sábado, 17 de setembro de 2011

Espiritualidade, diversidade religiosa e diálogo interreligioso


Entrevista com Faustino Teixeira, teólogo, professor e pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Religião da Universidade Federal de Juiz de Fora - PPCIR-UFJF.

Quais são as principais questões que estão motivando o debate religioso na América Latina, hoje?

Creio que podemos indicar três questões importantes no cenário desse debate na América Latina, e em particular no Brasil. Situaria em primeiro lugar, a questão dos fundamentalismos religiosos. Trata-se de um tema que merece um cuidado particular nessas próximas décadas. Temos verificado aqui no Brasil o crescimento de afirmações religiosas identitárias que podem ser problemáticas, pois envolvem uma consciência de exclusividade salvífica que acaba excluindo o outro de uma saudável cidadania plural. Cresce de forma preocupante a intolerância religiosa por parte de certos núcleos neo-pentecostais, sobretudo com respeito às religiões afro-brasileiras. Essa temática foi abordada no livro organizado por Vagner Gonçalves: "Intolerância religiosa. Impactos do neopentecostalismo no campo religioso afro-brasileiro." São Paulo: Edusp, 2007. É preocupante esse acirramento dos ataques de igrejas neopentecostais contra as religiões afro-brasileiras, e esse processo estende-se para outros países latino-americanos, como Argentina e Uruguai. Traços de intolerância verificam-se igualmente em segmentos do catolicismo romano no Brasil, como no caso de práticas da Comunidade Canção Nova, fundado pelo padre Jonas Abib. Tanto em programas de televisão como em publicações específicas verificam-se posturas beligerantes contra as outras tradições religiosas. Um exemplo vivo dessa postura encontramos no livro de Jonas Abib, "Sim, sim! Não, não!" (Editora Canção Nova). Em segundo lugar, situaria o desafio do pluralismo religioso. É como reação de insegurança a ele que se firmam perspectivas religiosas mais ensimesmadas e reativas. Ao convocar atitudes de abertura e dialogação, o pluralismo provoca temor, e com ele, atitudes de diabolização do outro ou de cruzada intolerante. Mas não há como driblar essa questão que tende a se firmar como dado incontornável nesse século XXI. Há que lidar com o pluralismo não como se fosse apenas uma questão de fato, a ser tolerada, mas entendê-lo como um pluralismo de princípio, expressão viva das riquezas da diversidade. Essa acolhida leva tempo, mas é imprescindível. Junto com o pluralismo religioso, em terceiro lugar, situa-se o desafio do do diálogo interreligioso. Se, de um lado, firmam-se experiências religiosas exclusivistas, de outro, irradia-se uma nova sensibilidade dialogal, que abre outras possibilidades de convivência harmoniosa entre as diversas tradições religiosas. Isso se percebe com alegria nos espaços de igrejas e universidades: uma sensibilidade nova em favor da plausibilidade de um pluralismo de princípio, pontuado pelo respeito da diversidade e o reconhecimento da dignidade do outro e do valor de sua convicção religiosa.

Quais os limites e possibilidades do diálogo inter-religioso hoje na América Latina?

O diálogo interreligioso emerge hoje como um dos mais fundamentais desafios para a América Latina e para a humanidade em geral. Já se tornou clássica a expressão cunhada por Hans Küng que sinaliza a impossibilidade de paz no mundo sem paz entre as religiões, bem como a impossibilidade de paz entre as religiões sem um diálogo entre as mesmas. As religiões têm um papel importante no tempo atual, não no sentido de serem as responsáveis pela resolução dos graves problemas que acometem o planeta, como a crise ecológica ou os demais problemas de ordem política, econômica e social. Mas elas podem exercer um papel importante no âmbito da renovação espiritual, no sentido de contribuir para a afirmação de um senso para a vida, conformando o universo motivacional. Podem ainda possibilitar a esperança num horizonte de fidelidade, fundamental para a manutenção do mundo sujetivo e comunitário. Isso se torna possível sobretudo quando elas atuam numa linha de comunhão, no respeito às diversidades específicas. As possibilidades para o diálogo estão dadas e são muitas, envolvendo os campos do diálogo da vida, das ações em comum, do diálogo doutrinal e o espiritual, que é o âmbito mais profundo de sua realização. Temos exemplos muito bonitos e significantes de práticas dialogais em nosso tempo, como no belo exemplo da comunidade dos monges de Tibhirine, na Argélia, tão bem ilustrada no premiado filme de Xavier Beauvois: Homens e Deuses. Há, porém, obstáculos que se interpõem ao exercício dialogal, como a auto-suficiência, a arrogância identitária, a incapacidade de abertura e a vontade de poder. Infelizmente são disposições muito presentes em nosso tempo, obstaculizando qualquer movimento de abertura ao plural.

Quais os principais desafios para as políticas de Estado no que tange à diversidade religiosa?

Creio que em primeiro lugar há que reafirmar com toda a energia possível o valor da diversidade e o respeito fundamental à legítima diversidade de caminhos religiosos e espirituais que traduzem a dinâmica vital em nosso tempo. Por isso, talvez melhor do que falar em diversidade religiosa, seria falar de diversidade de opções espirituais, que podem ser religiosas ou não. É uma importante pista lançada pelo teórico francês, Henri Pena-Ruiz, ainda pouco conhecido em nosso país. Ele trata com pertinência o tema da laicidade e de seus direitos na sociedade democrática. Em sua obra, "La laïcité" (1998), indica que a laicidade requer a exclusão “de toda discriminação na interpretação das doutrinas e crenças”. O aluno deve ter acesso às grandes referências espirituais da humanidade, sem necessariamente ser por elas condicionado. Pena-Ruiz alerta sobre o risco da confusão entre compreensão e adesão. É perfeitamente plausível o direito à compreensão, na escola pública, do sentido dos testemunhos espirituais que envolvem as diversas religiões, como seus ideias éticos, humanos e politicos, mas sem uma ênfase na adesão de crença. Não se pode igualmente privilegiar, no campo da atividade educacional, uma dada religião. Faz-se necessário um esforço coletivo para facultar o conhecimento respeitoso da diversidade religiosa, e de outras opções espirituais também substantivas para a afirmação do sentido.

E quais os principais desafios para a Educação Pública no que se refere à diversidade religiosa?

Não sou um especialista do tema, mas um leitor interessado. Enquanto defensor de um pluralismo de princípio, acredito que a Educação Pública tem um papel fundamental de resguardar os direitos da diversidade religiosa e espiritual. E também de defender permanentemente a liberdade de opções espirituais. Isso se reflete igualmente na complexa questão do “ensino religioso”. O tratamento dessa questão não pode manter-se inalterado, sobretudo depois das mudanças vislumbradas no campo religioso brasileiro, com a crescente diversidade religiosa. Vejo com dificuldade as formas vigentes de ensino religioso confessional em nosso país. Há que ampliar a discussão e percorrer novos caminhos, em sintonia mais fina com os desdobramentos teóricos em curso sobre a pluralidade religiosa. Identifico-me, em parte, com a perspectiva defendida na França por Regis Debray, de defesa do ensino do “fato” religioso na escola laica (L´enseignement du fait religieux dans l´école laïque, 2002). É necessário criar condições de aperfeiçoamento docente para a apresentação séria e fundamentada do “estudo do religioso” na escola pública, facultando uma abordagem honesta e digna sobre esse fenômeno. Isso pressupõe a formação de um quadro docente especializado, numa linha multifacetada, e com “ouvido musical para a religião”. Há que possibilitar uma maior aproximação “descritiva, factual e nocional” das religiões em sua pluralidade, sem privilégios e exclusividades. E isso deve ser realizado de forma sensível e delicada, com o devido respeito que o fenômeno religioso merece, com a atenção sempre acesa para a perspectiva interdisciplinar. É o caminho de acesso para superar uma “laicidade de incompetência” (o religioso, por construção, não nos interessa), em favor de uma “laicidade de inteligência” (é nosso dever compreendê-lo).

