sábado, 5 de maio de 2012

"Meninos de Rosa, Meninas de Azul": minidoc sobre homofobia e bullying homofóbico


O minidocumentário começa com uma propaganda do serviço do Governo Federal Disque 100, que desde o início do ano passado recebe denúncias de casos de preconceito e discriminação. Logo depois vem o desabafo pessoal do jovem Matheus Rodrigues, seguido por explicações do psicólogo Claudio Picazio e de Carla Cristina Garcia, professora de Antropologia da PUC-SP.

(Fonte: Elos LGBT DF. Dica do @wrighini, sempre mostrando coisas incríveis para nós. ;-)))

Leia também:
Homofobia nas Escolas, um artigo imperdível discutindo o uso da expressão bullying e a homofobia no contexto escolar
"Bully", o filme que mostra que está na hora de tomar uma atitude

Da missa tridentina à reforma litúrgica do Vaticano II (parte 1)

Imagem daqui

Com uma forte marca autobiográfica, o prior de Bose relata como viveu a missa nos anos anteriores à reforma litúrgica. Palavras densas de memória e ricas de sugestões, que transparecem todo o afeto para com uma forma litúrgica que foi alimento espiritual imprescindível na primeira parte da sua vida. E, na passagem para a nova forma da missa, posterior ao Vaticano II, os seus inegáveis enriquecimentos – em particular a língua e o lecionário – e alguns defeitos – no canto litúrgico. Na reforma, enfim, reside "a continuidade, a tradição que cresce e se renova para não morrer ou decair, mas que sempre sabe conservar a si mesma, a mesma aliança entre Deus e seu povo".

Publicamos aqui a primeira parte da análise do monge e teólogo italiano Enzo Bianchi, prior e fundador da Comunidade de Bose. O artigo foi publicado na Revista do Clero Italiano, n°. 3, de março de 2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto, aqui reproduzido via IHU.


Introdução
Há muito tempo, eu sentia o dever de contar como eu vivi a missa por 20 anos, antes da reforma litúrgica desejada pelo Concílio Vaticano II. Eu sinto esse dever por diversas razões. Acima de tudo, porque em mim a recordação dessa missa permanece muito viva: dos meus seis aos 24 anos, ela foi, para mim, a missa cotidiana, uma missa em que eu "servia" como coroinha.

Essa missa era a principal fonte da minha vida espiritual, era a missa que me moldava todos os dias, era a liturgia de comunhão com o Senhor, na qual eu crescia e fazia discernimento sobre a minha vida e sobre a minha vocação.

Mas também há uma outra razão pela qual eu sinto esse dever de memória. Muitos dos que têm a minha idade ou são ainda mais velhos e, portanto, viveram como eu ou mais do que eu essa forma litúrgica, parecem não lembrar, não sabem mais falar a respeito, nem sabem lê-la: eu constatei isso mais de uma vez, ficando perturbado muitas vezes com tanto desmemoriamento...

Não se trata, porém, da transcrição de recordações pessoais, como se fossem minhas memórias, nem de nostalgia por parte de um senescente: é uma comparação entre duas formas de celebração, entre dois ritos capazes de celebrar o mistério de Cristo, mas um derivado do outro e gerado pelo mais antigo, na continuidade do crescimento da fé e da eloquência da fé que é a liturgia católica.

Ao escrever este testemunho, eu espero apenas ser verídico, honesto comigo mesmo dentro do possível, porque é verdade que a experiência da missa reformada pelo Concílio Vaticano II também me moldou, ou, melhor, muito mais, já que é a "minha" missa há mais de 40 anos, é a missa que eu vivo na minha comunidade, como monge que tenta ser cristão.

Espero não ferir ninguém e prestar um serviço àqueles que querem um testemunho sobre essa missa que hoje pode ser celebrada como rito extraordinário, concedido por Bento XVI àqueles que se sentem ligados e afeiçoados a essa forma pré-conciliar.

O leitor poderá, portanto, fazer uma comparação, poderá compreender ainda mais a continuidade entre os dois ritos e, ao mesmo tempo, discernir a "graça" que a reforma litúrgica contribuiu para a vida de toda a Igreja.

A missa tridentina
Comecemos dizendo alguma coisa sobre o tempo e sobre o espaço dessa liturgia. Nas cidades do interior, como a minha, a missa dos dias de semana era celebrada às 6h da manhã: um horário que ia ao encontro das necessidades das pessoas, em particular das mulheres, que, mais tarde, deviam trabalhar em casa.

Às 6h, eu estava na sacristia e ajudava o pároco a se vestir: ele, depois de tê-lo beijado, vestia o amito sobre as costas e ao redor do pescoço, depois vestia a alva, tomava o cíngulo e a estola que eu lhe estendia, depois vestia a casula, e eu lhe amarrava o manípulo.

Nesse ponto, o padre estava pronto e, depois de fazer uma reverência para a cruz colocada sobre a credência, nos aproximávamos à igreja, enquanto eu, na frente dele, portava o missal apoiado no peito, com a abertura junto ao coração. Quando passávamos pela porta, o sacristão dava um toque de sineta: e, então, estávamos na igreja.

Nos primeiros bancos, havia duas ou três irmãs, a governanta do padre, algumas senhoras idosas. Nos bancos do outro lado da igreja, estava uma família mais ou menos numerosa, aquela que havia "ordenado", ou seja, feito celebrar a missa para o seu querido falecido no aniversário ou no 30º dia da sua morte. No fundo da igreja, havia algumas mulheres e alguns homens que gostavam daquele lugar distante, fora dos bancos: com uma certa ironia, eram chamados de "aqueles da soleira".

No total, eram entre 10 e 15 pessoas, não mais. Porém, principalmente naquele hora, muitas vezes ainda no escuro, pelo menos eu e o meu pároco tínhamos a consciência de estar coram Domino por todos os cristãos da cidade e em comunhão com toda a Igreja.

Tendo chegado ao altar, depois da genuflexão, se subia até ele para levar até lá o cálice e a patena, cobertos pelo véu, e para colocar o missal sobre o suporte. Depois, se descia, e a missa tinha início. "Introibo ad altare Dei", dizia o padre em voz baixa, e eu respondia: "Ad Deum quilaetificat iuventutem meam".

Então, eu e o padre rezávamos o Salmo 41 (42). Era um salmo com o qual eu me identificava de modo particular, porque a minha vida era dura e marcada também pelo sofrimento. "Quare tristis incedo?" (Sl 41 [42], 2), eu dizia a Deus e esperava nele apenas para que alegrasse a minha juventude.

Seguia-se a confissão dos pecados. O padre a fazia primeiro: "Confiteor Deo omnipotenti", e eu o absolvia: "Misereatur tui omnipotens Deus et, dimissis peccatistuis, perducat te ad vitam aeternam. Amen". Depois, eu me confessava, e ele me absolvia ou, melhor, absolvia todos os presentes: mas eles não podiam ouvir, porque esse diálogo ocorria em voz baixa e parecia se referir apenas a nós dois, o padre e eu. Nós dois éramos os protagonistas.

Nesse sentido, também é preciso dizer que, quando um padre vinha de fora para dizer missa na minha cidade, ele chamava a mim, que morava na frente da igreja e, assim, podia satisfazer a obrigação, porque era proibido de celebrar a missa sozinho (segundo a norma do cânone 813 § 1 do Código de Direito Canônico de 1917: "Sacerdos missam ne celebretsine ministro qui eidem inserviat et respondeat").

O padre me explicava: "As pessoas não sabem o latim, portanto não podem entender. Às pessoas basta 'assistir à missa' e rezar como sabem, com o rosário ou com outras orações". Na verdade, nem sequer se ousaria pensar no conceito de "assembleia", muito menos considerar que as pessoas ("povo de Deus" era uma expressão inconveniente) entendida como assembleia era sujeito da celebração.

Os fiéis, de fato, eram pensados e tratados como "presentes ausentes". Nem mesmo as fidelíssimas freiras tinham um messalino [pequeno missal] para seguir a celebração, enquanto eu tinha orgulho de possuir e de poder usar o do Caronti [referência ao monge beneditino Emanuele Caronti (1882-1966)], que me foi presenteado no dia da primeira comunhão.

Para a minha geração, o pequeno missal ainda era um livro decisivo para a formação cristã. Aprendia-se a missa, as vésperas, o ano litúrgico com esse precioso livro que sempre estava sempre em cima do criado-mudo, também como fonte das orações da manhã e da noite, além das várias orações para as diversas necessidades e devoções dos fiéis.

Havia um pequeno missal para todas as idades: depois do Caronti, aos 12 anos me foi presentado o Lefebvre [referência ao monge beneditino Gaspar Lefebvre (1880-1966)] e depois, aos 15, o Feder [referência ao padre jesuíta G. Feder]. Ainda hoje, ao lado da minha cama, à espera de um pequeno missal latim-italiano posterior à reforma litúrgica, conservo o do Feder para a oração pessoal.

A missa tridentina - Consagração e comunhão
Naqueles anos, estava presente um movimento litúrgico muito reconhecido pelo meu pároco. Principalmente depois que Pio XII, na encíclica Mediator Dei (1947), falara das crianças como ministrantes, coroinhas, estas haviam se tornado uma presença e um serviço ao qual se prestava muita atenção.

Todas as semanas, havia duas horas de ensino litúrgico e de provas para aprender a como servir a missa e as outras liturgias: o pároco era muito exigente, e devia-se aprender a postura, o modo de caminhar, de manter as mãos, de fazer a genuflexão, de se inclinar...

Esse ensinamento e o exercício cotidiano me davam uma consciência profunda e uma forte convicção do serviço ao altar, quase como se a missa fosse coisa do padre e minha: nós dois éramos os protagonistas, porque, como coroinha, eu era, de fato, um concelebrante. Ainda mais que o que podia ser cantado pelas pessoas era irrelevante para a validade da missa: só o padre era celebrante, e o que importava era que ele e o coroinha seguissem o rito segundo as rubricas e validamente (riteet valide). Os cantos ou as eventuais respostas do povo eram decorativos, mas não necessários.

