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segunda-feira, 29 de julho de 2013

Lampedusa, uma homilia que é também o programa de um pontificado


Afirma o historiador da Igreja Alberto Melloni: "Muitos não se deram conta. É um texto comparável ao discurso de abertura do Concílio".

A reportagem é de Andrea Tornielli, publicada no sítio Vatican Insider, 16-07-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto (via)

"A homilia que o Papa Francisco proferiu em Lampedusa representa uma reviravolta, é um documento comparável ao Gaudet Mater Ecclesia, o discurso de abertura do Concílio de João XXIII. Parece-me que muitos não se deram conta disso realmente". A convicção é do historiador da Igreja Alberto Melloni, que convida a considerar bem as palavras proferidas pelo papa durante a sua visita a Lampedusa no dia 8 de julho passado.

"O Papa Roncalli [João XXIII] – explica Melloni ao Vatican Insider –, dentro de uma trama linguística perfeitamente tradicional e devocional, dizia coisas de um poder evangélico enorme. E estava consciente desse poder, como atesta a decisão de conservar o manuscrito do discurso de abertura do Vaticano II, para que, no futuro, se pudesse ver como se tratava de farinha do seu saco. O segredo do Papa Francisco é diferente: com uma linguagem acessível, ele comunica conteúdos doutrinais extraordinários. Lampedusa é um desses casos, o mais importante para mim".

Para o estudioso, qualquer outro, em uma ocasião como aquela, "teria feito um discurso imputando aquelas mortes à nossa sociedade, à modernidade, ao indiferentismo. Francisco, ao invés, falou do lugar dos cristãos na sociedade e no mundo. Ele celebrou uma liturgia penitencial, e não nos deixou de fora. Nem mesmo o papa se deixou de fora".

A referência de Melloni é à passagem da homilia em que Bergoglio afirmou: "Muitos de nós, eu também me incluo, estamos desorientados, não estamos mais atentos ao mundo em que vivemos, não nos importamos, não cuidamos do que Deus criou para todos e não somos mais capazes sequer de cuidarmo-nos uns aos outros. E quando essa desorientação assume as dimensões do mundo, chega-se a tragédias como a que assistimos".

O papa (...) "não quer ensinar aos seus interlocutores como estar no mundo, mas diz coisas que têm a ver com o pranto e a acusação de si mesmo. E, na oração final que ele pronunciou, quando pediu perdão 'pela indiferença para com tantos irmãos e irmãs', por quem 'se fechou no seu próprio bem-estar que leva à anestesia do coração', por 'aqueles que, com as suas decisões em nível mundial, criaram situações que conduzem a esses dramas', Francisco indicou um papel e uma função da Igreja no espaço público".

Para Melloni, depois de João Paulo II, que "concebia a Igreja como um elemento tencionado a demonstrar a sua própria força no mundo", e depois de Bento XVI, "que falava da Igreja como de uma pequena e humilde comunidade, uma minoria criativa, que de modo não arrogante ajuda o mundo a se dar conta dos seus males, eis Francisco que nos fala de um 'povo teóforo', portador de Deus".

A referência é, nesse caso, aos lampedusanos, que, vivendo a sua vida, interpretaram humanamente os versículos de Mateus 25: "Tive fome e me destes de comer, tive sede e me destes de beber, era forasteiro e me hospedastes, nu e me vestistes, doente e me visitastes, preso e fostes me ver".

Com essas palavras, segundo o historiador, o Papa Bergoglio "disse que a tarefa da Igreja no espaço público não é o de manifestar a sua força. Basta ver o que aconteceu com o episódio do casamento homossexual na França. O fato de que Francisco não tenha falado a respeito não significa que ele aprove ou que não tenha ideia do que está acontecendo, nem que busque mediações. Ele propõe uma perspectiva completamente diferente, que vê no centro o último, a presença de Cristo nos pobres. Uma presença que julga não o mundo, mas a Igreja. E, ao fazê-lo, o papa – observa Melloni – faz uma operação doutrinal prodigiosa".

O papa, explica o estudioso, "não diz: 'Sigam o direito natural e ao menos considerem Deus como hipótese, vejam que as coisas na sociedade vão melhorar'. Ao contrário, ele diz que há um poder evangélico que se manifesta lá onde é exercida a custódia do pobre. E é lá que a Igreja encontra o seu sentido. O papa vai em busca do povo descrito em Mateus 25, não só os cristãos ou aqueles que ajudam como cristãos".

