sábado, 24 de dezembro de 2011

Feliz Natal!

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Que o espírito do Amor, a beleza da Esperança e as bênçãos da Paz sejam seus presentes neste Natal.*

São os votos carinhosos da equipe de colaboradores do blog do Diversidade Católica. :-)

*Enviado por nosso amigo Hugo Nogueira.

Flores de Cristo: uma singela lenda de Natal

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Na noite santa do Natal, uns pastores se dirigiram ao estábulo para levar ao Menino Jesus, que repousava na manjedoura, seus presentes: lã de ovelha, pão e manteiga.

O filhinho de um pastor, menino de coração bondoso, também quis presentear o pequeno Rei, mas como era pobre, não podia comprar-lhe um presente. Na sua singeleza pensou que talvez a criancinha estivesse com sede. Correu para casa, pegou a tigelinha com a qual tomava o seu leite todas as manhãs e a encheu de leite e mel.

Ao ver os pastores, que já estavam bem distantes, começou a correr para alcançá-los. Nesta corrida, derramou o leite sem querer, de tal modo que ao chegar ao estábulo, só tinha apenas um resto na tigela. O menino, antes de se aproximar do presépio, olhou para trás e viu, com grande tristeza, o leite derramado. Com isto, não percebeu que havia uma grande pedra no caminho e caiu. Com a queda, sua tigela tão querida e preciosa, quebrou-se em pedaços.

São José, ouvindo o barulho, foi ao encontro do pastorzinho que, sentado no chão, chorava segurando os cacos. Tomou o menino pela mão e o conduziu à manjedoura, onde os pastores já haviam feito a entrega de seus presentes. Logo, todos o cercaram para consolá-lo e lhe diziam:

- O Menino Jesus é muito pequeno! Ele não pode tomar leite da tua tigela! Não chores!

Maria, sentada ao lado da manjedoura, chamou-o com voz suave:

- Vem cá, menino!...

O pastorzinho enxugou suas lágrimas e se aproximou da Mãe de Jesus, estendendo suas mãozinhas com os cacos...

Maria, com muito amor segurou as pequenas mãos cheias de cacos pontiagudos e disse:

- Agora, entrega teu presente ao Menino Jesus!

O pastorzinho, assustado, abriu suas mãozinhas... Oh! Que milagre! Em vez dos cacos da tigelinha, ele segurava uma linda flor, toda perfumada. O Menino Jesus sorriu e aceitou a flor, estreitando-a em seu coração.

Na volta, os pastores encontraram, por todo o caminho, onde havia o leite derramado, estas mesmas belas flores e as chamaram de Flores de Cristo.

Uma pergunta: qual é o seu presente para o Natal de Jesus?

- Pe. J. Ramón F. de la Cigoña
Lenda anônima reproduzida a partir do blog do autor, Terra Boa

A lenda da árvore de Natal

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Quando o Menino Jesus nasceu, todas as pessoas e animais e até as árvores sentiram uma imensa alegria. Do lado de fora do estábulo havia três árvores: uma tamareira, uma oliveira e um pequeno pinheirinho. Todos os dias as pessoas passavam e deixavam presentes ao Menino.

- Nós também Lhe devíamos dar um presente! - disseram as três árvores.

- Eu vou lhe dar minhas tâmaras, para ele se deliciar, saborear e alimentar - disse a tamareira.

Então a velha oliveira disse:
- E eu vou lhe dar óleo. Óleos perfumados poderão ser feitos a partir do meu fruto... Ele vai gostar!

- E eu, perguntou ansioso o pequeno pinheiro, que poderei lhe oferecer?

- Tu? Os teus ramos são agudos e machucam - disseram as outras duas árvores, tu não tens nada para lhe dar!

O pequeno pinheiro ficou muito triste. "Que poderei lhe oferecer?..." Pensou muito, mas não tinha nada para lhe dar!

Então um anjo, que tinha ouvido a conversa, sentiu pena da arvorezinha que não tinha nada para dar ao Menino. As estrelas brilhavam na escuridão do céu. Então o anjo, muito de mansinho, pegou uma e depois outra, e as trouxe cá, para baixo, e as dependurou nos ramos pontiagudos do pinheiro.

Dentro do estábulo, o Menino acordou. Olhou para as três árvores e de repente nas folhas escuras do pinheiro brilhavam uma multidão de luzinhas resplandecentes...

O Menino Jesus levantou suas mãozinhas e sorriu feliz para o pinheirinho carregado de tantas estrelinhas.

E, desde então, o pinheiro ficou a ser a Árvore escolhida para o Natal.

Uma pergunta: o que esta história nos quer ensinar?

- Pe. J. Ramón F. de la Cigoña
Lenda anônima reproduzida do blog do autor, Terra Boa

Em um presépio

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A leitura que a Igreja propõe para esta Noite de Natal é o Evangelho de Jesus Cristo segundo Lucas, 2, 1-14. O teólogo espanhol José Antonio Pagola comenta o texto.

Eis o texto, aqui reproduzido via IHU.


Segundo o relato de Lucas, é a mensagem do Anjo aos pastores que nos oferece as chaves para ler, a partir da fé, o mistério que se encerra em um menino nascido em estranhas circunstâncias nos arredores de Belém.

É de noite. Uma claridade desconhecida ilumina as trevas que cobrem Belém. A luz não desce sobre o lugar onde se encontra o menino, mas envolve os pastores que escutam a mensagem. O menino fica oculto na escuridão, em um lugar desconhecido. É necessário fazer um esforço para descobri-lo.

Estas são as primeiras palavras que ouviremos: "Não tenhais medo! Eu vos anuncio uma grande alegria, que será também a de todo o povo". É algo muito grande o que aconteceu. Todos temos motivo para nos alegrarmos. Esse menino não é de Maria e de José. Nascemos para todos nós. Não é apenas de uns poucos privilegiados. É para todas as pessoas.

Nós, cristãos, não devemos monopolizar essas festas. Jesus é um daqueles que o seguem com fé e daqueles que o esqueceram, daqueles que confiam em Deus e dos que duvidam de tudo. Ninguém está sozinho frente a seus medos. Ninguém está sozinho em sua solidão. Existe Alguém que pensa em nós.

Assim proclama o mensageiro: "Hoje nasceu para vós o Salvador, que é o Messias, o Senhor". Não é o filho do imperador Augusto, dominador do mundo, celebrado como salvador e portador da paz graças ao poder de suas legiões. O nascimento de um poderoso não é boa notícia em um mundo em que os fracos são vítimas de todos os tipos de abuso.

Esse menino nasce em um povoado submetido ao Império. Não tem cidadania romana. Ninguém espera em Roma o seu nascimento. Mas é o Salvador de que precisamos. Não estará ao serviço de nenhum César. Não trabalhará para nenhum império. Só buscará o reino de Deus e a sua justiça. Viverá para tornar a vida mais humana. Nele, este mundo injusto encontrará a salvação de Deus.

Onde está esse menino? Como o podemos reconhecer? Assim diz o mensageiro: "Isto vos servirá de sinal: encontrareis um recém-nascido, envolto em faixas e deitado numa manjedoura". O menino nasceu como um excluído. Seus pais não conseguiram encontrar um lugar acolhedor para ele. Sua mãe deu à luz a ele sem a ajuda de ninguém. Ela mesmo se valeu, como pôde, para envolvê-lo em panos e deitá-lo em um presépio.

Nesse presépio, Deus começa a sua aventura entre os homens. Não o encontraremos nos poderosos, mas sim nos fracos. Não está no grande e espetacular, mas sim no pobre e no pequeno. Ouviremos a mensagem: vamos a Belém. Voltemos às raízes da nossa fé. Busquemos a Deus onde ele se encarnou.

