sábado, 23 de abril de 2011

Sábado de Aleluia

"Algo estranho está acontecendo" - uma homilia do Sabado Santo no século II começa com esta reflexão,tanto vaga quanto definitiva. Este dia é diferente de qualquer outro porque não tem um significado preciso. Depois do funeral, o grupo foi para casa e os pratos foram limpos. Há um silêncio grande e um vazio sem limites. A velha linguagem de relacionamento foi dissolvida e a nova ainda tem que tomar forma.

Entre as duas formas de conhecimento, só sabemos claramente que não sabemos. Através do desconhecimento, como através de um espaco entre as nuvens ou uma brecha em uma cortina, uma espécie de luz não vista antes promete surgir. Mas nada é certo. Nao temos certeza de nada mais.

Nestes tempos de viver no limite de dois mundos, temos apenas a luz da fé, pura consciência. A morte ainda está sendo digerida.

- Laurence Freeman, OSB
Publicado originalmente no site da Comunidade Mundial de Meditação Cristã no Brasil. Tradução: Leonardo Corrêa.

A Cruz: suplício ou esperança?

Foto: Kate Miss

A novidade da revelação cristã de Deus exige um ser humano novo, uma nova criatura. Sendo revelação de um mistério, só pode ser captada pela fé. Por isso, quando os Evangelhos apresentam Jesus, seus atos e palavras, eles o fazem de maneira misteriosa e velada.

Aqueles que detêm o poder religioso e, igualmente, detêm a interpretação oficial da verdadeira religião, declarando-a única e legítima, interpretam Jesus como alguém que age movido pelo espírito de Belzebu, e não pelo Espírito Santo. Conseqüentemente, por ser interpretado assim, Jesus deve morrer. Esse conflito vai levá-lo à condenação e à morte.

É aí que se levanta a grande questão que interpela a teologia e coloca a fé em cheque. É esta questão que vai por o selo definitivo à questão sobre a natureza divina de Jesus e sobre a identidade do Deus da revelação. Jesus é preso, acusado, condenado, torturado e morto. E diante de sua morte, seus seguidores silenciam e se dispersam, deixando-o sozinho. Fracassado e abandonado, sua pessoa e seu projeto são expostos à execração pública, aparentemente fracassados e destruídos. E não somente as testemunhas se calam. Deus também se cala. O Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó, que não suportou ver o povo sofrendo no Egito e no cativeiro da Babilônia, que mantinha com Jesus de Nazaré colóquio e diálogo permanente e amoroso, de Pai para Filho, e mar de intimidade, retira-se e silencia diante da tragédia por que passa o Filho bem-amado.

A cruz de Jesus é o sinal de seu amor fiel à causa do reino de Deus. Não devemos separar a morte do Jesus do resto de sua vida. O martírio do Jesus toma seu sentido pleno como conseqüência dramática e coerente de sua mensagem e de sua obra; a cruz é o símbolo de sua absoluta fidelidade ao Pai. É inseparável das perseguições e conflitos que a precederam; dos critérios, opções e atitudes do Jesus; do conteúdo de sua pregação.

Porque Jesus revelou o Deus verdadeiro, porque Jesus questionou a decadência religiosa e as deformações de Deus, porque fez publicamente os pobres e os pecadores os preferidos de sua solicitude e predileção, porque combateu os ídolos de sua sociedade, porque questionou seus falsos valores, Jesus desatou o conflito que o levou à cruz. Portanto, para o cristão, o sofrimento – ou seja, as cruzes da vida - é a seqüela coerente do seguimento fiel de Jesus Cristo. Freqüentemente certa devoção cristã separou a cruz do resto da vida de Jesus.

Em seu aspecto sombrio e negativo, a cruz nos ensina que o mal estará sempre presente enquanto dure a história. Por mais que o combatamos, sempre reaparece de novas maneiras. Sua persistência é uma trágica realidade. Sua oposição aos valores do reino de Deus é constante. Por isso é capaz, hoje como sempre, de trazer para a Igreja e sua missão duros fracassos.

A cruz nos ensina que a conversão do mundo contém a dimensão profunda de uma luta contra o mal (o pecado), expresso hoje em formas concretas: a corrida armamentista, todas as espécies de ameaças contra a vida, a corrupção do amor, a exploração do homem pelo homem, a fome, a miséria, o materialismo e todas as formas de injustiça, a agressão à natureza e ao planeta colocando em risco mortal o futuro da vida.

A Paixão e morte de Jesus, encarnação da inocência e do bem, recorda-nos hoje em dia que os inocentes e bons da terra, os fracos, os pobres e os desamparados continuam sendo crucificados. Pela cruz, a paixão de Cristo é a paixão do mundo, e a paixão do mundo é a paixão de Cristo.

Mas a paradoxo é que a cruz é decisivamente também sinal de esperança. Apesar da presença do mal, sobrepondo-se a ele, a cruz é sinal de esperança certa no reino, de sua eficácia e de sua vitória definitiva sobre todas as formas de pecado.

O paradoxo da cruz consiste em que o que em primeira instância parece um fracasso - a morte do Jesus e o fracasso da causa do reino; a perseguição e o fracasso dos bons e o aparente triunfo do mal - por causa do poder de Deus transforma a cruz em fonte de nova vida e de libertação total, e constitui o começo irreversível da destruição do mal em sua raiz.