Para o professor Melloni seria equivocado se concentrar apenas no problema da imigração: "A Igreja é penitente diante do seu Senhor. O papa reconhece que há, lá fora, no tempo, na vida de cada dia, realidades que dizem o Evangelho à própria Igreja. É a doutrina conciliar dos 'sinais dos tempos', isto é, as coisas que nos falam do Evangelho. Pessoalmente, considero o discurso de Lampedusa como uma encíclica programática de pontificado".

terça-feira, 29 de maio de 2012

Pobreza e (com)paixão



“Se eu dou comida a um pobre, me chamam de santo,
mas se eu pergunto por que ele é pobre, me chamam de comunista.”
(Dom Hélder Câmara)

Nei Alberto Pies, no Brasil de Fato (fonte: PavaBlog)


A defesa das causas dos pobres é uma tarefa muito árdua. Exige da gente mais do que compreensão, discursos e teorias, mas, sobretudo, compromisso e compaixão. Somos muito preconceituosos para com o sofrimento dos pobres.

Desconhecemos sua realidade e não nos dispusemos a mexer na raiz de nossos problemas: a nossa forma de organizar o mundo. Entre nós é muito forte a idéia de que pobres são coitados, por isto desprovidos de sorte e de bens. Se não lutam, são preguiçosos. Se lutam e exigem, tornam-se perigosos. Mesmo quando passam fome, a gente insiste em dizer que eles ainda são capazes de sonhar.

Só a lucidez da razão e a sensibilidade podem tratar bem das questões da existência e convivência humanas. Na visão ocidental, desenvolvemos a ilusão de que somente a razão nos dará respostas aos problemas humanos.

Nem a razão ornamental (que serve de ornamento), nem a razão instrumental (ferramenta para transformar a realidade) são capazes de justificar o sofrimento e a realidade daqueles que excluímos socialmente (os pobres).

Os pobres não são invenção, não são uma ideia. Os pobres são reais. Os pobres existem, e sofrem a violação de sua vida e dignidade.

Leonardo Boff, defensor incansável das causas dos pobres e oprimidos, afirma que são três as compreensões que se tem da pobreza. Uma primeira, clássica, é a ideia de que o pobre é aquele que não tem. A estratégia então é mobilizar quem tem para ajudar a quem não tem, através de ações assistencialistas, sem reconhecer a potencialidade dos mesmos.

A segunda ideia, moderna, é aquela que descobre os potenciais do pobre e compreende que o Estado deve fazer investimentos para que ele seja profissionalizado e potencializado, com fins à inserção no mundo produtivo.

Ambas as posições desconsideram, na visão de Boff, que a pobreza é resultado de mecanismos de exploração, que sempre geram enormes conflitos sociais. Boff acredita que é preciso reconhecer as potencialidades dos pobres não apenas para engrossarem a força de trabalho, mas principalmente para transformarem o sistema social.

Os pobres, organizados e articulados com outros atores da sociedade, são capazes de construir uma democracia participativa, econômica e social. “Essa perspectiva não é nem assistencialista nem progressista. Ela é libertadora”,a firma Boff.

Só a compaixão reveste-se de libertação. Compaixão não é sofrer pelos outros, mas sofrer com eles. O sofrer com os outros permite à gente colocar-se em seu lugar. Enxergar a partir dos seus pontos de vista e de suas realidades. É também deixar-se transformar, permitindo que os nossos mais nobres sentimentos se traduzam em ações concretas a favor dos pobres, fracos e marginalizados.

Poucos vivem a compaixão. Muitos perderam a sensibilidade, o que os impossibilita de viver a caridade e o amor ao próximo. Outros preferem atribuir aos pobres a culpa por sua situação de miséria e vulnerabilidade.

Outros discursam democracia, não perguntando se esta propicia as mesmas condições e oportunidades a todos, como ponto de partida. Põe que o ponto de chegada depende de cada um de nós. E muitos, em grande número, tratam como crime a atitude de quem luta por causas humanitárias, quando estas exigem uma mudança na estrutura e organização da sociedade.

“As pessoas são pesadas demais para serem levadas nos ombros. Leve-as no coração”, disse Dom Hélder Câmara. Este é o sentido maior da compaixão para com os pobres: não os defendemos por serem bons ou anjos, mas porque são parte de uma sociedade desigual, que não sabe lidar com eles.

- Nei Alberto Pies é professor e ativista em direitos humanos
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