O que o senhor pensa sobre o papel do professor de ensino religioso na escola pública?

Num breve artigo que escrevi para um livro em torno do tema do Ensino religioso e formação docente (Paulinas, 2006 ), levantei algumas pistas sugestivas para esse papel do professor de “ensino do religioso”. Sugeri que o docente dessa área deve ter uma sensibilidade particular, pois trata de um tema delicado e complexo, que merece atenção, cuidado e respeito. Temos que nos dar conta que nesse campo das religiões estamos sempre caminhando “sobre um solo sagrado”, para utilizar uma expressão cara a Raimon Panikkar. O docente deve ser alguém que busca permanentemente aperfeiçoar o seu olhar e sua escuta para poder captar e transmitir com honestidade e fineza o mundo da alteridade. Há que reconhecer que o outro é sempre um enigma extremamente complexo, que resiste a qualquer apreensão simplificadora. O docente dessa área deve evitar, por princípio, atitudes e reflexões preconceituosas, apriorísticas e simplificadas. Daí a importância de seu constante aperfeiçoamento. Ele deve não só aprimorar seus conhecimentos teóricos sobre as religiões, mas também ampliar sua sensibilidade face ao enigma das religiões. O trabalho do docente deve ainda facultar o reconhecimento da alteridade e o respeito à sua dignidade. O estudo do fenômeno religioso deve possibilitar o exercício de uma dinâmica que seja marcada por um profundo respeito às diversas convicções religiosas. E, finalmente, favorecer a percepção da riqueza e do valor de um mundo plural e diversificado. As religiões não são apenas genuinamente diferentes, mas também autenticamente preciosas. Há que honrar essa alteridade, em sua especificidade peculiar, reconhecendo o valor e a plausibilidade de um pluralismo religioso de direito ou de princípio.

Gostaríamos que o senhor fizesse comentários sobre a transcendência como uma dimensão humana e as suas distintas manifestações culturais.

O meu grande mestre nessa reflexão foi sempre Karl Rahner, que trata com argúcia essa questão da experiência transcendental do humano. Trata-se, para ele, de uma experiência que “faz parte das estruturas necessárias e insuprimíveis do próprio sujeito que conhece”. Todo ser humano, enquanto ser de transcendência, está orientado a um mistério sempre maior, que pode ser por ele nomeado como Deus, como Todo, como Vazio ou como Real. Esse Mistério está íntimamente relacionado com o humano, embora sempre escape de sua compreensão. Há sempre uma “reserva escatológica” que preserva a qualidade de supresa e dom desse Mistério. Como assinala Rahner, “o mistério com sua incompreensibilidade é o que existe de mais evidente”. Esse mistério está no tempo, na vida cotidiana, em todo lugar. Não há como furtar-se de sua Presença envolvente. Ele pode ser captado de forma a-temática ou mesmo irreligiosa. Pode-se experimentar sua acolhida mesmo fora das religiões, em opções espirituais marcadas pela profundidade: temos, por exemplo, a experiência da “imanensidade”, com sublinha Comte-Sponville. O importante é sempre estarmos atentos à nossa dimensão de profundidade e voltados com particular sensibilidade ao “canto das coisas”. Na bela visão de Raimon Panikkar, a mística é sobretudo a experiência do Real, vivido em profundidade, e a espiritualidade o caminho para atingir essa meta. A mística verdadeira nos leva ao coração do Real, ou seja, ao “sentimento do Universo”.

Qual a é a relação entre espiritualidade e transcendência? Se relacionam sim ou não?

Como assinalava antes, a mística é a “experiência suprema da realidade” e a espiritualidade o caminho para alcançar tal experiência. Não há dúvida que a espiritualidade relaciona-se com a transcendência, mas diria que ela relaciona-se igualmente com a imanência. Aliás, o Mistério mais profundo é sempre transcendente/imanente. A espiritualidade não pode ser reduzida ao fenômeno da religiosidade, a não ser que a nossa compreensão de religiosidade seja bem ampla. Assim a definiu, por exemplo, Paul Tillich, distinguindo-a de seu conceito estrito. Num sentido lato, seguindo a pista aberta por Tillich, a religiosidade toca o âmbito do profundo e se traduz como “a dimensão da realidade suprema nos diferentes campos do encontro do ser humano com a realidade” (P.Tillich, "My Search for Absolutes"). Gosto da definição de espiritualidade apresentada por Dalai Lama. Ele a distingue da religião. Para Dalai Lama, a espiritualidade está relacionada com “qualidades do espírito humano”, como o amor, a compaixão, o respeito ao outro, a cortesia e a hospitalidade. E tais qualidades podem ser desenvolvidas mesmo em alto grau entre aqueles que não partilham um determinado sistema religioso. Por isso minha simpatia pela idéia de “opção espiritual”. Como indica Dalai Lama, as pessoas podem até dispensar a religião como projeto de vida, mas jamais essas qualidades espirituais essenciais para a afirmação do humano.

O que mais o senhor gostaria de acrescentar?

Gostaria ao fim dessa entrevista indicar uma pista lançada por um importante filósofo da Escola de Kyoto, Keiji Nishitani (1900-1990). É um autor ainda pouco conhecido entre nós, mas sugere reflexões muito preciosas sobre a espiritualidade do cotidiano. Numa de suas obras mais ricas, "A religião e o nada" (Religion and Nohingness, 1982), ele nos sinaliza que as coisas mais simples podem tornar-se um essencial ponto de concentração, a ponto de facultar o sentimento profundo do real e despertar uma sensibilidade nova. São experiências que nos fazem perceber a delicada presença do Mistério em tudo, nos detalhes mais simples da vida cotidiana. Mas há que saber maravilhar-se para poder perceber isso. Nishitani, com sua sensibilidade zen, indica-nos a presença de uma ordem mística que envolve todas as coisas. Somos assim convidados a captar esse “profundo sentimento da realidade das coisas cotidianas”. Não sem razão, o grande trapista Thomas Merton, ensinava aos seus noviços em Gethsêmani que a experiência contemplativa nada mais era do que viver a vida, como o peixe na água. E viver em profundidade. Nada mais falso do que isolar a vida espiritual dos mais profundos interesses humanos.

Fonte: Amai-vos, com grifos nossos

A batalha contra a doutrina do pecado


Quando nasceu o pecado original? Com Adão e Eva, com a serpente e a maçã: essa seria a resposta quase unânime de uma pesquisa improvável, confortada por séculos de encantamento iconográfico nas telas de Masaccio, Tintoretto, Michelangelo, Rubens e milhares de outros.

Sobre como Adão chegou até nós, as respostas não estariam tão de acordo: por transmissão biológica, por descendência, pela metafísica do ser e da natureza. Até a explícita admissão do Catecismo da Igreja Católica, no parágrafo 404: "a transmissão do pecado original é um mistério que nós não podemos compreender plenamente".

A data exata do seu nascimento é 397 d.C., quando Agostinho de Hipona escreveu um livro intitulado De diversis quaestionibus ad Simplicianum, em que começa a definir aquela que será, nos séculos vindouros, a teoria bem-sucedida do pecado original, que, como se sabe, se entrelaçará profundamente com o pensamento ocidental. Os temas da queda, da culpa, do mal, da salvação e da redenção, da liberdade individual, do mal de viver, todos têm um apoio sobre a serpente, a maçã e, sobretudo, sobre a pérfida Eva, equilibrada pela perfeita Maria, imaculada, ou seja, sem pecado original.

