Mostrando postagens com marcador saúde. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador saúde. Mostrar todas as postagens
terça-feira, 30 de julho de 2013
Lobby Gay X Lobby Anti-gays
Comentário de Frei Betto sobre a declaração do papa Francisco.
"Se uma pessoa é gay, procura Deus e tem boa vontade, quem sou eu, por caridade, para julgá-la? O catecismo da Igreja Católica explica isso muito bem. Diz que eles não devem ser discriminados, mas integrados à sociedade. O problema não é ter essa tendência. Não! Devemos ser como irmãos. O problema é fazer lobby."
São palavras do papa Francisco ao deixar o Brasil, no voo entre Rio e Roma. A mensagem é esperançosa, mas, ao contrário do que o papa diz, o problema no Brasil é o lobby antigay, liderado pelo deputado federal Marco Feliciano (PSC-SP), presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara.
Deputados que consideram a homossexualidade uma doença propõem a "cura gay". Querem alterar a resolução do Conselho Federal de Psicologia que impede seus profissionais de tratar homossexuais como doentes. O que é um gay? Como diz a palavra inglesa, é uma pessoa alegre. Se os homossexuais são felizes, por que submetê-los à terapia?
Terapia é própria para obsessivos, como é o caso de quem odeia constatar que homossexual é uma pessoa feliz. Isto sim é doença: a homofobia, aliás, como toda fobia. E há inúmeras: desde a eleuterofobia, o medo da liberdade que, com certeza, caracteriza os fundamentalistas, até a malaxofobia, o medo de amar sobretudo quem de nós difere.
Sugiro aos deputados cortar o mal pela raiz: proibir a promíscua narrativa de "Branca de Neve e os Sete Anões", a relação pedófila entre o lobo mau e a Chapeuzinho Vermelho e, na Bíblia, o relato da íntima ligação entre Jônatas e Davi, aquele que "ele amava como a sua própria alma". (1 Livro de Samuel, 18).
Segundo censo do IBGE, há no Brasil 60 mil casais assumidamente gays. São pelo menos 120 mil pessoas que, em princípio, deveriam ser "submetidas a tratamento". Considerando que a Parada de Orgulho LGBT reúne, em São Paulo, cerca de 4 milhões de pessoas, haveria que construir uma clínica do tamanho de 50 Maracanãs para abrigar toda essa gente.
O processo terapêutico certamente teria início com uma sessão de exorcismo, já que, no fundo, a obsessão fundamentalista considera a homossexualidade muito mais coisa do demônio do que doença.
Outra sugestão é comprar um armário para cada gay e obrigá-lo a ficar lá dentro. Dizem os moralistas que qualquer um tem direito de ser gay, não deve é sair do armário.
Imagino que, terminado o processo de "cura gay", haverá uma grande Parada de Ex-Gays subindo a rampa da Câmara em Brasília para agradecer aos deputados que, iluminados, aprovaram a medida.
Ainda que todos os gays sejam confinados na clínica dos deputados, de uma coisa não poderão se queixar: será divertido contar ali com shows de Daniela Mercury e sir Elton Hercules John.
Saiba Feliciano que Alan Chambers, ex-presidente da associação Exodus International, destinada a curar gays, declarou em junho deste ano que também é gay, pediu perdão pelos sofrimentos causados a homossexuais e fechou a entidade.
À luz do Evangelho, o melhor é seguir o conselho de santo Agostinho: "Ama e faz o que quiseres." Ou, como diz Francisco, sejamos todos irmãos.
- Frei Betto, ontem na Folha de S. Paulo Tweet
segunda-feira, 28 de maio de 2012
Eu só queria que vocês soubessem
Arte: Andy Goldsworthy
Não é incomum que eu seja abordado ou receba emails de pessoas que leram coisas que escrevi ou me ouviram em algum espaço falando sobre suas experiências e de que forma o meu trabalho de alguma forma ressoa nessas experiências. Foi assim, inclusive, que conheci o meu namorado. Guardo com muito carinho e respeito todas essas confissões, em geral carregadas de muita dor e sofrimento, mas também há alegria e satisfação. Elas acontecem (pessoal ou virtualmente) num espaço que eu chamaria de sagrado e sempre me emocionam, fazendo com que me sinta ao mesmo tempo privilegiado e responsável diante de tamanha confiança. Essas experiências e os seus sujeitos, sem dúvida, são incorporadas no trabalho que desenvolvo e na defesa das coisas nas quais acredito e pelas quais procuro lutar.