O mal, para ser superado, requer redenção. A perseguição e a cruz são a dimensão redentora da fidelidade. Aí onde os meios humanos são impotentes para atacar as raízes de todos os males e de todas as injustiças, o sofrimento e as cruzes que acompanham à vida cristã incorporam tudo que sofrem os discípulos à perseguição e ao martírio do Mestre, Jesus de Nazaré. Assim "completamos o que falta à paixão de Cristo em benefício de seu Corpo, a Igreja" (Couve. 1,24).

A cruz é o sinal da esperança cristã porque nos ensina que na história, o mal, o egoísmo, a injustiça, não têm a última palavra. A última palavra na história é do bem, da fraternidade, da justiça e da paz encarnados e testemunhados por Jesus.

- Maria Clara Bingemer
Publicado originalmente no Amai-vos. Grifos nossos.

Histórias que gostaríamos de ter visto antes


O excelente blog do @delucca publicou uma bela entrevista com Matarazzo, publicitário de 36 anos e dono da Agência Gringo, sobre um curta-metragem que já deu e ainda vai dar mais o que falar por aqui.

Ao mesmo tempo em que atos de violência contra homossexuais tornam-se cotidianos, ações contra a homofobia e a discriminação contra gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transgênicos ganham força. Neste embalo, será lançado durante o mês de maio deste ano, o curta-metragem Não Gosto dos Meninos, dirigido e produzido pelo publicitário André Matarazzo e pelo produtor Gustavo Ferri.

O curta-metragem teve como principal inspiração a campanha internacional contra a homofobia "It Gets Better", que reuniu depoimentos de gays, lésbicas e apoiadores dos direitos humanos, incluindo o Presidente dos EUA, Barack Obama. Na versão brasileira, o projeto reuniu 40 pessoas que contaram suas histórias de vida, completamente distintas com um objetivo comum: mostrar que são felizes sendo gays.


William De Lucca - Muitos diretores escolhem o nome do filme depois que ele está pronto. Como surgiu o nome do filme? Como ele foi concebido?

André Matarazzo – Na verdade a gente queria um nome que não fosse muito evidente. O filme já tem uma mensagem muito evidente pra quem assiste, que é mostrar que a vida de pessoas gays é normal, super diversa, e que não é apenas o estereótipo mostrado pela mídia. Outro objetivo do filme é mostrar que, depois que você passa por um período mais complicado, de aceitação, você acaba se encaixando e sua vida fica uma delícia. Queríamos mostrar gente que tinha passado por isso e não queríamos usar nomes comuns como ‘Somos Todos Iguais’, ou coisa do tipo, já que isto estava muito claro na história. Então, resolvemos criar algo um pouquinho misterioso, que todo mundo está se perguntando: “Porra, vocês não são gays, não gostam de meninos?”. Ainda não vou revelar o que é exatamente, mas é bem interessante.

De Lucca - Como foi a seleção das personagens que compõe o curta?

Matarazzo - São quarenta pessoas entrevistadas durante o filme. Eu me interessei pelo projeto depois de ver aquele projeto americano “It Gets Better”, onde inclusive o pessoal da Produtora Pixar participou, e pensei que seria super legal fazer isso na minha empresa, que tem um ambiente super legal, todo mundo sabe que eu sou gay, meu namorado sempre vai lá. Mas, como lá só tem três ou quatro gays, achei que era pouca gente, não teria a força que tem um monte de gente, e eu queria passar uma mensagem legal pra esta geração nova que está aí e que não tem modelos. Pra que eles possam chegar e dizer ‘porra, posso ser igual a esse cara’. Daí, encontrei o Guga (Gustavo Ferri), que tem uma produtora e que já faz vários trabalhos para agências de publicidade e convidei-o para o projeto e ele topou na hora e fomos atrás de pessoas interessadas. Postei no blog da minha empresa, no facebook, que estávamos procurando gente para o filme, e muitas pessoas quiseram participar, tivemos mais de 400 interessados. Como fizemos as gravações todas em um dia, em São Paulo, alocamos uma hora pra cada um e não teríamos como dar espaço pra todo mundo, mas as pessoas ficaram muito interessadas em falar da sua vida, elas estão mais abertas e com menos medo.

De Lucca - Como você encara essa onda de ataques homofóbicos pelo Brasil? A que você atribui este aumento?

Matarazzo - Eu acho que isso é uma relação simples de visibilidade. Quanto mais natural uma coisa é, mais ameaçada fica a pessoa que é insegura sobre aquela coisa, como a sexualidade. Então quando você tem um grupo de gays sem nenhuma voz, nenhuma visibilidade e quando eles aparecem são alvos de chacota, é cabeleireiro bichinha, o costureiro da novela, tudo fica razoável, porque é um personagem cômico. Agora quando você começa a mostrar além do personagem cômico, que esse cara gay pode ser teu irmão, o cara que trabalha com você, isso intimida muito, e aí começa um movimento contrário, de expulsão. Eles pensam “caralho, esses caras estão muito mais próximos do que eu imaginei, então eu vou dar porrada nesse filho da puta e mostrar quem é quem”. Acho que é um movimento que não tem retorno, acho que quanto mais visível isto tudo é mais ameaçado se sente quem não consegue lidar com as diferenças.