"Teoria da verdadeira civilização. Não está no gás, nem no vapor, nem nas mesas giratórias. Está na diminuição dos vestígios do pecado original", escrevia Charles Baudelaire, um teólogo não de segunda linha. No seu tempo, no entanto, Kant já havia visto as suas óbvias contradições, e Paul Ricoeur, em 1969, em um ensaio que fez história, escreveu: "Jamais se dirá o suficiente quanto mal fez ao cristianismo a interpretação literal – se deveria dizer 'historicista' – do mito de Adão. Ela o fez cair na profissão de uma história absurda e em especulações pseudorracionais sobre a transmissão biológica de uma culpabilidade quase jurídica pelo erro de um outro homem, expulso para longe na noite dos tempos, não se sabe bem para onde, entre o Pithecanthropus e o homem de Neandertal. Ao mesmo tempo, o tesouro escondido do símbolo adâmico foi desperdiçado".

Pecado original ou bênção original? Essa pergunta é respondida, sem papas na língua, por Matthew Fox, um nome que não deve ser confundido com o intérprete principal da série de televisão de grande sucesso Lost. O nosso Matthew Fox é um ex-dominicano norte-americano, agora episcopaliano, ou melhor, "padre pós-denominações", como ele gosta de se definir, que, em 1983, escreveu um volumoso best-seller de 400 páginas intitulado Bênção Original, agora traduzido para o italiano como In principio era la gioia ("No princípio era a alegria"), em sua terceira edição (introdução de Vito Mancuso, tradução Gianluigi Gugliermetto, Ed. Fazi, 2011, 428 páginas).

O dominicano teve que enfrentar, em 1988, a Congregação para a Doutrina da Fé, presidida pelo prefeito cardeal Joseph Ratzinger, sobretudo pelas atividades e teorias elaboradas pelo Instituto de Espiritualidade da Criação, fundado por Fox. Em 1993, ele foi expulso da ordem.

No livro, Fox inverte o paradigma: "A religião no Ocidente deve abandonar o modelo exclusivista de queda e redenção […], modelo dualista e patriarcal, cuja teologia inicia com o pecado e com o pecado original, e termina normalmente com a redenção […] e não ensina nada sobre a Nova Criação ou sobre a criatividade, sobre a construção da justiça e da transformação social, ou sobre o eros, o prazer e o Deus da alegria. Ela não consegue ensinar o amor pela Terra ou o cuidado pelo Universo, e é assim assustada pela paixão que não consegue ouvir o grito dolorido dos anawim, dos pequenos da história humana".

Esse é, substancialmente, o interessante programa do livro, habilmente sintetizado, além disso, em um apêndice de quatro páginas, em que os dois paradigmas são contrapostos em uma tabela de duas colunas.

Fox consegue bem, embora de modo rapsódico, destacar a importância que a doutrina do pecado original teve na constituição da consciência ocidental: um ser humano marcado pelo pecado e pela vergonha e, por isso, incapaz de decidir o que é melhor para ele e para os outros, sempre à espera de uma autoridade que lho diga e que pratique o bem em seu lugar e, talvez, contra ele. Uma autoridade sacerdotal ou política, tanto faz.

Mas a estratégia da Fox não é exclusivamente centrada em demonstrar que o conceito de pecado original é um falso saber, como diria Ricoeur, mas é sobretudo voltada a elaborar uma summa de espiritualidade alternativa para a construção de um mundo pacificado, onde o pecado, original ou não, seja apenas um resíduo.

Os caminhos a serem percorridos por Fox são: Via positiva (alegria, hospitalidade cósmica, maravilha), Via negativa (deixar-se levar, silêncio, escuridão), Via criativa (criatividade, Deus como mãe), Via transformadora (justiça, compaixão, interdependência). Cada uma totalmente ilustrada e aprofundada em uma trama de iluminações estrepitosas e de banalidade desarmantes, a ponto de desorientarem assim que nos distanciamos um pouco do tom sempre cativante do texto.

A primeira impressão é que a Fox, apesar de todas as sacrossantas batalhas contra a Igreja faraônica, permaneceu enredado, no entanto, nas suas milenares práticas retóricas. O modo narrativo de In principio era la gioia é muito semelhante à tradicional, e antiquada, apologética católica, que, reunindo e liquefazendo citações da Bíblia, dos Padres da Igreja, dos santos e dos papas, pontificava sobre qualquer assunto.

A forma de fazer com o que leitor salte da citação de um psicanalista a uma do profeta Isaías, de uma feminista dos nossos dias a Francisco de Assis, passando por Gandhi, Pablo Casals e Tomás de Aquino, dá bem uma ideia de bricolagem que subjaz à escrita de Fox e que constitui ao seu código argumentativo.

Para fugir da rígida geometria da teologia "masculina", Fox parece cair um pouco demais na evocação indiferenciada e barroca das belas palavras deste ou daquela, como um pregador qualquer do século XVII. O que reforça essa perplexidade de leitura é o uso desenvolto que Fox faz de duas figuras eminentes da mística e do pensamento ocidental, Hildegard von Bingen e Meister Eckhart. O seu objetivo é mostrar uma outra genealogia de uma renovada espiritualidade contemporânea, revelando um pensamento cristão escondido, muitas vezes censurado, senão até abertamente condenado pelos letais tribunais eclesiásticos.

Na busca de fontes não esgotadas, Fox não é tão sutil. Ele toma dos dois aquilo que lhe serve, destoricizando tanto Hildegard quanto Eckhart. À primeira, ele também dedicou um livro, Illuminations of Hildegard, que diz muito sobre Matthew Fox, mas pouco de Hildegard abadessa de Rupertsberg, escritora, filósofa, naturalista, linguista, curandeira, poeta e compositora.

Ele faz de Eckhart um perfeito distribuidor automático de belas frases e de belos pensamentos, descontextualizado e avulso, seja das influências recebidas – são importantíssimas as islâmicas –, seja dos inquietantes influxos exercidos sobre o pensamento alemão posterior.

Um livro não de uma única cor; exuberante e vigoroso, para ser lido e discutido, não para ser adorado.

- Claudio Canal
Publicado originalmente no jornal Il Manifesto, 29-07-2011. Tradução de Moisés Sbardelotto, reproduzida via IHU.

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Como a homofobia atinge todos

Escultura: Richard Howie

Nas várias formas de opressão, membros do grupo alvo (às vezes denominado "minoria") são oprimidos, enquanto, nalguns níveis, membros do grupo dominante ou agente são prejudicados. Embora os efeitos da opressão sejam qualitativamente diferentes para o grupo alvo e para o grupo agente, no fim todos acabam perdendo.

1. A homofobia encerra todas as pessoas dentro de papéis sociais rígidos com base no gênero e inibe a criatividade e expressão pessoal e individual.

2. Um contexto homofóbico põe em questão a integridade dos heterossexuais ao pressioná-los para tratar os outros mal, ação contrária à sua humanidade intrínseca.

3. A homofobia inibe a capacidade de cada um para criar relações próximas ou íntimas com membros do mesmo sexo.

4. Geralmente, a homofobia restringe a comunicação com uma porção significativa da população e, mais especificamente, limita relações familiares.

5. Uma sociedade homofóbica, para além de impedir o desenvolvimento autêntico da identidade própria de algumas lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros (LGBTs), coloca também sobre eles uma grande pressão para se casarem, situação que gera, tanto em si próprios, como nos seus cônjuges heterossexuais e filhos, estresse e, por vezes, traumas.