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Como seria o nascimento de Jesus na era digital?


É do ano passado, mas ainda vale. :-) Porque Cristo não nasceu apenas há mais de 2 mil anos na longínqua Belém, mas há de nascer em cada coração, aqui e agora, e a cada Natal.

Natal sem solidão


Por todos os cantos, escuto gente falando que "odeia o Natal". Por trás de tão desaforada frase para Papai Noel e suas renas, imagino que haja sempre embutido um gole azedo de alguma tristeza ou um pote de amargura pelo abandono, pela dificuldade ou incapacidade de comemorar a vindoura noite feliz.
De fato, para quem tem de encarar os piscas-piscas da cidade na solidão ou se banhando nas lembranças de quem ou de um tempo que se foi é o ó do borogodó.

Também é um porre queimar todo o 13º salário em presentes para sobrinhos endiabrados. Mais chato ainda é ter de suportar aquele cunhado folgado dizendo que a "coxa do peru tem dono".

Mas penso que seja preciso evitar maldizer esse tempo que ainda sobrou para parte da humanidade: doar-se à solidariedade e ceder o banco reservado aos velhos no ônibus, mudar de atitude e deixar de estacionar em vagas reservadas às pessoas com deficiência, lembrar os entes e amigos engavetados na estante do atropelo -ou do egoísmo- do cotidiano, suavizar pequenas injustiças alheias com as próprias mãos.

As razões para não gostar do Natal podem ser, com algum esforço, revertidas em atitudes que proporcionem energia e fé para dias melhores a quem não tem nem a oportunidade de escolha e irá mesmo passar esses dias no calundu.

Obviamente ninguém tem a obrigação de estar feliz nesta época do ano. Porém é uma chance coletiva e legítima de tentar amenizar o Natal de solidão forçada para alguns que moram em asilos, de rechear positivamente a fantasia dos que se "hospedam" em orfanatos, de incentivar dias melhores para os que dormem nas enfermarias, nas UTIs.

Eu mesmo já passei muitos Natais atravessados, levando comigo toda a "famiage". Em um deles, eu estava de molho, em reabilitação da paralisia infantil, no hospital Sarah, em Brasília, cercado por macas, pinos cirúrgicos, dores de todos os tipos e sabores.

Lembro que houve um show do Eduardo Dusek, que tocou "Barrados no Baile" e divertiu o povo com seus trejeitos no piano. Enfermeiros, médicos e voluntários se juntaram a pais, mães e irmãos para celebrar a data e desejar que os estropiados, no futuro, pudessem passar o dia 25 em outra situação, talvez, quem sabe, disputando a coxa do peru com o cunhado.

De lá para cá, não resolvi ir às missas do galo nem faço questão de fazer ceia à meia-noite, mas lá em casa tem enfeites, tem uma voz interior que empurra a ser mais solidário e há iniciativas diversas para não odiar o Natal, para não dar brecha à solidão e dar fôlego para os bons pensamentos. Há sempre alguém se agarrando na esperança de um mundo melhor, sobretudo quando o próprio mundo criou essa possibilidade.
E esta "Pollyanna sobre rodas" defende um Natal sem solidão. Adote um cachorro sarnento e faça dele um lulu de madame -vale também comprar um labrador babão e botar nele o nome de Banzé. Engula o orgulho com uma taça de espumante e ligue para o ingrato de seu filho mais velho que só quer saber de passear em Gramado.

Se nada funcionar, coloque o disco do "rei" na vitrola e deixe que ele repita, até ficar rouco, aquela frase gostosa: "Quando eu estou aqui, eu vivo esse momento lindo...".

- Jairo Marques
Reproduzido via Conteúdo Livre

O Advento dos pais de Jesus


Ninguém esperou mais pelo Menino que seus pais. Durante nove meses, Maria carregou dentro de si o Salvador e viveu o mistério da maternidade: gerou vida dentro de si, ao mesmo tempo em que gestava a Vida. Ao seu lado, o companheiro José, que com Ela partilhava o mistério que o Senhor havia lhes depositado nas mãos. O que esperar? O que seria necessário fazer? O que deveriam viver, além da entrega nas mãos do Pai?

Na Anunciação, fica claro que Maria não entendia como a vontade de seu Senhor se concretizaria: questiona o anjo, tenta entender o que aos olhos humanos era incompreensível – como gerar vida, se ela não conhecia homem, se era virgem? E o anjo lhe explica como, soprando sobre Ela o Espírito de Deus que a cobriria de entendimento e adoração, reverenciando desde já a Vida que nascia dentro de si.

Por outro lado, José, o carpinteiro, tal como o seu povo esperava pelo Messias. Esperava com o coração em constante expectativa por se saber da linhagem do rei Davi e, como havia anunciado o profeta, era daquela casa real que sairia o novo rei dos judeus. E esperava por seu casamento com sua amada Maria. Até que chega o inesperado... José percebe que sua noiva está grávida. Não consegue repudiá-la, mas também é difícil aceitá-la. Então o homem dos sonhos, recebe em seu sono a visita do anjo que lhe acalma o coração apertado: “Não tenha medo, ela concebeu pela ação do Espírito.” (Mt 1, 20). E a espera se transforma na alegria da guarda do grande segredo: o Salvador estava próximo.

O acompanhar dos episódios que se seguirão a partir daqueles momentos de Nazaré é revelador. Maria irá meditar em seu coração sobre os acontecimentos que marcarão o nascimento do Menino. José irá cuidar dela durante sua espera. E, os dois, irão acompanhar o Menino em sua caminhada terrena, ajudando-o a crescer em estatura, conhecimento e graça.

Observar Maria ao longo da vida de Jesus Cristo nos fará entender como fazer para entendermos a história de um Deus que caminha com a humanidade. O Criador conhece pelo nome cada uma de suas criaturas. Mas, às criaturas não é dado todo o conhecimento de seu Criador. Por isso, a necessidade de saber enxergá-Lo na escuridão, escutá-Lo na turbulência e senti-Lo quando parece estar longe. E este é também um caminho de conversão: aquele que nos conduzirá ao encontro do Senhor, através do sair de nós mesmos para o encontro com aquele que só pode ser visto através do amor e serviço ao outro. Tal como a Virgem de Nazaré o fez.

Observar José neste tempo de Advento é resgatar a esperança sentida por aquele judeu simples, fiel a seu Deus, e que acreditou no inacreditável que acontecia em sua vida, deve ser exemplo para as nossas vidas que também são, por vezes, atropeladas pelo inaceitável, pelo incrível, pela graça de Deus.

Nesses tempos em que nos parece mais fácil a desesperança, o exemplo da família de Nazaré, guardiões da Esperança, deve ser presença consoladora para nossos corações e ações, impulsionando-nos a seguir em frente e a fazer o Menino nascer novamente para a humanidade.

- Gilda Carvalho
Reproduzido via Amai-vos

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Questão de ética

Foto: Kyle Bean

“A questão que se levanta é dramática: sobre que fundamentos devemos edificar a nova era histórica, que está a nascer das grandiosas transformações do século XX? É suficiente confiar na revolução tecnológica, hoje em acto, que parece respeitar unicamente os critérios da produtividade e da eficácia, sem fazer referência à dimensão espiritual do indivíduo ou a quaisquer valores éticos universalmente compartilhados? É justo contentar-se com respostas provisórias aos problemas de fundo, abandonando a vida aos impulsos do instinto, às sensações efémeras ou aos entusiasmos passageiros? Esta interrogação volta a ressoar: sobre que fundamentos e que certezas deveremos edificar as nossas vidas e a existência da comunidade a que pertencemos?"