O coroinha de então tinha que ser um rubricista especialista, um atento conhecedor das regras e das normas litúrgicas, um rapaz consciente e valoroso do seu serviço ao altar. A sua presença e as suas respostas ao padre eram essenciais para a celebração: era uma espécie de clérigo virtual.

Também não devemos esquecer que esse serviço estava consentido apenas aos homens, enquanto as mulheres absolutamente não podiam entrar no presbitério, muito menos colaborar com o desenvolvimento da celebração. O coroinha era, portanto, educado no espírito litúrgico e à execução ordenada, elegante, séria das funções litúrgicas das quais era investido.

Quando o padre subia ao altar, ele o beijava e, depois, invocava a piedade do Senhor: "Kyrie eleison", dizia ele, e eu respondia. Cruzavam-se assim, entre mim e ele, as invocações de piedade. Depois, havia a oração da coleta do dia, sempre em latim, seguida pela leitura da epístola. Todas as manhãs, sendo a missa "de morto", a leitura da epístola era a mesma, 1Ts 4, 13-18, que iniciava com as palavras: "Fratres, nolumus vosignorare de dormientibus…", assim como a leitura posterior retirada do evangelho segundo João (Jo 11, 21-27).

Eu estudei e aprendi muito cedo o latim, ainda aos oito anos, graças a quem me educou de modo tão refinado, especialmente depois da morte da minha mãe, e assim pude seguir todas as palavras sussurradas pelo padre. Eu também ouvia, porém, por trás das costas, o burburinho das pessoas que recitavam o rosário. De vez em quando, o padre se virava para as pessoas dizendo: "Dominus vobiscum", mas eu só eu que respondia: "Et cum spiritu tuo".

No entanto, em um certo ponto, quando, depois do prefácio às vezes cantado, eu proclamava o Sanctus e tocava três toques de sineta, eis que o burburinho da oração das pessoas cessava, e todos, ajoelhados, olhavam para o padre que, no altar, inclinado sobre a hóstia e sobre o cálice, pronunciava em voz baixíssima as palavras da consagração. Todos sabiam, em uma total obediência à "disciplina do arcano", que aquele era o momento culminante da missa, um momento que infundia temor: era o "santíssimo" da missa, em que absolutamente era preciso calar e prestar atenção. Era o fascinosum et tremendum, que se impunha também para o povo rude do interior!

Todos os olhares estavam fixos na coluna inclinada do padre, à espera de que aparecessem, por cima da sua cabeça, elevados ao alto pelas suas mãos, a hóstia e depois o cálice. Aqui também a sineta ritmava os movimentos do padre que se ajoelhava depois das elevações. Um toque contínuo da sineta que eu fazia girar com arte indicava o fim da consagração, do momento mais alto, do ápice da missa.

Ver a hóstia e o cálice, para muitos, era o elemento decisivo da missa, a máxima comunhão possível com o Senhor, porque quase ninguém, depois, acedia à comunhão do corpo do Senhor. A comunhão sacramental, de fato, era praticada por pouquíssimos. Era necessário comungar ao menos uma vez por ano – recitava o preceito da Igreja –, e ninguém, à parte das freiras e eu, sentiam a necessidade de comungar cotidianamente.

Também devemos dizer que a comunhão não era feita durante a missa: no momento da comunhão, só o padre comungava, depois a missa acabava. Depois de entrar novamente na sacristia e de ter deposto a casula, o padre, em alva e estola, voltava ao sacrário do altar, o abria, e nós comungávamos, ajoelhados no parapeito. Depois, fechava-se o tabernáculo sussurrando: "O sacrumconvivium…".

Essa era a missa dos dias de semana e cotidiana, que durava entre 20 e 25 minutos, no centro da qual havia "o silêncio canônico", o santíssimo momento da consagração e da elevação, um tempo em que o celebrante se imergia, mais ou menos de acordo com a sua devoção, em uma ação temorosa, adorante, mistérica. E com ele eu também, que, de perto, apenas três degraus mais abaixo, escutava e, assim, podia acompanhar as suas palavras sussurradas.

A missa tridentina – A pregação
É verdade que as pessoas "assistiam" e que essa era a sua participação: o que importava era a devoção, o exercício dos afetos, a atenção à presença de Deus, o temor pelo que acontecia sobre o altar. Não era dada a palavra do Senhor: o Antigo Testamento, durante a semana, era lido pouquíssimas vezes, as leituras da epístola e do evangelho eram – como se disse – sempre as mesmas, em ainda em latim (mais em geral, nas missas não "de morto", as leituras bíblicas eram muito escassas: textos quase que unicamente do evangelho segundo Mateus e admoestações tiradas do apóstolo Paulo).

Eu também me lembro que o meu pároco, considerado um inovador na liturgia e às vezes por isso criticado pelo bispo, a partir de 1951, me fazia ler em italiano, do parapeito, as leituras que ele, simultaneamente, lia em voz baixa em latim no altar. Então, as pessoas faziam silêncio, ouviam, como na elevação: eram os únicos momentos em que se suspendiam as devoções realizadas paralelamente com o desdobramento da missa.

No domingo, ao invés, as missas eram três: às 6h para as mulheres, que depois tinham que ir para casa para preparar o almoço; às 8h para os meninos, à qual se seguia a hora de catecismo; às 11h, a "missa grande", principalmente para os homens e os jovens.

Nessa última missa, em particular, havia os cantos: o coro da cidade executava em gregoriano a Missa de angelis. No início e no fim, cantavam-se hinos que eu recordo com verdadeira tristeza, por serem composições feias, com palavras carregadas de sentimentalismo, às vezes contendo elementos dramáticos.

Mas as pessoas – deve-se reconhecer – consideravam-nos como seus e os cantavam com paixão. Na "missa grande", não faltava a pregação, adaptada para o auditório: no primeiro pós-guerra, vinha um "josefino" de Asti ou um frei passionista do santuário das Rocche e, para não tornar a missa muito longa, ele pregava durante o desdobramento do rito.

Ele só parava no momento do Sanctus, ele também se ajoelhava na direção do altar e retomava o sermão depois do toque de sineta que se seguia à consagração. Tratava-se de pregações, não de homilias: era a ocasião para lembrar e repassar durante o ano a ética cristã, os mandamentos de Deus, os preceitos da Igreja.

Nos anos 1950 e 1960 do século passado, a pregação era uma oportunidade para a defesa da Igreja, para a luta contra o ateísmo, o comunismo e o desaparecimento da rigorosa moral sexual, em uma sociedade que perdia os seus parâmetros e conhecia uma nova cultura, cada vez menos tradicional e cada vez mais embebida de individualismo e de liberdade.

Muitos homens, durante a pregação, ficavam do lado de fora, formando pequenos grupos, e eu tinha que sair para forçá-los a entrar antes do ofertório, advertindo-os que, caso contrário, para eles, a missa não seria válida. O pároco me disse: "Vamos, força! Compelle intrare, faça-os entrar (Lc 14, 23)". Aqueles que entravam, saíam de novo para o pátio da igreja depois do Pai Nosso, dizendo com alívio: "Acabou!", e se queixavam da pregação resmungando.

(Continua amanhã à tarde)

Podem me chamar de gay à vontade

Dica do @wrighini

Parece até o Carpinejar, PC! ;-)
(Não entendeu? Clique aqui)

Essa é a fonte daquilo que hão de beber

Imagem via Blue Pueblo

A leitura que a Igreja propõe neste domingo é o Evangelho de Jesus Cristo segundo João 15, -8 que corresponde ao Domingo 5º da Páscoa, ciclo B do Ano Litúrgico. O teólogo espanhol José Antonio Pagola comenta o texto.

Eis o texto, aqui reproduzido via IHU.


Segundo o relato evangélico de João nas vésperas de sua morte, Jesus revela a seus discípulos seu desejo mais profundo: “Permanecei em mim”. Conhece sua covardia e mediocridade. Em muitos momentos tem-lhes recriminado sua pouca fé. Se não permanecerem vitalmente unidos a ele, no conseguirão subsistir.

As palavras de Jesus não podem ser mais claras e expressivas: “Assim como o ramo que não fica unido à videira não pode dar fruto, vocês também não poderão dar fruto, se não ficarem unidos a mim”. Se vocês não permanecerem firmes naquilo que têm aprendido e vivido junto a ele, sua vida será estéril. Se eles não vivem de seu Espírito, o que foi iniciado por ele se extinguirá.

Jesus utiliza uma linguagem clara: “Eu sou a videira e vocês são os ramos”. Nos discípulos deve correr a seiva que vem de Jesus. Eles jamais devem esquecer isso. Aquele que permanece em mim e eu nele, esse vai dar fruto abundante porque sem mim não podem fazer nada. Separados de Jesus os discípulos não podem fazer nada.

Jesus não somente pede-lhes que permaneçam nele, ele disse-lhes também que “suas palavras permaneçam neles”. Que eles não as esqueçam. Que vivam do seu Evangelho. Essa é a fonte daquilo que hão de beber. Já foi dito em outra ocasião: “As palavras que eu os digo são espírito e vida”.

O Espírito do Ressuscitado permanece hoje vivo e operante na sua Igreja de múltiplas formas. Mas sua presença invisível e calada toma rasgos visíveis e voz concreta graças à lembrança guardada nos relatos evangélicos por aqueles que o conheceram de perto e o seguiram. Nos evangelhos entramos em contato com sua mensagem, seu estilo de vida e seu projeto do Reino de Deus.

Por isso, nos evangelhos encerra-se a força mais poderosa que possuem as comunidades cristãs para regenerar sua vida. A energia de que necessitamos para recuperar nossa identidade de seguidores de Jesus. O Evangelho de Jesus é a ferramenta pastoral mais importante para renovar hoje a Igreja.

Muitos bons cristãos de nossas comunidades somente conhecem os evangelhos “de segunda mão”. Tudo o que eles sabem sobre Jesus e sua mensagem provém daquilo que eles conseguiram reconstruir a partir das palavras dos predicadores e dos catequistas. Eles vivem sua fé sem ter um contato pessoal com as “palavras de Jesus”.