6. A homofobia é uma das causas para a iniciação sexual prematura, aumentando assim o risco de gravidez na adolescência e da propagação de doenças sexualmente transmissíveis (DSTs). Jovens de todas as identidades sexuais são frequentemente pressionados a se tornarem heterossexualmente ativos para provar a si próprios e aos outros que são "normais".

7. A homofobia, combinada com sexofobia (medo e repulsa em relação ao sexo), resulta na eliminação de qualquer discussão sobre as vidas e a sexualidade das pessoas LGBT como parte integrante da Educação Sexual nas escolas, impedindo os estudantes de terem acesso a informações vitais. Esta falta de informação pode matar pessoas nestes tempos da Aids.

8. A homofobia pode ser usada para estigmatizar, silenciar e atingir pessoas que sejam vistas como ou definidas pelos outros como gays, lésbicas ou bissexuais, mas que são na realidade heterossexuais.

9. A homofobia impede os heterossexuais de receber os benefícios e contribuições que os LGBTs têm para oferecer: ideias teóricas, perspectivas e opções sociais e espirituais, contribuições na arte e na cultura, na religião, na vida familiar, em suma, em todas as áreas da sociedade.

10. A homofobia (juntamente com o racismo, o sexismo, o classismo, a sexofobia, etc) inibe uma resposta governamental e social unida e eficaz à Aids.

11. A homofobia consome e desvia energias que poderiam ser usada para esforços mais construtivos.

12. A homofobia inibe a apreciação e aceitação de outros tipos de diversidade, tornando o ambiente inseguro para todos, já que todas as pessoas têm características únicas que não são consideradas mainstream ou dominantes. Por isso, todos ficamos diminuídos quando qualquer um de nós é discriminado.

Fonte: X1 Tantas Notícias

A moda Deus

Ilustração: Karen Watson

O lugar natural da religião não está na razão, mas na emoção profunda, no sentimento oceânico, naquela esfera onde emergem os valores e as utopias. Bem dizia Blaise Pascal, no começo da modernidade:"é o coração que sente Deus, não a razão" (Pensées frag. 277). Crer em Deus não é pensar Deus mas sentir Deus a partir da totalidade do ser.

Hoje o tema de Deus está em alta. Alguns em nome da ciência pretendem negar sua existência como o biólogo Richard Dawkins com seu livro "Deus, um delirio" (São Paulo, 2007). Outros como o Diretor do Projeto Genoma, Francis Collins com o sugestivo título "A linguagem de Deus" (São Paulo 2007) apresentam as boas razões da fé em sua existência. E há outros no mercado como os de C. Hitchens e S. Harris.

No meu modo de ver, todas estes questionamentos laboram num equívoco epistemológico de base que é o de quererem plantar Deus e a religião no âmbito da razão.

O lugar natural da religião não está na razão, mas na emoção profunda, no sentimento oceânico, naquela esfera onde emergem os valores e as utopias. Bem dizia Blaise Pascal, no começo da modernidade:"é o coração que sente Deus, não a razão"(Pensées frag. 277). Crer em Deus não é pensar Deus mas sentir Deus a partir da totalidade do ser.

Rubem Alves, em seu "Enigma da Religião" (1975), diz, com acerto:"A intenção da religião não é explicar o mundo. Ela nasce, justamente, do protesto contra este mundo descrito e explicado pela ciência. A religião, ao contrário, é a voz de um consciência que não pode encontrar descanso no mundo tal qual ele é, e que tem como seu projeto transcendê-lo".

O que transcende este mundo em direção a um maior e melhor é a utopia, a fantasia e o desejo. Estas realidades que foram postas de lado pelo saber científico voltaram a ganhar crédito e foram resgatadas pelo pensamento mais radical inclusive de cunho marxista como em Ernst Bloch e Lucien Goldman. O que subjaz a este processo é a consciência de que pertence também ao real o potencial, o virtual, aquilo que ainda não é mas pode ser. Por isso, a utopia não se opõem à realidade. É expressão de sua dimensão potencial latente. A religião e a fé em Deus vivem desse ideal e desta utopia. Por isso, onde há religião há sempre esperança, projeção de futuro, promessa de salvação e de vida eterna. Elas são inalcançáveis pela simples razão técnico-científica que é uma razão encurtada porque se limita aos dados sempre limitados. Quando se restringe apenas a essa modalidade, se transforma numa razão míope como se nota em Dawkins. Se o real inclui o potencial, então com mais razão o ser humano, cheio de ilimitadas potencialidades. Ele, na verdade, é um ser utópico. Nunca está pronto, mas sempre em gênese, construindo sua existência a partir de seus ideais, utopias e sonhos. Em nome deles mostrou o melhor de si mesmo.

É deste transfundo que podemos recolocar o problema de Deus de forma sensata. A palavra-chave é abertura. O ser humano mostra três aberturas fundamentais: ao mundo transformando-o, ao outro se comunicando, ao Todo, captando seu caráter infinito, quer dizer, sem limites.

Sua condition humaine o faz sentir-se portador de um desejo infinito e de utopias últimas. Seu drama reside no fato de que não encontra no mundo real nenhum objeto que lhe seja adequado. Quer o infinito e só encontra finitos. Surge então uma angústia que nenhum psicanalista pode curar. É daqui que emerge o tema Deus. Deus é o nome, entre tantos, que damos para o obscuro objeto de nosso desejo, aquele sempre maior que está para além de qualquer horizonte.

Este caminho pode, quem sabe, nos levar à experiência do cor inquietum de Santo Agostinho:"meu coração inquieto não descansará enquanto não repousar em ti"

A razão que acolhe Deus se faz inteligência que intui para além dos dados e se transforma em sabedoria que impregna a vida de sentido e de sabor.

- Leonardo Boff
Reproduzido via Dom Total

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Va Pensiero



O vídeo de que trata este post é muito especial. É um fantástico exemplo para nós que temos, também, uma “representação parlamentar especial”… A história está narrada no corpo da mensagem abaixo.

No último dia 12 de março, Silvio Berlusconi enfrentou uma realidade. A Itália festejava os 150 anos de sua unificação. E isto aconteceu na Ópera de Roma, com a ópera “Nabuco”, de Giuseppe Verdi, dirigida pelo maestro Riccardo Muti.

Nabuco é uma obra tanto musical como política. Evoca o episódio da escravidão dos judeus na Babilônia, e seu famoso coro “Va Pensiero” – o canto dos escravos oprimidos. Na Itália, este canto é o símbolo da busca de liberdade do povo, que, ao final do século XIX – época na qual foi escrita a ópera -, estava oprimido pelo império Habsburgo, o qual foi combatido até a criação da Itália unificada.

Antes da apresentação, Gianni Alemanno, Prefeito de Roma, subiu ao palco para pronunciar um discurso denunciando a retaliação do Ministro da Cultura, que estava no Governo, apesar de Alemanno também ser membro do partido governante e velho ministro de Berlusconi. Esta intervenção política, em um momento cultural dos mais simbólicos para a Itália, produziria um efeito inesperado, posto que Berlusconi, em pessoa, assistia à apresentação da ópera.

Ricardo Muti, diretor da orquestra, contou que foi uma verdadeira revolução:

“No princípio, houve uma grande ovação do público. Depois, começamos com a ópera, que se desenvolveu muito bem, até chegarmos ao famoso coro ‘Va Pensiero’.

Imediatamente, senti que a atmosfera estava tensa no público. Existem coisas que não podemos descrever; porém as sentimos. Era o silêncio do público que era sentido. Porém, no momento em nos demos conta de que se iniciava o ‘Va Pensiero’, o silêncio se preencheu de verdadeiro fervor. Podia-se sentir a reação visceral do público’ ante o lamento dos escravos que cantavam: ‘Oh pátria minha, tão bela e perdida’.