- João Paulo II, na Jornada Mundial da Juventude de 2002, dirigindo-se a jovens do mundo inteiro em sua última viagem às Américas.

Vale muito a pena ler o artigo completo do qual a citação acima foi extraída, postado pelo historiador Leandro Cruz em seu excelente blog Viagem no Tempo.

"Ninguém pode me tirar de junto do Pai"


Percebemos que a ideia de conciliar nossas identidades de gays e católicos muitas vezes causa um certo estranhamento ou mesmo desconforto em algumas pessoas - e, nesse caso, não só os "fundamentalistas", mas também em muitos gays não-religiosos. Em vista disso, iniciamos há algumas semanas uma série de depoimentos aqui no blog, publicados sempre às quintas-feiras, às 15h, de algumas das pessoas que frequentam as reuniões e atividades do Diversidade Católica e que se dispuseram a compartilhar, com os leitores do blog, um pouco de suas histórias e suas vivências como gays e católicos que são.

A série pode ser acessada através da tag "gay e cristão".

A cada um deles, sempre, nosso muito obrigado. :-)


Meu nome é Cristiana, tenho 37 (quase 38) anos, sou psicóloga e psicoterapeuta e casada. Desde que me entendo por gente, Deus é uma presença constante em minha vida, em meus pensamentos e em meu coração. Uma presença muito real, com quem sempre conversei e dividi minhas angústias, minhas alegrias e meus desejos, e cujas respostas sempre ouvi muito concretamente através de pequenos acontecimentos e detalhes do cotidiano. Educada em colégio católico, lembro como se fosse ontem da primeira aula de religião, no antigo C.A. (classe de alfabetização): a Irmã Maria Amélia – pequenina, um pouquinho encurvada, um jeitinho simples e mineiro de falar, levemente dentuça, sempre de saia preta e camisa bege abotoada até o pescoço – fazendo o gesto de discar na palma da mão (começo dos anos 1980, tempos dos telefones cinzentos com fio e de disco da antiga Telerj) e ensinando que “o telefone de Deus” era “a oração: o telefone do coração”. Eu tinha 6 anos, e Deus era o meu “Papai do Céu”, com quem eu ia conversar diariamente na capela do colégio antes das aulas e na hora do recreio. Conversava muito também com a “Mamãe do Céu” – uma Nossa Senhora linda e coroada, que, do altar, Menino Jesus ao colo fazendo um gesto de bênção, me olhava com benevolência e compaixão. Aos seus pés estendia-se um misterioso letreiro em latim, o lema da ordem religiosa da escola: In Sion Firmata Sum, cujo significado sempre foi um enigma para mim.

Cresci com essa relação de afeto e familiaridade com Deus. A partir da Primeira Eucaristia, aos dez anos, passei a frequentar religiosamente (sem trocadilhos) a missa aos domingos com meu pai (minha mãe ficava em casa com minha irmã pequena). Só o que me perturbava um pouco era a noção recém-adquirida, junto com a Confissão que acompanhou a Primeira Eucaristia, de “pecado”, e a necessidade de estar “limpa”, através da confissão, para poder comungar. Resultado: todo domingo eu precisava chegar meia hora antes para entrar na fila da confissão e relatar meus pecadilhos: eu menti, eu impliquei com a minha irmã, eu fiz malcriação para a minha mãe, fui desaforada com meu pai...

Ao longo da adolescência foi nascendo a sexualidade, e começou a confusão. Ouvi dizer que masturbação era pecado – e, bem, toda semana eu ia me confessar e perguntar ao padre por que. Foram muitos padres, muitas explicações diferentes, mas nenhuma me convencia. Não conseguia entender por que aquilo seria “um ato de egoísmo”. Não conseguia entender como eu estaria prejudicando alguém. Eu não indagava num espírito de confronto; simplesmente era algo que não fazia sentido para mim, e queria muito compreender.

Ali começou a surgir uma imagem de um Deus que me poria à prova, perante o qual eu teria de me justificar e comprovar meu valor; um Deus que teria para mim planos que estariam além dos meus desejos mais imediatos e, para adequar-me à sua vontade, eu teria de “purificar” a minha. De filha querida, amada e confiante no colo do Pai, fui me tornando, aos meus próprios olhos, impura. Na tentativa de mostrar-me à altura dele, merecedora de seu afeto, esforcei-me por parar de chamá-lo daquele infantil “Papai do Céu” e “amadurecer”, passando a dirigir-me a Ele como “Deus” – ainda “Pai”, mas, sem que eu percebesse, mais distante, mais severo; um Pai de desígnios misteriosos e arbitrários, que nem sempre faziam sentido para mim e que eu já não compreendia mais.

Quando me dei conta da minha homossexualidade – que sempre, sempre, sempre tinha estado ali, embora eu simplesmente não tivesse olhos para ver –, já aos 18 anos, mergulhei no inferno da dúvida. Por um lado, coisas que nunca tinham feito sentido passaram a fazer, portas e janelas se abriram e uma lufada de ar fresco invadiu meus pulmões quando entendi finalmente que não precisava me obrigar a me interessar por meninos, a flertar com os meninos, a desejar os meninos, a me apaixonar por meninos e um dia a casar com um. O fascínio e o encantamento que as meninas me despertavam (bem, algumas delas) e que desde sempre me haviam levado a escrever poesias e suspirar e ansiar por estar com elas e tocá-las e protegê-las e receber sua atenção – isso era a tal atração, o tal flerte, o tal desejo, a tal paixão, o tal amor. Agora, sim, alguma coisa fazia sentido.

Por outro lado, havia a história do pecado. Se eu estava “em pecado”, não podia comungar. Durante a Eucaristia, chorava a alma, mas, em respeito ao sacramento, “não podia” ir recebê-lo enquanto não chegasse a uma conclusão quanto a ter o direito de fazer isso ou não. E toca a ir a todos os padres que estavam ao meu alcance perguntar por que ser homossexual era pecado, sem querer me dar conta do absurdo da pergunta – desde quando “ser” alguma coisa é pecado? Se eu “sou”, não é uma escolha, não pode ser pecado, assim como não é pecado eu ser, sei lá, destra ou canhota. De novo, recebi as mais diferentes respostas, e absolutamente nenhuma fazia sentido, porque eu tinha aprendido que “pecar” era escolher fazer mal a alguém, e eu não percebia nenhum mal em sentir o que eu sentia. Um dia, depois de ouvir de um padre muito querido todas as respostas que eu já conhecia de cor e salteado, e de retorquir com todos os argumentos que eu também já tinha na ponta da língua, ele, sem ter mais como continuar, jogou a toalha: “Minha filha, você vai ter que conversar com alguém mais esclarecido do que eu. Não sei mais o que dizer a você”. Foi uma luz no fim do túnel. Talvez houvesse sentido no que eu sentia, afinal.

Já na faculdade, já declaradamente fora do armário para família e amigos, mas ainda vivendo apenas paixões platônicas, sem que nada de concreto tivesse acontecido, fui convidada um dia para um retiro de iniciação aos exercícios espirituais de Santo Inácio. Ao final do retiro, antes da celebração eucarística, fui, como sempre, me confessar. E comecei minha ladainha: “Queria saber por que ser homossexual é pecado. Não consigo entender, pois, se é amor, e se todo amor gera vida...” Nesse ponto a voz sempre embargava, e engasguei; o padre entendeu, sorriu e teve a compaixão de me poupar do trabalho de continuar. “Minha filha, você tem toda razão. Todo amor gera vida. Pode ficar em paz.” E fiquei: naquele dia, comunguei em paz, finalmente, depois de alguns anos. Meu coração estava mais livre.

