Arte: Paul Tebbott
O artigo aqui apresentado encontra-se no livro "Raio-X da Vida: Círculos Bíblicos do Evangelho de João", de Carlos Mesters, Francisco Orofino e Mercedes Lopes, e trata do evangelho do último domingo, sobre o episódio da ressurreição de Lázaro (Jo 11).
A pequena comunidade de Betânia, onde Jesus gostava de hospedar-se, reflete a situação e o estilo de vida das conunidades do Discípulo Amado. Betânia quer dizer “casa dos pobres”. Marta quer dizer “senhora” (coordenadora): uma mulher coordenava a comunidade. Lázaro significa “Deus ajuda”: a comunidade pobre esperava tudo de Deus. Maria significa “amada de Javé”: era a discípula amada, imagem da comunidade. O episódio de Lázaro comunica esta certeza: Jesus traz vida para a comunidade dos pobres. Jesus é fonte de vida para todos os que nele acreditam.
Comentando o texto:
1. Jo 11, 1-16: Uma chave para entender o sétimo sinal, a ressurreição de Lázaro
Lázaro estava doente. As irmãs Marta e Maria mandam chamar Jesus “Aquele a quem amas está doente!” (Jo 11,3). Jesus atende ao pedido e explica: “Essa doença não é mortal, mas é para a glória de Deus, para que por ela seja glorificado o Filho de Deus!” (Jo 11,4). No Evangelho de João, a glorificação de Jesus acontece através da sua morte (Jo 12,23; 17,1). Uma das causas da sua condenação à morte vai ser a ressurreição de Lázaro (Jo 11,50; 12,10). Assim, o sétimo sinal vai ser para manifestar a glória de Deus (Jo 11,4). Os discípulos não entendem (Jo 11,6-8). Jesus fala da morte de Lázaro e eles entendem que esteja falando do sono (Jo 11,12). Ainda não perceberam a identidade de Jesus como vida e luz (Jo 11, 9-10). Porém, mesmo sem entenderem, estão dispostos a ir morrer com ele (Jo 11,16). A doutrina deles é deficiente, mas a fé é correta.
2. João 11,17-19: Jesus chega em Betânia
Lázaro está morto mesmo. Depois de quatro dias, a morte é absolutamente certa, o corpo entra em decomposição e já cheira mal (Jo 11, 39). Muitos judeus estão na casa de Marta e Maria para consolá-las da perda do irmão. Os representantes da Antiga Aliança não trazem vida nova. Só consolam. Jesus é que vai trazer vida nova! Os judeus são os adversários que querem matar Jesus (Jo 10, 31). As duas mulheres criaram um espaço novo de contato entre Jesus e seus adversários. Assim, de um lado, a ameaça de morte contra Jesus; de outro lado, Jesus chegando para vencer a morte! É neste contexto de conflito entre vida e morte que vai ser realizado o sétimo sinal.
3. João 11,20-24: Encontro de Marta com Jesus - promessa de vida e de ressurreição
No encontro com Jesus, Marta diz que crê na ressurreição. Ela está dentro da cultura e da religião do povo do seu tempo. Os fariseus e a maioria do povo já acreditavam na ressurreição (At 23,6-10; Mc 12,18). Acreditavam, mas não a revelavam. Era fé na ressurreição no final dos tempos e não na ressurreição presente na história, aqui e agora. Não renovava a vida. Faltava dar um salto. A vida nova da ressurreição só vai aparecer com Jesus.
4. João 11,25-27: A revelação de Jesus provoca a profissão de fé
Jesus desafia Marta a dar este salto. Não basta crer na ressurrição que vai acontecer no final dos tempos, mas tem que crer que a ressurreição já está presente hoje na pessoa de Jesus e naqueles que acreditam em Jesus. Sobre eles a morte não tem mais nenhum poder, porque Jesus é a “ressurreição e a vida”. Então, Marta, mesmo sem ver o sinal concreto da ressurreição de Lázaro, confessa a sua fé: “Eu creio que tu és o Cristo, o filho de Deus que vem ao mundo”.
5. João 11,28-31: O encontro de Maria com Jesus
Depois da profissão de fé, Marta vai chamar Maria, sua irmã. E o mesmo processo que já encontramos na chamada dos primeiros discípulos: encontrar, experimentar, partilhar, testemunhar, conduzir até Jesus! Maria vai ao encontro de Jesus, que continuava no mesmo lugar onde Marta o tinha encontrado. Tal como a sabedoria, que se manifesta nas ruas e nas encruzilhadas (Pr 1, 20-21), assim Jesus é encontrado no caminho fora do povoado. Hoje, tanta gente busca saídas para os problemas da sua vida nas ruas e nas encruzilhadas! João diz que os judeus acompanhavam Maria. Pensavam que ela fosse ao sepulcro do irmão. Eles só entendiam de morte, e não de vida!
6. João 11,32-37: A resposta de Jesus
Maria repete a mesma frase de Marta: “Senhor, se tivesses estado aqui, meu irmão não teria morrido” (Jo 11, 21). Ela chora, todos choram. Jesus se comove. Quando os pobres choram, Jesus se emociona e chora. Diante do choro de Jesus, os outros concluem: “Vede como ele o amava!” Esta é a característica das comunidades do Discípulo Amado: o amor mútuo entre Jesus e os membros da comunidade. Alguns ainda não acreditam e levantam dúvidas: “Esse que curou o cego, por que não impediu a morte de Lázaro?”