Quando o coro chegou ao seu final, já se podiam ouvir, na platéia, vários “bis”. O público começou a gritar: “Viva Itália!”, “Viva Verdi!”, “Longa vida à Itália!”. As pessoas da galeria começaram a atirar panfletos com mensagens patrióticas.

Em certa ocasião, Muti havia aceitado de fazer um bis para o “Va Pensiero”, no Scala de Milão, em 1986, visto que para ele a ópera não deve sofrer interrupções. “Eu não queria somente fazer um bis. Teria que existir uma intenção especial para fazê-lo”, relata. Porém o público já havia despertado seu sentimento patriótico. Em um gesto teatral então, Muti se voltou para o público, olhou para Berlusconi e falou: “Sim, estou de acordo com isto. 'Longa vida à Itália!'.

Porém… Já não tenho mais 30 anos. Já vivi a minha vida; mas, viajei muito pelo mundo, e hoje tenho vergonha do que acontece em meu país. Então, cederei ao pedido do público para um bis para o ‘Va Pensiero’, novamente. Não é só pela dita patriótica que sinto, senão porque esta noite, quando dirigia o coro que cantou “Ai minha pátria, bela e perdida”, pensei que se seguirmos assim vamos matar a cultura sobre a qual se construiu a história da Itália. Em tal caso, nossa pátria estaria em verdade 'bela e perdida'."

(Aplausos, inclusive os dos artistas em cena)

E continuou: "Já que reina aqui um clima italiano, eu, Muti, calei minha boca por muitos anos. Quisera agora dizer algo… Teríamos que dar sentido a este canto; estamos em nossa casa, no teatro de Roma, e com um coro que cantou magnificamente bem e acompanhou de forma esplêndida. Se querem, proponho a todos de unir-se a nós para que cantemos juntos."

“Vi grupos de gente levantando-se. Toda a ópera de Roma se levantou. E o coro também. Foi um momento mágico na ópera. Essa noite não foi somente uma representação de Nabuco, mas, também, uma declaração do teatro da capital para chamar a atenção dos políticos”.

Nessa diáspora da cidadania, nós LGBTs do Brasil também vivemos insuportável opressão. Qual será o nosso canto?

Fonte: Gay Católico

A esperança como atitude crítica

Foto: Anna Aden

A esperança é uma das três virtudes teologais, ao lado da fé e do amor. Rima com confiança, termo que deriva de fé: quem acredita, espera; e quem espera, acredita. Esperar é confiar.

Vivemos um momento novo da história da América Latina. Com a eleição de governos democrático-populares, a esperança dá sinais de se transformar em realidade. Há esperança de que se priorizem as questões sociais e se reduzam significativamente as desigualdades que caracterizam o Continente.

Para Jesus, a esperança se coloca lá na frente, no Reino de Deus, que marca o fim e a plenitude da história, e não lá em cima, enquanto postura verticalista de quem ignora a existência deste mundo ou a rejeita. Hoje, a expressão Reino de Deus possui conotação vaga, metafórica. Pode-se, porém, imaginar o que significava falar disso em pleno reino de César... Não há dúvida da ressonância política do termo, pois Jesus ousou anunciar um outro Reino que não o de César e, por isso, pagou com a vida.

Hoje, a esperança tem conotação secular - a utopia. É curioso observar que, antes do Renascimento, não se falava em utopia. Esta resultou da dessacralização do mundo, da morte dos deuses e, portanto, da necessidade de projetar ou visualizar o mundo futuro. Na medida em que o ser humano, com o advento da modernidade, começou a dominar os recursos técnicos e científicos que interferem no curso da natureza e aprimoram a nossa convivência social, surge a necessidade de antever o modelo ideal, assim como o artista que faz a escultura traz na cabeça ou no papel o desenho da obra terminada. Como afirmou Ernst Bloch, a razão não pode florescer sem esperanças, e a esperança não pode falar sem razão (Karl Marx, Bolonha, 1972, 60).

O marxismo foi a primeira grande religião secular, capaz de traduzir a esperança em sociedade ideal. Ele introduziu na cultura ocidental a consciência histórica, a percepção do tempo como processo histórico, a tal ponto que o ser humano passou a prefigurar sua existência, não mais em referência aos valores subjetivos, mas ao devir, lutando contra os obstáculos que, no ainda-não, impedem a realização do que se espera como ideal libertador.

Para o cristão, a utopia do Reino supera as utopias seculares, sejam elas políticas, técnicas ou científicas. Espera-se, neste mundo, a realização plena das promessas de Deus o que plenifica e transfigura o mundo. Assim, à luz dessas promessas elencadas na Bíblia, o cristão mantém sempre uma postura crítica frente a toda realização histórica, bem como diante dos modelos utópicos. O homem novo e o mundo novo são resultados do esforço humano através do dom de Deus que, em última instância, os conduzem ao ápice. Em outras palavras, quem espera em Cristo não absolutiza jamais uma situação adquirida ou a ser conquistada. Toda progressão é relativa e, portanto, passível de aperfeiçoamento, até que a Criação retorne ao seio do Criador. Pois Deus realiza progressivamente, na história humana, a sua salvação.

A esperança se baseia na memória. Quem espera, rememora e comemora. Nosso Deus não é um qualquer do Olimpo politeísta. É um Deus que tem história e faz memória: Javé, o Deus de Abraão, Isaac e Jacó. É essa memória que alimenta a consciência crítica, consciência da diferença, da inadequação, ao ainda-não. Pois a utopia cristã sustenta-se na promessa de Deus. Por isso, a esperança cristã não teme o negativo, as vicissitudes históricas, o fracasso. É uma esperança crucificada, que se abre à perspectiva da ressurreição.

Na esperança, nós já fomos salvos. Ver o que se espera já não é esperar: como se pode esperar o que já se vê? Mas, se esperamos o que não vemos, é na perseverança que o aguardamos (Romanos 8, 24-25). Como diz a Carta aos Hebreus, a fé é um modo de já possuir aquilo que se espera, é um meio de conhecer realidades que não se veem (11, 1). Se a fé vê o que existe, a esperança vê o que existirá, dizia Péguy. E acrescentava: o amor só ama o que existe, mas a esperança ama o que existirá... no tempo e por toda a eternidade.

A esperança é o caminhar na fé para o seu objeto. A fé nos dá a certeza de que Jesus venceu a morte; a esperança, o alento de que venceremos os sinais de morte: a injustiça, o opressão, o preconceito etc. Esse processo não é contínuo, pois somos prisioneiros da finitude, embora trazendo a Infinitude em nossos corações. Por isso, o caminhar é entrecortado de dúvidas e dores, conquistas e alegrias, mas sabe que, se trilha as sendas do amor, tem Deus como guia.

- Frei Betto
Reproduzido via Amai-vos

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Festa da exaltação da cruz de Cristo

Foto via don't touch

A cruz de Jesus Cristo é o símbolo máximo do Cristianismo. Muitas vezes a associamos ao sofrimento e a dor e nos parece difícil pensar nela como instrumento de vitória e superação. Jesus Cristo não tinha que morrer na cruz para nos salvar, não era a morte a sua maior missão, mas o doar a vida pela remissão humana. A cruz aparece em sua vida apenas por coerência com a missão que assumiu.

Na época de Jesus, pessoas que denunciavam as injustiças eram consideradas conspiradores contra a ordem estabelecida e a pena aplicada a este "crime" era a morte e, em alguns casos julgados mais graves, a morte por crucifixão.