Percorrer o caminho dos exercícios inacianos, de lá para cá, foi um grande aprendizado – a começar pela presença amorosa, paciente e perseverante da minha orientadora, em si mesma uma graça do Pai em minha vida. Tem sido um caminho sinuoso, de longas voltas, de constantes recomeços e reconversões, de eternos retornos. Desde então, passaram-se mais de 15 anos de um contínuo voltar-me e voltar para Deus, e nele passo a passo reencontrar o Pai amoroso da minha infância, em cujo regaço posso repousar com confiança inocente e em paz; meu “Papai do céu”, que, mesmo quando me afasto, me conduz amorosamente por suas veredas, e que, nos momentos mais sombrios, quando me sinto só e brado “Meu Deus, por que me abandonaste?”, me carrega no colo em silêncio e sem que eu perceba, deixando apenas um par de pegadas na areia.

Assim, por meandros quase nunca fáceis mas sempre de graça em graça, cheguei em 2008 ao Diversidade Católica. Aqui descobri que o amor do Pai se faz sentir no amor que recebo dos que me amam e no amor que sinto por eles: meus pais, minha irmã, meus muitos amigos e outros tantos tão queridos. Aqui aprendi a viver em comunidade a graça desse amor radiante, e finalmente entendi o “onde um ou mais estiverem reunidos em meu nome, Eu estarei no meio deles” – porque aqui o amor do Pai, a Boa Nova de Cristo, se fazem sentir concretamente, sempre que estamos juntos eu e meus irmãos.

Aqui também recebi de presente, num dia de aniversário, a mulher ao lado de quem quero caminhar e crescer e com quero dividir todos os dias da minha vida e ter filhos para os quais transmitir os valores que compartilhamos e com os quais também aprender; mulher que admiro e respeito e amo com um amor tão profundo que não cabe em mim, transborda e torna a minha vida mais luminosa e minha caminhada mais leve. A minha família é a família dela, e a família dela é a minha; e minha maior felicidade é sermos família juntas, na certeza de que temos a responsabilidade de servir como agentes de multiplicação da infinidade de graças que recebemos.

Sobretudo, descobri também que Deus não me impõe nada além do que já é a minha própria natureza e vontade, aquela que reverbera no mais fundo do meu coração. Deus, em seu amor, não me pede sacrifícios nem me propõe jogos, testes ou provas. Tudo o que ele quer é que eu seja feliz; para isso ele me preparou, e tudo o que eu devo fazer é me deixar conduzir por ele na realização daquilo que eu sou desde sempre e desde sempre me impulsiona e pulsa no meu ser.

Foi assim, por um desses carinhos sutis com que o Pai nos aconchega e faz sentir o seu amor, que recentemente decifrei um dos maiores mistérios da minha infância: o In Sion Firmata Sum, a inscrição aos pés de Nossa Senhora de Sion, lema gravado no altar que tanto me intrigava em pequena, traduz-se como “Estabeleci-me firmemente em Sião”. Sem que eu soubesse, esse lema esteve desde sempre gravado na minha alma, no meu coração e no meu nome como um sinal. Sim, de pés plantados na rocha da qual ninguém me pode arrancar, “estabeleci-me firmemente em Sião”: ninguém, nem eu mesma, pode me afastar dos sacramentos nem da Igreja dos meus irmãos.;ninguém pode me tirar de junto desse Pai que me ama sem razão nem porquê, com esse amor de uma gratuidade louca e escandalosa, sem que eu nada tenha feito para merecer. Porque, sim, desde o nascimento eu sou o que sou: Cristiana, mulher, gay, cristã, católica e filha amada incondicionalmente, irrestritamente, pelo Pai Infinitamente Amoroso, e por Ele capaz de amar, e refletir e espalhar o seu amor.

E que para sempre seja louvado.

* * *

Com este depoimento, chegamos ao fim da nossa série. Aproveito este espaço para mais uma vez agradecer a todos os que tiveram a generosidade de compartilhar suas histórias conosco e com os leitores do blog, e também para expressar minha mais profunda e sincera gratidão aos meus companheiros de jornada: Rodolfo, minha amada Zu, Marcelo, Mister MM, Hugo, o Inquieto e demais colaboradores do blog, assíduos ou bissextos, antigos ou recentes; a todos os que, de perto ou de longe, nos incentivam com suas palavras ou com sua torcida, com sua participação ou com sua presença, com seus comentários, críticas ou sugestões. A todos vocês, e a todos os meus irmãozinhos do Diversidade, muito obrigada, e que neste Natal a presença viva de Cristo renasça mais uma vez no coração de cada um de nós.

Com amor,

Cris

Marta defende criminalização da homofobia

Pronunciamento da senadora Marta Suplicy (PT-SP) no encerramento da sessão da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) que discutiu o projeto de lei da Câmara 122, de 2006, no dia 8/12/2011. O PLC 122, que criminaliza a homofobia, é relatado na CDH pela senadora.



A defesa de Marta é bastante elucidativa.
Destaque no vídeo para o esclarecimento que ela faz com relação a CNBB.


Rodolfo Viana

Advento: O “SIM” ousado à vida

Foto daqui

Nem sempre temos consciência da força que a expressão “sim” carrega, pois nos faz mais "ex-cêntricos", centrados nos outros. Dizer “sim” é ampliar o próprio interior para que Deus possa atuar. Dizer “sim” é deixar Deus ser Deus.

Encanta-nos quando alguém pronuncia um “Sim!” seguro e convicto. É música em seus lábios, explosão de vida, afirmação generosa e alegre de tudo o que a pessoa é. É sílaba afiada, nota aguda, proclamação decisiva, expressão que tem peso. É um ato de fé. Quando alguém diz “Sim!” está afirmando sua vida, confiando em Deus e nos outros.

Quando alguém diz “Sim”, com toda energia e vibração, está fazendo com que todos os que o ouvem creiam na vida e se encantem com o mundo. Cada “Sim” radical é um sermão, um testemunho, um empurrão de graça para aqueles que o ouvem.

Você já percebeu como todo “Sim” repercute e desencadeia outros “Sins”? Não há palavra mais aberta, mais confiante, mais entregue. O “Sim” move e nos faz peregrinos. Se nunca nos movemos, nunca nos plenificaremos.

Há especialistas em encontrar obstáculos, fabricar pretextos, encontrar desculpas, obter adiamentos... Sempre dizem “Não” a tudo o que é novo. O “Não” é fácil, cômodo e seguro e mata a aventura. Aprender a dizer “Sim” é viver!

No processo de Salvação da humanidade tudo começou com um “Sim”, o de Maria em Nazaré. Nada de condições, nem garantias ou averiguações, mas abertura total e entrega definitiva. Será dor e será alegria; morte e ressurreição; espera e acolhida.

A Deus não agradam as condições, dúvidas, demoras, regateios... Ele espera de nós sempre um “Sim” claro, definitivo e permanente à sua proposta.

Deus nunca força a liberdade, nem mesmo nos momentos em que está em jogo o futuro da humanidade. Deus que nos criou sem o nosso consentimento, não impõe missão alguma sem a nossa permissão. Ele suscita nossos desejos, atrai, convida, mas respeita sempre nossa liberdade.

Todo “Sim” é atrevido, arriscado e aventureiro. Tudo o que é grande na vida, tudo o que é nobre, duradouro e valioso começa com um “Sim” confiante. O “Sim” emancipa, realiza e personaliza.

