reconhecê-lo nas realidades novas que pertencem a cada geração da história. Jean Debruynne dizia: “Com Cristo Ressuscitado tudo é possível. A verdade não é algo que temos ou que não temos. A verdade é uma vida. É uma conquista. É uma longa caminhada. Não somos nós que fazemos a verdade, é a verdade que nos faz. A verdade não está nos livros, mas nos corações. É o Espírito da verdade que vem até nós. É ele que nos guia à verdade. Cristo abre o futuro, ele abre a porta, ele abre o possível, ele abre a paciência. O que vocês não têm a força de suportar, hoje, amanhã vocês conseguirão. É aberto. O Espírito da verdade é um Espírito aberto. O Pentecostes é, então, a festa de todos os possíveis”.

Para concluir, se é verdadeiro que a verdade não se adquire de uma vez para sempre, e que ela se descobre na história, nos eventos imprevistos e nas realidades novas que a compõem, isso quer dizer que a verdade não pode ser um dogma; ela é muito mais um caminho a descobrir e a percorrer. Nesta festa de Pentecostes de 2012, deixemos que o Espírito de Cristo sopre onde ele quiser e quando ele quiser. A Igreja que nós somos tem verdadeiramente necessidade de um vento novo!

sábado, 26 de maio de 2012

Vem Espírito Santo e ensina-nos a viver


A leitura que a Igreja propõe neste domingo é o Evangelho de Jesus Cristo segundo João 20, 19-23 que corresponde ao Domingo de Pentecostes, ciclo B do Ano Litúrgico.

O teólogo espanhol José Antonio Pagola comenta o texto.

Eis o texto, aqui reproduzido via IHU.


Pouco a pouco aprendemos a viver sem interioridade. Já não precisamos estar em contato com aquilo que há de melhor em nosso coração. É suficiente para vivermos distraídos nas nossas ocupações. Contentamo-nos com funcionar sem alma e nos alimentarmos somente de pão. Não gostamos de nos expor na busca da verdade. Vem Espírito e liberta-nos do vazio interior.

Já não sabemos viver sem raízes e sem metas. É suficiente nos deixarmos programar externamente. Movemo-nos e agitamo-nos sem cessar, mas não sabemos o que desejamos e para onde vamos. Estamos cada vez melhor informados, mas sentimo-nos mais perdidos que nunca. Vem Espírito e liberta-nos da desorientação.

Quase não nos interessam as grandes questões da existência. Não nos preocupa ficarmos sem luz para enfrentarmos à vida. Transformamos-nos em pessoas céticas e ao mesmo tempo mais frágeis e inseguras. Queremos ser inteligentes e lúcidos. Por que não encontramos sossego e paz? Por que a tristeza nos visita tão seguidamente? Vem Espírito Santo e liberta-nos da escuridão interior.

Queremos viver mais, viver melhor, viver sem tempo. Mas viver o quê? Queremos nos sentir bem; buscamos nos sentir melhor. Mas para que? Procuramos desfrutar intensamente da vida, tirar proveito ao máximo, mas nos contentamos somente com passar bem. Realizamos aquilo que gostamos. Apenas há algumas proibições ou terrenos vetados. Por que desejamos alguma coisa diferente? Vem Espírito Santo e ensina-nos a viver.

Queremos ser livres e independentes e nos encontramos cada vez mais a sós. Necessitamos viver em grupo, mas às vezes nos fechamos no nosso pequeno mundo. Necessitamos nos sentir queridos e não sabemos criar contatos vivos e amistosos. O sexo é nomeado “amor” e o prazer “felicidade”. Mas quem saciará nossa sede? Vem Espírito Santo e ensina-nos a amar.

Na nossa vida já não há espaço para Deus. Sua presença ficou reprimida ou atrofiada dentro de nós mesmos. Cheios de ruídos interiores, já não conseguimos escutar sua voz. Dedicados a milhares de desejos e sensações, não conseguimos perceber sua proximidade. Sabemos dialogar com todo o mundo, menos com ele. Temos aprendido a viver de costas ao Mistério. Vem Espírito Santo e ensina-nos a acreditar.

Sejamos crentes ou não crentes, pouco a pouco vamos virando poucos crentes e maus crentes e assim peregrinamos muitas vezes pela vida. Na festa cristã do Espírito Santo Jesus disse para todos nós aquilo que um dia falou para seus discípulos exalando seu espírito sobre eles: “Recebam o Espírito Santo”. Esse Espírito que sustenta nossas pobres vidas e anima nossa débil fé pode entrar em nós por caminhos que somente ele conhece.

domingo, 13 de maio de 2012

Maria, mãe de Jesus

Imagem daqui

A primeira comunidade de Jerusalém era formada por judeus que aceitaram Jesus como Messias. Como bons judeus, eles cumpriam a Lei de Moisés, guardavam o sábado e participavam do Templo, mas também se reuniam no sábado à noite para a fração do Pão e cantar a Cristo como Senhor e Salvador. Isso trouxe perseguições dos mais fanáticos e, logo os de língua grega tiveram que fugir para outros lugares.