Jesus faz da sua vida pública um constante denunciar o que havia de errado e um contínuo anúncio de um novo estado possível de coisas, onde o amor fosse a essência e a justiça a norteadora das relações entre as pessoas. Por isso, não foi entendido pelos seus pares, sobretudo aqueles que se sentiam agredidos por suas palavras. Por isso, foi levado à morte. Por isso, encontrou-Se com a cruz.

O sofrimento de Jesus nos impulsiona a ir além. Ele, homem como nós, mostrou que é possível transformar e que a vida sempre vence apesar do ódio, do mal e do não querer. Sobretudo mostrou-nos que a cruz não é o fim. Portanto, crer em Jesus Cristo é crer em alguém que vence o sofrimento, é encher-se de esperança. Crer em Jesus Cristo é saber que as cruzes estarão em nossos caminhos como conseqüência de uma vida coerente com o chamado de Deus Pai. Crer em Jesus Cristo é acreditar que existe um Deus que nos promete a vida e não a morte.

Nesta Festa da Exaltação da Santa Cruz, celebrada a 14 de setembro, possamos olhar para as cruzes que encontramos não com medo, com pena ou com dor, mas com vigor, com esperança e com a certeza de que é no enfrentamento da cruz que nos fortalecemos em Deus, a quem iremos encontrar em todos os momentos em que a vida se celebra através de nós.

Texto para reflexão:
Jo 3, 13-17

- Gilda Carvalho
Reproduzido via Amai-vos

* * *


Leia também:
"Escândalo e loucura"
"A Cruz: suplício ou esperança?"

"A Cura da Homossexualidade" - Denúncia

Estou estarrecido com o que encontrei na rede! Não que o assunto seja surpreendente...porque, não é. Porém, o mínimo que posso fazer é tornar público o absurdo que é a reprodução de certos conteúdos Católicos.

Um dos nossos seguidores partilhou em nosso mural do Facebook alguns dias atrás o seguinte texto – A Cura da Homossexualidade. Clique aqui e veja.

Se você clicou e se indignou como eu com o fato chocante da comunidade médica de um país desenvolvido ter semelhante discurso, siga lendo...

O artigo está no site Católicos Online "Sem vós, Senhor, nada somos" e há um vínculo com a Congregação a Maria Santíssima. Veja aqui o site.

Pois é, seguindo um pouquinho mais a fundo, resolvi pesquisar no esquema de busca do site a palavra “homossexualidade”, se tiver estomago de encarar, clica aqui.

Não acho digno que o texto “A Cura da Homossexualidade” mereça a reprodução que sempre fazemos aqui, mas vou me ater a uma resposta ótima do nosso Conselho Federal de Piscologia aos nossos, é né “irmãos”, Catolicos Online:

RESOLUÇÃO CFP N° 001/99 DE 22 DE MARÇO DE 1999


"Estabelece normas de atuação para os psicólogos em relação à questão da
Orientação Sexual".

O CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, no uso de suas atribuições legais e regimentais, CONSIDERANDO que o psicólogo é um profissional da saúde; CONSIDERANDO que na prática profissional, independentemente da área em que esteja atuando, o psicólogo é freqüentemente interpelado por questões ligadas à sexualidade. CONSIDERANDO que a forma como cada um vive sua sexualidade faz parte da identidade do sujeito, a qual deve ser
compreendida na sua totalidade; CONSIDERANDO que a homossexualidade não
constitui doença, nem distúrbio e nem perversão; CONSIDERANDO que há, na
sociedade, uma inquietação em torno de práticas sexuais desviantes da norma estabelecida sócio-culturalmente; CONSIDERANDO que a Psicologia pode e deve contribuir com seu conhecimento para o esclarecimento sobre as questões da sexualidade, permitindo a superação de preconceitos e discriminações;

RESOLVE:
Art. 1° - Os psicólogos atuarão segundo os princípios éticos da profissão
notadamente aqueles que disciplinam a não discriminação e a promoção e
bem-estar das pessoas e da humanidade.


Art. 2° - Os psicólogos deverão contribuir, com seu conhecimento, para uma
reflexão sobre o preconceito e o desaparecimento de discriminações e
estigmatizações contra aqueles que apresentam comportamentos ou práticas
homoeróticas.


Art. 3° - os psicólogos não exercerão qualquer ação que favoreça a
patologização de comportamentos ou práticas homoeróticas, nem adotarão
ação coercitiva tendente a orientar homossexuais para tratamentos não
solicitados.


Parágrafo único - Os psicólogos não colaborarão com eventos e serviços que
proponham tratamento e cura das homossexualidades.


Art. 4° - Os psicólogos não se pronunciarão, nem participarão de
pronunciamentos públicos, nos meios de comunicação de massa, de modo a
reforçar os preconceitos sociais existentes em relação aos homossexuais
como portadores de qualquer desordem psíquica.


Art. 5° - Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.


Art. 6° - Revogam-se todas as disposições em contrário.


Brasília, 22 de março de 1999.
ANA MERCÊS BAHIA BOCK
Conselheira

Minha preocupação e indignação não é com você leitor do nosso blog que tenho certeza partilhar do nosso ponto de vista. Também minha preocupação, não é dar uma resposta ou mesmo esclarecer tais instituições que estão pouco abertas ao dialogo.

Minha extrema preocupação é com aquele que sofre e passa por agonias e frustrações por se depararem com a irresponsabilidade do discurso dos, nossos...é...dos nossos...sim “irmão” Católicos Online.

Ave Maria, rogai por nós!!!


Rodolfo Viana

Tempestades acalmadas

Pintura: Jeff Ramirez

São Mateus nos conta que depois de ter multiplicado pães e peixes, Jesus manda os discípulos seguirem para outra margem do lago, enquanto ele ainda ficaria um pouco mais com a multidão que alimentou. Seguem de barco. A noite é escura e há chuvas e ventos fortes. Ainda que conhecedores daquelas águas, o grupo está amedrontado pela força da tempestade. E eis que no meio do lago, surge a figura do Mestre andando sobre as águas, firme, sem titubeios ou perigos. É Pedro que o reconhece e logo pede para ir ao Seu encontro. Mas, assustado pela força do vento, começa a afundar. Só a mão do Senhor o salva. Quando entram juntos na barca, o mar, o vento e a chuva se acalmam.

Quantas tempestades passamos em nossas vidas? Não aquelas que muitas vezes assistimos pelas janelas e que até nos maravilham, mas tempestades interiores, que corrompem a tranqüilidade de nossos dias, que nos enchem de angústia, que tornam escuro o que até então nos parecia claro... E como reconhecer o Mestre que caminha firme ao nosso lado, pois nada pode detê-Lo? Como ter coragem para nos lançarmos como Pedro, ao seu encontro e com Ele retornar para o rumo dos dias, certos de que com Ele em nosso barco, este não afundará e tudo se acalmará?

Há algum tempo ouço dizer que o medo deveria ser considerado um dos pecados capitais. E mais: o medo não pode fazer parte dos sentimentos de um cristão, posto que não vem de Deus. Mas, não podemos nos furtar de senti-lo quando diante de situações extremas ou nebulosas. Justifica-nos saber que até mesmo o Cristo, diante da Paixão experimentou esse sentimento em seu coração e precisou dos anjos de Seu Pai para receber o devido consolo.