De Lucca - A Campanha It Gets Better teve uma adesão muito grande nos EUA, inclusive com a participação do Presidente Obama em um vídeo. Você acredita que um projeto como esse tenha uma adesão desse tipo no Brasil?

Matarazzo - Estamos fazendo algo um pouco diferente da campanha americana, nossa mensagem mais importante é mostrar que tinham pessoas com vidas normais, que não tem medo, e que vivem uma vida ótima, por mais que falem publicamente sobre sua orientação sexual. Nosso interesse não era arrancar pessoas do armário ou que as pessoas postassem vídeos dizendo ‘eu apoio a causa’, eu não queria isso. Imagina fazer um vídeo para um garoto de 15 anos, do interior de Santa Catarina, que tem modelos sobre ‘ser gay’ péssimos e que não pode nem imaginar que pode ser gay de forma natural, e que esse garoto possa imaginar “Caralho, olha essas pessoas, eu posso ser como um deles”. Este era nosso objetivo principal. Não vamos pedir para as pessoas fazerem os vídeos delas, participarem desta forma, ainda não estamos preparados pra isso agora, pode ser uma evolução, mas agora queremos passar esta mensagem.

De Lucca – Você acredita que este filme possa ter alguma influência política?

Matarazzo - Eu adoraria, mas não sei se isso vai acontecer. Nunca foi uma pretensão nossa, não somos militantes, nunca fiz nada com a temática gay, embora seja gay, o Gustavo não é gay, então não temos como interesse primário mexer com movimento político. Nossa intenção é ajudar uma pessoa que está precisando de apoio, de modelos, que está pensando que está fodido, sozinho no mundo, ele precisa ver este filme, só. Se isso acabar resvalando, tocando a opinião pública e ajudar em alguma outra coisa seria fenomenal, mas a gente não tem isso como interesse inicial.

De Lucca – Como será o lançamento do filme? Vocês já pensaram em um esquema para distribuição do filme?

Matarazzo - Não sabemos ainda a duração do filme, ainda estamos editando, mas ele deve ter entre 10 e 15 minutos. A distribuição vai ser da forma mais democrática possível, logo que for lançado ele estará disponível na internet pra que ele seja visto pelo maior número possível de pessoas, mas também queremos levá-lo para festivais, mostras, para que o filme tenha a maior visibilidade possível e possa ajudar muita gente.

sexta-feira, 22 de abril de 2011

A Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo

Foto: Fabio Candeias

Paixão. 1. Sentimento ou emoção levados a um alto grau de intensidade. 2. Amor ardente. 3. Entusiasmo muito vivo. 4. Atividade, hábito ou vício dominador. 5. O Objeto da paixão. 6. Desgosto, mágoa. 7. Rel. O martírio de Cristo.

A última descrição para o verbete Paixão que o dicionário Aurélio apresenta é justamente o sentido religioso do termo: a morte de Jesus Cristo. As demais descrições – apresentadas sob alguma lógica que não cabe aqui discutir – acabam, possivelmente sem qualquer intenção, por demonstrar o itinerário que levaria o Filho de Deus à cruz: a intensidade do amor trinitário pela humanidade, amor ardente e entusiasmado que se transforma em quase vício – há que se salvar a criatura humana, objeto de sua paixão. Esta, porém, em sua limitação não compreende o amor oferecido por Jesus e toda Sua missão acaba em sofrimento e morte.

Não poderia existir termo mais próprio: Paixão de Cristo. O sofrimento maior que um homem pode sentir – o aniquilar-se física e moralmente, o abandono, a dor, o tornar-se farrapo, sujo, nu, só. E dessa profunda humilhação ressurge glorioso para tornar a – eternamente – oferecer Seu amor ao amado.

A Paixão de Cristo é tão somente a sua entrega total à humanidade. Na pureza de Seu amor, Jesus não poderia ferir a liberdade dos homens que preferiram eliminá-lo a aceitá-lo como Messias. Seguir Jesus não seria uma tarefa fácil – significava ter que se desalojar, sair de si, eliminar os resquícios do comodismo e do egoísmo, tornar-se novo. E isso não é tarefa fácil para homens e mulheres.

O povo de Deus não aceitou Seu filho, não compreendeu que naquele carpinteiro de Nazaré estava o Messias. Talvez esperasse mais de Seu Senhor, talvez estivesse com a visão enevoada pela deturpação da lei e do entendimento sobre o amor de Deus. Enfim, aquele que só amou, terá sua paixão levada ao limite, sofrerá por amor, sofrerá pela incompreensão, sofrerá por não ser correspondido em sua paixão.

O apaixonado Jesus entregou-se, então, de vez à limitação do objeto de Seu amor. Permitiu-lhe que Lhe tirasse a vida e, ainda assim, por Sua ressurreição resgatará a salvação humana, ainda que esta tenha que passar pelas cruzes da vida e pela Cruz da Vida.

Para sua reflexão: Jo 18, 1-19,42

- Gilda Carvalho
Publicado originalmente no Amai-vos. Grifos nossos.