É difícil imaginar uma nova evangelização sem favorecer às pessoas um contato mais direto e imediato com os evangelhos. Não há força evangelizadora mais forte do que a experiência de escutar juntos o Evangelho de Jesus a partir de perguntas, dos problemas, dos sofrimentos e das esperanças de nosso tempo.

sexta-feira, 4 de maio de 2012

Música contra a homofobia


Tudo melhora
Você chegou até aqui
Continue sendo quem você é
Para todos os homens de saia
Todos os meninos que amam meninos
E meninas que amam meninas
Eu te digo, vai melhorar.


Do blog Um outro olhar:

"O Projeto L (The L Project), encabeçado por Georgey Payne e Fi Milone, é uma organização que visa ajudar quem sofreu ou sofre com qualquer forma de bullying (forma de molestamento físico ou verbal), particularmente o homofóbico.

Em seu novo single, It Does Get Better ('Vai Melhorar Mesmo' - acompanhe a letra aqui), lançado em fevereiro deste ano, o Projeto L reuniu uma série de artistas talentosas, incluindo a legendária Horse, para enviar uma mensagem de esperança e de força para os que sofrem bullying, sobretudo os jovens, em função de sua orientação sexual.

O single foi inspirado numa história real e está sendo comercializado pelo iTunes. Mais informações na página do grupo no Facebook."

Como bem observou Miriam Martinho no Um outro olhar, "Esse tipo de ação criativa produz muito mais efeito no combate ao preconceito e à discriminação do que campanhas do contra esses e aqueles".

As igrejas e os direitos de todos

Foto daqui

Aproveitando a dica da Rita Colaço sobre as matérias da Revista Fórum deste mês a respeito da ofensiva evangélica e da interferência dos setores religiosos mais conservadores na política brasileira atual, reproduzimos aqui o editorial deste número da revista:

Nesta edição, Fórum trata de uma questão que vem ganhando cada vez mais relevância, a influência de religiosos no cenário político. Alas mais conservadoras têm conseguido barrar avanços que seriam importantes para a sociedade, como a educação voltada para o combate à homofobia, que faz vítimas todos os dias no Brasil, colaborando para perpetuar também a contínua negação de direitos básicos aos homossexuais.

É direito das igrejas participarem das discussões como importantes atores sociais que são, mas também é preciso observar os direitos consagrados pela Constituição, que assegura igualdade a todos. A mesma Carta também explicita o caráter laico do Estado brasileiro. Algo que inclusive se relaciona com a garantia da pluralidade religiosa, já que só a laicidade estatal faz com que não existam privilégios a esta ou àquela denominação, como no passado, quando o catolicismo era a religião oficial do Brasil.

Mas, como descreve a matéria de capa, atribuir apenas aos religiosos a não efetivação de direitos de homossexuais ou a quase ausência de um debate sobre e legalização do aborto, não é justo. Não só porque há adeptos de igrejas que não corroboram as opiniões mais conservadoras, como também porque há muitos leigos, nos governos, parlamentos e mesmo na sociedade civil, que se omitem quando temas considerados polêmicos e atinentes à moral vem à baila. Temem perder prestígio e/ou votos e se calam diante da injustiça que deveriam combater.

Trata-se de um silêncio que faz perdurar a desigualdade entre os cidadãos, deixando o palco de debates para os ruidosos que parecem falar sozinhos.

A luta pela efetivação de direitos a todos, sem distinção ou discriminação, deve ser uma meta trabalhada em conjunto por aqueles que acreditam na realização plena da democracia em nosso país. E, no período eleitoral que se aproxima, deveria ser também um compromisso a se exigir dos homens públicos.

Contra a discriminação no ambiente de trabalho


Enquanto isso, do outro lado do Atlântico...

A mais recente campanha de sensibilização da Comissão Europeia questiona se alguma vez os trabalhadores se sentiram discriminados no seu local de trabalho.

Porque "a discriminação pode levar-nos a desejar esconder quem somos na realidade" a campanha "Pela diversidade. Contra a Discriminação" pretende chamar a atenção para o aumento da discriminação no trabalho através de anúncios com questões onde o rosto dos participantes é ocultado. Algumas das questões colocadas são: “Tem de esconder a sua origem étnica no trabalho?”; “Gostava de poder esconder a sua idade para conseguir emprego?” “Tem de esconder a sua orientação sexual no trabalho?”; “Gostava de poder esconder que é portador de deficiência para conseguir uma promoção?” e “Tem de esconder a sua religião no trabalho?”.

A campanha surge num momento em que o desemprego está a aumentar e em que as pessoas estão preocupadas com o futuro. Esta insegurança pode traduzir-se num aumento da discriminação e fazer com que as pessoas escondam diferenças entre elas e os respectivos colegas ou potenciais empregadores. Simultaneamente os anúncios relembram às pessoas os direitos existentes na lei e encaminham-nas para o respectivo organismo nacional para a igualdade. Em Portugal os casos de discriminação com base na orientação sexual ou identidade de género são remetidos para a Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género, que poderá oferecer aconselhamento e ajudar as vítimas a apresentarem uma queixa.

A campanha está activa nos 27 Estados-Membros da UE.

(Fonte: dezanove.pt)

Por uma espiritualidade cheia de Tesão

Foto daqui

Contra o que se sente
toda a filosofia é mesmo vã
O Livro é sagrado
quando o que apregoa
é revelado na Carne.

– Adélia Prado

Isaac Palma, no Ide por toda Web (reproduzido aqui via PavaBlog):

A espiritualidade que se prega na maioria das igrejas é brochante. É morta, apática, sem vida. Os discursos teológicos são extremamente racionais, nós conseguimos o impensável, racionalizamos Deus e colocamos ele em uma caixinha minúscula chamada cristianismo. Algo tem me incomodado, em conversas com amigos e diante de tudo o que tenho visto, no cristianismo evangélico brasileiro [Parece-nos que também no católico, ao menos em certos setores, por que não?], falta “sangue no zoio”, falta Tesão.

Onde está o brilho nos olhos? Onde está aquele sentimento que nos invade de tal forma que parece nos possuir?

Chega da espiritualidade da letra, que nos paralisa em certezas, eu quero uma que sinta dor, que sangre a dor do mundo. Precisamos de uma espiritualidade que nos arrebate os sentidos. Falta tesão e sobra razão. Bem mais do que a mente pode conceber precisamos de algo que ressuscite nossos corpos, nossos sentidos. Temos que sensualizar nossa espiritualidade. Na nossa fala tem que transparecer a volúpia, o desejo. É preciso encarnar mais do que proclamar.

Que possamos dar espaço para o Espírito Santo nos encher de indignação, dessa inspiração, que no Espírito Santo possamos constantemente sermos incompletos, porque é só na incompletude que podemos avançar. Ai daqueles que graças às suas certezas paralisam o seu caminhar.

Que o Espírito Santo nos encha do Tesão de Deus. Precisamos de uma espiritualidade que penetre nas injustiças desse mundo, goze esperança e fecunde vida.

A mensagem de Deus deve ser escrita com Sangue.

Muito além da nossa apatia, é preciso gritar por justiça. Que as noites de sono perdidas sejam pra lembrar dos que não tem onde dormir, que as vezes que perdemos a fome seja para lembrar dos que não tem o que comer.

Que não fiquemos na caridade, mas que possamos gritar: JUSTIÇA.

Que busquemos bem mais do que apaziguar nossas consciências, que possamos de fato dar a luz a um mundo novo.

Estamos grávidos de uma nova humanidade. Deus ressuscite nossos corpos para sentirmos as dores de parto!

Não me conforte Deus, eu não preciso de segurança. Preciso dessa inquietude do seu Espirito, que me impele a agir com Amor, a abraçar aqueles que ninguém quer abraçar.

Deus me dê esse Tesão, não deixe formular teorias filosóficas que não me levarão a lugar algum, que eu possa agonizar as dores do mundo e delas ver nascer o novo.

Que assim sejamos, que não nos confortemos nem nos conformemos nesse mundo. Que possamos parir esse novo mundo por ai. Cheios desse tesão que possamos fazer nascer em todos o Reino de Deus.

quinta-feira, 3 de maio de 2012

Ousar é preciso

Foto daqui

Ousar é preciso, sabemos.
Ousamos. E realizamos. Podemos fracassar, mas o fracasso pode ser a outra face da ousadia.
Não ousamos e, necessariamente, fracassamos.
Por que, então, às vezes (ou sempre, no caso caso de alguns), não ousamos?
Melhor: quando não ousamos?

Primeira resposta para a nossa ousada falta de ousadia.
Não ousamos quando temos uma expectativa pequena na vida. Podemos até ter uma longa expectativa de vida, sem que tenhamos uma grande expectativa.
Não ousamos quando, tendo alcançado um degrau, sentamo-nos nele como se fosse o mais alto que somos capaz de pisar.
Esta satisfação (conformismo, melhor dizendo) gera um desinteresse em ousar.
Quem espera pequenas coisas, alcança pequenas coisas.
Esperemos grandes coisas, se queremos alcançar coisas grande.

Eis a segunda resposta para a falta de ousadia, às vezes presente em nós.
Não ousamos quando tememos a crítica que o nosso gesto pode fazer nascer.
Num grupo de dez pessoas, quando nos lançarmos a algo novo, a primeira nos aplaudirá, a segunda agradecerá pelo que fizemos, a terceira dirá que lhe servimos de exemplo, a quarta não se interessará pelo que estamos fazendo, a quinta esperará pelo que vai acontecer, a sexta torcerá para que nossa proposta dê errado e as outras quatro nos reprovarão, não importa o resultado de nossa iniciativa. Então, ficamos sem estímulo para ousar.
Somos, antes, chamados a lançar o pão sobre as águas (Eclesiastes 11.1), tarefa para uma pessoa ousada que aquela que acredita que, depois de muitos dias, mesmo contra as evidências, vai reencontrá-lo.
Somos chamados, como Noé, a construir uma arca, quando não havia sequer sinal de chuva no firmamento.
O ousado vê o que a maioria não vê. A maioria segue os ousados, que vão adiante.