No início, os primeiros cristãos foram considerados uma seita do povo judeu, como eram também os fariseus e os saduceus. Quando a pequena comunidade de Jerusalém, Igreja mãe, se abre em Pentecostes aos pagãos, surge um novo estilo de viver a fé em Jesus.

O Evangelho de Mateus expressa a experiência cristã dos que eram de origem judaica: a fé se expressa na Torá, na caridade e no culto. Esta comunidade de Jerusalém manifesta uma cultura e costumes judaicos, com a supremacia do varão sobre a mulher. Com a revolta judaica (70 DC), muito judeus cristãos tiveram que sair de Jerusalém. É o caso da comunidade de Mateus, rejeitada pelos judeus ortodoxos e desprezada pelos pagãos.

Entendemos, agora, a presença calada e silenciosa de Maria em Mateus. Ela não pronuncia uma palavra, como é próprio das mulheres judias, mas está sempre próxima e ativa. Entendemos, também, porque é José quem recebe o anuncio do anjo, forma própria do Deus do AT oferecer uma missão a alguém.

Maria aparece em dois momentos no Evangelho de Mateus: nos relatos de infância e no ministério público de Jesus. Lembra quando a mãe de Jesus pergunta por ele, desejando lhe falar? Os que estão sentados, ouvindo o Senhor, são seus discípulos e Ele os assiná-la com a mão. Ser discípulo é cumprir a vontade do Pai. Mateus suprime a referência à pouca monta que Jesus recebe dos seus próprios parentes! Contuso, Maria está sempre unida ao seu Filho nos momentos fundamentais da sua vida e ministério.

(...) Maria, como a primeira discípula, está com seu filho desde a concepção até a Cruz.

Não há Jesus sem Maria nem Maria sem Jesus! (...)

- Pe. J. Ramón F. de la Cigoña, no blog Terra Boa

Amar!

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Amar o outro, todo outro, gratuitamente. Como poderíamos excluir alguém por Amor? Isso seria uma contradição nos termos e uma incompreensão da missão que nos foi confiada. O Amor não é reciprocidade; ele é continuidade, fecundidade e gratuidade.

A reflexão a seguir é de Raymond Gravel, sacerdote de Quebec, Canadá, publicada no sítio Culture et Foi, comentando as leituras do 6º Domingo de Páscoa (13 de maio de 2012). A tradução é de Susana Rocca.

Eis o texto, aqui reproduzido via IHU.


Referências Bíblicas:
1ª leitura: At 10,25-26.34-35.44-48
2ª leitura: 1 Jo 4,7-10
Evangelho: Jo 15,9-17

A uma semana da Ascensão, a segunda face da Páscoa, São João na segunda leitura e no evangelho de hoje nos lembra da essência do que nós nos tornamos por causa de Cristo: amor, e o essencial da fé cristã que é amar. O Pai ama o Filho, o Filho nos ama comunicando a nós o amor do Pai. Esse amor nos impulsiona a nos amarmos uns aos outros. Existe um vínculo tão íntimo entre Deus, Cristo e nós, que nós somos todos da mesma família.

1. Deus é Amor – Deus se define com uma só palavra: amor. Que bela definição de Deus dada por São João. Tudo começa aí... Deus primeiramente ama; ele é o fundamento de todo o Amor. O nosso se origina nele. Nós não existimos por nada... mas, por causa de Deus, nós somos capazes de nos tornar, nós também, todo Amor: “E o amor consiste no seguinte: não fomos nós que amamos a Deus, mas foi ele que nos amou” (1 Jo 4,10). O Amor de Deus se manifesta por Cristo: “Nisto se tornou visível o amor de Deus entre nós: Deus enviou o seu Filho único a este mundo, para dar-nos a vida por meio dele” (1 Jo 4,9). São João nos faz ver também quem nós somos e quem é Deus: “Todo aquele que ama nasceu de Deus e conhece a Deus” (1 Jo 4,7)

2. Permanecer no Amor – No evangelho de São João, o verbo permanecer (demeurer) é muito importante. Ele significa: viver, ficar, partilhar, estar na intimidade daquele que ama. São João fala a todos os crentes de ontem e de hoje da fidelidade a um nome que é um lugar: uma moradia (demeure), e um rosto: o Amor. No fundo, nós cristãos, devemos ser moradias de Amor, e é o que Cristo veio nos ensinar na sua passagem, isto é, na sua Páscoa: a festa da passagem. O exegeta francês Jean Debruynne escreveu: “Jesus passa todos os dias deste mundo ao seu Pai e, porém, ao mesmo tempo Jesus fica (demeure). Trata-se, ao mesmo tempo, de ficar na passagem e de uma passagem que fica. Jesus não tem outra moradia (demeure) senão a passagem. Jesus fica passando porque, doravante, o único mandamento e a única fidelidade é amar. Deus não procura servidores ou empregados que não sejam importantes para ele. Deus procura amigos. Se Deus se faz homem, não é nem por interesse nem por benefício, mas é por paixão, é por Amor”.