Maria disse SIM e se autodenominou “serva do Senhor”; põe-se a serviço dessa vocação-missão.

A vida é um lento aprendizado para dizer sempre “SIM!”

Uma pergunta: Como você responde às propostas de Deus?

- Pe. A. Pallaoro SJ
Reproduzido via blog Terra Boa

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Loucos o bastante

Foto: Kate Spade

‎"Aqui estão os loucos. Os desajustados. Os rebeldes. Os criadores de caso. Os pinos redondos nos buracos quadrados. Aqueles que vêem as coisas de forma diferente. Eles não curtem regras. E não respeitam o status quo. Você pode citá-los, discordar deles, glorificá-los ou caluniá-los. Mas a única coisa que você não pode fazer é ignorá-los. Porque eles mudam as coisas. Empurram a raça humana para a frente. E, enquanto alguns os vêem como loucos, nós os vemos como geniais. Porque as pessoas loucas o bastante para acreditar que podem mudar o mundo, são as que o mudam."

- Jack Kerouac

Campanha pelo desarmamento em dezembro


Meus amores de paixão, irmãos que Deus me deu pela Graça,

Num estado de glória, quase um êxtase de santa Teresa D'Ávila, já me embrenhei no espírito de Natal. Eu que sou super crítica e até meio chatonilda, me vejo cantando musiquinhas de dezembro com a felicidade de quem vai ganhar mais um irmãozinho. Na verdade, vou mesmo.

Curto Papai Noel, tenho que admitir, monto minha árvore de Natal com o máximo de antecedência e, esse ano, rolou até guirlanda de fuxico feita por mim. Comprei presente pra família, encarei o shopping lotado, tô super no clima da rabanada mas o meu irmãozinho que está pra nascer de novo não para de ser lembrado.

Converso muito com taxistas porque eles têm as melhores histórias do mundo pra contar. Nessa época, o que eles mais contam é caso de gente agressiva, arrogante, briguenta, amarga. Mas, peraí... Natal não é pra gente ficar feliz em ver nascer o Cristo mais uma vez? O sentido do Natal não era a união e a harmonia, ou eu que entendi errado? A galera anda chupando limão no shopping em dezembro ou sofrendo do fígado? Filas demoram mesmo e isso não é justificativa pra xingar o caixa. Os táxis estão cheios e nem todo taxista está tentando te enrolar. As pessoas se trupicam na rua porque a rua está cheia de gente. Não precisa ser uma guerra se a gente não quiser.

Este ano, muito feliz porque vou ganhar de novo meu irmãozinho mais humano que todos os humanos, irmão que cresceu ensinando o amor, me dei presentes. Fiz as pazes e propus recomeços de verdade, do zero.

Proponho isso pra vocês também: se deem presentes de verdade nesse Natal. Desarmem-se para a chegada daquele que é só Amor.

Desejo a todos os meus irmãos de blog um Natal lindo, que o nosso Cristo nasça verdadeiramente ungido nos corações da gente e que o novo ano seja de movimento e crescimento dos afetos e da consciência (mesmo que a gente se magoe de vez em quando).

Com um amor de Natal,
Zu.

O nascimento de Jesus: um cordel sobre o Natal


Recebemos essa animação via Facebook e achamos TÃO fofinha - apesar da confusão entre pastores e Reis Magos... E, principalmente, que importante o lembrete de que Natal não é só compras e Papai Noel, não?

Ho ho ho... ;-)

Sua vinda valeu à pena esperar


"De um filho divino se levantará uma raça humana e um herói irá dominar o mundo, e sua fama vai se espalhar sobre a terra." Estas palavras de um hino tibetano do sétimo século sugerem o quão profundo e universal é a antecipação de que um dentre nós virá e nos levará além de nós mesmos, a fim de que possamos finalmente nos encontrar. Este a quem aguardamos será ao mesmo tempo familiar e estranho.

A correria para as celebrações de Natal é ritual, religiosa, cultural e doméstica. Ano após ano nós a repetimos e sua familiaridade é de sua própria essência. Mas isso é uma fachada para um nível mais profundo de significado em nossa relação com Aquele que faz a sua aparição em um trans-histórico "'hoje", a cada dia, a cada respiração. Ele é tão estranho quanto é familiar. Ele é como uma declaração plenamente expressa, bem escolhida, ou como um pensamento que não é dito casualmente ou inconscientemente, mas é bem avaliado, articulado e acurado - uma exata e poderosa palavra que vem do silêncio verdadeiro e traz a realidade daquele silêncio com ele.

"Mesmo quando se manifesta, ele ainda é um estranho" (S. Máximo, o confessor) e "da maneira que ele é entendido, ele permanece misterioso" (Dionísio, o areopagita). Sua vinda valeu à pena esperar, porque não é apenas um dom exterior. Ele também implode o despertar de nossa verdadeira natureza, tornando- nos conscientes do dom de nosso próprio ser. Sua familiaridade é ser inteiramente humano. Seu ser sempre estranho se deve à sua divindade indescritível. Quando é reconhecido, e quando se abre totalmente a parcela da alma, tudo é transformado porque vemos tudo como realmente é.

Com amor,

Laurence Freeman OSB
Mensagem do autor para a quarta semana deste Advento (veja trecho da mensagem para a primeira semana aqui  para a segunda semana, aqui; e, para a terceira semana, aqui). Grifos nossos.
Para saber mais, visite o site da Comunidade Mundial de Meditação Cristã no Brasil.

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Campanha de enfrentamento à homofobia

Campanha de esclarecimento da população sobre homofobia e incentivo
à denúncia através do Disque Direitos Humanos - Disque 100.

A mobilização é uma iniciativa da Secretaria de Direitos Humanos
da Presidência da República, do PNUD, da Unesco e da TV Globo.

A peça é protagonizada pelos atores Marcos Damigo e Rodrigo Andrade, que interpretaram um casal gay na novela Insensato Coração.



Sentidos do fundamentalismo


"Os motores de muitos fundamentalismos missionários são a incapacidade de viver à altura dos preceitos pregados e a inveja de quem não respeita esses preceitos", escreve Contardo Calligaris, psicanalista, em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, 15-12-2011.

Eis o artigo, aqui reproduzido via IHU.


Eis uma (pequena) contribuição ao debate sobre fundamentalismo que se deu, recentemente, na Folha (artigos de Ives Gandra da Silva Martins, 24/11, e Daniel Sottomaior, 8/12; cartas dos leitores Antônio Ilário Felici e Francisco Guimarães, 9/12; coluna de Hélio Schwartsman, 10/12).

Fundamentalista é, antes de mais nada, quem leva a sério sua convicção e segue à risca os preceitos que derivam dela.

Se você for católico, não se divorciará nem comerá carne na Sexta da Paixão; se for judeu, no sábado, evitará ligar a luz elétrica; se for muçulmano, não tomará álcool e, caso seja mulher, circulará de véu fora de casa; se for ateu, não invocará a misericórdia divina, nem mesmo em momentos de extremo perigo.

Meu pai era convencido de que existem mistérios para os quais qualquer resposta seria desonesta.

Nesse seu agnosticismo, ele era fundamentalista no sentido que acabo de definir. Um dia, quando meu irmão e eu éramos já adultos, ele quis que prometêssemos que, se ele, na agonia, pedisse a assistência de um padre, nós lhe negaríamos esse recurso, considerando que sua sanidade mental teria se perdido no aperto acovardado da última hora.