A terceira resposta para nossa eventual (ou definitiva) falta de ousadia tem a ver com uma disposição interior, que nem sempre conseguimos avaliar bem.
Não ousamos quando temos medo de fracassar.
Por alguma razão, talvez além de nossa compreensão, elegemos o sucesso como meta, desde que alcançá-la não implique em riscos, como se isto fosse possível.
É conhecida as múltiplas experiências de fracasso daquele que é considerado o maior presidente dos Estados Unidos: Abraham Lincoln. Sua vitória nas eleições presidenciais foi precedido por sucessivas derrotas, banhadas nas lágrimas da depressão. O que ele disse sobre perdas define bem a razão de seu triunfo: “O campo da derrota não está povoado de fracassos, mas de homens que tombaram antes de vencer.”
Só fracassa quem ousa.
No entanto, por alguma razão, que a nossa memória guarda, clara ou implicitamente, não confiamos em nós mesmos, como se não fossemos forjados à imagem-semelhança de Deus, Aquele que criou TUDO, começando da primeira coisa, uma após outra, a partir do NADA.

A quarta razão para uma vida tímida nos empurra para o território da fé.
Não ousamos quando o deus em quem cremos é pequeno demais.
Muitos de nós cremos num deus menor, muito menor que o Deus verdadeiro revelado na Bíblia. Ignoramos o que Ele mesmo afirma:

“Assim como os céus são mais altos do que a terra,
também os meus caminhos são mais altos do que os seus caminhos,
e os meus pensamentos, mais altos do que os seus pensamentos. (Isaías 55.9)

Lembremo-nos que o próprio ato de crer é um ato de ousadia.

Não é a fé “a certeza daquilo que esperamos e a prova das coisas que não vemos” (Hebreus 11.1)?
Não estivemos à beira do túmulo deixado vazio por Jesus, mas cremos que Ele ressuscitou.
Não sabemos como será o céu, senão por metáforas, mas estamos caminhando para lá.
Quem crê creu porque ousou.
Ousamos nesta área.
Ousemos nas outras.

- Israel Belo de Azevedo
Publicado originalmente no Prazer da Palavra e reproduzido via Pavablog

Por uma Frente Ampla em Garantia do Estado Republicano, Democrático e Constitucional

Charge: Nani

Há algum tempo venho partilhando do esforço coletivo em chamar atenção para a estratégia em curso por parte de alguns setores religiosos - "evangélicos" e católicos fundamentalistas - de instituir um estado teócratico no país.

Diversos e coordenados tem sido os projetos de lei (muitos dos quais aprovados), normativas internas de casas legislativas, projetos de emenda a Constituição e práticas no interior de espaços públicos que apontam nesse sentido (veja aqui). Embora flagrante seja o abissal fosso representado pelo descompasso entre o número de parlamentares no Congresso Nacional que integram a Frente Parlamentar Evangélica e o poder de influência e chantagem que esse bloco tem exercido no Parlamento Nacional e, sobretudo, no governo da Presidenta Dilma Rousseff (aqui e aqui).

Essas ações concertadas país adentro (nas casas legislativas dos estados e dos municípios e nos executivos), muitas delas se originaram por meio de parlamentares filiados a partidos cuja origem e história era precisamente a de se pautar pelas liberdades civis, como o PT e o PV.

Além de contar com parlamentares nesses partidos - outrora tidos como progressistas, de esquerda, comprometidos com os Direitos Humanos -, hoje é a própria Presidenta da República quem dá respaldo a tais iniciativas - de forma muito mais orgânica e ostensiva que o seu antecessor, o Presidente Lula -, manchando o seu passado de luta pelas liberdades constitucionais.

Diante dessa conjuntura, tenho me manifestado no sentido de clamar aos setores progressistas de nossa sociedade para que se debrucem com mais atenção sobre este tema, observando mais de perto toda essa movimentação e, mais, que entabulem diálogos entre si, de modo a constituirem uma Frente Ampla em Garantia do Estado Republicano, Democrático e Constitucional.

A Revista Fórum desse mês de abril, nas bancas, traz a questão como matéria de capa - "Quando Deus pauta a política", de Glauco Faria. São quatro páginas (6-9) contextualizando origem, avanços, agenda e modos de agir, a partir de diversos cientistas sociais que tem se debruçado sobre esse tema como objeto de suas pesquisas.

Em seguida a Fórum traz outra excelente matéria - "A emergência das forças teocratas nos EUA", de Idelber Avelar, p. 10-12 -, historicizando a emergência, trajetória e modos de agir dos grupos teocratas nos Estados Unidos e a omissão do Partido Democrata em realizar o enfrentamento político, em promover o debate público, transparente, sobre a questão.

São textos imprescindíveis para todas as pessoas ciosas do quanto nos custou a nossa ainda tênue democracia.

- Rita Colaço, em seu imprescindível blog Boteco Comer de Matula. #FicaADica

Diversidade em Animação 2012 começa amanhã




A quarta edição do Diversidade em Animação (DIV.A) acontecerá de 4 a 13 de maio de 2012, exceto dias 7 e 8 de maio, sessões às 15h30, 17h, 18h30 e 20h no Cine Cultural Justiça Federal, Rio de Janeiro. O DIV.A é focado na exibição e premiação dos melhores filmes de animação LGBT de todo o mundo.

56 filmes de animação, brasileiros e estrangeiros, participam desta edição do festival. A Competição Internacional de Curtas reúne 22 animações que estreiam no Brasil e serão analisadas pelos júris (popular, técnico e do festival). As melhores animações serão anunciadas e exibidas no dia 13 de maio, último dia do festival, nas sessões de 18h30 e 20h no programa Premiados 2012. O programa Finalistas e Premiados 2010 e o Finalistas e Premiados 2011 reapresentam as melhores animações do festival escolhidas pelos júris dessas duas edições do festival.

O Especial Lisa T exibe quatro curtas-metragens animados de Lisa T, que se relacionam com o "gênero ser". A identidade secreta de Lisa T é o diretor de animação Lasse Persson, que é animador há mais de 20 anos. O Especial Mais Inflamado destaca os curtas de animação com conteúdo sexual mais quentes e polêmicos do festival. No Especial Sem Saída, estreiam as animações da campanha da ORAM, a Organização de Refúgio, Asilo e Migração que oferece serviços jurídicos para pessoas LGBT vivendo em países hostis. São quatro animações, que concentram-se em histórias de pessoas LGBT vivendo na Jamaica, Irã, Iraque e Zimbabue. As animações transmitem os horrores da vida diária de pessoas não-heterossexuais vivendo em ambientes extremamente intolerantes.

DIV.A também é ponto de encontro de profissionais do cinema de animação. No dia 05 de maio, sábado, 15h30, no Cine Cultural Justiça Federal, o festival apresentará o Debate "Futuro do Cinema de Animação LGBT no Brasil" com os animadores Alan Nóbrega (Brasil), Luciano Figueiredo (Brasil), Mauricio Marins (Brasil) Santiago Rojas (Equador), Xavier Zúñiga (Equador) e outros convidados. E a animação continua no DIV.A A Festa com projeções de animações flamejantes sincronizadas com os hits internacionais das pistas mais livres e brilhantes do mundo. A diversão começa às 23h, do dia 10 de maio, quinta-feira, na The Week.

Este festival é realizado pra quem adora o cinema internacional de animação e acredita que todas as pessoas, independentemente da orientação sexual ou identidade de gênero, devam apreciar toda a gama de direitos humanos, sem exceção.

Você pode obter mais informações no site oficial, aqui.

Fonte: Animação S.A.

A grande obediência da fé

Foto via Blue Pueblo

Se a Igreja não acolhe mais as indignações, as urgências, as invenções que os seus membros fazem ouvir como gritos de fé, então ela nada mais é do que uma instituição morta.

A opinião é de Dom Jacques Noyer, bispo emérito de Amiens, na França, em artigo publicado no sítio Témoignage Chrétien, 22-04-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto, aqui reproduzido via IHU.


Muito frequentemente se fala do ato de fé como de um abaixamento: aceitar não compreender, não julgar, aceitar a superioridade de Deus ou a autoridade da Igreja. A obediência da fé seria uma renúncia. Os nossos contemporâneos muitas vezes rejeitam essa atitude de ovelhas seguidoras, embora, em outros âmbitos, o "gregarismo" lhes apresente menos problemas...

A Bíblia nos fala de um Deus que se nomeia "Eu sou, eu existo". No capítulo 8 de João, Jesus nos diz: "Vocês acreditam que eu sou". Segui-lo não é fechar os olhos. Segui-lo é despertar para a sua palavra, sair do túmulo, decidir, assumir as próprias responsabilidades, dizer, por nossa vez: "Eu sou".

A tradição espiritual muitas vezes desenvolveu esse "despertar" com palavras breves: o Fiat de Maria, o Amém dos sacramentos, o adsum da ordenação, o Sim de Cristo. Todas essas respostas nos colocam de pé. Às vezes, viu-se nelas a resignação. Ao contrário, é uma mobilização do nosso ser. "Eu existo! Eu assumo a missão! Podem contar comigo". Assim como para o adolescente enrolado no cobertor em dias de frio, é preciso uma voz, uma luz, um apelo para nos fazer sair da nossa sonolência. Para existir, para viver, precisamos de uma urgência, de uma tarefa que não possamos deixar para os outros.

Certamente, esse grito de fé sempre pessoal pode se unir a outros em um "nós existimos". A Igreja é esse "nós existimos", que reúne os fiéis. Mas a história mostrou o desvio possível de uma Igreja em que alguns decidem sobre o crer dos outros. A obediência se torna uma virtude passiva, uma recusa do ser, uma preocupação de não ser notado. Não podemos acreditar que essa seja a obediência a que Bento XVI convidou os padres "desobedientes" da Áustria e de outros países. Se a Igreja não acolhe mais as indignações, as urgências, as invenções que os seus membros fazem ouvir como gritos de fé, então ela nada mais é do que uma instituição morta.

Os apóstolos entenderam a Ressurreição como um apelo a prolongar a presença de Jesus, a se mobilizar pelo seu projeto para inventar as ações necessárias para anunciar o Evangelho. A Igreja assumiu audácias, por muito tempo, para as quais ela não pediu permissão a Jesus. Por que ela deveria se paralisar hoje?

