quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Primeira vista


O Cristianismo de hoje abraçou um projeto radical: o de recuperar e atualizar a dimensão contemplativa em todos os aspectos de sua vida: dialogando com os mundos científico e secular e, com outras religiões e, também, em sua própria casa, em sua teologia, moralidade, oração, culto e ação social. Caso a Igreja venha a falhar nesse esforço de espiritualização, ou se renda à tentação de regressar a um nostálgico mundo de supostas certezas, tal como algumas pessoas gostariam, lhe será impossível ajustar-se a um mundo secular, de modo a ser aquilo a que se destina. Atualmente, a própria identidade cristã, essa recepção e comunicação daquilo que a humanidade ganhou através de Jesus, está ameaçada. Um corolário dessa identidade está no relacionamento com outras identidades religiosas, e sua necessidade de trabalhar em equipe com outras formas de fé, para responder à crise global.

A menos que seja contemplativa, a igreja fracassa em ser contemporânea. Sua “catolicidade”, ou seja, sua universalidade, se reduz. À medida que se reduz a uma quase extinção, ela murcha na direção de um mero ritual. No entanto, não é o tamanho de suas congregações que importa, mas a qualidade da mente que se desperta naqueles que frequentam a igreja, ou não a frequentam de nenhuma maneira convencional, mas vivem a fé cristã de outras maneiras. Números, sobem e descem. A mente é transnumérica. Ela está aberta, ou está fechada, ou tende para uma dessas direções. O mundo precisa de pessoas contemplativas que tenham mentes corajosamente abertas, qualquer que seja a forma de sua fé, budistas, hindús, judeus ou muçulmanos. Todas as religiões enfrentam seu próprio desafio de recuperar e se reconectar com seu núcleo espiritual.

O Cristianismo necessita cristãos contemplativos, procedentes da experiência desse centro, que tragam consigo a Palavra de um evangelho unificador para um mundo machucado, que se inclina para a autodestruição. A missão, é um dos elementos do discipulado cristão: o de se adiantar e falar da experiência da fé. Onde a fé é forte, o objetivo da missão não é a conversão. Esse é o trabalho do Espírito, não se trata de um projeto humano. Assim, a missão do cristão contemporâneo é essencialmente contemplativa e, conduzirá ao diálogo, em vez do roubo de ovelhas. A experiência é que faz as pessoas contemplativas, uma experiência movida por pura fé. É por isso que precisamos compreender o significado da fé. Para muitos cristãos, isso pode demandar passarem por uma desprogramação do seu treinamento religioso prévio. Eles devem, primeiro, se permitir a conversão.

- Laurence Freeman, OSB

Fonte

terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Não pares

Escultura: David McCracken, "Diminish and ascend"

“Não, não pares! É graça divina começar bem. Graça maior é persistir na caminhada certa, manter o ritmo. Mas a graça das graças é não desistir. Podendo ou não, caindo, embora aos pedaços, chegar ao fim.”

- D. Hélder Câmara

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Eis o meu Filho


Este domingo, o primeiro chamado do "tempo comum", nos mostrou Jesus a caminho de sua missão. Graças ao Espírito Santo, terá sucesso em seu ministério entre os homens: fazer o bem a todos e por todos.

A reflexão é de Marcel Domergue, sacerdote jesuíta francês, publicada no sítio Croire, comentando as leituras doBatismo do Senhor, correspondentes ao 1º Domingo do Tempo Comum (12 de janeiro de 2014). A tradução é deFrancisco O. Lara, João Bosco Lara, e José J. Lara.

Eis o texto.


Leituras bíblicas
1ª leitura: Is 42,1-4.6-7
2ª leitura: At 10,34-38
Evangelho: Mt 3,13-17

As grandes águas

A água do batismo é símbolo da morte e do renascimento.

Misteriosas são as águas profundas: nem ruidosas como as da chuva nem em jorros como as das fontes. Na Bíblia, são sempre uma alusão ao abismo primitivo de antes da criação, um símbolo do nada. Foi assim no dilúvio, este retorno ao ponto zero, para o nascimento de uma nova humanidade. Quando os Hebreus atravessaram o mar Vermelho, atravessaram a morte. A passagem do Jordão fará deles um novo povo numa terra nova. O batismo dado por João está impregnado de todos estes símbolos e o que o profeta propõe é de fato um recomeço, um renascimento. Com efeito, é novidade, algo inteiramente novo, tudo o que nos veio trazer Aquele a quem o precursor anuncia. Para acolhê-lo, é preciso ter uma alma virgem, aberta ao desconhecido, ao que jamais foi visto nem ouvido. O batismo nos lava de todo o passado. Está bem, mas será que isso tudo vale também para Jesus? Ele que é oVerbo do começo de tudo não tem nada que recomeçar, e, no entanto, está aí, misturado aos discípulos de João para ser batizado com eles. Pois é neste «com eles» que está a resposta para esta questão. O que chamamos deEncarnação consiste em assumir a condição humana tal como ela foi forjada na história e no jogo das liberdades.Jesus identificou-se, pois, ao homem pecador e irá conhecer o seu destino por inteiro.