3. Um Amor fecundidade – O Amor de Deus manifestado em Cristo não é primeiramente reciprocidade. Jesus não diz: Amem-me como eu amei vocês. Ele diz:
“Amem-se uns aos outros, assim como eu amei vocês” (Jo 15,12). O que quer dizer que nós devemos amar ao outro não para que ele nos ame, mas para que, por sua vez, ele possa amar mais alguém. Assim, o Amor não se merece, não se compra, não se ganha. O Amor se recebe para ser dado gratuitamente: “Não foram vocês que me escolheram, mas fui eu que escolhi vocês. Eu os destinei para ir e dar fruto, e para que o fruto de vocês permaneça” (Jo 15,16). Não é um amor recíproco, interessado, mas sim um Amor gratuito, fecundo, que não cessa de crescer e de aumentar.
Santo Agostinho, no século IV, tinha compreendido isso. Ele distinguia três graus no ato de amor. Primeiro grau: “Amar ser amado”. É o grau mais baixo. Quem não gosta disso? Precisaríamos ser marionetes para pretender o contrário. Estamos todos incluídos nisso. É o amor narcisista. Segundo grau: “Amar amar”. É gostar de amar os outros. Nós esquecemos um pouco de nós mesmos; tornamo-nos generosos, altruístas. Fazemos a nossa boa ação, nos preocupamos com os outros, mas isso é gratificante, de maneira que um excesso nessa forma de amar pode se converter, às vezes, em uma forma megalômana de amor de si próprio. Terceiro grau: “Amar!”. Só isso. Amar simplesmente, amar o outro por ele mesmo, não para lhe fazer bem nem para fazer crescer as nossas virtudes... Não! Amar sem esperar nenhum retorno. Não amamos para... alguém ou algo. Amamos e ponto, só isso. É o topo da gratuidade. É o fruto que devemos dar como cristãos e que permanece.

4. Um Amor liberdade – Na primeira leitura de hoje, nós temos um belo exemplo do Amor do nosso Deus que se expressa com total liberdade. A Igreja do século I o experimentou com Pedro como cabeça. Anunciando a Palavra, a Boa Nova da Ressurreição de Cristo aos pagãos, Pedro teve que reconhecer a igualdade entre os humanos: “De fato, estou compreendendo que Deus não faz diferença entre as pessoas” (At 10,34). Até mais, seu Espírito está sempre antes. De maneira que Pedro rapidamente compreendeu que Deus era livre de agir sem que ele ou a Igreja tivesse que decidir: “Pedro ainda estava falando, quando o Espírito Santo desceu sobre todos os que ouviam a Palavra” (At 10,44). Todo o mundo ficou admirado de que os pagãos não batizados recebessem o dom do Espírito de Pentecostes (At 10,45). Pedro deve, então, render-se perante a evidência de que Deus não pertence à Igreja. É um Deus de liberdade: “Será que podemos negar a água do batismo a estas pessoas que receberam o Espírito Santo, da mesma forma que nós recebemos?” (At 10,47).

Se eu atualizo, hoje, a mensagem que se tira do livro dos Atos dos Apóstolos, me parece que há ali um convite e uma interpelação que se dirige a todo cristão, mas mais ainda aos dirigentes, de demonstrar humildade no exercício das suas funções. Cada vez que uma pessoa é rejeitada, condenada ou excluída da Igreja, deveríamos nos perguntar se nós somos fiéis ao Amor de Deus que se manifesta em Cristo e que nos convida a amar ao outro, a todo mundo, gratuitamente. Como poderíamos excluir alguém por Amor? Lá há uma contradição nos termos e uma incompreensão da missão que nos foi confiada. O Amor não é reciprocidade; ele é continuidade, fecundidade e gratuidade. O Espírito Santo age ainda hoje com toda liberdade. O resultado não nos pertence. É preciso que nós nos digamos e redigamos isso seguidamente...

sábado, 12 de maio de 2012

Quem ama como Jesus aprende a olhar os rostos das pessoas com compaixão

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A leitura que a Igreja propõe neste domingo é o Evangelho de Jesus Cristo segundo João 15, 9-17 que corresponde ao Domingo 6º da Páscoa, ciclo B do Ano Litúrgico. O teólogo espanhol José Antonio Pagola comenta o texto.

Eis o texto, aqui reproduzido via IHU.


Jesus despede-se dos seus discípulos. Amou-os com o mesmo amor com que o amou o Pai. Agora tem de deixá-los. Conhece o seu egoísmo. Não sabe querer-se. Ve-os discutindo entre si para obter os primeiros lugares. Que será deles?
As palavras de Jesus adquirem um tom solene. Precisam ficar bem gravadas em todos: "Este é o meu mandato: que vos ameis uns aos outros como Eu vos amei". Jesus não quer que o seu estilo de amar se perda. Se um dia o esquecem, ninguém os poderá reconhecer como discípulos.

De Jesus ficou uma recordação inesquecível. As primeiras gerações resumiam assim a sua vida: "Passou por toda a parte fazendo o bem". Era bom encontrar-se com ele. Procurava sempre o bem das pessoas. Ajudava a viver. Sua vida foi uma Boa Nova. Podia-se descobrir nele a proximidade boa de Deus.