Como todo grupo humano, a Igreja precisa de uma disciplina para evitar a tomada do poder por parte de alguns, para organizar a diversidade desses gritos, para assegurar a comunhão no mesmo Evangelho. Mas não é aí que se situa a Grande Obediência da Fé. Dizer "Sim" a esse Pai que nos autoriza a ser à sua imagem, seguir o Filho assumindo com ele a responsabilidade do Reino, partilhar o Espírito que dá a todos o direito de ser e a liberdade de inventar o futuro da humanidade, essa é a Grande Obediência.

Que o "Pai Nosso" possa ressoar como uma generosa resposta àquele que nos fez filhos herdeiros: o seu Nome é o nosso Nome, o seu Reino é o nosso Reino, os seus objetivos são os nossos objetivos. Sim, Pai, somos os teus homens e mulheres!

Leia também:
A quem é devida a obediência religiosa
Igreja Católica: uma renovação é possível?

quarta-feira, 2 de maio de 2012

Simplesmente Jesus…

Foto via Blue Pueblo

Jesus simplesmente é.
Não está preso à expectativa alheia.
É refém do amor.
Sabota o projeto que lhe é imposto.
Inaugura uma utopia.
Jesus frustra o projeto de poder que se espera de um Messias.
Ele é o “Deus inesperado”.
Esperávamos e ansiávamos pelo Deus de poder.
Recebemos a encarnação do amor.
Não há lugar para os dois na mesma essência.
Jesus é a encarnação do amor e a abdicação do poder.

- Fabricio Cunha

Um caminho tortuoso


"Apresentar a ciência nas escolas e universidades ou nos meios informais de comunicação como um triunfalismo infalível da civilização esconde um de seus lados mais interessantes: o drama da descoberta, as incertezas da criatividade", escreve Marcelo Gleiser, professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, 29-04-2012.


Uma bela reflexão sobre o modo de conhecer o mundo da ciência, que leva a um questionamento: por que esse modo de conhecer e dar sentido ao mundo seria incompatível com a fé, e não complementar? A dicotomização entre ciência e espiritualidade, razão e fé serve apenas, a nosso ver, para alimentar radicalismos e intolerâncias. Muito mais proveitoso é trabalhar nos pontos de convergência e, em vez de tratá-las como incompatíveis, encará-las como formas complementares de compreender o mundo e lidar com a realidade. :-)

Eis o artigo, aqui reproduzido via IHU.

Do jeito que a ciência é ensinada nas escolas, não é à toa que a maioria das pessoas acha que o conhecimento científico cresce linearmente, sempre se acumulando.

No entanto, uma rápida olhada na história da ciência permite ver que não é bem assim: o caminho que leva ao conhecimento é tortuoso e, às vezes, vai até para trás, quando uma ideia errada persiste por mais tempo do que deveria.

Isso pode ocorrer por razões como censura política (veja o caso de Trofim Lysenko durante o regime stalinista na União Soviética) ou por ideologias na classe científica, promulgadas por membros influentes.

Apresentar a ciência nas escolas e universidades ou nos meios informais de comunicação como um triunfalismo infalível da civilização esconde um de seus lados mais interessantes: o drama da descoberta, as incertezas da criatividade.

Cientistas tendem a reagir negativamente às ideias que ameaçam o status quo. Por um lado, esse ceticismo é essencial, dado que a maioria das ideias novas está errada. Por outro, ele pode revelar um conservadorismo que atravanca o avanço do conhecimento.

Um bom exemplo disso é o experimento de Albert Michelson e Edward Morley, realizado em 1887 para detectar o movimento da Terra através do éter, o meio material cuja função era servir de suporte para a propagação das ondas de luz.

Tal qual as ondas de som se propagam no ar, supunha-se que as ondas luminosas também necessitassem de um meio para se propagar, o éter. O experimento mediria as diferenças na velocidade da luz quando um raio luminoso ia contra o éter ou a favor, como quando andamos de bicicleta e sentimos um "vento" contra nosso corpo. (Uma bola jogada contra ou a favor do "vento" terá velocidades diferentes.)

Para total e completa surpresa da comunidade científica, o experimento não detectou diferenças na velocidade da luz em qualquer direção.

Em meio à perplexidade generalizada, várias tentativas de explicar o achado foram propostas, inclusive uma por George Fitzgerald e Hendrik Lorentz que sugeria que as hastes do aparato podiam encolher na direção do movimento. Esse encolhimento de fato existe, mas não como proposto pelos dois.

Apenas em 1905 Einstein explicou o que estava acontecendo, com sua teoria da relatividade especial: o éter não existe - a velocidade da luz é sempre a mesma, uma constante da natureza.

Observações recentes andam questionando a existência de um outro meio material ainda não detectado, a matéria escura. Essa matéria, supostamente feita de partículas diferentes das que compõem o que conhecemos no Universo (ou seja, coisas feitas de elétrons, prótons e nêutrons), deve ser seis vezes mais abundante que a matéria comum e se aglomerar em torno de galáxias, inclusive a nossa.

As observações não detectaram a quantidade esperada de matéria escura. E agora? A coisa é complicada porque existem outros métodos de detecção da matéria escura que parecem bastante claros. Qualquer que seja a resolução do impasse atual, estou certo de que algo de novo e surpreendente está para acontecer. Será interessante ver a reação da comunidade ao se deparar com o inesperado.

Leia também:
Sobre o (suposto) conflito entre fé e ciência
“A ciência é um dos melhores modos para se conhecer a Deus”
“A ciência não tem que se dedicar a comprovar a existência de Deus”

Exposição fotográfica “Mães pela Igualdade”


Nos últimos meses, mães de todo o Brasil vêm unindo forças contra a discriminação, a violência e a homofobia crescentes no país. E um dos resultados desta união é a exposição fotográfica itinerante “Mães pela Igualdade”, que será inaugurada ao público no dia 3 de maio (quarta-feira), na Praça XV, a partir de 10:00h. Durante todo o mês as fotos passarão por outras zonas da cidade. No dia anterior, 2 de maio, haverá coquetel para convidados de 17:00h às 21:00h.

A exposição retrata a dor e a alegria de 22 mulheres que têm ou tiveram filhos vítimas de preconceito e exclusão. As fotos expressam as histórias de amor e luta dessas mães pela igualdade e respeito. A responsável pela organização do grupo Mães pela Igualdade e pela mostra é a All Out – movimento global pela luta de direitos de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transsexuais - em parceria com a Ceds (Coordenadoria da Diversidade Sexual da Prefeitura do Rio de Janeiro).

“O Brasil precisa das Mães da Igualdade. Elas nos mostram o poder da compaixão humana. Suas trajetórias de vida nos mostram que o amor incondicional é uma das coisas mais importantes”, diz Andre Banks, Diretor Executivo da AllOut. “Estamos orgulhosos de ver essas mulheres no centro de uma das cidades mais importantes do país e no mundo. As Mães da Igualdade são uma inspiração e esperamos espalhar o exemplo do Brasil para todas as regiões do mundo. A igualdade é um valor da família”.

A All Out preparou ainda uma “Árvore da Igualdade”, uma escultura onde as pessoas poderão colocar as suas mensagens de apoio e respeito a gays, lésbicas, bissexuais e trans no Brasil. Por meio de uma campanha mundial, a All Out conectará os membros em todo o mundo e também no Brasil por meio do envio destas mensagens, que irão ser postadas nas folhas nesta árvore, fazendo-a florescer recados durante o mês dedicado às mães e ao combate contra a homofobia. Ao término da exposição a Árvore segue pra Brasília, diretamente para a presidente Dilma Rousseff.

Serviço:
Exposição fotográfica “Mães pela Igualdade”, ao ao livre, no Rio de Janeiro:
1a semana : 03/05 ao dia 08/05 : Praça XV (ao lado do Paço Imperial – Av. 1º de março, Centro)
2a semana : 09/05 ao 15/05 : Praça Antero de Quental, Leblon
3a semana : 16/05 a 22/05 : Praça Saens Peña, Tijuca
4a semana: 23 a 29/05 : Vigário Geral
Horário: Sempre de 10 às 18h - GRÁTIS

Fonte: Imprença

Homossexuais: bispos chilenos distanciam-se das palavras do cardeal Medina

Arte: Jan Smith

Quando se abordam temas tão delicados, desde uma perspectiva que não toma em primeiro lugar a preocupação com as pessoas, com sua dignidade, com toda a razão os fiéis têm razões para se inquietaram ou ficarem desconcertados.

A reportagem está publicada no sítio espanhol Religión Digital, 28-04-2012. A tradução é do Cepat, aqui reproduzida via IHU.


Diante da polêmica gerada pelas palavras do cardeal Jorge Medina, que defendeu que os homossexuais são como crianças que nascem sem um braço (saiba mais aqui), a Conferência dos Bispos do Chile tomou distância do cardeal, assegurando que se trata de uma opinião pessoal que não representa o pensamento dos bispos ativos no país.

O porta-voz do episcopado, Jaime Coiro, esclareceu a Emol que “as palavras do cardeal Jorge Medina são a opinião pessoal de um bispo emérito, de um cardeal da Igreja que certamente é respeitável, mas o tom e os acentos que ele coloca nessa entrevista não representam os bispos chilenos”.

Assim mesmo, detalhou que a entrevista está demarcada por declarações “de um cardeal da Igreja, mas que não faz parte da Conferência dos Bispos do Chile. Os bispos eméritos não são ativos, portanto, ele não participou do discernimento que os bispos vieram fazendo sobre esta temática e a aproximação pastoral às pessoas homossexuais”.

Coiro assegurou que particularmente nos últimos tempos “os bispos abordaram este tema da homossexualidade desde uma perspectiva de profundo respeito para com as pessoas, como pede a Santa Sé e em alguns pontos que se assinalam nesta entrevista não coincidem com isto”.

Consultado se a Igreja critica o teor desta entrevista dada por um cardeal, o porta-voz da Conferência assegurou que “não nos corresponde qualificar estas declarações, simplesmente podemos precisar seu âmbito: são de uma pessoa particular, do cardeal Medina”.