Recentemente tive mais uma dessas experiências e que me marcou profundamente. Fui abordado por um rapaz que disse que queria conversar comigo. Percebi que ele tinha me esperado, e esperado a oportunidade em que pudesse falar comigo privadamente. Naquela ocasião, não consegui dar atenção a ele e ficamos de conversar em outro momento. Acabei esquecendo e quando o vi novamente disse que ainda conversaríamos. Ele disse que não era nada importante e apenas algum tempo depois a conversa aconteceu. Achei que ele queria comentar algo sobre meu trabalho, perguntar alguma coisa, tirar uma dúvida. Ele era bastante tímido e a conversa foi curta, talvez mais curta do que deveria ter sido.
Em poucas palavras ele me disse: “Eu queria te dizer que meus pais me mandaram para um desses programas para ex-gays. Eu fique lá durante um período longo e no último dia em que eu estive nesse lugar eu fui abusado sexualmente pelo diretor. Foi então que eu tive certeza de que não havia nada de errado comigo. Eu só queria que você soubesse”. Ou mais ou menos isso, porque de repente eu já nem consegui mais prestar atenção aos detalhes, embora ele falasse com uma serenidade que ainda agora me espanta. Ainda falamos de algumas outras questões. Eu disse que era importante que ele se cuidasse, especialmente agora que estava explorando com liberdade o fato de ser homossexual.
Foi apenas o tempo de eu me afastar um pouco, ficar sozinho, e começar a chorar quase sem me dar conta. Chorei por sentir uma profunda tristeza, de não ter dito tudo o que eu poderia ter dito para que ele ficasse bem e para que as suas feridas, se não fossem curadas, fossem aliviadas. Chorei de raiva, por imaginar que essas histórias são tão reais e tão presentes e continuamos permitindo que elas se repitam em nome de sei lá o que. Chorei por imaginar todas as coisas que foram feitas com esse rapaz e com tantos outros nesse lugar e chorei por causa da minha sensação de impotência, por pensar que eu não pude fazer nada para que isso não acontecesse, para que ele não tivesse que passar pelo que passou. Chorei por tantos outros motivos e todas as vezes que lembro dessa história choro de novo. E, provavelmente, todas essas questões são mais minhas do que dele, pois o seu olhar expressava exatamente o que ele me dizia: “Eu só queria que você soubesse”.
Queria pegar ele no colo, dizer que tudo ia ficar bem e que ninguém mais faria mal a ele – algo que infelizmente eu não posso fazer, nem garantir. Ainda tive uma última oportunidade de abraçá-lo e, olhando em seus olhos, que nesse momento também se encheram de lágrimas disse: “Você é lindo, Deus te ama e não deixa ninguém dizer o contrário”. Uma tentativa de bênção para quem tão generosamente me buscou em confissão e compartilhou algo tão íntimo e pessoal.
Fiquei pensando no que fez com que eu fosse, naquele momento, a pessoa escolhida para ouvir essa confissão. Penso, e só consigo escutar ele dizendo que “queria que eu soubesse”. Talvez como prova definitiva de que os tais ministérios para ex-gays são efetivamente uma violação do direito humano de auto-determinação no âmbito do gênero e da sexualidade e uso abusivo da religião para manutenção de estruturas, padrões e relações de poder desiguais. Talvez o fato de contar para alguém também fosse parte de um processo de cura através da verbalização e do reconhecimento da violência sofrida.
Na verdade não sei. Mas a firmeza, a simplicidade e a serenidade com a qual ele me contou essa experiência me fazem pensar que, de alguma forma, o fato de ele falar e o fato de eu saber pudessem fazer com que outras pessoas não tenham que passar por essa mesma experiência, fazendo da confissão uma denúncia. Por isso, talvez arbitrariamente, eu escrevo esse texto pois, assim como esse rapaz, eu queria que vocês soubessem!
E sabendo, fizessem alguma coisa para que impedir que histórias como essas se repitam, marcando profunda e irremediavelmente a vida de gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais.