Prometemos. Por sorte, ele morreu sem pedir conforto religioso algum. Se ele tivesse pedido, não sei se eu teria mantido minha promessa; à diferença dele, eu não sou fundamentalista: decido e escolho segundo as circunstâncias e não por princípio.

Mesmo assim, tenho respeito, se não simpatia, por esse tipo de fundamentalismo. E acho que todos deveriam poder levar (e viver) suas convicções a sério, se assim quiserem -claro, nos limites básicos impostos pelos códigos Penal e Civil, que regem a convivência social.

Mas tenho pressa de chegar ao outro sentido, pelo qual fundamentalista é quem exige que os preceitos que derivam de suas convicções ou de sua fé sejam observados por todos -ou mesmo que eles se transformem em lei da sociedade inteira.

Esse tipo de fundamentalista, seja qual for sua convicção, religiosa ou ateia, é animado pela necessidade de converter os outros, a qualquer custo. Em geral, ele acha que a violência de seu espírito "missionário" é um corolário de sua fé e uma prova de sua generosidade: "Forçando o outro a se converter, eu só quero seu bem, mesmo que seja contra a vontade dele".

Com esse tipo de fundamentalista, eu implico, por duas razões.

Primeiro, detesto que alguém esconda sua violência atrás de pretensas boas intenções e não gosto da ideia de que um outro imagine saber o que é "bom" para mim.

Segundo, não acredito que alguém possa querer converter os outros à força por generosidade.

Há duas razões pelas quais, em regra, alguém quer impor as normas de suas convicções aos outros, e ambas são péssimas:

1) Ele precisa que ao menos os outros respeitem essas normas, que ele preza, mas não consegue impor a si mesmo - ou seja, incapaz de obedecer a seus próprios princípios, ele quer validá-los pela obediência forçada dos outros;

2) Ele quer se livrar da inveja que ele sente da vida dos que não respeitam essas mesmas normas (para assinalar a componente de inveja, presente nos moralistas, Alfred Kinsey, o grande sociólogo e sexólogo, dizia que "ninfômana" e "tarado" são os que conseguem ter uma vida sexual mais intensa do que a da gente).

Em suma, os motores de muitos fundamentalismos missionários são a incapacidade de viver à altura dos preceitos pregados e a inveja de quem não respeita esses preceitos.

Por isso, no debate (ou na gritaria) entre homossexuais e evangélicos, por exemplo, nem preciso decidir se gosto mais de Oscar Wilde ou do apóstolo Paulo.

Pois, bem antes e independentemente disso, a oposição relevante é a seguinte: os homossexuais não pretendem que os evangélicos passem todos a transar com parceiros do mesmo sexo ou a frequentar baladas gays, enquanto os evangélicos pretendem que os homossexuais se convertam e renunciem a seu desejo (transformado em "pecado") - ou, no mínimo, que eles sejam impedidos de viver segundo suas próprias disposições e convicções.

Ou seja, para se situar nessa oposição, não é preciso escolher entre as ideias e as práticas das partes, mas entre os que querem regrar a vida de todos segundo seus preceitos e os que preferem que, nos limites da lei, todos possam pensar e agir como quiserem.

Assim sendo, como se diz na roleta, "façam suas apostas".

Eis que chegará o Salvador

"Adoração dos Pastores", Honthorst, 1622

O último domingo do tempo do Advento nos convida a relembrar os acontecimentos de Nazaré, quando o anjo Gabriel vem anunciar a Maria que ela conceberá o Salvador. No ventre daquela jovem virgem, o milagre da vida vai acontecer e, meses depois, já em Belém, o próprio Deus virá fazer morada junto à humanidade toda.

Durante a visita do anjo, Maria irá se sentir confusa sobre o mistério daquela encarnação, já que era virgem. Depois, seu noivo José também se perturbará já que não a havia desposado plenamente. Mas ambos irão buscar a vontade de Seu Deus e, aos poucos, irão compreender que eram portadores de um grande mistério e participarão ativamente deste.

Maria e José trazem consigo uma grande notícia: com eles chegará o Salvador! E irão mostrar a todos que a salvação não acontece com grandiosidade ou alarde, mas na simplicidade de uma gruta em uma cidade distante, sob o testemunho apenas de animais e pobres pastores. E esse milagre se repetirá infinitamente, demonstrando que é assim que Deus quer dar a salvação a seus filhos: com simplicidade, com a ternura de um pai que presenteia um filho, com o sentido especial daqueles momentos únicos feitos apenas da troca de olhares ou de sorrisos.

Jesus não se veste de brilho para salvar a humanidade; veste-se de faixas que podem cobrir o pequeno corpo do Menino. Jesus não se senta em um trono para mostrar seu poder; deita-se em uma manjedoura, coberta de palha. Jesus não conta com a reverência de autoridades para apresentar-se como salvador; aceita a humilde visita de pastores de ovelhas sujos e mal-dormidos que correm para conhecer o que lhes é anunciado.

E é assim que Jesus quer continuar a estender sua salvação a cada um de nós: na simplicidade dos corações que conseguem enxergar os mistérios daquela Noite Santa; na abertura de sentimentos que provoca o despojamento de todo egoísmo para reconhecer o Salvador em cada um daqueles que passam por nossas vidas; na alegria própria daqueles que se sabem desde já salvos pelo amor do Criador por suas criaturas, mas que, ainda assim, sabem que é preciso trabalhar com Deus para a implantação de seu reino de amor já neste terra e, assim, viver a plenitude dos tempos.

Para sua reflexão: Lc 1, 26-38

- Gilda Carvalho
Reproduzido via Amai-vos, com grifos nossos

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

O Artesão do desarmamento

Foto: Edu Marin

Não sou eu quem determina o destino do mundo.
Não sou eu quem começa as guerras.

Apenas sigo o meu caminho. Faço o meu trabalho.
Nada faço de errado.
Mas não sei.

E essa é a questão,
que sempre me atormenta.
Não quem determina,
e no entanto nada faço de mal.

Faço girar parafusos pequeninos com os meus dedos,
fabricando componentes de armas
que nos ameaçam a todos.
E ainda assim não sou eu quem determina
o destino que aparece diante de nós.

Eu poderia criar outro destino,
tornando o mundo seguro para todos aqueles
que anseiam viver a sua vida.

E então eu saberia
a razão sagrada,
o significado brilhante
da nossa existência.

Ninguém então poderia destruir-nos
com as suas ações
ou iludir-nos
com as suas palavras.

O mundo que eu ajudo a fazer
não é um mundo bom.
No entanto eu não sou mau.
E não fui eu que o inventei.
Mas será isso suficiente?

- Karol Wojtyla, poeta, ator e dramaturgo polonês, futuro papa João Paulo II

Vale muito a pena ler o artigo completo do qual a poesia acima foi extraída, postado pelo historiador Leandro Cruz em seu excelente blog Viagem no Tempo.

Diversidade Católica no CBN Mix Brasil: 'É possível seguir a religião e ser gay!'


Juliana Luvizaro, membro do Diversidade Católica e colaboradora do nosso blog, deu ontem uma entrevista ao programa Mix Brasil, da rádio CBN, sobre o Diversidade Católica, a conciliação das identidades gay e católica e a inclusão dos gays na Igreja.

Você encontra mais informações sobre esses temas na seção de Perguntas Frequentes do nosso site e nos textos "Nosso Testemunho" e "Cristianismo maduro e responsável"

O áudio acima contém o programa completo. Se quiser ouvir apenas a entrevista propriamente dita, vá direto para 28:50.
:-)

Testemunhas da luz

Imagem daqui

A fé cristã nasceu do encontro surpreendente que viveu um grupo de homens e mulheres com Jesus. Tudo começa quando estes discípulos e discípulas se colocam em contacto com Ele e experimentam "a proximidade salvadora de Deus". Essa experiência libertadora, transformadora e humanizadora que vivem com Jesus é a que desencadeou tudo.