Jesus tem um estilo de amar inconfundível. É muito sensível ao sofrimento das pessoas. Não pode passar ao lado de quem está a sofrer. Ao entrar um dia na pequena aldeia de Naín, encontra-se com um enterro: uma viúva vai a enterrar o seu filho único. Sai de dentro de Jesus o seu amor para com aquela desconhecida: "Mulher, não chores". Quem ama como Jesus vive aliviando o sofrimento e secando lágrimas.

Os evangelhos recordam em diversas ocasiões como Jesus captava com o seu olhar o sofrimento das pessoas. Olhava-as e comovia-se: via-as sofrendo, ou abatidas ou como ovelhas sem pastor. Rapidamente punha-se a curar aos mais doentes ou a alimentá-las com as suas palavras. Quem ama como Jesus aprende a olhar os rostos das pessoas com compaixão.

É admirável a disponibilidade de Jesus para fazer o bem. Não pensa em si mesmo. Está atento a qualquer chamada, disposto sempre a fazer o que possa. A um mendigo cego que lhe pede compaixão quando passa, acolhe-o com estas palavras: "Que queres que faça por ti?".

Jesus sabe estar junto aos mais desvalidos. Ele faz o que pode para curar as suas doenças, libertar as suas consciências ou contagiar confiança em Deus. Mas não pode resolver todos os problemas daquelas pessoas.

Então, dedica-se a fazer gestos de bondade: abraça as crianças da rua; não quer que ninguém se sinta órfão; abençoa os doentes: não quer que se sintam esquecidos por Deus; acaricia a pele dos leprosos: não quer que se vejam excluídos. Assim são os gestos de quem ama como Jesus.

sexta-feira, 11 de maio de 2012

"Por uma nova linguagem: teológica e erótica"

Foto: Herb Ritts

Compartilhamos aqui, há alguns dias, um belo texto publicado por Isaac Palma em seu blog, Ide por toda a Web. Nele, Isaac conclamava os cristãos a uma "espiritualidade cheia de Tesão". Seu apelo era dirigido aos evangélicos, meio a que pertence, mas aplica-se perfeitamente aos católicos, por que não? :-) O autor conseguiu expressar em palavras simples e diretas um anseio ardente e sincero por encontrar a Deus no seu tempo, no seu mundo, no seu coração – não em algum lugar distante e imaterial que pouco tem a ver com a realidade dos homens e mulheres de hoje. E, no entanto, foi aqui que Ele nos mandou buscá-lo, não foi? No pobre, no faminto, no sedento, no ferido, no exilado que estão do nosso lado, aqui e agora – é aí que Ele está. E não só no pobre de dinheiro, no faminto de comida, no sedento de água, no exilado de sua pátria, mas no pobre de alma, no faminto e no sedento de Deus, no exilado do Amor. Concordamos com Isaac: para tocar esse próximo é preciso que falemos palavras de hoje.

Em vista disso, reproduzimos hoje a continuação daquele primeiro texto, escrito a partir do debate por ele suscitado. De novo, embora ele dirija suas observações e comentários à realidade das Igrejas Evangélicas, em muitos (ainda que não em todos) segmentos católicos, em meios tanto religiosos quanto leigos, não encontramos situação muito diferente com relação à sexualidade humana e à expressão e vivência do desejo. Está mais que na hora de redimir Eros, como vimos recentemente no apelo do Bispo G. Robinson



Segue o texto, com grifos nossos.

A moral evangélica é casta, e seu objetivo é manter o “cabaço” alheio. E isso não apenas sexualmente, mas o status evangélico nos deixa bem longe de sermos fecundos na prática do Reino de Deus. Meu último texto, Por uma espiritualidade cheia de Tesão, pipocou na internet não pela profundidade daquilo que falei, mas principalmente pelas palavras que usei, ao fazer um paralelo entre a sexualidade e a vida cristã. Utilizei uma linguagem “profana” que não é sacralizada e nem muito comum nos corredores das igrejas. O mais interessante é o espanto que isso causa, porque toca na ferida. A igreja é mal resolvida sexualmente, prova disso é o medo de falar sobre sexo; só se fala disso quando sob o controle dos lideres. Somos levados a acreditar em qualquer baboseira “espiritual” para justificar uma opressão com desculpa de (pseudo)Santidade. Negamos o sexo porque negamos o corpo, na dicotomia grega que não conseguimos largar, porque se o corpo é mau, os seus desejos são ruins; portanto, o sexo, expressão máxima do corpo, só pode ser ruim. Se falar de sexo fora desses moldes é ruim, imagine falar de Deus a partir dessa linguagem.

Deus está para além do que os nossos discursos possam captar ou expressar; tudo o que conseguimos é, a partir de nossas experiências, dar significado a elas e interpretá-las à luz daquilo que chamamos de Deus. As nossas linguagens partem, ou deveriam partir, da nossa experiência humana; soa no mínimo estranho expressarmos Deus a partir de uma linguagem que não seja nossa. E é isso que fazemos pegamos emprestado de outras culturas e tradições uma determinada linguagem de espiritualidade, de determinado período histórico, que fazia sentido para aquele povo específico, e tornamos universal e eterno algo que é local e passageiro.