- André S. Musskopf, bacharel, mestre e doutor em teologia pela Escola Superior de Teologia
Reproduzido via blog do autor Tweet
segunda-feira, 21 de maio de 2012
Famoso psiquiatra pede desculpas por estudo sobre "cura" para gays
Foto via Blue Pueblo
O fato foi simplesmente que ele fez tudo errado, e ao final de uma longa e revolucionária carreira, não importava com quanta frequência estivesse certo, o quão poderoso tinha sido ou o que isso significaria para seu legado.
O dr. Robert L. Spitzer, considerado por alguns como o pai da psiquiatria moderna, que completa 80 anos nesta semana, acordou recentemente às 4 horas da madrugada ciente de que tinha que fazer algo que não é natural para ele.
Ele se esforçou e andou cambaleando no escuro. Sua mesa parecia impossivelmente distante; Spitzer sofre de mal de Parkinson e tem dificuldade para caminhar, se sentar e até mesmo manter sua cabeça ereta.
A palavra que ele às vezes usa para descrever essas limitações – patéticas – é a mesma que empregou por décadas como um machado, para atacar ideias tolas, teorias vazias e estudos sem valor.
Agora, ali estava ele diante de seu computador, pronto para se retratar de um estudo que realizou, uma investigação mal concebida de 2003 que apoiava o uso da chamada terapia reparativa para “cura” da homossexualidade, voltada para pessoas fortemente motivadas a mudar.
O que dizer? A questão do casamento gay estava sacudindo novamente a política nacional. O Legislativo da Califórnia estava debatendo um projeto de lei proibindo a terapia como sendo perigosa. Um jornalista de revista que se submeteu à terapia na adolescência, o visitou recentemente em sua casa, para explicar quão miseravelmente desorientadora foi a experiência.
E ele soube posteriormente que um relatório da Organização Mundial de Saúde, divulgado na quinta-feira (17), considera a terapia “uma séria ameaça à saúde e bem-estar – até mesmo à vida – das pessoas afetadas”.
Os dedos de Spitzer tremiam sobre as teclas, não confiáveis, como se sufocassem com as palavras. E então estava feito: uma breve carta a ser publicada neste mês, na mesma revista onde o estudo original apareceu.
“Eu acredito que devo desculpas à comunidade gay”, conclui o texto.
Perturbador da paz
A ideia de estudar a terapia reparadora foi toda de Spitzer, dizem aqueles que o conhecem, um esforço de uma ortodoxia que ele mesmo ajudou a estabelecer.
No final dos anos 90 como hoje, o establishment psiquiátrico considerava a terapia sem valor. Poucos terapeutas consideravam a homossexualidade uma desordem.
Nem sempre foi assim. Até os anos 70, o manual de diagnóstico do campo classificava a homossexualidade como uma doença, a chamando de “transtorno de personalidade sociopática”. Muitos terapeutas ofereciam tratamento, incluindo os analistas freudianos que dominavam o campo na época.
Os defensores dos gays fizeram objeção furiosamente e, em 1970, um ano após os protestos de Stonewall para impedir as batidas policiais em um bar de Nova York, um grupo de manifestantes dos direitos dos gays confrontou um encontro de terapeutas comportamentais em Nova York para discutir o assunto. O encontro foi encerrado, mas não antes de um jovem professor da Universidade de Columbia sentar-se com os manifestantes para ouvir seus argumentos.
“Eu sempre fui atraído por controvérsia e o que eu ouvi fazia sentido”, disse Spitzer, em uma entrevista em sua casa na semana passada. “E eu comecei a pensar, bem, se é uma desordem mental, então o que a faz assim?”
Ele comparou a homossexualidade com outras condições definidas como transtornos, tais como depressão e dependência de álcool, e viu imediatamente que as últimas causavam angústia acentuada e dano, enquanto a homossexualidade frequentemente não.
Ele também viu uma oportunidade de fazer algo a respeito. Spitzer era na época membro de um comitê da Associação Americana de Psiquiatria, que estava ajudando a atualizar o manual de diagnóstico da área, e organizou prontamente um simpósio para discutir o lugar da homossexualidade.
A iniciativa provocou uma série de debates amargos, colocando Spitzer contra dois importantes psiquiatras influentes que não cediam. No final, a associação psiquiátrica ficou ao lado de Spitzer em 1973, decidindo remover a homossexualidade de seu manual e substituí-la pela alternativa dele, “transtorno de orientação sexual”, para identificar as pessoas cuja orientação sexual, gay ou hétero, lhes causava angústia.