Junto com isso recordou que “as opiniões da Igreja e dos bispos sobre a homossexualidade estão no primeiro ponto da declaração dos bispos sobre a Lei Antidiscriminação, onde se assinala com muita força que a Igreja apóia as iniciativas que existem para que as pessoas não sejam discriminadas em nenhuma matéria, entre elas por sua condição”.

Nessa mesma linha expressou que Medina não é a voz da Igreja, “é uma voz pessoal, de um bispo que não está na ativa nem faz parte da Conferência Episcopal, mas que tem todo o direito de falar. Inclusive cada batizado pode falar por si mesmo em nome da Igreja, e a Conferência tem seus porta-vozes e este não é o caso”.

Assim mesmo, Coiro reconheceu que pode haver fiéis que se incomodem ou se preocupem com esse tipo de fala por parte de alguém que pertence à Igreja. “Quando se abordam temas tão delicados, desde uma perspectiva que não toma em primeiro lugar a preocupação com as pessoas, com sua dignidade, com toda a razão os fiéis têm razões para se inquietaram ou ficarem desconcertados.

Mesmo assim, esclareceu que “acreditamos que os fiéis sabem diferenciar declarações pessoais das mensagens e posturas coletivas do episcopado”.

Leia também:
Fundamental: El cardenal Medina tiene la lengua manchada de sangre
Obispo Contreras: Homosexualidad "es una realidad compleja y merece todo el respeto"
Vargas Llosa: A perseguição aos gays na América Latina
Chile: igrejas condenam ataque a jovem homossexual
Carta aberta a Daniel Zamudio
Porque "és precioso a meus olhos": tudo melhora

(Obrigado aos amigos @wrighini e @bbimbi)

terça-feira, 1 de maio de 2012

Integrante do ministério de louvor, travesti diz que igreja inclusiva lhe dá "liberdade"


Assim como muitos dos atuais membros da 'Igreja Cristã Metropolitana' (ICM), ela costumava frequentar uma igreja evangélica, onde cantava no coral.

Lá, segundo ela, o pastor queria que se tornasse "um cantor de sucesso, gravasse cd e até participasse de um reality show" tamanha era sua popularidade.

Tudo mudou, entretanto, quando Josiane, que nasceu homem, revelou que sentia atração por pessoas do mesmo sexo. "Sempre me senti diferente do restante dos meninos", diz.

Expulsa da igreja, Josiane diz ter prometido a si mesma que nunca mais entraria em um templo religioso novamente. Resolveu, a partir daí, assumir integralmente sua identidade feminina. Hoje, omite seu nome de batismo.

Mas levada por um namorado à ICM, uma igreja inclusiva, Josiane mudou de ideia. "Aqui posso demonstrar o talento que Deus me deu sem sofrer qualquer preconceito", afirma.

Fonte: BBC Brasil

Leia também:
Desafiando preconceito, cresce número de igrejas inclusivas no Brasil

Hildegard de Bingen e a igualdade entre homens e mulheres na história da Igreja

Imagem daqui

A transposição da imagem de Hildegard de Bingen, que viveu entre os séculos XI e XII, para a mulher de hoje não pode se limitar a algumas observações exaltantes sobre os seus dons excepcionais como abadessa, compositora, filósofa, farmacêutica, "conselheira" dos grandes do seu tempo e ecologista. Busquemos descobrir um rosto de Hildegard mais próximo da realidade histórica.

A opinião é da teóloga italiana Karin Heller, doutora em História das Religiões e Antropologia Religiosa pela Sorbonne, Paris IV, e professora de Teologia na Whitworth University, em Spokane, Estados Unidos. O artigo foi publicado no sítio
Comité de la Jupe, 19-04-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto, aqui reproduzida via IHU (aqui e aqui).

O anúncio romano da próxima canonização e proclamação como "Doutora da Igreja", de Hildegard de Bingen (1098-1179) repercutiu na mídia em torno do Natal do ano passado. Podemos nos alegrar com esse reconhecimento das autoridades romanas oito séculos depois da morte da "Sibila do Reno".

Quanto ao significado dessa promoção tardia, é preciso, acima de tudo, ir buscá-lo nas duas audiências públicas feitas por Bento XVI nos dias 1º e 8 de setembro de 2010, consagradas à pessoa e à vida de Hildegard. Nelas, o papa delineia um retrato da "santa", bem enquadrado pela Mulieris dignitatem e dedicado à exaltação do "gênio feminino", segundo o ponto de vista vaticano.

As mulheres do século XXI, cristãs e católicas favoráveis a um diálogo com o mundo do espírito das aberturas teológicas criadas pelo Vaticano II, não se deixarão enganar. A transposição da imagem de uma mulher que viveu entre os séculos XI e XII para a mulher de hoje não pode se limitar a algumas observações exaltantes sobre os dons excepcionais de Hildegard como abadessa, compositora, filósofa, farmacêutica, "conselheira" dos grandes do seu tempo e ecologista antes do tempo. À espera dos discursos oficiais dessa promoção tardia, busquemos descobrir um rosto de Hildegard mais próximo da realidade histórica.

Hildegard viveu no fim de uma era em que os "mosteiros duplos" ofereciam um acesso aos estudos superiores indistintamente aos homens e às mulheres que viviam sob a regra de São Bento. Essa igualdade de oportunidades se enraizava na profunda convicção de uma igualdade entre os sexos, praticada pelo cristianismo do primeiro milênio. Depois de Hildegard, ao contrário, abre-se uma época que exclui todas as mulheres das universidades nascentes, das quais a Universidade de Paris foi uma das mais renomadas.

A exclusão das mulheres da vida universitária se deveu essencialmente à lei do celibato eclesiástico promovida pelas reformas gregorianas (séculos XI-XIII). Era preciso, a todo custo, separar o clero das mulheres para garantir a castidade do clero, condição incontornável para celebrar a missa e tocar no corpo e no sangue consagrados de Cristo. O destino de Abelardo e de Heloísa é uma ilustração perfeita da incompatibilidade de uma vida de estudo no quadro aberto de uma escola catedral ou de uma universidade que acolhia homens e mulheres. Enquanto os mosteiros garantiam um ambiente relativamente seguro para manter uma conduta casta para os homens e para as mulheres, não era mais assim com o estabelecimento de escolas ligadas a uma catedral.

Hildegard ainda é uma testemunha do que um intercâmbio intelectual praticado entre homens e mulheres pode produzir para o progresso da vida humana à luz do Evangelho de Cristo. Pela sua decisão de excluir as mulheres do debate intelectual público, as autoridades eclesiásticas causaram uma interrupção brutal de um desenvolvimento muito promissor. Privaram a Igreja e a humanidade de um progresso nas ciências humanas, teológicas e espirituais para o milênio seguinte.

Heloísa é um exemplo perfeito dessa evolução que culminará na redução de todas as abadessas ao estado laical. Ela será testemunha e protagonista da batalha que oporia a Escola de Laon a Abelardo, apoiado por outros teólogos da sua época. Essa escola havia produzido os Glossalia ordinaria, que estipulavam a exclusão das mulheres da ordenação diaconal. Essa ordenação ainda conferida às abadessas fazia delas membros do clero. Abelardo e Heloísa perderam essa batalha.

Em seguida, todo traço escrito que fizesse referência a mulheres ordenadas no primeiro milênio foi erradicado, minimizado, degradado. Assim, prevaleceu a convicção de que uma ordenação de mulheres jamais havia ocorrido na Igreja depois de Jesus Cristo. Assim que tal constatação entrou nos documentos compilados pelas reformas gregorianas, não restava nada mais a fazer do que um "copia e cola" de um século ao outro. Ao mesmo tempo, o sacerdócio masculino estava a tal ponto exaltado que se fazia dele um estado metafísico especial, que elevava o indivíduo masculino ordenado acima de todas as outras categorias humanas, e dotado de um selo indelével.

Além disso, até o tempo de Hildegard, a clausura monástica era considerada como um espaço proibido ao que vinha de fora, e não como um lugar do qual não se devesse sair. Depois de Hildegard, ela se tornou uma prisão voluntária para mulheres, ou um refúgio proibido para os homens, onde as mulheres ainda podiam dar livre curso, de algum modo, às suas aspirações de criatividade intelectual e social.

Hildegard ainda se concebia em um mundo em que se podia falar olhos nos olhos com o papa, com o imperador da Alemanha, com o bispo de Mainz, de Colônia, de Würzburg, de Trier ou de Bamberg. Ela pregava do alto da cátedra nas suas catedrais, porque, sendo abadessa, também era diaconisa. Em suas pregações, isentas de toda unção eclesiástica e de todo temor de ser "politicamente correta", ela desenvolvia uma sólida teologia da Encarnação, frente aos erros dualistas do catarismo, e fustigava o clero ávido de riquezas e de honrarias.

Para Hildegard, a visão da relação homem-mulher estava ancorada em uma complementaridade, baseada em uma igualdade entre os sexos. Ela expressa o seu pensamento utilizando uma linguagem emprestada de Aristóteles e de Platão, mas, ao mesmo tempo, distanciando-se deles. Ela explica o ser humano com a ajuda dos quatro elementos da natureza (fogo, água, ar, terra).

Aristóteles opõe os homens às mulheres, torna o homem superior à mulher e associa o homem ao fogo e ao vento, e a mulher à água e à terra. Hildegard, ao contrário, associa o homem ao fogo e à terra, e a mulher ao ar e à água. Assim, ela estabelece um equilíbrio entre elementos leves e pesados, inferiores e superiores, que funciona em favor dos dois sexos.

Apoiada em sua leitura dos relatos do Gênesis 1 e 2, ela se opõe novamente a Aristóteles, que exige a submissão da mulher ao homem, por causa do fato de a mulher não controlar as suas emoções. Novamente, Hildegard rompe com essa visão bipolar, opondo-lhe o argumento seguinte: a mulher, tendo sido criada a partir da carne do homem e não da terra, goza de uma maior estabilidade do que o homem. Portanto, ela não só é capaz de controlar as suas emoções, mas o faz a partir de uma posição que a favorece com relação ao homem. Enfim, à convicção bipolar aristotélica do respeito imposto à mulher por parte do homem, ela opõe o respeito que a própria mulher inspira graças à prática das virtudes no seguimento de Cristo.