Creio que são nesses momentos que temos a oportunidade de sentir e testemunhar nossa fé. Se a noite escura nos prova, saber que em algum ponto dela Jesus está lá, nos enche de consolo. Ainda que O vejamos nebuloso, tal como os discípulos o viram como um fantasma, aquele que crê sabe que o Senhor não o deixará só, que precisa apenas de coragem – como Pedro – para lançar-se às águas e de estender a mão ao Mestre para fazê-lo entrar na barca e continuar conosco. Como nos lembra o Evangelista, somente quando Jesus efetivamente entra no barco, tudo se acalma. Ele precisa, portanto, acercar-se de nós, estar dentro de nosso coração, tomar posse de Seu espaço para poder realizar a maravilha e podermos nos espantar, como seus amigos: quem é este que faz o mar acalmar, a tempestade cessar?

Este episódio da vida de Jesus é pleno de ensinamentos para cada um de nós. Possamos tirar dele a força necessária para navegar com firmeza em nossas tempestades.

Para sua oração: Mt 14, 22-33

- Gilda Carvalho

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Essas minhas cores


"A pintura que fizestes de mim não me retrata bem. Não, eu não sou essa cor de azul gelado que pintastes. Talvez hoje eu seja uma mistura deste azul com a minha antiga cor vermelha coração, que anda meio escondida, de propósito. Entendo o teu olhar que pinta esse azul cor de água fria, já que muitas vezes pareço distante de ti, mas não estou. Não é desafeto nem ausência, talvez seja precaução. Me acostumei a fugir antes de chegar e correr com pressa para perto de mim. Ajuda-me a ficar, devagar, sem cobrar que eu te ajudo a mudar esse teu olhar. Ainda tenho muitas cores guardadas aqui."

Fonte: Eutimia às avessas

A Igreja ante os desafios do presente

Arte: Olaf Heine, no site da Polaroid

A Igreja Católica tem ocupado insistentemente o noticiário nos últimos tempos e lamentavelmente para nós, que somos parte dela no mesmo sentir e na mesma pertença, não muito positivamente. Os escândalos da pedofilia entre membros do clero e mesmo do episcopado parecem ter destapado uma grande panela de pressão, obrigando a instituição mais antiga do mundo a rever-se em profundidade em vários pontos.

Acreditamos que isso não deixa de ser positivo. No contexto da grande e radical mudança de época que vivemos, ser levada a olhar-se a si mesma com olhar crítico e procurar trazer à luz pontos problemáticos que apontam para uma necessidade de conversão é uma graça que Deus nos dá neste momento da história. E, como tal, necessita ser muito bem vivida, não pode nem deve deixar de ser aproveitada.

Ressaltamos a seguir alguns desafios do presente que nos parecem importantes no atual momento que a Igreja atravessa:

1. Nos últimos decênios, a Igreja Católica tem assistido à dramática diminuição de seus efetivos mais importantes. É inegável a queda das vocações sacerdotais e religiosas, a evasão dos clérigos que pedem redução ao estado laical, seja porque descobrem que o estado de vida celibatário não é algo a que se sentem chamados, seja porque não encontram mais sentido na vocação que um dia abraçaram com fervor e entusiasmo ou por outros motivos.

Isso coloca a Igreja inapelavelmente frente à crise de seu modelo. Mostra-lhe que não pode mais configurar-se e erigir-se apoiada fundamentalmente sobre o clero e os religiosos como dirigentes e líderes, deixando o laicato em posição secundária, de subordinação e sem acesso às decisões. Se persistir neste modelo, corre o risco de ver-se obrigada a desfazer-se de muitas de suas obras - como escolas, hospitais, universidades - que tanto bem fizeram à humanidade ao longo de 2000 anos que nos fazem a nós, católicos, sentir-nos humildemente orgulhosos do que somos e do que a graça de Deus ajudou-nos a construir durante este tempo.

A teologia pós-conciliar vem chamando insistentemente a atenção para o fato de que a Igreja não deve mais configurar-se como uma instituição baseada sobre um eixo de contraposição clero X laicato; religiosos X não religiosos. Este eixo dá margem a concebê-la como uma instituição elitista, onde haveria os especialistas do espírito e a gente comum e corrente, que estaria sujeita às pobres e menores contingências da condição humana. O modelo eclesiológico da Igreja como Povo de Deus que a Lumen Gentium, documento central no Concílio Vaticano II propõe para a auto-concepção da Igreja, pode ajudar-nos muitíssimo a todos os batizados neste momento de revisão. Trata-se de um modelo que concebe a comunidade eclesial a partir daquilo que é mais fundamental para todos os seus membros: o Batismo que os configura a todos e a cada um a Jesus Cristo, Senhor e Mestre a quem todos desejam seguir e servir. A partir desta dignidade que a todos iguala é que surgem os ministérios como serviços e não como privilégios.

2. A Igreja Católica, além disso, juntamente com as outras Igrejas cristãs históricas, tem visto diminuir e desaparecer consideravelmente sua hegemonia e sua força de configuração do comportamento da sociedade civil. De matriz cultural e civilizatória principal e central do Ocidente, passa a ser uma entre outras propostas religiosas, dividindo com estas o espaço e o imaginário da população, e sendo chamada fortemente a dialogar com essas diferentes visões, na abertura e na fraternidade, sem disputas ou combates estéreis. O mundo é plural, não mais teocêntrico. Nem mesmo moderno antropocêntrico de corte cartesiano. Outras cosmovisões, outras experiências religiosas, outras dimensões vitais e salvíficas foram trazidas para perto pela tecnologia, pela globalização e por muitos outros fatores. Há que olhá-las de frente e com elas dialogar. Mais: há que a elas dar as mãos para construir juntos os grandes desafios da humanidade: a justiça e a paz. O Papa Benedito XVI fala belamente sobre isso em sua última Encíclica Caritas in Veritate. Integrar as alteridades e as diferenças, delas aprender humildemente, contribuir com aquilo que nos é próprio e com o que constitui nossa identidade, eis o que enriquece e que pode nos fazer todos mais fraternos, mais irmãos, mais humanos.

3. A Igreja Católica neste primeiro quartel de século XXI vê-se convidada a voltar seus olhos para outros hemisférios: o hemisfério oriental e o hemisfério sul. Sempre identificada com o Ocidente europeu, considerado a matriz da civilização ocidental e cristã, agora resulta que a maioria dos cristãos e católicos se encontra na Ásia, na África e na América Latina. O superior geral dos jesuítas, Pe. Adolfo Nicolás, em recente discurso no México, chamou a atenção para o fato de que a grande maioria das vocações para a importante ordem religiosa pela qual é responsável se encontra na India, no Vietnam, na Coréia. Ou ainda na África e na América Latina. Reconheceu publicamente que o próximo superior geral da ordem poderá ser asiático ou africano ou latino-americano. Isto significa que a Igreja está sendo convidada a redirecionar seu olhar para essas partes do mundo onde estão os deserdados do progresso e de suas benesses. Aí estão as culturas dominadas, exploradas secularmente pelo norte vitorioso que escreveu a história oficial. Sem desconhecer todo o bem e a maravilha que muitos missionários presentes nestas regiões fizeram ao longo destes mais de vinte séculos de história, é o momento, parece, de descentrar a Igreja, de mudar seu epicentro do norte para o Sul e do oeste para o leste, procurando ouvir e captar o que Deus está dizendo à comunidade eclesial como um todo desde estas margens da história que sempre foram esquecidas e desvalorizadas por uma visão muito marcada por certo modo de ver e sentir e certo estilo de viver. Pode ser uma excelente oportunidade de abertura e conversão para toda a Igreja em todos os seus segmentos e um saudável momento de um recomeço no seguimento de Jesus em novas bases e novos paradigmas.