Apesar da linguagem arcana, a homossexualidade não era mais um “transtorno”. Spitzer conseguiu um avanço nos direitos civis em tempo recorde.
“Eu não diria que Robert Spitzer se tornou um nome popular entre o movimento gay mais amplo, mas a retirada da homossexualidade foi amplamente celebrada como uma vitória”, disse Ronald Bayer, do Centro para História e Ética da Saúde Pública, em Columbia. “‘Não Mais Doente’ foi a manchete em alguns jornais gays.”
Em parte como resultado, Spitzer se encarregou da tarefa de atualizar o manual de diagnóstico. Juntamente com uma colega, a dra. Janet Williams, atualmente sua esposa, ele deu início ao trabalho. A um ponto ainda não amplamente apreciado, seu pensamento sobre essa única questão – a homossexualidade – provocou uma reconsideração mais ampla sobre o que é doença mental, sobre onde traçar a linha entre normal e não.
O novo manual, um calhamaço de 567 páginas lançado em 1980, se transformou em um best seller improvável, tanto nos Estados Unidos quanto no exterior. Ele estabeleceu instantaneamente o padrão para futuros manuais psiquiátricos e elevou seu principal arquiteto, então próximo dos 50 anos, ao pináculo de seu campo.
Ele era o protetor do livro, parte diretor, parte embaixador e parte clérigo intratável, rosnando ao telefone para cientistas, jornalistas e autores de políticas que considerava equivocados. Ele assumiu o papel como se tivesse nascido para ele, disseram colegas, ajudando a trazer ordem para um canto historicamente caótico da ciência.
Mas o poder tem seu próprio tipo de confinamento. Spitzer ainda podia perturbar a paz, mas não mais pelos flancos, como um rebelde. Agora ele era o establishment. E no final dos anos 90, disseram amigos, ele permanecia tão inquieto como sempre, ávido em contestar as suposições comuns.
Foi quando se deparou com outro grupo de manifestantes, no encontro anual da associação psiquiátrica em 1999: os autodescritos ex-gays. Como os manifestantes homossexuais em 1973, eles também se sentiam ultrajados por a psiquiatria estar negando a experiência deles –e qualquer terapia que pudesse ajudar.
A terapia reparativa
A terapia reparativa, às vezes chamada de terapia de “conversão” ou “reorientação sexual”, é enraizada na ideia de Freud de que as pessoas nascem bissexuais e podem se mover ao longo de um contínuo de um extremo ao outro. Alguns terapeutas nunca abandonaram a teoria e um dos principais rivais de Spitzer no debate de 1973, o dr. Charles W. Socarides, fundou uma organização chamada Associação Nacional para Pesquisa e Terapia da Homossexualidade (Narth, na sigla em inglês), no sul da Califórnia, para promovê-la.
Em 1998, a Narth formou alianças com grupos de defesa socialmente conservadores e juntos eles iniciaram uma campanha agressiva, publicando anúncios de página inteira em grandes jornais para divulgar histórias de sucesso.
“Pessoas com uma visão de mundo compartilhada basicamente se uniram e criaram seu próprio grupo de especialistas, para oferecer visões alternativas de políticas”, disse o dr. Jack Drescher, psiquiatra em Nova York e coeditor de “Ex-Gay Research: Analyzing the Spitzer Study and Its Relation to Science, Religion, Politics, and Culture”.
Para Spitzer, a pergunta científica no mínimo valia a pena ser feita: qual era o efeito da terapia, se é que havia algum? Estudos anteriores tinham sido tendenciosos e inconclusivos.
“As pessoas me diziam na época: ‘Bob, você vai arruinar sua carreira, não faça isso’”, disse Spitzer. “Mas eu não me sentia vulnerável.”
Ele recrutou 200 homens e mulheres, dos centros que realizavam a terapia, incluindo o Exodus International, com sede na Flórida, e da Narth. Ele entrevistou cada um profundamente por telefone, perguntando sobre seus impulsos sexuais, sentimentos, comportamentos antes e depois da terapia, classificando as respostas em uma escala.
Spitzer então comparou os resultados de seu questionário, antes e depois da terapia. “A maioria dos participantes relatou mudança de uma orientação predominante ou exclusivamente homossexual antes da terapia, para uma orientação predominante ou exclusivamente heterossexual no ano passado”, concluiu seu estudo.