Converter… depressa


O Senhor Jesus, cuja humanidade foi perfumada e ungida pelas mãos amorosas de Maria, em Betânia,sente no seu coração toda uma perturbação pelo mistério da traição, sem deixar de amar e de acompanhar. O conhecimento do que está acontecendo não faz senão tornar mais aguda a consciência e a tornar, ainda mais forte, o consentimento e o abandono. O profeta Isaías nos mostra o Servo do Senhor consumido pela escuta e seguro de uma proteção divina que não poupa, mas reforça o dinamismo de uma fidelidade que custa muito caro: «Escondeu-me à sombra de sua mão, tornou-me como flecha afiada, colocou-me na sua aljava» (Is 49,2). Enquanto Maria, em Betânia, intuiu o segredo do coração de Jesus e o explicitou, os discípulos, sentados à mesa com o seu mestre, não compreendem, quase transtornados pelomedo de ter que compreender, e temerosos de ter que consentir. Aquilo que o Senhor Jesus diz a Judas: «Faze-o depressa!» (Jo 13,27) refere-se muito mais ao seu desejo de consumar depressa o seu amor, para que seja «luz» (Is 49,6) no coração de todo homem e toda mulher, e se faça claro, na terrível noite da traição, que o amor não desiste, mesmo quando é aniquilado. O amor não somente não desiste, mas a rejeição parece exaltar-lhe o perfume: «Enquanto estava à mesa com os seus discípulos, Jesus ficou profundamente perturbado e declarou...» (Jo 13,21).

Não devemos identificar a perturbação do Senhor Jesus pensando somente na traição de Judas. Na verdade, o evangelista João, de acordo com os sinóticos, relata-nos claramente a traição de todos os discípulos na hora da prisão de jesus, comparticular destaque à atuação de Simão Pedro que, tira fora a espada diante de um servo do sumo sacerdote, nega o seu discipulado diante da língua de uma serva e, de um modo tão claro que é impossível esquecer: «A fraqueza da Igreja está como que inserida em uma história de traições, e assim, é absolutamente visível a sua fraqueza»[1]. Uma fragilidade que, no entanto, é vivida de modo muito diferente para cada um. Os três discípulos que encontramos diretamente no evangelho de hoje – Judas, Simão Pedro e o discípulo amado – colocam-nos diante da responsabilidade de escolher como reagir e como viver a nossa participação no mistério de Cristo.

Judas, a quem o Senhor oferece o primeiro «pedaço de pão» (Jo 13,26) da ceia pascal, confirmando assim todo o seu amor, e oferecendo uma nova possibilidade de não ser sugado pelas trevas, mesmo assim, deixa-se como que engolir: «Tomando o pedaço de pão, saiu imediatamente. E era noite» (13,30). No entanto, existem outras possibilidades também, como aquela de Simão Pedro que, não obstante a sua negação, que fará cantar o «galo» (13,38) da manhã do dia de Páscoa, não fugirá do bálsamo doolhar misericordioso de Cristo; e também o discípulo amado, que se inclina «sobre o peito de Jesus» (13,24). Estes três apóstolos convivem no nosso coração, sem que possamos ter muito claro quem dos três está dominando, no momento. Peçamos ao Senhor que possa ter piedade do traidor e do medroso que estão em nós, e que fortaleça o amigo que queremos ser, e ajude-nos a ter acoragem de permanecer. De todos os modos, não tem tempo a perder, porque o amor, como a morte, não espera... então, «rápido!» (13,27).

- Semeraro, M. D., La messa quotidiana, Bologna, aprile 2011, 203-205.

quinta-feira, 21 de abril de 2011

Converter… os mínimos


A palavra do Senhor Jesus nos abre um verdadeiro e próprio caminho, chamado a tornar-se percurso de conversão de todos aqueles aspectos «mínimos» (Mt 5, 19) da e na nossa vida, para que sejam lugar e ocasião no qual se faça um espaço sempre «maior» ao Reino dos céus que habita em nós, e que se realiza através de nossa pequena, mas necessária contribuição. É cumprindo estes pequenos passos de vigilância e de consciência que conseguimos deixar-nos guiar pela Palavra do Senhor Deus que, no livro do Deuteronômio, acompanha e sustenta o caminho espiritual do povo de Israel, guiando-o, através de uma renovada memória dos tempos gloriosos do Êxodo, na direção de um êxodo espiritual, que faça passar da escravidão do esquecimento à memória da graça: «Cuida e guarda-te bem do esquecer as coisas que os teus olhos viram, não te escapem do coração, por todo o tempo de tua vida: as ensinarás a teus filhos e aos filhos de teus filhos» (Dt 4, 9). Assim, a Lei não somente não se opõe, mas garante e faz crescer a liberdade, como capacidade de discernimento e de escolha, que sabe captar, nos «mínimos» aspectos da relação com Deus e com o mundo, uma espécie de laboratório de autenticidade, sem ceder à idolatria legalista nem a estéreis fixações “devocionísticas”. Moisés sobre o monte Sinai e Jesus sobre o monte das bem aventuranças, revelam e continuam a revelar, progressivamente, o mesmo e nunca idêntico, Rosto de Deus, que deseja ardentemente a plenitude da alegria e de vida de seus filhos: «Escuta […] para que vivais e entreis em possessão da terra que o Senhor, Deus de vossos pais, está para dar-vos» (4,1). Na realidade, esta imagem de um Deus que é totalmente tomado pelo desejo de fazer-nos participar de seus dons e de si mesmo, como dom, não está ligada ao momento histórico do êxodo, mas é a atitude perene e contínua de Deus em relação a nós: « Não vim abolir a Lei, mas cumpri-la plenamente» (Mt 5,17).