O justo e o injusto
Paulo avança mais longe ainda nas fórmulas que expressam esta identificação. Lemos, por exemplo, em 2 Coríntios5,21: «Aquele que não conhecera o pecado, Deus o fez pecado por causa de nós, afim de que, por ele, nos tornemos justiça de Deus.» Mas que estranha justiça esta: o culpado é considerado e, até mesmo, tornado justo, porque o justo assumiu o estado de culpado. E é isto o que surpreende João Batista: «Sou eu que devo ser batizado por ti…» e não o inverso. Pronuncia-se sobre o que seria justo ou injusto. A resposta de Jesus é inacreditável: «Por enquanto, deixa como está, porque devemos superar toda a justiça.» O texto fala em «cumprir»: no Novo Testamento, cumprir é ultrapassar, ir além de tudo o que teria já chegado ao seu término. E isto não acontece sem reviravoltas espetaculares: nunca alguém é tão senhor como quando se faz servidor; quanto mais se quer ser o último, mais se torna o primeiro, etc. Enfim, quanto mais se aceita morrer por amor, mais se aceita a vida indestrutível. Isto tudo é significado, ou anunciado, pelo relato do batismo. É injustamente que Jesus, por amor, desce com os pecadores até as águas do Jordão, águas de morte e de renascimento. É claro que a Páscoa é aí antecipada simbolicamente. Pois é na Páscoa que a justiça de Deus será de fato satisfeita, manifestando-se tal qual é: não justificadora, mas justificante.

Ainda uma epifania
Dissemos no comentário precedente que epifania significa revelação, manifestação. Com os magos, compreendemos que Jesus está aí para a salvação de todos os homens, sem distinção de raça, civilização ou cultura. No batismo, ficamos sabendo que ele é o Filho bem amado de Deus e que tem todo o seu amor. A Tradiçãoviu neste relato da visita dos magos, no relato do batismo e no das bodas de Caná («Assim ele manifestou a sua glória e os seus discípulos creram nele») as três manifestações iniciais da identidade e da missão do Cristo. São prelúdios à Transfiguração. Notemos que só depois do seu batismo, depois de sair das águas e de emergir do abismo mortal, é que Jesus é declarado Filho. O que faz pensar no princípio da Epístola aos Romanos, passagem que era desconcertante para a teologia clássica: Paulo diz que foi “escolhido para anunciar o Evangelho de Deus” e que diz respeito a seu Filho «nascido da estirpe de Davi segundo a carne, estabelecido Filho de Deus com poder por sua ressurreição dos mortos, segundo o Espírito de santidade.» Notemos o caráter trinitário do relato do batismo: é oPai que fala, pois que designa Jesus como seu Filho; o Espírito vem sobre ele como uma pomba. Impossível deixar de pensar no «sopro de Deus que pairava sobre o abismo» em Gênesis 1 e na pomba que vem anunciar a Noé o recuo das águas mortais, sob o sopro de um vento violento (Genesis 8).

Fonte

domingo, 12 de janeiro de 2014

Uma nova etapa


A leitura que a Igreja propõe neste domingo é o Evangelho de Jesus Cristo segundo Mateus 3, 13-17, que corresponde ao Domingo do Batismo de Jesus, ciclo A do Ano Litúrgico. O teólogo espanhol José Antonio Pagola comenta o texto.

Eis o texto.


Antes de narrar sua atividade profética, os evangelhos contam uma experiência que transformará radicalmente a vida de Jesus. Depois de ser batizado por João, Jesus se sente Filho querido de Deus, habitado plenamente por seu Espírito. Alentado por esse Espírito, Jesus se põe a caminho para anunciar a todos, com sua vida e sua mensagem, a Boa Notícia de um Deus amigo e salvador do ser humano.

Não é de admirar que, ao nos convidar a viver nos próximos anos “uma nova etapa evangelizadora”, o Papa nos lembre de que a Igreja precisa hoje, mais do que nunca, de evangelizadores com Espírito. Ele sabe muito bem que somente o Espírito de Jesus pode infundir força para colocar em andamento a conversão radical que a Igreja necessita. Mas quais são os caminhos?

Esta renovação da Igreja somente pode nascer da novidade do Evangelho. O Papa deseja que se escute hoje a mesma mensagem que Jesus proclamava pelos caminhos da Galileia. Devemos “retornar à fonte e recuperar o frescor original do Evangelho”. Somente dessa forma “romperemos esquemas chatos nos quais tentamos encerrar Jesus Cristo”.

O Papa está pensando numa renovação radical, “que não pode deixar as coisas como estão; não serve mais uma simples administração”. Por isso ele nos pede para abandonar o cômodo critério pastoral “sempre foi feito assim”e insiste uma e outra vez: “Convido a todos a serem ousados e criativos nesta tarefa de repensar os objetivos, as estruturas, o estilo e os métodos evangelizadores de suas próprias comunidades”.

Francisco busca uma Igreja que somente se preocupe em comunicar a Boa Notícia de Jesus ao mundo atual. “Mais que o temor de errar, espero que nos impulsione o medo de nos fecharmos nas estruturas que nos oferecem uma falsa contenção, nas normas que nos fazem juízes implacáveis, nos hábitos em que nos sentimos tranquilos, enquanto lá fora fica uma multidão faminta, e Jesus repete sem descanso: Dai-lhes vós de comer”.

O Papa deseja que construamos “uma Igreja com as portas abertas”, pois a alegria do Evangelho é para todos e não se deve excluir ninguém. “Que alegria escutar dos seus lábios uma visão de Igreja que recupera o Espírito mais genuíno de Jesus rompendo atitudes arraigadas ao longo de séculos. “Às vezes agimos como controladores da graça, e não como facilitadores. Mas a Igreja não é uma alfândega, é a casa do Pai onde há lugar para cada um com sua vida sobre as costas.”

Fonte
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