O estudo –apresentado em um encontro de psiquiatria em 2001, antes da publicação– tornou-se imediatamente uma sensação e grupos de ex-gays o apontaram como evidência sólida de seu caso. Afinal aquele era Spitzer, o homem que sozinho removeu a homossexualidade do manual de transtornos mentais. Ninguém poderia acusá-lo de tendencioso.
Mas líderes gays o acusaram de traição e tinham suas razões.
O estudo apresentava problemas sérios. Ele se baseava no que as pessoas se lembravam de sentir anos antes – uma lembrança às vezes vaga. Ele incluía alguns defensores ex-gays, que eram politicamente ativos. E não testava uma terapia em particular; apenas metade dos participantes se tratou com terapeutas, enquanto outros trabalharam com conselheiros pastorais ou em grupos independentes de estudos da Bíblia.
Vários colegas tentaram impedir o estudo e pediram para que ele não o publicasse, disse Spitzer.
Mas altamente empenhado após todo o trabalho, ele recorreu a um amigo e ex-colaborador, o dr. Kenneth J. Zucker, psicólogo-chefe do Centro para Vício e Saúde Mental, em Toronto, e editor do “Archives of Sexual Behavior”, outra revista influente.
“Eu conhecia o Bob e a qualidade do seu trabalho, e concordei em publicá-lo”, disse Zucker em uma entrevista na semana passada.
O artigo não passou pelo habitual processo de revisão por pares, no qual especialistas anônimos avaliam o artigo antes da publicação.
“Mas eu lhe disse que o faria apenas se também publicasse os comentários” de resposta de outros cientistas para acompanhar o estudo, disse Zucker.
Esses comentários, com poucas exceções, foram impiedosos. Um citou o Código de Nuremberg de ética para condenar o estudo não apenas como falho, mas também moralmente errado.
“Nós tememos as repercussões desse estudo, incluindo o aumento do sofrimento, do preconceito e da discriminação”, concluiu um grupo de 15 pesquisadores do Instituto Psiquiátrico do Estado de Nova York, do qual Spitzer era afiliado.
Spitzer não deixou implícito no estudo que ser gay era uma opção, ou que era possível para qualquer um que quisesse mudar fazê-lo com terapia. Mas isso não impediu grupos socialmente conservadores de citarem o estudo em apoio a esses pontos, segundo Wayne Besen, diretor executivo da Truth Wins Out, uma organização sem fins lucrativos que combate o preconceito contra os gays.
Em uma ocasião, um político da Finlândia apresentou o estudo no Parlamento para argumentar contra as uniões civis, segundo Drescher.
“Precisa ser dito que quando este estudo foi mal utilizado para fins políticos, para dizer que os gays deviam ser curados –como ocorreu muitas vezes. Bob respondia imediatamente, para corrigir as percepções equivocadas”, disse Drescher, que é gay.
Mas Spitzer não conseguiu controlar a forma como seu estudo era interpretado por cada um e não conseguiu apagar o maior erro científico de todos, claramente atacado em muitos dos comentários: simplesmente perguntar para as pessoas se elas mudaram não é evidência de mudança real. As pessoas mentem, para si mesmas e para os outros. Elas mudam continuamente suas histórias, para atender suas necessidades e humores.
Resumindo, segundo quase qualquer medição, o estudo fracassou no teste do rigor científico que o próprio Spitzer foi tão importante em exigir por muitos anos.
“Ao ler esses comentários, eu sabia que era um problema, um grande problema, e um que eu não podia responder”, disse Spitzer. “Como você sabe que alguém realmente mudou?”
Reconhecimento
Foram necessários 11 anos para ele reconhecer publicamente.
Inicialmente ele se agarrou à ideia de que o estudo era exploratório, uma tentativa de levar os cientistas a pensarem duas vezes antes de descartar uma terapia de cara. Então ele se refugiou na posição de que o estudo se concentrava menos na eficácia da terapia e mais em como as pessoas tratadas com ele descreviam mudanças na orientação sexual.
“Não é um pergunta muito interessante”, ele disse. “Mas por muito tempo eu pensei que talvez não tivesse que enfrentar o problema maior, sobre a medição da mudança.”
Após se aposentar em 2003, ele permaneceu ativo em muitas frentes, mas o estudo da terapia reparativa permaneceu um elemento importante das guerras culturais e um arrependimento pessoal que não o deixava em paz. Os sintomas de Parkinson pioraram no ano passado, o esgotando física e mentalmente, tornando ainda mais difícil para ele lutar contra as dores do remorso.