O mais estranho é que santificamos aquela cultura e forma de falar de Deus, e impedimos as novas linguagens e novas formas de falar de Deus. Assim, negamos o corpo, o sexo e as novas linguagens. Alguns devem se perguntar : “Mas por que a linguagem erótica?” e eu devolvo a pergunta : “Mas por que não a linguagem erótica?”. Já que é uma linguagem legítima e humana, por que não usá-la?

É muito comum vermos nas igrejas referências à vida cristã a partir do imaginário da guerra; usamos palavras como ‘batalha, guerra, vitória, inimigo, General etc”, fazemos diversas referências na nossa linguagem à experiência da guerra. Dentro disso, duas coisas me chamam a atenção: primeiro, nós não vivemos a experiência da guerra, o imaginário construído em torno dessa linguagem não faz parte do nosso cotidiano, falamos dessa experiência mas a mesma está distante de nós, copiamos isso das páginas da Bíblia, que é um texto cultural e temporal. Segundo, a mensagem de Jesus é uma mensagem de paz, e não de guerra. Na verdade Cristo vai contra a violência e a guerra, basta ler o sermão da montanha pra perceber isso. A ética da não-violência, que depois foi propagada por homens como Gandhi, Martin Luther King e Tolstoi, é uma proposta que nasceu em Jesus. Tal ética é totalmente anti-guerra; como então é mais cristão usar a linguagem de guerra do que a erótica? Já que, além de não fazer parte do nosso cotidiano, remete a um imaginário contrario à mensagem do Mestre a quem dizemos seguir? Ou Cristo era contra o sexo? Ou o prazer é algo “mundano”?

É preciso repensar e recriar as maneiras de falar; por isso proponho novas linguagens, mas que sejam nossas, que falem dos nossos anseios, que sejam humanas e por isso divinas. É preciso ainda ir além e ler as entrelinhas. É preciso sentir na carne antes de sistematizar, e que nossa sistematizações sejam, assim como nós, frágeis e passageiras, só assim poderemos anunciar o que é Eterno.

Que nossa expectativa pelo inaudito, pelo inédito e por tudo aquilo que ainda não foi feito esteja sempre direcionada pelo Espirito de Deus, que é Aquele que faz o que quer e onde quer, em detrimento das nossas vãs expectativas religiosas; afinal, sopra como vento, e quem saberá de onde vem ou para onde vai? Que nossa linguagem denuncie e renuncie aos males da religião, nos excite, e nos encha de Tesão. Que nossa virgindade espiritual e existencial fique pra trás. Que possamos entrar de cabeça em tudo aquilo que acreditamos. Que tudo o que falarmos seja sentido na carne; esse é o apelo de Jesus - e que seja o nosso, constantemente.

- Isaac Palma, no Ide por toda a Web (via PavaBlog)

segunda-feira, 7 de maio de 2012

O bom pastor não faz distinção entre as pessoas

Ainda no ciclo de comentários ao texto do Bom Pastor, de semana passada, não podíamos deixar passar a oportunidade de publicar ainda este último texto, que tanto enfatiza que o Pastor veio para todos. Sem exceção, sem distinções. :-)

Texto sugerido para oração: Jo 10, 27-30

Jesus Cristo se apresenta à humanidade como o Bom Pastor, aquele que conhece seu rebanho e dá a vida por ele. As atitudes do Bom Pastor revelam um conhecimento e amor profundos por seu rebanho: eu os conheço e eles conhecem a minha voz – dirá Jesus.

Viver essa relação de intimidade é a proposta de Jesus Cristo para a humanidade: no meio dela Ele veio fazer morada, instalar-se para, fazendo-se homem, fazer com que este creia que é possível viver a dimensão de semelhança à Deus.

O bom pastor zela por suas ovelhas – propõem-lhes o cuidado, promete-lhes não perdê-las e não deixá-las ser roubadas por invasores estranhos. E em sendo dóceis as ovelhas, confiantes no seguimento de seu pastor poderão, assim, alcançar Sua promessa maior – a vida eterna.

Ao se colocar como o bom pastor, Jesus rememora o cuidado que o Pai tem com seus filhos. Mais: traz para próximo dos filhos o Pai, fazendo-lhes ver com os olhos do mundo, naquilo que é para cada um uma situação cotidiana (era bastante comum a atividade do pastoreio no tempo de Jesus) a forma como o Pai age. Jesus e o Pai são um e em Jesus podemos ver como o Pai pastoreia cuidadosamente seu rebanho – não deixando que nenhuma ovelha se perca, cuidando individualmente de cada uma, conhecendo-a pelo nome, pelo modo de ser, pelo que é.

Assim, o Mestre afirma: “conheço minhas ovelhas e elas me conhecem” (Jo 10, 14) em uma alusão à relação que deseja ter com cada um de nós – a intimidade daqueles que se (re)conhecem e se entendem mutuamente.