A Lei, dada ao povo por meio de Moisés, tinha um papel de guiar a viagem interior para a liberdade; as bem aventuranças que o Senhor proclama sobre a montanha, diante da multidão que se senta ao redor dele, declara a realidade da liberdade na vida de cada homem e mulher, que se abre à relação com Deus, sempre menos prescritiva e sempre mais reconhecedora. Converter-se é sempre, de uma maneira ou outra, converte-se ao amor das Escrituras, porque comporta sempre o converter-se ao amor, através das Escrituras. Nas Escrituras – como em um rosto amado – cada «tracinho»  é um pequeno tesouro, cada tracinho é como um fragmento de eucaristia que nutre e faz crescer em nós o discípulo que caminha e avança no caminho. O Senhor Jesus fala em nome próprio, e se faz, deste modo, intérprete autorizado, mas não autoritário, da Lei recebida através de Moisés sobre o Sinai, e o sinal que se coloca como «pleno cumprimento» relaciona-se àqueles «mínimos» que não são, antes de tudo, preceitos secundários, mas aquelas situações e pessoas que consideramos secundárias e que, ao contrário, no final do evangelho, representam o critério do discernimento final. Aqueles que, no evangelho de hoje, são indicados como «estes mínimos» (5,19), nós os encontraremos como «Estes meus irmãos mais pequeninos» (25,40).

Textos para oração:
Dt 4,1.5-9; Mt 5, 17-19

- Semeraro, M., La messa quotidiana, Bologna marzo 2011, 278-280

quarta-feira, 20 de abril de 2011

Pulsão Coletiva

Nesta Semana Santa há pulsões coletivas em nossa comunidade, como o ato de resignificar elementos de nossa própria fé. Ou mesmo ressuscitá-los :)

Como muito bem lembrado por um amigo o vídeo resume bem o sentimento:

Desafios para o cristão de hoje


John Main disse que o grande desafio para o Cristão moderno é encontrar uma nova linguagem para compreender e comunicar a fé que nos une a Cristo. Esse é um desafio que abrange mais estágios do que pode parecer à primeira vista.

Primeiro, exige que mergulhemos nosso pensamento e nosso vocabulário tradicional em silêncio profundo, puro. Quando meditamos, não estamos pensando ou falando com Deus, mas apenas sendo em Deus. Este ser é silencioso. Plenamente compreendido, é silêncio - a total atenção e comunhão que é o amor de Deus.

Em segundo lugar, exige que arrisquemos nossas crenças familiares e nossa linguagem. Desconhecer ou rejeitar não é o mesmo que colocá-las de lado à medida que entramos no silêncio. Mas no começo pode parecer que estamos rejeitando ou até mesmo traindo o nosso sistema de crenças mais profundas. Temos de descobrir, em nossa própria experiência, que a meditação ensina, a todos os que a praticam, crentes e não crentes igualmente, que a fé é mais profunda do que a crença.

Em terceiro lugar, temos de voltar do silêncio e nos envolver com outras pessoas de boa vontade, para o bem comum do mundo. Não estamos tentando convertê-los ou impressioná-los. Estamos apenas sendo o que a fé e o silêncio nos possibilitam ser e podemos, portanto, aceitar e respeitar os outros como são. Desta forma, vemos Cristo de um modo novo e maravilhoso.

Ir ao encontro daqueles que não creem - um cientista agnóstico, por exemplo - em tal silêncio é esclarecedor tanto para nós e como para eles. É um deserto, um lugar de simplicidade radical e verdade, de auto-conhecimento, onde não podemos nos esconder por trás de uma máscara religiosa ou psicológica. É um encontro quaresmal em que aceitamos a necessidade de auto-contenção. Mas as rajadas do deserto se tornam flores e a Quaresma torna-se alegre quando duas pessoas honestas se encontram, seja lá onde e como estejam reunidos.


- Laurence Freeman, OSB

Publicado originalmente no site da Comunidade Mundial de Meditação Cristã no Brasil. Tradução: Leonardo Corrêa. Grifos nossos.

terça-feira, 19 de abril de 2011

Os problemas de governo da Igreja


Reproduzimos aqui um artigo inédito de José Comblin, recentemente falecido, publicado pelo IHU.

Ele foi escrito "na última semana que esteve entre nós", informou Monica Maria Muggler, ao enviar o artigo ao site. Segundo Monica, "considerações que achou por bem fazer, a partir da repercussão de entrevistas recentes que havia dado sobre questões eclesiais. Enviou a algumas pessoas e deixou para divulgar mais tarde, pois considerava que o assunto ainda não está na ordem do dia em nosso continente, embora na Europa já se começa a falar a respeito".

Eis o artigo.