A Sua fé desperta no meio de dúvidas, incertezas e mal-entendidos enquanto o seguem pelos caminhos da Galileia. Fica ferida pela covardia e a negação quando é executado na cruz. Reafirma-se e volta contagiosa quando o experimentam cheia de vida despois da Sua morte.

Por isso, se, ao longo dos anos, não se contagia e se transmite esta experiência de umas gerações a outras, introduz-se na história do cristianismo uma ruptura trágica. Os bispos e presbíteros continuam a predicar a mensagem cristã. Os teólogos escrevem os seus estudos teológicos. Os pastores administram os sacramentos. Mas, se não há testemunhas capazes de contagiar algo do que se viveu no início com Jesus, falta o essencial, a única coisa que pode manter viva a fé Nele.

Nas nossas comunidades estamos necessitados destas testemunhas de Jesus. A figura de João Batista, abrindo-lhe caminho no meio do povo judeu, anima-nos a despertar hoje na Igreja esta vocação tão necessária. No meio da escuridão dos nossos tempos necessitamos de «testemunhas da luz».

Crentes que despertem o desejo de Jesus e tornem crível a Sua mensagem. Cristãos que, com a sua experiência pessoal, o seu espírito e a sua palavra, facilitem o encontro com Ele. Seguidores que o resgatem do esquecimento e do afastamento para torna-lo mais visível entre nós.

Testemunhas humildes que, ao estilo de João Baptista, não se atribuam nenhuma função que centre a atenção nas suas pessoas, roubando protagonismo a Jesus. Seguidores que não o suplantem nem o eclipsem.

Cristãos sustentados e animados por Ele, que deixam antever por detrás dos seus gestos e das suas palavras a presença inconfundível de Jesus vivo no meio de nós.

As testemunhas de Jesus não falam de si mesmas. Sua palavra mais importante é sempre a que deixam dizer a Jesus. Na realidade a testemunha não tem a palavra. É só «uma voz» que anima todos a «aplainar» o caminho que nos pode levar a Ele. A fé das nossas comunidades sustém-se também hoje na experiência dessas testemunhas humildes e simples que, no meio de tanto desalento e desconcerto, colocam luz pois ajudam-nos com a sua vida a sentir a proximidade de Jesus.

- José Antonio Pagola
Reproduzido via Amai-vos, com grifos nossos

domingo, 18 de dezembro de 2011

Perguntas frequentes: "O Antigo Testamento condena a homossexualidade?"

Perguntas frequentes

Neste final de ano, todos os domingos à tarde publicaremos algumas perguntas da seção "Perguntas frequentes" do site do Diversidade Católica. Você pode acessar a série completa no próprio site do DC, ou na tag "perguntas frequentes". :-)

"O Antigo Testamento condena a homossexualidade?"

A Bíblia traz algumas passagens que tratam da relação sexual entre pessoas do mesmo sexo. Antes de abordá-las, é necessário fazer uma escolha clara a respeito do tipo de interpretação que realizamos ao ler a Bíblia.

Todo cristão convicto de sua fé compreende a Sagrada Escritura como Palavra de Deus que revela, pela história da salvação presente no Antigo e no Novo Testamento, seu amor por toda a humanidade.

Por ser Palavra de Deus, a Bíblia pode dar a equivocada impressão de ser fruto de um ditado divino ou resultado de alguma experiência mística em que o homem tivesse sido mero instrumento para “receber” a Palavra e escrevê-la.

O testemunho da presença de Deus não foi recebido diretamente do céu. Não podemos perder de vista que, desde a experiência da libertação do povo no Egito, Deus se deixa encontrar nos acontecimentos humanos, na história, na vida concreta. As palavras são divinamente inspiradas, mas refletem também a cultura, a maneira de entender o mundo, a vida própria dos seres humanos de cada época.

Quem ignora que Deus nos fala através de fatos na história acaba por desconsiderar a diferença entre a cultura da época do texto e a compreensão atual das coisas.

Mas se Deus nos fala em linguagem humana, em épocas específicas com formas próprias de entendimento. Para compreender de verdade o que ele disse então e permanecerá sempre válido, será preciso entender aquela cultura para decifrarmos a mensagem divina ali presente. O divino, o eterno sempre vem unido, assumido pelo humano, pelo transitório, numa síntese que se dá no mesmo sentido da encarnação do Filho de Deus.

O método mais usado pela Teologia para tal é o chamado Histórico-crítico. Este método foi reconhecido pela Igreja como sendo eficaz para se chegar, por meio da investigação da cultura de cada época presente na Bíblia ao que, de fato, o autor quis afirmar sendo isto sim a palavra divina*.

Desta forma, não basta ler a Bíblia para compreender o que Deus nos está revelando. É preciso interpretar as entrelinhas, muitas vezes imperceptíveis à primeira vista, quando o texto traz fortes marcas culturais de uma época.

Colocadas estas importantes questões que dizem respeito à interpretação da Bíblia, voltemos à pergunta colocada.
Os textos mais usados para basear uma possível condenação da homossexualidade na Bíblia estão nos livros do Gênesis (Gn 19, 1-11), Levítico (Lv 18,22 e 20, 13), Juízes (Jz 19,22-30) e na carta de São Paulo aos Romanos (Rm 1,26-27 – veja a pergunta 5) .

Vamos analisar, de acordo com a interpretação não-fundamentalista, aquela que leva em conta o contexto cultural da época, cada um dos textos do Antigo Testamento mencionados acima.

• Gn 19, 1-11: Episódio que trata da destruição de Sodoma e Gomorra. Lot acolhe estrangeiros em sua casa: na verdade, são anjos de Deus. Os homens da cidade vão até à casa de Lot, pedindo que os entreguem a eles para que mantenham relações sexuais. Lot se nega a fazê-lo porque os homens estrangeiros se “acham debaixo da proteção do seu teto” (versículo 8). Ou seja, o crime de Sodoma e Gomorra foi violar o sagrado costume da hospitalidade. Jó não se recusa a entregar seus convidados aos homens da cidade, alegando a imoralidade de tais relações, mas porque estavam eles em sua casa. Era seu dever, portanto protegê-los do que seria um possível estupro grupal masculino**.
• Jz 19, 22-30: Aqui, o que também impede que o homem hospedado na casa do idoso tenha relações sexuais forçadas com os homens do lugar é a infração do dever da hospitalidade, como se pode perceber pelas palavras do dono da casa: “Não sejam tão perversos. Já que esse homem é meu hóspede não cometam essa loucura”. (v. 23).
• Lv 18, 22 e 20, 13: A proibição de “deitar-se com um homem como se faz com uma mulher” está numa parte mais ampla sobre relações sexuais ilícitas (Lv 18, 1-30) do livro do Levítico. O versículo 13 do capítulo 20 parece ser um desenvolvimento do preceito de Lv 18,22.

O livro do Levítico é um dos mais antigos da Bíblia. Trata-se de uma reunião das leis surgidas ao longo dos primeiros anos da história de Israel como povo, após a libertação do Egito.