E, em um dia em março, Spitzer recebeu um visitante. Gabriel Arana, um jornalista da revista “The American Prospect”, entrevistou Spitzer sobre o estudo sobre terapia reparativa. Aquela não era uma entrevista qualquer; Arana se submeteu à terapia reparativa na adolescência e o terapeuta dele recrutou o jovem para o estudo de Spitzer (Arana não participou).
“Eu perguntei a ele sobre todos os seus críticos e ele disse: ‘Eu acho que eles estão certos’”, disse Arana, que escreveu sobre suas próprias experiências no mês passado. Arana disse que a terapia reparativa acabou adiando sua autoaceitação e lhe induziu a pensamentos de suicídio. “Mas na época que fui recrutado para o estudo de Spitzer, eu era considerado uma história de sucesso. Eu teria dito que estava fazendo progressos.”
Aquilo foi o que faltava. O estudo que na época parecia uma mera nota de rodapé em uma grande vida estava se transformando em um capítulo. E precisava de um final apropriado –uma forte correção, diretamente por seu autor, não por um jornalista ou colega.
Um esboço da carta já vazou online e foi divulgado.
“Você sabe, é o único arrependimento que tenho; o único profissional”, disse Spitzer sobre o estudo, perto do final de uma longa entrevista. “E eu acho que, na história da psiquiatria, eu não creio que tenha visto um cientista escrever uma carta dizendo que os dados estavam lá, mas foram interpretados erroneamente. Que tenha admitido isso e pedido desculpas aos seus leitores.”
Ele desviou o olhar e então voltou de novo, com seus olhos grandes cheios de emoção. “Isso é alguma coisa, você não acha?”
- Benedict Carey, para o The New York Times (original aqui)
Tradução de George El Khouri Andolfato, para o UOL Internacional Tweet
OPAS/OMS condena tratamentos para ‘curar’ homossexualidade
Arte: Matt Wisniewski
Serviços que se propõem a “curar” homossexuais carecem de justificativa médica e representam uma grave ameaça à saúde e ao bem-estar das pessoas afetadas, afirma a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS/OMS) em comunicado divulgado no último dia 17/05, Dia Internacional contra a Homofobia.
“A homossexualidade não é um transtorno nem requer cura. Em consequência, não existe indicação médica para a mudança de orientação sexual”, observou a Diretora da OPAS/OMS, Mirta Roses Periago.
O comunicado destaca que há consenso profissional de que homossexualidade é uma variação natural da sexualidade humana e não pode ser considerado como condição patológica. Contudo, vários órgãos das Nações Unidas constataram a existência de “clínicas” e “terapeutas” que promovem tratamentos que pretendem mudar a orientação sexual de não heterossexuais. Não há estudos científicos que demonstrem eficiência de esforços nesse sentido.
Entretanto, há muitos testemunhos sobre graves danos à saúde mental e física que tais serviços podem causar. A repressão da orientação sexual vem sendo associada a sentimentos de culpa, vergonha, depressão, ansiedade e até mesmo suicídio. Como agravante, há um crescente número de relatos de tratamentos degradantes e de violência física e sexual como parte da “terapia”, geralmente oferecida ilegalmente.
O documento faz um apelo para que governos, instituições acadêmicas, associações profissionais e imprensa exponham essas práticas e promovam o respeito à diversidade. “As práticas devem ser denunciadas e sujeitas a sanções dentro da legislação nacional”, observou Roses.
Para enfrentar socialmente este problema, a OPAS/OMS apresenta uma série de recomendações que podem ser acessadas no posicionamento técnico, aqui (em espanhol).
(Fonte: ONU) Tweet
sábado, 19 de maio de 2012
29ª Vigília internacional pelos mortos de Aids: amanhã, 20/05, em São Paulo
Amanhã, 20/05, o pessoal da Pastoral da Diversidade vai participar da Vigília Internacional sobre a AIDS. Saiba mais sobre o grupo aqui e no www.pastoraldadiversidade.com.br.
Em torno de 100.000 pessoas de todo o mundo celebrarão no próximo dia 20 de maio a Vigília Internacional sobre a AIDS para recordar aqueles que perderam suas vidas como consequência da enfermidade e apoiar aqueles que vivem com HIV ou se veem afetados pelo seu impacto. Apoiados por líderes comunitários, empresários e religiosos de 500 cidades e povos de 115 países, os participantes da Vigília têm pedido a todos os atores da resposta ao HIV que atuem com maior intensidade.