“Ouço a solicitação que me é dirigida para encontrar uma forma de exercício do primado que, sem renunciar de modo algum ao que é essencial da sua missão, se abra a uma situação nova”

- Joao Paulo II, Ut unum sint, 1995, n.95

Na encíclica Ut unum sint o Papa João Paulo II aludiu a um problema fundamental mostrando que estava bem consciente. Já Paulo VI havia manifestado que estava preocupado. Mas nada saiu dessas preocupações que hoje em dia são preocupações da Igreja inteira. O governo central da Igreja não funciona bem. Em lugar de adaptar a Igreja ao mundo atual, paralisa a Igreja no seu passado. Muitas coisas deviam ser reformadas na Igreja para responder às necessidades dos tempos. Mas a máquina de governo impede toda mudança. O sistema impede a mudança. Ninguém tem poder para tomar decisões. O Papa não tem condições para tomar as decisões necessárias. Eis algumas expressões dessa situação do governo.

1. A eleição do Papa

Primeiro, os eleitores. O sistema atual foi feito quando o Papa fazia poucas intervenções fora da diocese de Roma e das dioceses vizinhas. Os cardeais eram o clero de Roma e das cidades vizinhas. Hoje em dia, o Papa decide tudo o que acontece no mundo inteiro e tem uma grande administração com milhares de funcionários. O Papa devia ser eleito por uma representação de todos os continentes. Os cardeais nem sequer representam as Igrejas dos seus países porque foram escolhidos pelo próprio Papa e não representam nenhuma Igreja particular.

Se o Papa fosse eleito por uma verdadeira representação da Igreja universal, teria mais força onde se apoiar contra o poder da Cúria. Agora ele depende da Cúria. Eleito pela Igreja poderia invocar o peso da Igreja contra o peso da administração central. Os presidentes das conferencias episcopais, por exemplo, teriam mais caráter de representatividade. Além disso, muitos cardeais são funcionários da Cúria e não representam nenhuma Igreja porque são funcionários da administração.

Em segundo lugar, o modo da eleição. Há dois tipos de eleitores. Há os cardeais da Cúria. Estes se conhecem e formam círculos secretos. Esses são os que intrigam para preparar a eleição. Formam partidos e trabalham na sombra para que o seu partido possa ganhar. O que aconteceu nas últimas eleições , é edificante Depois, há os cardeais de fora. Esses não se conhecem, Chegam para o conclave e não se conhecem. Não sabem quais são as intrigas que estão fazendo os cardeais da Cúria (com os seus conselheiros!). Em cada país a Conferência episcopal exorta os católicos para conhecer bem os candidatos e os seus programas de tal maneira que possam fazer um voto consciente. Mas os cardeais não têm condições de fazer um voto consciente porque não conhecem os candidatos, nem os seus programas.

Depois da eleição de João Paulo II perguntamos ao cardeal Silva de Santiago de Chile porque tinha votado no cardeal polonês. Ele disse: ”Nós não o conhecíamos, mas disseram-nos que era um bom candidato e então votamos nele”. Se o paroquiano explicasse assim o seu voto ao seu vigário, este lhe diria que é um inconsciente.

Sabemos quem foi quem disse que era um bom candidato. Foi o cardeal Koenig, arcebispo de Viena, na Áustria. Koenig tinha grande fama de homem de grande projeção intelectual e de grande prestigio internacional. Mas estava muito ligado ao Opus Dei, que tinha feito uma campanha eleitoral muito ativa. Sabemos que foi ele, porque ele mesmo o disse antes de morrer, e disse que estava muito arrependido de ter feito isso. O cardeal Silva não sabia que o cardeal polonês era adversário do Concílio Vaticano II.

Os eleitores devem ter tempo para se conhecer e saber quais são os candidatos apresentados pelos colegas e quais são os programas dos candidatos. Se isso se exige por eleições comuns, poderia pensar-se que na Igreja essa exigência de direito natural vale com mais força. Na prática o quer acontece é que os cardeais fazem um voto de confiança, exatamente o que se denuncia em todas as eleições políticas. O votante não sabe o que quer o seu candidato. Ainda bem que o povo católico não sabe como se faz essa eleição, porque ficaria envergonhado. Compreendo que os bispos guardem silêncio sobre isso. Mas essa situação não pode continuar. O pior é quando se diz que quem decide a eleição é o Espírito Santo - quando se sabe muito bem o que aconteceu e não houve nenhum momento de revelação do Espírito Santo. Porque enganar os católicos como se fossem todos infantis?

2. A descentralização

Uma administração centralizada inevitavelmente quer defender os seus poderes e aumentá-los. O que busca a administração central é em primeiro lugar o seu próprio bem, ou seja, o aumento do seu poder: fazer mais leis, mais obrigações, mais formulários, mais papéis impressos, mais exigências.

Na Igreja não é diferente. O que busca a administração é assegurar mais poder. O bem da Igreja é um pretexto. Isso é parte da natureza humana, e, se todos os funcionários da Cúria fossem santos o problema continuaria. Seria pior porque se fossem mais santos, queriam trabalhar mais ainda, e fazer mais imposições ainda. O principio de subsidiariedade vale para todos os seres humanos e quando um sacerdote ou um bispo é ordenado a sua natureza humana não muda.Precisa descentralizar: as nomeações episcopais,o direito canônico, a liturgia, a formação do clero, a organização do ensino, das obras de caridade e outras obras. Tudo pode ser organizado, por exemplo, em cada continente ou cada totalidade cultural. Nos primeiros séculos a Igreja foi organizada em patriarcados, que eram unidades culturais. A existência dentro da ortodoxia católica de Igrejas de diversos ritos orientais mostra que isso pode funcionar muito bem. A centralização atual é o resultado de razões puramente históricas.