No entanto, nenhum destes desafios pode ou deve ser respondido apenas com a adoção de estratégias ou táticas inovadoras e sofisticadas. Os estudos sociológicos e a lucidez histórica podem ajudar-nos mas não nos porão no caminho certo se não vierem acompanhadas de uma profunda atitude espiritual. Nesse sentido, as últimas alocuções do Papa sobre a necessidade da penitência para toda a Igreja, desde o sucessor de Pedro até o mais humilde dos fiéis, reconhecendo um pecado e uma insuficiência que é de todos nós, apontam numa direção que é a única onde podemos estar seguros de ser guiados pelo Evangelho de Jesus. Não é com arrogância ou dureza, apontando o dedo acusatório contra pessoas ou grupos, que poderemos, enquanto Igreja, sair da crise em que estamos mergulhados. Mas sim com a atitude humilde do publicano que bate no peito e se reconhece pecador entre todos os outros, pede misericórdia e luz por parte do Senhor, para ver por onde caminhar. A transparência e a verdade que devem caracterizar a Igreja neste momento doloroso pelo qual passa, se não vierem acompanhadas da humildade e do arrependimento, da penitência e da conversão, não poderão levá-la muito longe no único caminho que deve ser o seu: o de refletir no meio do mundo a face do Senhor Jesus, que sendo rico se fez pobre, obediente até a morte de Cruz.

- Maria Clara Bingemer
Teóloga, professora do Departamento de Teologia e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio
Reproduzido via Dom Total

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Só montanhas



“Antes que eu penetrasse no Zen,
as montanhas nada mais eram senão montanhas
e os rios nada a não ser rios.
Quando aderi ao Zen,
as montanhas não eram mais montanhas
nem os rios eram rios.
Mas, quando compreendi o Zen,
as montanhas eram só montanhas
e os rios, só rios”

(Provérbio Zen)

Encontrei neste belo texto do Faustino Teixeira sobre o mestre zen Kodo Sawaki, aqui.

No perdão não há limites

Foto: Adam Magyar

Os discípulos ouviram Jesus dizer coisas incríveis sobre o amor aos inimigos, a oração ao Pai pelos que nos perseguem, o perdão a quem nos faz mal. Seguramente parece-lhes uma mensagem extraordinária mas pouco realista e muito problemática.

Pedro aproxima-se agora de Jesus com uma proposta mais prática e concreta que lhes permita, ao menos, resolver os problemas que surgem entre eles: receios, invejas, confrontações, conflitos e disputas. Como têm que atuar naquela família de seguidores que seguem os Seus passos. Em concreto: «Se o meu irmão me ofende, quantas vezes lhe tenho de perdoar?».

Antes que Jesus lhe responda, o impetuoso Pedro adianta-se a fazer-Lhe a sua própria sugestão: «Até sete vezes?». A sua proposta é de uma generosidade muito superior ao clima justiceiro que se respira na sociedade judia. Vai mais além inclusive do que se pratica entre os rabinos e os grupos essénios que falam como máximo de perdoar até quatro vezes.

No entanto Pedro continua a mover-se no plano da casuística judia onde se prescreve o perdão como arranjo amistoso e regulamentado para garantir o funcionamento ordenado da convivência entre quem pertence ao mesmo grupo.

A resposta de Jesus exige colocar-se noutro registo. No perdão não há limites: «Não te digo até sete vezes mas até setenta vezes sete». Não tem sentido fazer contas ao número de perdões. O que se põe a contar quantas vezes perdoa ao irmão entra por um caminho absurdo que arruína o espírito que há-de reinar entre os seus seguidores.

Entre os judeus era conhecido um "Canto de vingança" de Lámek, um lendário herói do deserto, que dizia assim: "Cain será vingado sete vezes, pero Lámek será vingado setenta vezes sete". Perante esta cultura de vingança sem limites, Jesus canta o perdão sem limites entre os Seus seguidores.

Em muito poucos anos o mal-estar foi crescendo no interior da Igreja provocando conflitos e confrontações cada vez mais destruidores e dolorosos. A falta de respeito mútuo, os insultos e as calúnias são cada vez mais frequentes. Sem que nada os desautorize, setores que se dizem cristãos servem-se da internet para semear agressividade e ódio destruindo sen piedade o nome e a trajetória de outros crentes.

Necessitamos urgentemente de testemunhas de Jesus, que anunciem com palavra firme o Seu Evangelho e que contagiem com coração humilde a Sua paz. Crentes que vivam perdoando e curando esta obsessão doentia que penetrou na Sua Igreja.

- José Antonio Pagola
Fonte: Amai-vos

Texto para reflexão:
Mateus 18, 21-35

domingo, 11 de setembro de 2011

O que é unidade?

Foto: Jason Powell

Hoje, nos EUA, é um dia lúgubre, o aniversário de dez anos do ataque terrorista que destruiu as Torres Gêmeas em Nova York e danificou parte do Pentágono. O número de vítimas chegou a 2.977: pessoas de todas as idades, raças e credos.

Entre as várias discussões sobre o que ocorreu e os seus motivos, gostaria de meditar aqui sobre o que mais falta no mundo: unidade. No fim de semana passado, recebemos em casa a artista russa Ekatherina Savtchenko (para ver seu trabalho, visite www.ekatherinas.com). Savtchenko usa a sua arte para transmitir uma forte mensagem de unidade, conectando várias culturas e fés com aspectos diversos do conhecimento humano, incluindo a ciência. Ela é parte da Unity Foundation (Fundação Unidade), um grupo ainda pequeno de pessoas dedicado a encontrar um denominador comum e inspiração dentre as tantas vozes do mundo.

Parte das atividades da fundação é coletar depoimentos de pessoas, registrados em vídeo, sobre sua visão do que é unidade. O objetivo é explorar vários significados da palavra e entender a sua essência. Quando chegou a minha vez e a câmera apontava na minha direção, tive de pensar rapidamente sobre o que entendo por unidade. Imediatamente, a noção de conectividade me veio à mente.

A ciência, em particular a física, influencia o que entendo por unidade. No seu aspecto mais básico, essa conectividade -que a tudo e todos liga-vem da unidade que vemos nas leis da natureza. Através do espaço e do tempo, por bilhões de anos-luz de distância e bilhões de anos, podemos afirmar com confiança que as mesmas leis da física e da química são válidas.

Vemos estrelas a bilhões de anos-luz de distância, estudamos os seus espectros e concluímos que esses objetos, tão longínquos, muitos deles já nem mais existentes, contêm hidrogênio, hélio e muitos dos mesmos elementos químicos que encontramos na Terra e em nossos corpos.

Vemos, também, que essas estrelas produzem seu brilho da mesma forma que o nosso Sol, transformando hidrogênio em hélio em seu centro, através da fusão nuclear. Somos todos feitos da mesma matéria: pessoas, plantas, rochas, estrelas.

As leis da natureza conectam o Universo, trazendo-o até nós. Mas que leis são essas? De onde vêm? Aqui, a ciência tem pouco a dizer. As leis da natureza são, em realidade, nossa interpretação do que vemos da natureza, consequência do que medimos do mundo. Elas expressam padrões de comportamento que identificamos através do espaço e do tempo, padrões que podemos quantificar e comparar com medidas e observações.

Como criadores dessas leis, nossa conexão com o Cosmos vai além da nossa composição material em comum: ela existe, também, por meio das nossas mentes, ao mapearmos na consciência aquilo que, sem nós, passaria desapercebido.

Como escrevi em meu livro "Criação Imperfeita", somos como o Universo pensa sobre si mesmo. Termino sugerindo uma montagem em vídeo em que Richard Feynman, Carl Sagan, Bill Nye e Neil deGrasse Tyson "cantam" sobre a unidade da natureza e nossa conexão com o cosmo, aqui.

- Marcelo Gleiser
Reproduzido via Conteúdo Livre
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