Hildegard desenvolveu uma surpreendente análise da interação entre fatores psicológicos e biológicos nos homens e nas mulheres. Ela via em um homem cuja sexualidade era feita de fogo e de vento o caráter equilibrado e a fertilidade moderada, um homem que não buscava a posse de uma mulher, mas sim a união com uma mulher enquanto pessoa integral. Esse tipo de homem seria um bom marido, assim como um bom servo de Deus, engajado no celibato.

Igualmente, ela via em uma mulher cujos músculos tinham uma estrutura de terra e cujo sangue era misturado com o ar uma pessoa que gosta da companhia de um homem sem precisar dele. Hildegard reconhecia nesse tipo de mulher uma pessoa "muito fértil", feita para o matrimônio e apta para suportar uma vida de castidade.

Para Hildegard, o homem de grande perfeição devia estar em relação com uma mulher, ou no matrimônio ou em uma relação de amizade espiritual. Sem nenhuma dúvida, Hildegard teria expressado reservas com relação a um celibato eclesiástico imposto a todos os tipos de homem ou uma vida religiosa para todos os tipos de mulheres. Ela sabia muito bem que os homens e as mulheres não eram iguais perante a "mãe natureza".

No campo das virtudes, Hildegard, ao invés, adota uma atitude platônica, que reconhece aos dois sexos a capacidade de exercer as mesmas virtudes. Tanto Platão quanto Hildegard não consideravam o silêncio ou a obediência como virtudes particularmente femininas, e o tomar a palavra em público ou o comando como reservados apenas para os homens.

Em duas ocasiões, Hildegard se recusou a se curvar às injunções do seu Padre Abade e do seu bispo. Ela rompeu com a tradição dos mosteiros duplos e estabeleceu mosteiros onde só as mulheres estavam no comando. A virtude da mulher está em construir e em falar no mesmo nível do homem. Essas atividades não são um sinal de uma abolição da diferença homem-mulher. Hildegard não adotaria a teoria da indiferença dos sexos, já que, no rastro de São Paulo, ela sabe que "o que é fraco no mundo, Deus escolheu para confundir os sábios" (1Cor 1, 27).

Entre os historiadores, o debate está aberto para saber se a própria Hildegard foi para Paris em 1174 ou se o seu legatário literário, Bruno de Estrasburgo, se encarregou disso. Em ambos os casos, o propósito dessa viagem era a inclusão das obras de Hildegard no currículo dos estudos teológicos. Infelizmente, não foram as obras de Hildegard que foram escolhidas pelas autoridades eclesiásticas para enriquecer o currículo acadêmico, mas sim as de Aristóteles, cuja leitura foi tornada obrigatória em 1255.

A busca da verdade como obra comum dos homens e das mulheres havia acabado definitivamente, e a vitória da bipolaridade sexual aristotélica estava garantida pelos próximos mil anos. Hildegard e as suas obras caíram no esquecimento, o que provavelmente as salvou de uma destruição completa ou parcial por parte de um clero que se pensava "definitivamente" acima das mulheres!

Certamente, nos alegramos com a promoção tardia de Hildegard ao posto de "Doutora da Igreja" pelas mesmas autoridades que a condenaram ao silêncio por tantos séculos. Ao longo das próximas festividades, qual imagem de Hildegard será apresentada aos católicos? De minha parte, acreditarei na sinceridade dessa promoção somente se uma mulher do temperamento de Hildegard for convidada pelo Vaticano para pregar um retiro de Quaresma!

Leia também:
Hildegard de Bingen, uma “artista” mística e profética
Hildegard de Bingen: futura Doutora da Igreja

Breve bibliografia que inspirou este artigo:
Ir. Prudence Allen, The Concept of Woman. The Aristotelian Revolution, 750 a.C.-1250 d.C.. Grand Rapids: Eerdmans, 1985.
Barbara Newman, Sister of Wisdom. St. Hildegard’s Theology of the Feminine. Berkeley-Los Angeles: University of California Press, 1987.
Gary Macy, The Hidden History of Women’s Ordination. Female Clergy in the Medieval West. Oxford University Press, 2008.
Régine Pernoud, Hildegarde von Bingen. Conscience inspirée du XIIe siècle. Editions du Rocher, 1994.
DVD Visão: Sobre a vida de Hildegard von Bingen, dirigido por Margarethe von Trotta, estrelando Barbara Sukowa, 2010.

“O que faz uma família é o amor”

Imagem daqui

Estão já disponíveis posters da campanha “Como é a tua família?”, produzida pelo grupo Famílias Arco-Íris da Associação ILGA Portugal.

Esta campanha tem como objetivo chamar a atenção para o facto da diversidade familiar ser a regra: as famílias são de diferentes tipos e tamanhos e as crianças portuguesas estão a ser criadas por uma mãe e um pai, por duas mães ou dois pais, por um pai ou uma mãe, por madrastas ou padrastos, em co-parentalidade, por famílias alargadas, por avós e avôs, por tios e tias, por irmãos e irmãs e por famílias reconstituídas, reagrupadas, adotivas e de acolhimento.

A investigação científica mundial demonstra que o bem-estar das crianças é determinado pela qualidade das relações parentais e não pela estrutura das suas famílias.

E o que faz uma família é o amor.

Adaptada de materiais do Australian Rainbow Families Council, uma organização australiana com muito trabalho (bem) feito na área das famílias, esta campanha contou em Portugal com a parceria da Amplos, da APF, da rede ex aequo e da UMAR.

O pdf (download aqui) pode ser impresso diretamente, claro, ou em alternativa podem contactar-nos para familias@ilga-portugal.pt e solicitar exemplares impressos (para Portugal). Agradecemos especialmente contactos que venham de escolas de 1º ciclo e de creches e jardins de infância.

Fonte: ILGA-Portugal (Dica do precioso @wrighini, como sempre ;-))

As religiosas dos EUA e as tensões desde o Vaticano II

"As freiras católicas me ensinam o que significa perseverar no ministério 
sem o benefício do poder institucional. #OQueAsFreirasSignificamParaMim" (Tweet daqui)

É quase instintivamente que se chega, ao tentar explicar o que está acontecendo hoje na Igreja Católica, a metáforas do mundo natural – tempestades, terremotos, mudanças sísmicas – para chegar à magnitude dos eventos.

A análise é do jornalista norte-americano Tom Roberts, publicada no sítio do jornal National Catholic Reporter, 24-04-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto, aqui reproduzida via IHU.


Procuramos os termos que explicam o que estamos experimentando: fenômenos além dos distúrbios comuns aos quais aprendemos a resistir de uma época para a outra. Assim como os sismólogos ou os climatologistas começam a unir os padrões ao longo do tempo, a construir uma megaimagem do que está acontecendo, nós também o fazemos.

Outra peça do quebra-cabeça acabou de se encaixar para nós com a divulgação pelo Vaticano, na semana passada, da "Avaliação Doutrinal da Leadership Conference of Women Religious (LCWR)".

O terremoto de 5,8 graus que atingiu a Costa Leste em agosto foi insignificante para os padrões da Costa Oeste, mas foi sentido a centenas de quilômetros do seu epicentro na Virgínia. Os geólogos explicaram que a crosta da Terra nessa parte do mundo é mais densa e menos perturbada e fraturada do que nas zonas sísmicas habituais, permitindo que as ondas sísmicas viajem mais longe do que viajariam, digamos, em Los Angeles ou em San Francisco.

De forma semelhante, as ondas de choque que emanam desde o Concílio Vaticano II (1962-1965), um encontro diferente de todos os precedentes em termos de tom, propósito e linguagem, reverberaram por toda a crosta relativamente imperturbável das presunções e da cultura de liderança da Igreja institucional. A avaliação das religiosas é o mais recente dos tremores secundários. Esse Concílio, popularmente conhecido como Vaticano II, não anunciou anátemas; não condenou heresias, como ocorreu em outros; não discorreu sobre o dogma nem estabeleceu novas linhas para quem está dentro e quem está fora da comunidade.

Ao invés disso, dizendo a questão amplamente, ele pediu que todos nós fôssemos às raízes de quem nós somos como povo de Deus e descubramos o que isso significa no mundo contemporâneo. E, embora essa seja uma história muito mais complexa – na verdade, um universo de histórias – para que possamos fazer justiça no espaço deste ensaio, podemos saber algumas coisas sobre o que aconteceu desde que começamos a sentir os rumores por baixo da crosta eclesiástica.

Uma das realidades que moldam a notícia dessa semana é que os bispos e as religiosas tomaram caminhos muito diferentes na sequência do Concílio, e isso estabeleceu uma dinâmica infeliz. Kenneth Briggs explica a crescente tensão entre bispos e religiosas no livro Double Crossed: Uncovering the Catholic Church's Betrayal of American Nuns.

As irmãs dos Estados Unidos, afirma ele, foram amplamente ignoradas nos relatos históricos do desenvolvimento da Igreja e da nação por causa de sua "exclusão das posições de poder dentro da Igreja. Sua subjugação a uma ordem clerical masculina não apenas as manteve fora dos olhos do público, mas também, em última análise, esmagaram seus esforços para se remodelarem ousada e criativamente".

Muitos dos problemas experimentados pelas religiosas no último meio século, argumenta, derivam da "recusa da hierarquia de cumprir a promessa de renovação" implícita nos documentos conciliares.

Rearranjo da paisagem
Os rumores que começaram a perturbar a crosta da Igreja em meados dos anos 1960 elevaram-se até um gigante deslocamento no fim da década com o debate sobre a Humanae Vitae. Pode parecer impactantemente inadequado retomar essa velha disputa de novo e neste contexto. Mas ela foi importante e continua sendo relevante. A paisagem católica foi rearranjada de uma forma grande e única.