O sistema atual ainda é na Igreja a continuação do colonialismo. Chegando a Puebla, João Paulo II condenou as comunidades de base, condenou o movimento bíblico, condenou a teologia latino-americana. Conseqüência: em 30 anos, somente no Brasil, 30 milhões de católicos deixaram a Igreja católica para aderir a igrejas ou movimentos pentecostais ou neo pentecostais, conseqüência da pastoral imposta. O Papa escutou alguns conselheiros que tinham intenções políticas muito claras. Não procurou saber mais, recorrendo a instâncias mais representativas. Pensou que o problema era o comunismo - e não era o comunismo e ele tinha possibilidade de receber outras informações. Alguns podiam dar-lhe a informação de que América Latina não é Polônia e nem sequer é Europa. Nós estávamos aí sabendo o que ia acontecer, mas nada podíamos fazer. O cardeal dom Aloísio Lorscheider sentiu imediatamente tudo e procurou consertar, mas não tinha peso suficiente e não era da confiança do Papa.

3. Um sistema de governo em que uma pessoa sozinha decide tudo sem que haja debate público e instância deliberativa, chama-se ditadura. Um sistema em que as verdadeiras motivações das decisões do governo, são escondidas com certeza não responde as exigências do direito natural. Os cidadãos têm o direito de saber quais são os fundamentos das decisões tomadas. Por exemplo, quando Paulo VI condenou o uso de meios anticoncepcionais artificiais, não se soube que os cardeais consultados na sua maioria não concordavam, que as comissões nomeadas pelo Papa para estudar o assunto também não concordavam. Lembro-me muito bem de ter ouvido os comentários do cardeal Suenens, que era o meu bispo.

Muito bem. Uma geração depois, o Conselho da Família envia aos bispos um comunicado em que diz que já não se deve fazer perguntas às penitentes sobre a a sua prática de limitação de nascimento. Se não se pode fazer perguntas, é porque não se deve considerar como pecado. O próprio Alfonso López Trujillo teve que comunicar secretamente essa revogação implícita da encíclica Humanae Vitae. Mas porque não se disse publicamente? A maioria dos católicos ainda o ignora, embora não aceite a condenação. Os católicos não conhecem os métodos da Cúria romana; não sabem que nunca se publica a revogação de uma ordem dada anteriormente. Mas se diz que não se devem fazer perguntas aos penitentes. Até o papado de Bento XIV no século XVIII, nunca se havia revogado a condenação dos juros, o que proibia que católicos trabalhassem em bancos. Mas o Papa disse então aos confessores que já não se deviam fazer perguntas aos penitentes.

Porque não se disse que agora a autoridade tinha mudado? Por que as mulheres não podem saber que a Igreja já não condena os meios artificiais de limitação de nascimentos? Muitas ainda acreditam que a Igreja as segue condenando e tratando como pecadoras. Essas são práticas de ditaduras. Numa ditadura o governo nunca erra. Nunca reconhece que foi um erro. Na Igreja só se reconhece depois de quatro séculos. Se houvesse instancias de deliberação, poderiam ser evitados muitos erros que vêm da precipitação, criando depois a dificuldade de reconhecer o erro.

Se não se fazem essas reformas, nenhuma outra reforma pastoral será possível. Tudo depende do centro, tudo depende do papel do Papa. Paulo VI sabia-o e João Paulo II sabia-o também. Ainda não sabemos o que pensa o Papa atual. Mas acredito que não deve pensar diferente do seu antecessor.

Não é questão de santidade. O Papa Pio X foi um santo. Mas cometeu erros colossais em matéria bíblica que explicam uma boa parte dos problemas atuais da Igreja no meio do mundo! O problema é que o Papa é homem também e tem os mesmos limites da natureza humana. A sabedoria humana aprendeu a construir sistemas de governo adaptados à condição humana. Jesus não definiu nenhum sistema de governo. E não estamos mais nos tempos de Gregório VII. O problema é que tudo depende de uma pessoa só!

As reformas podem demorar séculos se não aparece um dia o Papa que toma a decisão de mudar o modo de exercício do ministério de Pedro. Em princípio, teria que ser um homem mais jovem. Precisa suprimir esse preconceito que é melhor um homem já de idade para que não permaneça na frente tanto tempo. Mas há outra maneira: o Papa pode aplicar-se a si mesmo a norma dada aos bispos. Antigamente os seres humanos viviam poucos anos, uma media de uns 30 anos. Hoje em dia a media já atinge 80 anos e vai subir mais. Não é normal que uma instituição tão complexa tenha que ser dirigida por um homem com mais de 80 anos de idade.

Tanta gente na Igreja pensa assim! Talvez sejam mais sábios do que eu pensando que de qualquer maneira nada vai mudar e é melhor conformar-se, do que gastar energia numa causa perdida de antemão. O que me consola, é que não estou sozinho. Já há muitas pessoas que estão escrevendo essas coisas.

- José Comblin

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Constante vigília


"O coração é tortuoso acima de tudo; é perverso — quem pode compreendê-lo?" Esta visão do profeta Jeremias sugere uma resposta diferente e menos confortável para o auto-conhecimento. O coração é geralmente definido como lugar de conhecimento espiritual e discernimento verdadeiro. É o ponto central sagrado da consciência, tabernáculo da presença divina. Conhecer o coração é conhecer a Deus.