"A Vigília Internacional sobre a AIDS é um lembrete vivo de nossa constante batalha contra essa enfermidade tão letal”, afirma Mayowa Joel, coordenador da Vigília na Nigéria. "Recordar aos amigos e entes queridos que perdemos pela AIDS é essencial nesse momento em que os financiamentos diminuem e mudam as prioridades de saúde e desenvolvimento, o que ameaça os avanços que temos realizado para acabar com a Aids e reduzir a propagação do HIV e outras enfermidades intimamente relacionadas, especialmente a tuberculose”.
Segundo as últimas estatísticas de ONUSIDA, em todo o mundo cerca de 34 milhões de pessoas vivem com a Aids. Aumentar o acesso ao tratamento tem conseguido estabilizar a epidemia, no entanto morrem a cada ano 1,8 milhões de pessoas de enfermidades relacionadas à Aids, enquanto em torno de 2,7 milhões de pessoas se infectam. Anualmente, pelo menos 390.000 crianças nascem com o HIV, algo que é absolutamente prevenível com o conhecimento médico atual.
As pessoas que têm participado da Vigília Internacional desse ano solicitaram aos governos e aos organismos internacionais que garantam que mais pessoas possam ter acesso a melhores serviços sanitários, assim como ao tratamento do HIV. Também pediram aos governos locais e nacionais que façam mais para defender os direitos das pessoas que vivem com o HIV e deixem de tolerar o estigma e a discriminação.
Segundo os participantes da Vigília, a resposta ao HIV só terá êxito quando se converter em um esforço que aborde e se sustente nas necessidades de todos os afetados pelo HIV, incluindo as pessoas que vivem com o vírus e grupos específicos como homens que têm relações sexuais com homens, usuários de drogas, profissionais do sexo, mulheres e jovens.
Promover conjuntamente a saúde e a dignidade é o tema da Vigília desse ano. Salienta que não se pode preservar a saúde nem o bem-estar se não se respeita a dignidade da pessoa e se promovem ou protegem os direitos de todos. Promover conjuntamente a saúde e a dignidade está intimamente relacionado ao marco baseado nos direitos da Saúde, dignidade e prevenção positivas, que focam na saúde e no bem-estar das pessoas soropositivas. Desenvolvido pela UNISIDA e GNP+, este marco tem servido como referência para as políticas nacionais que respondem às necessidades das pessoas que vivem com HIV em todo o mundo.
Histórico
A Vigília Internacional sobre a AIDS, coordenada pela Rede Mundial de Pessoas que Vivem com o HIV, é uma das maiores e mais antigas campanhas de mobilização popular para promover a sensibilização sobre o HIV no mundo. Começou no ano de 1983 e se celebra a cada terceiro domingo de maio sob a liderança de organizações comunitárias, sanitárias e religiosas de 115 países. A Vigília, tendo em conta que 33 milhões de pessoas vivem atualmente com o vírus, é uma intervenção importante para promover a solidariedade mundial, reduzir o estigma e a discriminação e dar esperança às novas gerações.
Para muitos organizadores, a mobilização comunitária para a Vigília começa no Dia Mundial de Combate à Aids (1º de dezembro) e acaba com o ato internacional de maio. As organizações coordenadoras são diversas e nelas se incluem as principais redes da população, organizações de serviços, instituições acadêmicas, centros de atenção sanitária, grupos religiosos, empresas, meios de comunicação, entre outros.
Os atos de comemoração vão de pequenas vigílias comunitárias a celebrações nacionais que transcorrem durante dias. Para além da memória, muitas organizações coordenadoras utilizam a Vigília como uma oportunidade para promover os serviços locais do HIV, fomentar a educação e o diálogo comunitário e defender a melhora das políticas públicas.
A liderança das pessoas que vivem com HIV e daqueles afetados pelo vírus é um aspecto essencial da Vigília. O fato de que é liderado pelas comunidades é o que torna este evento tão especial e importante.
(Fonte: Adital) Tweet
quinta-feira, 17 de maio de 2012
Tortura nunca mais?!