O pastor sabe quais são as suas ovelhas, ainda que seja chamado a também cuidar de outras, como Ele próprio afirmará no mesmo texto (“Tenho outras ovelhas que não são desse redil: também a elas devo conduzir; elas escutarão a minha voz, e haverá um só rebanho e um só Pastor” – Jo 10, 16). Jesus vem para todos, sem distinção. E, de todos se dispõe a cuidar, a dar a vida, a se entregar.

Esforcemo-nos, também por nos tornarmos pastores, bons cuidadores e condutores das vidas que o Senhor coloca em nossos caminhos. Esforcemo-nos para, como Jesus, não fazermos distinção entre as pessoas: a mensagem de Deus é para todos! Assim, estaremos testemunhando o Pai diante da humanidade, como o Filho um dia o fez.

- Gilda Carvalho
Reproduzido via Amai-vos

Leia também:
O amor de Jesus às pessoas não tem limites
A vocação: um chamado à dignidade
O Bom Pastor
“Ele chama as ovelhas pelo nome” (Jo 10, 1-10)
Eu dou vida em abundância para TODOS

domingo, 6 de maio de 2012

“Não é porque eu seja um velho pomar que eu dou velhas maçãs”


Quem fica em Cristo e em quem fica Cristo? A resposta é simples: aquele e aquela que produz frutos em abundância... Não esqueçamos, sobretudo, que o Amor nunca condena, não rejeita nunca e não nega o perdão a ninguém. O Amor de Cristo é incondicional; ele dá a vida e produz frutos em abundância.

A reflexão a seguir de Raymond Gravel, sacerdote de Quebec, Canadá, publicada no sítio Culture et Foi, comentando as leituras do 5º Domingo de Páscoa (6 de maio de 2012). A tradução é de Susana Rocca.

Eis o texto, aqui reproduzido via IHU.


Referências bíblicas:
1ª leitura: At 9,26-31
2ª leitura: 1Jo 3,18-24
Evangelho: Jo 15,1-8

Justo antes da Ascensão, estamos agora por dois domingos com o evangelista João, no discurso de despedida de Jesus de seus discípulos. Na noite da Quinta-Feira Santa, na Ceia, Jesus dá recomendações a eles. É uma forma de testamento espiritual dado por aquele que, no dia seguinte, seria preso, julgado, condenado e crucificado. Mas, de fato, será verdadeiramente um discurso pronunciado por Jesus de Nazaré, nas vésperas de sua morte? A resposta é evidentemente que não! Este discurso foi escrito vários anos depois da morte de Jesus, no seio de uma comunidade para a ele nunca foi um grande desaparecido. É por isso que esse discurso de despedida que o evangelista João coloca na boca do Nazareno, antes da sua morte, é, de fato, a Palavra que o Cristo sempre vivo dirige aos discípulos da primeira hora e àqueles dos dias de hoje. É um discurso que se dirige aos cristãos de todos os tempos. Hoje, o que podemos resgatar de tudo isso?

1. A Igreja que nós somos: Escrutando os textos bíblicos deste domingo, lendo os comentários dos últimos anos, a pergunta que eu me faço é a seguinte: Onde está a Igreja em tudo isso? A Igreja que nós conhecemos e a qual nós pertencemos, a Igreja que nós somos se terá tornado estéril como a vinha do Antigo Testamento, que correspondia ao povo de Israel? Quando olhamos para a Igreja de hoje que, nos seus dirigentes, se distancia cada vez mais do verdadeiro mundo e se distancia frequentemente da mensagem de amor dos evangelhos (o amor que é feito de abertura, acolhida incondicional, de tolerância, de misericórdia, de perdão e de esperança), impondo regras e doutrinas que não estão mais vinculadas às realidades do mundo atual, nós temos o direito de perguntar se a nossa Igreja pode estar ainda podada ou se ela está completamente desmembrada do tronco, isto é, desconectada do Cristo da Páscoa... este Cristo sempre vivo através dos homens e das mulheres de hoje. Os ramos da nossa Igreja estão todos secos? Será que a Igreja permite ainda a seus membros, a seus ramos, dar frutos?

Às vezes, tenho a impressão que a Igreja atual se considera, ao mesmo tempo, a videira e o agricultor... E, portanto, o evangelho nos lembra, e é Cristo Ressuscitado que fala: “Eu sou a verdadeira videira, e meu Pai é o agricultor” (Jo 15,1). Isso significa que todos os que estão unidos à videira, a Cristo, dão frutos, e esses frutos provêm de lugares diferentes, de ambientes diversos e múltiplos. Até existem alguns que não possuem nenhuma pertença religiosa. O teólogo Charles Wackenheim escreveu em 1994: “Todos nós conhecemos homens e mulheres que não se valem de Cristo e que se dedicam de corpo e de alma aos mais pobres, aos oprimidos e aos abandonados. Até acontece que essas pessoas recusam toda referência religiosa que lhes aparece com álibi tão inútil quanto suspeito. Mas o evangelho de João não mede os comportamentos de uns e de outros. Ele se dirige aos crentes que o foram enxertados em Cristo pelo batismo. Tanto melhor se os não cristãos dão frutos comparáveis!