Os leigos, nesse caso, liderados pela sua própria experiência e por teólogos proeminentes, disseram "não". Eles disseram que não aceitavam a proibição da Igreja sobre o uso da contracepção artificial. E assim foi. Pouco mudou desde então. Essa decisão, informal mas generalizada, criou bons tremores. A Igreja se manteve firme, menos, talvez, do que uma gárgula, aqui e ali. Deus permaneceu nos céus, e a vida continuou, mas uma nova intuição-chave permeava as pessoas nos bancos das igrejas. O temor da danação eterna por desconsiderar um ensinamento que não fazia sentido começou a evaporar como razão para obedecer.

A estudiosa da religião Phyllis Tickle diz que o cristianismo mundial está passando por uma de suas turbulências a cada 500 anos, quando antigas "carapaças" se racham e incrustações de hábito, de prática e de crença se desprendem. Em cada um desses ciclos, diz ela, ficamos nos perguntando: "Onde está a autoridade?".

A controvérsia sobre o controle de natalidade forçou essa questão de uma forma abrupta e nova no mundo católico. Percebe-se que, assim como os EUA estão tentando descobrir, no pós-11 de setembro, como o poder funciona em um mundo mais encolhido, interconectado e rompido pela tecnologia do que nunca, assim também os bispos estão tentando descobrir como funciona a sua autoridade em uma Igreja cada vez mais fraturada, onde as armadilhas e as presunções de uma monarquia totalmente masculina têm pouca influência sobre o imaginário católico contemporâneo. Poder e autoridade não funcionam mais como antes.

* * *

Na Igreja, não existe desafio maior para o poder hierárquico e para a forma tradicional de fazer as coisas do que as religiosas. Seguindo o Concílio, as mulheres fizeram o que elas pensavam que o encontro havia mandado: elas cavaram profundamente em suas próprias histórias, reviram seus documentos fundadores, refletiram longamente sobre as vidas e os exemplos de seus fundadores e fundadoras. Muitas saíram desse período de intensa oração e exame com conclusões surpreendentes. Uma delas era que a sua missão devia ser mais do que uma mão de obra barata para a hierarquia.

Outra delas foi que, tendo redescoberto os seus "carismas" originais, elas viram o seu trabalho levá-las para além dos muros dos claustros e dos conventos, rumo ao mundo mais amplo, particularmente para as suas margens e entre os pobres.

Um resultado inevitável de toda a introspecção e meditação sobre suas vidas, suas histórias e suas missões foi uma nova descoberta de si mesmas como mulheres. De fato, Briggs fala delas como uma espécie de pré-movimento feminista. As religiosas estavam realizando tarefas normalmente reservadas aos homens muito antes que muitas outras mulheres na sociedade. Elas dirigiam escolas e hospitais e outras instituições. Elas eram, escreve ele, "líderes destacadas a cargo de grandes e complexas estruturas. Elas eram, em suma, os CEOs de instituições antes que as mulheres [em geral] fossem CEOs de instituições".

Milhares delas obtiveram graus acadêmicos nos anos 1950 e levaram os seus novos conhecimentos e habilidades para uma ampla gama de novas profissões, diz Briggs, que escreve que o "total de doutorados conferidos às irmãs mais do que dobrou" entre os anos 1950 e 1970.

Durante o longo arco de sua história nos EUA, é fato que as religiosas construíram a Igreja. Nós não teríamos o sistema escolar católico sem elas. Nós não teríamos um sistema hospitalar sem elas. Nós não teríamos hoje uma presença católica em muitos das piores partes das nossas cidades sem elas. Nós não teríamos uma pastoral para os desalojados, indesejados e feridos sem elas. Em muitos casos, nós não teríamos quaisquer ministérios ou programas de educação em nossas paróquias e dioceses sem elas. E, em algumas das regiões do país pobres em padres, não teríamos paróquias sem elas.

"O chão está se movendo"
Nós somos, ao mesmo tempo, católicos, e os bispos são uma parte importante da nossa história. Por isso, devemos questionar: quem gostaria de ser bispo na Igreja de hoje? O chão está se movendo abaixo de nós de uma forma sem precedentes. Os antigos símbolos do poder estão desaparecendo. A residência baronial do bispo em Boston foi vendida para pagar o escândalo dos abusos sexuais. A da Filadélfia está à venda. A autoridade dos bispos em todas as partes está comprometida, sua estatura moral diminuiu, enquanto o mundo continua ouvindo, através de depoimentos em julgamentos e de documentação publicada, como a cultura da liderança da Igreja Católica ignorou o horror que estava sendo cometido contra as crianças, a fim de proteger seus padres e a reputação da cultura clerical.

Para a maioria dos homens ordenados vivos hoje, às vezes deve parecer como se nada é como era, como se aquilo ao qual eles se inscreveram décadas atrás desapareceu.

E isso inclui a forma como as religiosas atuam hoje. Isso inclui a forma como as religiosas pensam hoje, o fato de que elas se engajariam na reimaginação de Deus nas múltiplas manifestações humanas que refletem a sua imagem. De que elas responderiam a perguntas sobre o lugar das mulheres na Igreja, a ordenação de mulheres, como a Igreja trata os homossexuais – na direção contrária de toda a boa ordem e a comunidade que os homens haviam construído.

* * *

A avaliação doutrinal de oito páginas – uma acusação formal, na verdade – põe em causa as vidas, as motivações, a espiritualidade, a fidelidade, a teologia e as formas de abordar a Igreja e o mundo dos membros da Leadership Conference of Women Religious, uma organização que representa mais de 80% das religiosas dos EUA.

O documento está apropriadamente ancorado em citações papais sobre a necessidade de que "pessoas consagradas" tenham a total "adesão da mente e do coração ao magistério dos bispos", assim como fizeram seus fundadores e fundadoras. Como é o caso frequentemente, aqueles que possuem um maior risco de colapso nas presunções e de surgimento de questões pintam a história da Igreja em linhas nítidas e claras. Mas a realidade de alguns desses fundadores e fundadoras é muito mais irregular e envolta por muito mais lutas com a instituição e com os que detinham o poder do que referem as admoestações papais contemporâneas à obediência e à lealdade.

Há uma consequência para o fato de as religiosas terem sido as construtoras da Igreja, aqueles que estavam em campo, as representantes da Igreja onde a dor está, onde as pessoas estão realmente vivendo, sendo cuidadas e morrendo. Elas são conhecidas, recebem confiança e inspiram uma admiração e uma lealdade que não serão abandonadas nesta época de provações.

Essa não deveria ser uma competição entre homens e mulheres. Não deveria ser um teste de quem é mais importante para a Igreja. Não deveria ser uma questão de ganhar ou perder. Mas os homens forçaram isso até esse ponto.

Apoios
Nos últimos dias, as religiosas foram abordadas por católicos nas liturgias dominicais em todo o país com uma simples pergunta: o que podemos fazer para ajudar? Uma irmã me disse que as religiosas de outros países enviaram mensagens de solidariedade, perguntando se não há nada que elas possam fazer.

Em uma paróquia na Costa Leste, uma simpática mensagem de apoio às irmãs, vinda do púlpito, provocou aplausos altos e demorados. Certamente, não foi uma experiência singular. Leigos em todas as partes estão buscando quaisquer formas para apoiar as religiosas. Abaixo-assinados estão circulando no éter e atraindo milhares de assinaturas.

Eu aposto que a maioria dos bispos realmente não querem essa disputa neste momento. Com tudo aquilo que precisa de conserto na Igreja hoje – e com a quantidade de "coisas quebradas" pelas qual as lideranças são responsáveis –, agora não é o momento para ficar lançando farpas sobre quaisquer outros grupos, e certamente não sobre as irmãs.

As perguntas que as religiosas estão fazendo, os temas que elas discutem, as opiniões que elas se atrevem a expressar publicamente poderiam estar em desacordo com o que os bispos emanam a partir de sua experiência vivida, assim como de sua formação. Se os bispos querem reconhecer os fatos, essas são as mesmas questões e preocupações que ocupam a comunidade em geral, e não vão desaparecer magicamente.

Evolução em revoluções
Xavier Le Pichon, geofísico francês, é conhecido por ter construído um modelo abrangente de tectônica de placas, mas também por ter extraído do seu conhecimento da atividade das placas terrestres profundas intuições sobre o comportamento humano e a dinâmica da comunidade humana. Em um artigo, ele escreve: "Como eu sabia da minha própria experiência científica, as fraquezas, as imperfeições, as falhas facilitam a evolução de um sistema. Um sistema que é muito perfeito também é muito rígido, porque não precisa evoluir. Isso é verdade na política, é verdade dentro de uma sociedade, dentro das famílias, dentro da natureza". Eu acho que pode-se inferir, sem esticar o ponto indevidamente, que isso também vale para a Igreja Católica e para a sua eclesiologia.

Um sistema perfeito, escreve ele, "é um sistema fechado que só pode evoluir mediante uma grande comoção. A evolução ocorre através de revoluções". Em um caso, é a quebra de rochas rígidas; em outro, se poderia extrapolar, é a lenta desintegração dos sistemas eclesiais que se tornaram muito rígidos ou que descobrem que a sua utilidade foi transposta pelo tempo, pelas circunstâncias e pelas novas intuições.

A avaliação vaticana, de fato, deu início a uma "grande comoção". De uma forma que nenhuma campanha de nova evangelização jamais poderia, a crítica contra as irmãs unificou os católicos para se reagruparem por uma boa causa como católicos, porque eles são católicos. Eles farão tudo o que puderem para proteger as religiosas. Os bispos devem estar prontos para o contra-ataque violento de cartas e abaixo-assinados.

A hierarquia dos EUA está mirando a sua raiva contra as irmãs, mas os tremores que estão movendo a terra debaixo de seus pés têm pouco a ver com as mulheres que servem os pobres e se atrevem a fazer perguntas inquietantes.

Leia também:
"Estou do lado das irmãs dos EUA": a defesa do jesuíta James Martin
Sobre o "magistério silencioso" dos cristãos cotidianos em ação, aqui
Do Oregon a Ohio, um apoio crescente às irmãs católicas dos EUA
Católicos dos EUA se mobilizam por suas religiosas
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...