sábado, 23 de abril de 2011

A Cruz: suplício ou esperança?

Foto: Kate Miss

A novidade da revelação cristã de Deus exige um ser humano novo, uma nova criatura. Sendo revelação de um mistério, só pode ser captada pela fé. Por isso, quando os Evangelhos apresentam Jesus, seus atos e palavras, eles o fazem de maneira misteriosa e velada.

Aqueles que detêm o poder religioso e, igualmente, detêm a interpretação oficial da verdadeira religião, declarando-a única e legítima, interpretam Jesus como alguém que age movido pelo espírito de Belzebu, e não pelo Espírito Santo. Conseqüentemente, por ser interpretado assim, Jesus deve morrer. Esse conflito vai levá-lo à condenação e à morte.

É aí que se levanta a grande questão que interpela a teologia e coloca a fé em cheque. É esta questão que vai por o selo definitivo à questão sobre a natureza divina de Jesus e sobre a identidade do Deus da revelação. Jesus é preso, acusado, condenado, torturado e morto. E diante de sua morte, seus seguidores silenciam e se dispersam, deixando-o sozinho. Fracassado e abandonado, sua pessoa e seu projeto são expostos à execração pública, aparentemente fracassados e destruídos. E não somente as testemunhas se calam. Deus também se cala. O Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó, que não suportou ver o povo sofrendo no Egito e no cativeiro da Babilônia, que mantinha com Jesus de Nazaré colóquio e diálogo permanente e amoroso, de Pai para Filho, e mar de intimidade, retira-se e silencia diante da tragédia por que passa o Filho bem-amado.

A cruz de Jesus é o sinal de seu amor fiel à causa do reino de Deus. Não devemos separar a morte do Jesus do resto de sua vida. O martírio do Jesus toma seu sentido pleno como conseqüência dramática e coerente de sua mensagem e de sua obra; a cruz é o símbolo de sua absoluta fidelidade ao Pai. É inseparável das perseguições e conflitos que a precederam; dos critérios, opções e atitudes do Jesus; do conteúdo de sua pregação.

Porque Jesus revelou o Deus verdadeiro, porque Jesus questionou a decadência religiosa e as deformações de Deus, porque fez publicamente os pobres e os pecadores os preferidos de sua solicitude e predileção, porque combateu os ídolos de sua sociedade, porque questionou seus falsos valores, Jesus desatou o conflito que o levou à cruz. Portanto, para o cristão, o sofrimento – ou seja, as cruzes da vida - é a seqüela coerente do seguimento fiel de Jesus Cristo. Freqüentemente certa devoção cristã separou a cruz do resto da vida de Jesus.

Em seu aspecto sombrio e negativo, a cruz nos ensina que o mal estará sempre presente enquanto dure a história. Por mais que o combatamos, sempre reaparece de novas maneiras. Sua persistência é uma trágica realidade. Sua oposição aos valores do reino de Deus é constante. Por isso é capaz, hoje como sempre, de trazer para a Igreja e sua missão duros fracassos.

A cruz nos ensina que a conversão do mundo contém a dimensão profunda de uma luta contra o mal (o pecado), expresso hoje em formas concretas: a corrida armamentista, todas as espécies de ameaças contra a vida, a corrupção do amor, a exploração do homem pelo homem, a fome, a miséria, o materialismo e todas as formas de injustiça, a agressão à natureza e ao planeta colocando em risco mortal o futuro da vida.

A Paixão e morte de Jesus, encarnação da inocência e do bem, recorda-nos hoje em dia que os inocentes e bons da terra, os fracos, os pobres e os desamparados continuam sendo crucificados. Pela cruz, a paixão de Cristo é a paixão do mundo, e a paixão do mundo é a paixão de Cristo.

Mas a paradoxo é que a cruz é decisivamente também sinal de esperança. Apesar da presença do mal, sobrepondo-se a ele, a cruz é sinal de esperança certa no reino, de sua eficácia e de sua vitória definitiva sobre todas as formas de pecado.

O paradoxo da cruz consiste em que o que em primeira instância parece um fracasso - a morte do Jesus e o fracasso da causa do reino; a perseguição e o fracasso dos bons e o aparente triunfo do mal - por causa do poder de Deus transforma a cruz em fonte de nova vida e de libertação total, e constitui o começo irreversível da destruição do mal em sua raiz.

O mal, para ser superado, requer redenção. A perseguição e a cruz são a dimensão redentora da fidelidade. Aí onde os meios humanos são impotentes para atacar as raízes de todos os males e de todas as injustiças, o sofrimento e as cruzes que acompanham à vida cristã incorporam tudo que sofrem os discípulos à perseguição e ao martírio do Mestre, Jesus de Nazaré. Assim "completamos o que falta à paixão de Cristo em benefício de seu Corpo, a Igreja" (Couve. 1,24).

A cruz é o sinal da esperança cristã porque nos ensina que na história, o mal, o egoísmo, a injustiça, não têm a última palavra. A última palavra na história é do bem, da fraternidade, da justiça e da paz encarnados e testemunhados por Jesus.

- Maria Clara Bingemer
Publicado originalmente no Amai-vos. Grifos nossos.

2 comentários:

Marcelo Augusto disse...

Nossa! Enfim, um texto inteligente sobre a cruz! :-)

Equipe Diversidade Católica disse...

Augustíssimo Marcelo e demais leitores,

Você já parou para ler "Do Terror de Isaac ao Abba de Jesus", do A. Torres Queiruga? Caran... leia. Subverte por completo a noção de um Deus que exige sacrifícios. Subverte a lógica do sofrimento, e instaura uma lógica nova, da esperança, da confiança em um Deus loucamente amoroso. Ao mesmo tempo, mostra a que interesses a lógica do sofrimento e do sacrifício serve, e ajuda a prestar atenção às armadilhas e tentações em que caímos o tempo todo. Você vai rebolar de alegria. ;-))))

Parece que está esgotado, mas vale correr atrás.

Bjs, querido.

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