2. “Fiquem unidos a mim, e eu ficarei unido a vocês” (Jo 15,4): O verbo ficar aparece sete vezes no texto do evangelho que nós temos hoje. Que dizer? O verbo ficar no evangelho de João tem um sentido teológico forte: ele serve para descrever não somente a permanência divina em relação à precariedade humana, mas também a intimidade de Deus e do homem que se expressa através da intimidade do Pai e do Filho. Jesus disse a Felipe: “Você não acredita que eu estou no Pai, e que o Pai está em mim?” (Jo 14,10). Da mesma forma, nós devemos crer que Cristo fica em nós se nós somos enxertados nele, se nós ficamos com ele: “Fiquem unidos a mim, e eu ficarei unido a vocês. O ramo que não fica unido à videira não pode dar fruto. Vocês também não poderão dar fruto, se não ficarem unidos a mim” (Jo 15,4).

A pergunta totalmente legítima que podemos nos fazer: Quem fica em Cristo e em quem fica Cristo? A resposta é simples: aquele e aquela que produz frutos em abundância: “Eu sou a videira, e vocês são os ramos. Quem fica unido a mim, e eu a ele, dará muito fruto, porque sem mim vocês não podem fazer nada” (Jo 15,5). E para ficarmos em Cristo, precisamos amar como ele. O trecho da primeira carta de São João, que nós temos na segunda leitura de hoje, nos diz o seguinte: “Filhinhos, não amemos com palavras nem com a língua, mas com obras e de verdade” (1Jo 3,18). É por nossa fidelidade aos seus mandamentos que nós permanecemos em Deus e Deus em nós (1Jo 3,24). Por outro lado, esses mandamentos se resumem em um só: “E o seu mandamento é este: que tenhamos fé no nome do seu Filho Jesus Cristo e nos amemos uns aos outros, conforme ele nos mandou” (1Jo 3,23). Não esqueçamos, sobretudo, que o Amor nunca condena, não rejeita nunca e não nega o perdão a ninguém. O Amor de Cristo é incondicional; ele dá a vida e produz frutos em abundância.

Concluindo, na primeira leitura de hoje, nesse trecho do livro dos Atos dos Apóstolos, o autor nos narra a dificuldade que São Paulo teve para integrar-se na comunidade de Jerusalém após sua conversão. Esse trecho nos faz tomar consciência de que não é fácil mudar a opinião das pessoas sobre nós, principalmente quando éramos o contrário do que nós nos tornamos agora. Os preconceitos se mantêm, mas a fé – que é também confiança – deveria ter mais força. Para São Paulo, deveria ter existido um Barnabé para introduzi-lo junto dos apóstolos, mas ele teve que fugir para Tarso, sua cidade natal, para se salvar da morte. Um pouco mais tarde, o mesmo Barnabé vai julgar as opções apostólicas de Paulo muito aventureiras. Ele vai preferir seguir a Pedro, e Paulo vai escolher outros companheiros de grupo. Isso significa que sempre é preciso a coragem de um Barnabé (filho da consolação) para lançar um Paulo assim como a sabedoria desse mesmo Barnabé de se saber ultrapassado por aquele que ele fez conhecer. Se foi verdadeiro no século I da Igreja, deve também sê-lo no século XXI de nossa Igreja. Quando haverá um Barnabé corajoso e sábio que saiba impulsionar um novo Paulo e retirar-se logo, reconhecendo-o mais importante do que ele?

sábado, 5 de maio de 2012

Essa é a fonte daquilo que hão de beber

Imagem via Blue Pueblo

A leitura que a Igreja propõe neste domingo é o Evangelho de Jesus Cristo segundo João 15, -8 que corresponde ao Domingo 5º da Páscoa, ciclo B do Ano Litúrgico. O teólogo espanhol José Antonio Pagola comenta o texto.

Eis o texto, aqui reproduzido via IHU.


Segundo o relato evangélico de João nas vésperas de sua morte, Jesus revela a seus discípulos seu desejo mais profundo: “Permanecei em mim”. Conhece sua covardia e mediocridade. Em muitos momentos tem-lhes recriminado sua pouca fé. Se não permanecerem vitalmente unidos a ele, no conseguirão subsistir.

As palavras de Jesus não podem ser mais claras e expressivas: “Assim como o ramo que não fica unido à videira não pode dar fruto, vocês também não poderão dar fruto, se não ficarem unidos a mim”. Se vocês não permanecerem firmes naquilo que têm aprendido e vivido junto a ele, sua vida será estéril. Se eles não vivem de seu Espírito, o que foi iniciado por ele se extinguirá.

Jesus utiliza uma linguagem clara: “Eu sou a videira e vocês são os ramos”. Nos discípulos deve correr a seiva que vem de Jesus. Eles jamais devem esquecer isso. Aquele que permanece em mim e eu nele, esse vai dar fruto abundante porque sem mim não podem fazer nada. Separados de Jesus os discípulos não podem fazer nada.