No entanto o coração é muito próximo à outra zona do "self" bíblico, o ventre — onde, da turbulência das emoções e da paixão, emergem tempestades repentinas. As forças deste aspecto do nosso "self" facilmente lançam uma sombra sobre o coração. Faz com que pareça termos, pelo menos temporariamente, perdido a cabeça completamente. Mas deixa-nos inseguros confundir ventre e coração desse modo. Somos tão instáveis, tão imprevisíveis assim?

Enquanto estivermos nesta jornada não podemos jamais ser complacentes com qualquer grau de tranquilidade ou paz que acreditamos ter alcançado. Os Padres do deserto nos advertiram sobre estarmos constantemente vigilantes e prontos para sermos humilhados pela nossa própria instabilidade. É por isso que a Quaresma não tem a ver com perfeccionismo nem com ganhar pontos por mérito. Trata-se de humildade e auto-conhecimento, que por sua vez significam perceber que existem zonas do nosso eu que não podemos conhecer ao certo.

Por um momento você pode se sentir seguro, ancorado no coração. Equilibrado, resiliente, compassivo, centrado nos outros. Mas, imperceptivelmente, apegos vão se formando - e com eles vêm as ilusões. Aí, quando a realidade desponta e expõe esses elos fracos, a cadeia inteira parece despedaçar-se. De repente, podemos nos ver jogados em meio à dor, raiva, tristeza. No intervalo da tempestade, saberemos que esse estado é temporário e pode ser assimilado, mas também podemos nos sentir incapazes de controlá-lo.

No final de um longo dia de "luta do coração", a saúde é restaurada. Tal como acontece com Jesus em sua Paixão, o ego vai se acomodando mediante a força divina do amor. Esse amor incontrolável surge inesperadamente e varre tudo. Somente quando o equilíbrio é restaurado, vemos que o que parecia ser fracasso e desilusão - e era — era de fato, mais verdadeiramente, graça e crescimento.


- Laurence Freeman, OSB

Publicado originalmente no site da Comunidade Mundial de Meditação Cristã no Brasil.
Tradução: Leonardo Corrêa. Grifos nossos.

domingo, 17 de abril de 2011

Sobe a Jerusalém

Foto: ®oland

Na ocasião da festa da Páscoa, era costume dos judeus peregrinar até Jerusalém, a cidade santa. Maria fizera o percurso entre Nazaré e Jerusalém inúmeras vezes em sua vida, mas um, em especial, a marcará para sempre: aquele em que verá seu filho ser morto e, dos mortos, ressuscitar.

Maria conhecia seu filho e seu povo. Por isso, certamente já devia perceber que algo não ia bem e que se tentava prender Jesus. Era mais uma vez o mistério de Deus invadindo sua vida: por quê? Por que matar aquele que só faz o bem? Por que prender aquele que só tem palavras de verdade e de vida? Por que...?

Imagino-a caminhando pelas estradas em silêncio. O mesmo silêncio que calou seu coração na gruta em Belém. O silêncio daqueles que estão prestes a presenciar acontecimentos que não se explicam senão pela fé. E será lá, na cidade santa, que fará sua oferta. Desta vez, não mais pombas e rolas, mas o próprio filho!

Talvez Maria não imaginasse que a morte de Jesus fosse acontecer tão abrupta e brutalmente. Talvez não imaginasse que fosse acontecer naquele momento. Mas sabia que algo aconteceria naquela Páscoa. E, assim, com o coração silenciado pela dor assistiu uma vez mais ao mistério de um Deus que se curva à humanidade e se entrega a ela para, deste modo, salvá-la.

O coração da Maria que celebra a Páscoa em Jerusalém é um coração que é todo oferta. Ali, Ela devolve a Deus o menino que carregou em seus braços, a quem educou, a quem deu de comer, a quem viu crescer, tornar-se homem e transformar a vida de tantos outros homens e mulheres pelo simples poder de amá-los incondicionalmente. Ali, após sentir a dor maior que uma mãe pode sentir – a da perda de seu filho amado – será recompensada com a experiência da vitória da vida sobre a morte.

A celebração da Páscoa para Maria nunca mais será a mesma. Para que possamos também viver a Páscoa de uma maneira nova, aproximemo-nos dos mistérios que brevemente iremos recordar com o mesmo coração que Maria levou à Jerusalém: um coração de silêncio e escuta, para que, assim, possamos tirar melhor proveito do que Deus quer renovar em nossa Páscoa hoje.


Texto para oração:

Sobe à Jerusalém, Virgem Oferente sem igual
Vai, apresenta ao Pai seu Menino-Luz que chegou no Natal
E, junto à sua Cruz, quando Deus morrer fica de pé
Sim, Ele te salvou, mas o ofereceste por nós com toda a fé.

Nós vamos recordar esse sacrifício de Jesus
Morte e ressurreição, vida que brotou de sua oferta na Cruz
Mãe, vem nos ensinar a fazer da vida uma oração
Culto agradável a Deus
É fazer a oferta do próprio coração.


- Gilda Carvalho
Originalmente publicado no Amai-vos. Grifos nossos.
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