7. João 11,38-40: Retirem a pedra!
Pela terceira vez, Jesus se comove (Jo 11, 33.35.38) É assim que João acentua a humanidade de Jesus contra aqueles que, no fim do século 1, espiritualizavam a fé e negavam a humanidade de Jesus. Jesus manda tirar a pedra. Marta reage: “Senhor, já cheira mal! E o quarto dia!” Novamente, Jesus a desafia apelando para a fé na ressurreição, aqui e agora, como um sinal da glória de Deus: “Não te disse que, se creres, verás a glória de Deus?”
8. João 11,41-44: A ressurreição de Lázaro
Retiraram a pedra. Diante do sepulcro aberto e diante da incredulidade das pessoas, Jesus se dirige ao Pai. Na sua prece, primeiro, faz ação de graças: “Pai, dou-te graças, porque me ouviste. Eu sabia que tu sempre me ouves!” O Pai de Jesus é o mesmo Deus que sempre escuta o grito do pobre (Ex 2, 24:37). Jesus conhece o Pai e confia nele. Mas agora ele pede um sinal por causa da multidão que o rodeia, para que possa acreditar que ele, Jesus, é o enviado do Pai. Em seguida, grita em alta voz: “Lázaro, vem para fora!” E Lázaro vem para fora. É o triunfo da vida sobre a morte, da fé sobre a incredulidade! Um agricultor do interior de Minas comentou: “A nós cabe retirar a pedra! E aí Deus ressuscita a comunidade. Tem gente que não quer tirar a pedra, e por isso a comunidade deles não tem vida!”
9. João 11,45-54: O resultado do sétimo sinal no meio do povo
O capítulo 11 descreveu o último sinal, o mais importante dos sete: a ressurreição de Lázaro (Jo 11, 1-44). E o ponto alto da revelação que Jesus vinha fazendo. Terminada a revelação, vem a descrição do resultado: muita gente começa a crer em Jesus (Jo 11,45). Outros ficam em cima do muro e fazem a denúncia (Jo 11,46). Os líderes, preocupados com o crescimento da liderança de Jesus e não querendo perder a sua própria posição, decidem matar Jesus (Jo 11,47-53). O resultado final é que Jesus tem que viver na clandestinidade (Jo 11,54). Da mesma maneira, na época em que foi escrito o evangelho, a comunidade que trazia a vida para os outros se via obrigada a viver na clandestinidade.
A confissão de Marta e o significado da ressurreição
Se lemos todo o capítulo 11, vamos encontrar em seu centro a revelação de Jesus como ressurreição e vida, provocando como resposta a profissão de fé, proclamada publicamente por Marta (Jo 11, 25-27). Em Jo 11,4, Jesus afirma que a doença de Lázaro não é para a morte, mas para afirmar seu poder sobre a morte. Jesus é a vida e nele está a vida (Jo 1, 4). Este é um aspecto muito importante da identidade de Jesus para as comunidades do Discípulo Amado. A força de vida que há nele manifesta que ele é verdadeiramente o Messias e Filho de Deus, capaz de trazer um morto de volta à vida. Marta acolhe esta revelação mesmo antes de ver o sinal que revela o poder de Jesus sobre a morte, manifestado na ressurreição de Lázaro. Assim Marta recebe a bem-aventurança: “Felizes os que não viram e creram" (Jo 20,28) e torna-se um modelo para as pessoas que desejam seguir Jesus.
A vitória de Jesus sobre a morte mudou a seqüência dos tempos históricos. O que era próprio do tempo final entrou para o tempo presente. Por isso, o Jesus apresentado pelo Evangelho de João pode afirmar: “Quem vive e crê em mim jamais morrerá!” (Jo 11,26). Como é que Jesus pode afirmar que viveremos para sempre? Na Primeira Carta de João, este mistério é esclarecido: “Nós sabemos que passamos da morte para a vida, porque amamos os irmãos” (1Jo 3, 14). O amor é a força mais poderosa que existe. Ele transforma as pessoas e os acontecimentos. O amor faz o futuro virar presente e a ressurreição acontecer hoje. É interessante a comparação de Mt 16,16-17 com Jo 11,27. Em Mateus, a profissão de fé está na boca de Pedro, que por esse motivo foi reconhecido nas comunidades apostólicas como autoridade.
Em João a confissão de fé está na boca de Marta. É uma tríplice confissão: “Senhor, eu creio que tu és o Cristo, o Filho de Deus que vem ao mundo” (Jo 1 1,27). Marta confessa que Jesus é Senhor, Messias e Filho de Deus. Isto indica que nas comunidades do Discípulo Amado é Marta quem desempenha um papel semelhante ao de Pedro nas comunidades apostólicas. Sua confissão de fé está repetida em Jo 20, 31, indicando o objetivo do evangelho: “foi escrito para que acreditem que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenham a vida em seu nome". Tweet
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