Jesus não somente pede-lhes que permaneçam nele, ele disse-lhes também que “suas palavras permaneçam neles”. Que eles não as esqueçam. Que vivam do seu Evangelho. Essa é a fonte daquilo que hão de beber. Já foi dito em outra ocasião: “As palavras que eu os digo são espírito e vida”.

O Espírito do Ressuscitado permanece hoje vivo e operante na sua Igreja de múltiplas formas. Mas sua presença invisível e calada toma rasgos visíveis e voz concreta graças à lembrança guardada nos relatos evangélicos por aqueles que o conheceram de perto e o seguiram. Nos evangelhos entramos em contato com sua mensagem, seu estilo de vida e seu projeto do Reino de Deus.

Por isso, nos evangelhos encerra-se a força mais poderosa que possuem as comunidades cristãs para regenerar sua vida. A energia de que necessitamos para recuperar nossa identidade de seguidores de Jesus. O Evangelho de Jesus é a ferramenta pastoral mais importante para renovar hoje a Igreja.

Muitos bons cristãos de nossas comunidades somente conhecem os evangelhos “de segunda mão”. Tudo o que eles sabem sobre Jesus e sua mensagem provém daquilo que eles conseguiram reconstruir a partir das palavras dos predicadores e dos catequistas. Eles vivem sua fé sem ter um contato pessoal com as “palavras de Jesus”.

É difícil imaginar uma nova evangelização sem favorecer às pessoas um contato mais direto e imediato com os evangelhos. Não há força evangelizadora mais forte do que a experiência de escutar juntos o Evangelho de Jesus a partir de perguntas, dos problemas, dos sofrimentos e das esperanças de nosso tempo.

segunda-feira, 30 de abril de 2012

Abre, Senhor, os meus lábios...


Na religião judaico-cristã a palavra ocupa um lugar central. Para o judeu, ouvir Deus e orar a Ele fazia parte da sua identidade; ele repete todos os dias o “Shemá Israel” (escuta, Israel...(Dt 6,4-9). Esta prática cotidiana estava ligada diretamente com a saúde, pois o “Shemá”, diziam, 248 palavras que corresponderiam aos 248 órgãos que acreditavam ter o corpo humano. Assim, recitavam as 248 palavras pela “saúde” dos respectivos órgãos do corpo, pois não é só a boca que ora, mas também o fígado, os rins e cada músculo...

Ser “surdo e mudo”, para o hebreu, afastava-o da essência da devoção, pois não podiam usar o ouvido nem a palavra.

Para a psicologia, quem não fala nem escuta não desenvolve a linguagem, característica mais íntima do ser humano. Este é o pano de fundo para considerar esta cura, feita por Jesus com a linguagem não-verbal, linguagem mais primitiva e anterior à palavra. Para o bebê, a linguagem não-verbal (gestos da mãe, olhar, aconchego, alimento...), o constrói como ser humano e assim é humanizado. Também nós precisamos desta cura profunda!

Eis os passos, cheios de simbolismo, que o Evangelista Marcos nos apresenta (Mc 7, 31-37):

1. Jesus conduz o surdo-mudo à parte, longe da multidão... Condução não-verbal, pela mão, longe da massificação. E o surdo-mudo deixa-se conduzir... Confiança originada não na fala, mas em outros sinais captados interiormente. E lá, o deficiente é cuidado na sua limitação.

2. Jesus pôs os dedos nos ouvidos... Literalmente: pôs o dedo na ferida! A mão, fonte de contato, é passagem do amor e do poder curador.

3. Depois, tocou-lhe a língua com saliva... Como a saliva da mãe que aplaca a dor e limpa a ferida do filho. Quem não fez isso alguma vez? Não é a palavra que sai da boca de Jesus, mas o líquido que cura, remetendo a uma comunicação por líquidos, como no útero. Freud diz que o sofrimento vem da sensação de desamparo, quando fomos expulsos do paraíso do ventre materno. Jesus restitui essa ligação primordial, e restaura uma conexão que faz suportar o “desamparo” com o amparo da compaixão.

4. Levantando os olhos ao céu... para o alto, em direção ao Pai. É preciso remete-se sempre ao Pai, origem de toda vida e ser de novo “matriciado” e gerado. Com esse olhar, Jesus introduz aquele que não fala nem ouve no “Shemá Israel”: O Senhor é o nosso único Deus!

5. Jesus suspirou... "Ruach" solidário, sopro do Espírito, presença invisível de Deus e anúncio do sopro que logo passará pelas cordas vocais e pela língua, para ser transformado em palavras.

6. E disse-lhe: ‘Effatha’ (abre-te!). Depois dos gestos não-verbais e primitivos, vem a força da palavra. E o surdo-mudo começa a falar; insere-se nos devotos que ouvem a Deus e proclamam que Ele é o único. Sua cura revela que o Reino de Deus chegou.

Uma pergunta: O que está mudo em você? (O que não fala e deveria dizer? Que palavras se transformaram em condutas agressivas?)

- Pe. J. Ramón F. de la Cigoña sj, em seu blog Terra Boa
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