Neste contexto, Israel é uma nação jovem que ocupa território vizinho a outros povos que não seguem Javé. É preciso, antes de tudo, fazer com que Israel assuma uma identidade própria. É preciso que todo descendente de judeu libertado no Egito entenda que tem uma nacionalidade, uma terra e um Deus que o distinguem dos outros povos. Daí Deus exigir: “Não procedam como se procede no Egito, onde vocês moraram, nem como se procede na terra de Canaã, para onde os estou levando. Não sigam as suas práticas” (Lv 18, 3). Esta é a razão da longa lista de pecados sexuais no texto. Ela é uma maneira de reafirmar a pertença do judeu ao povo de Israel e distingui-lo de outras nações.

Para nós pode parecer estranho que a construção da identidade nacional passe por algo tão íntimo quanto a vida sexual. E aqui está uma importante diferença entre a sexualidade como é entendida em nossos dias e como era vista na época do livro do Levítico. Diferença essa que, esclarecida, nos ajudará a compreender a aplicação de tal texto para os nossos dias.

Hoje em dia, se tem plena noção de que cada pessoa é um indivíduo com consciência pessoal e interioridade própria; com um “eu” que o torna diverso de todas as outras criaturas na face da Terra. Esse “eu” é o lugar da “profunda interioridade” de onde surge o que cada um tem de mais específico, de mais próprio. O “eu” é a real identidade de cada um de nós.

Se, para nós, é claro que a consciência e a interioridade são o que determinam o “eu” de cada um e, por isto, em última instância, são o que determinam a sua pessoa, o mesmo não acontece no Antigo Testamento. O conceito mesmo de “pessoa” vai surgir muito depois, já no cristianismo.

Os primeiros textos do Antigo Testamento nem mesmo reconhecem a individualidade de cada um, mas somente o grupo , o clã. É por isso que tantas vezes se encontra nesta parte da Bíblia a afirmação de que Deus castiga os pecados dos pais nos filhos (Ex 20,5; Nm 14,18; Dt 5,9; etc.). Se para nós parece injusto – já que cada um deve arcar com a conseqüência dos próprios atos –, só é injusto porque entendemos que cada um, os filhos e os pais, por mais que sejam próximos, são indivíduos distintos. Já que as culturas do Antigo Testamento não tinham tão evidente a noção da individualidade, pensava-se em termos de clã. Daí não ser estranho que pessoas do mesmo grupo tivessem a mesma sorte.

Há uma diferença fundamental entre a nossa compreensão de pessoa e aquela presente nos primeiros textos do Antigo Testamento. Por faltar a noção de individualidade, o papel que o ser humano ocupava na sociedade era a função que ele desempenhava no grupo. Ou seja, o “eu” não vinha da consciência, da interioridade, mas do exterior: a pessoa era aquilo que ela fazia.
Sem conhecer a interioridade que origina o “eu” pessoal, a identidade das pessoas vinha da função que exerciam na sociedade. Um exemplo simplório de como o papel social acaba, em algum nível, originando identidade é o “Seu Antônio da padaria”, o “João Pedreiro”, etc.

Sendo assim, no Antigo Testamento, não havia lugar para se compreender a homossexualidade da maneira como hoje a entendemos. Se era o “exterior” que determinava o “interior” da pessoa, o fato de nascer “homem” ou “mulher” era o suficiente para determinar que tipo de relações iriam ser construídas.

A compreensão de pessoa da época não dava espaço a qualquer manifestação que partisse de afetividade ou de um “eu” pessoal distinto do papel na sociedade, já que, como vimos, era o papel social que determinava a pessoa. Compreendendo-se este raciocínio, entendemos também como outras manifestações que desafiam o papel social e pressupõem uma atitude mais pessoal não eram entendidos no Antigo Testamento, como o celibato. Se o homem e a mulher têm capacidade reprodutora, o que a sociedade esperava deles é que se reproduzissem.

Desta forma, a condenação presente no livro do Levítico de um homem “deitar-se com um outro como se faz com uma mulher” serve tanto para ressaltar a identidade do judeu como membro do povo israelita – já que outros povos praticavam tais atos –, quanto para dar a identidade específica a cada um dentro do povo de Israel, identidade essa formada não a partir da consciência pessoal, mas dos papéis desempenhados na sociedade.

Bem diferente é a questão da homossexualidade nos dias de hoje. Não é mais a sociedade, em última instância, que determina o indivíduo (ainda que tenha um importante papel no processo), mas a sua própria consciência. Além disso, as sociedades atuais se encontram em outros estágios de desenvolvimento, onde são possíveis papéis sociais bem mais flexíveis.

* Na Constituição Dogmática Dei Verbum nº 12 e no Documento “A Interpretação da Bíblia na Igreja” temos algumas passagens que reconhecem a contribuição do método Histórico-crítico.


** Ver JUNG, Patrícia B. ; CORAY. Joseph Andrew (Org.) Diversidade Sexual e Catolicismo. Ed. Loyola. P. 141.

Com alegria e confiança

Fra Angelico, Anunciação, 1437-1446

A leitura que a Igreja propõe neste Quarto Domingo do Advento é o Evangelho de Jesus Cristo segundo Lucas 1, 26-38. O teólogo espanhol José Antonio Pagola comenta o texto.

Eis o texto, aqui reproduzido via IHU, com grifos nossos.


O Concílio Vaticano II apresenta Maria, Mãe de Jesus Cristo, como "protótipo e modelo para a Igreja", e descreve-a como mulher humilde que escuta a Deus com confiança e alegria. Com essa mesma atitude temos de escutar a Deus na Igreja atual.

"Alegra-te". É o que primeiro Maria escuta de Deus e o primeiro que temos de escutar também hoje. Entre nós falta alegria. Com frequência deixamo-nos contagiar pela tristeza de uma Igreja envelhecida e gasta. Já não é Jesus, a Boa Nova? Não sentimos a alegria de ser os Seus seguidores? Quando falta a alegria, a fé perde o frescor, a cordialidade desaparece, a amizade entre os crentes arrefece. Tudo fica mais difícil. É urgente despertar a alegria nas nossas comunidades e recuperar a paz que Jesus nos deixou de herança.

"O Senhor esteja contigo". Não é fácil a alegria na Igreja dos nossos dias. Só pode nascer da confiança em Deus. Não estamos órfãos. Vivemos invocando cada dia a um Deus Pai que nos acompanha, nos defende e procura sempre o bem de todo o ser humano.

Esta Igreja, às vezes tão desconcertada e perdida, que não acerta em voltar ao Evangelho, não está só. Jesus, o Bom Pastor, procura-nos. O Seu Espírito nos atrai. Contamos com o seu alento e compreensão. Jesus não nos abandonou. Com Ele tudo é possível.

"Não temas". São muitos os medos que nos paralisam, aos seguidores de Jesus. Medo do mundo moderno e da secularização. Medo de um futuro incerto. Medo da nossa debilidade. Medo da conversão ao Evangelho. O medo está a fazer-nos muito mal. Impede-nos de caminhar para o futuro com esperança. Encerra-nos na manutenção estéril do passado. Crescem os nossos fantasmas. Desaparecem o realismo são e a sensatez cristã. É urgente construir uma Igreja da confiança. A força de Deus não se revela numa Igreja poderosa, mas sim humilde.

"Darás à luz um filho que se chamará Jesus". Também a nós, como a Maria, é-nos confiada uma missão: contribuir para pôr luz no meio da noite. Não estamos chamados a julgar o mundo mas a semear a esperança. A nossa tarefa não é apagar o pavio que se extingue, mas acender a fé que, em não poucos, está a querer brotar: Deus é uma pergunta que humaniza.

Desde as nossas comunidades, cada vez mais pequenas e humildes, podemos ser levadura de um mundo mais são e fraterno. Estamos em boas mãos. Deus não está em crise. Somos nós os que não nos atrevemos a seguir a Jesus com alegria e confiança.
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