Sobre o ato na Cinelândia, mais informações aqui
Hoje celebramos o Dia Internacional de Combate à Homofobia. Nesta data, em 1990, a Assembleia Geral da Organização Mundial de Saúde retirou de maneira técnica e científica, a Homossexualidade do Código Internacional de Doenças, impossibilitando qualquer interpretação de cunho moral e preconceituoso, e vedando a qualquer profissional, seja de área saúde ou afins, o tratamento (vulga "cura") ou correção da orientação sexual.
Há 17 anos luto pelo respeito aos direitos humanos e civis de qualquer cidadão, independente de sua raça, credo, gênero ou orientação sexual. Comecei minha atuação na área de prevenção de HIV/AIDS e outras DSTs, aprofundando, em seguida, a questão do combate ao preconceito, que impeça a cada um de nós exercer de forma plena nossa cidadania.
No entanto, o dia de hoje - além de ser um marco para toda a comunidade LGBT - deve ser também de profunda reflexão. Digo isso, pois fico alarmado com o requinte de violência nos crimes de ódio cometidos contra cidadãos LGBT em nosso país. Se antes esses atos vinham disfarçados de assaltos - como na época do “Boa Noite Cinderela" - hoje vemos corpos carbonizados, olhos e membros arrancados, e sinais de tortura física e psicológica.
Se traçarmos um gráfico entre o aumento desses crimes com a crescente manifestação de incitação ao ódio por parte de parlamentares e pessoas públicas, veremos que isso não é apenas uma coincidência.
Não sei o que faz um ser humano sair de casa e que, ao invés de levar a namorada ao cinema, prefere “bater nos viados”. Ou uma pessoa se sentir incomodada diante da demonstração de afeto entre duas pessoas do mesmo sexo que se amam! Não posso achar que isso não tenha um processo de deformação mental chamado também de homofobia. Mas o respeito que garante a liberdade do outro é o mesmo que nos garante o exercício de nossos direitos civis. Não peço a aceitação, mas sim respeito. Afinal, nosso código penal e civil nos garante isso.
Quando em 2011 criamos na Coordenadoria Especial da Diversidade Sexual (CEDS) o programa RIO SEM PRECONCEITO, demos um enorme passo na direção do diálogo: uma política pública de combate a todo e qualquer tipo de preconceito, pois nos igualamos na dor dos que sofrem e já sofreram por serem apenas “diferentes” na raça, na religião, na altura, tipo físico do padrão estabelecido como “normal” por essa sociedade.
O Brasil passou de sétima para sexta economia mundial. Evoluiu em índices sociais e hoje, dialoga, em pé de igualdade com grandes potências. Pois nesse mesmo Brasil, onde nossa presidente foi torturada nos porões da ditadura e centenas de jovens morreram em busca da democracia, cidadãos continuam sendo barbaramente torturados por terem uma orientação sexual diferente do considerado padrão. E esses crimes não são declarados como o que realmente são: crimes hediondos!
Quando nos tornamos indiferentes a uma cena como a do garoto levando um golpe de lâmpada no rosto em plena Avenida Paulista, ou a do menino de 14 anos, morador de São Gonçalo, mantido em cárcere privado e cujo corpo foi abandonado numa vala, por achar que esse problema “não é nosso”, me questiono que tipo de sociedade entregaremos às próximas gerações.
Até cidadãos não homossexuais sofrem por crime de homofobia como foi o caso do pai, no interior de São Paulo, que teve sua orelha decepada por estar abraçado com o filho. A “justificativa”: “acharam que eles eram namorados”.
Vivemos um período onde a instrumentalização da informação incita a segregação contra minorias. No caso a bola da vez são os homossexuais. Nada de novo, pois métodos semelhantes foram utilizados por populistas como Hitler, Mussolini, os Talibãs, os Xiitas etc. E agora como antes é tudo apenas parte de um projeto de poder, não importa qual massa tenha de ser manipulada.
Mas se o mundo muda, o Poder Público tem o dever de acompanhá-lo. É preciso discutir de forma técnica, aos olhos da Lei e não de acordo com as regras de uma ou outra religião, pois essas são de opção de cada cidadão, temas pertinentes aos dias de hoje. Por mais que se negue, homossexuais são mortos apenas por serem homossexuais.
Quando o sentimento se torna maior, temos de nos questionar. Que tipo de representação queremos? Que sociedade construímos? Mais do que nunca, hoje é um dia para o cidadão LGBT lembrar que ele é cidadão desse país e que seu direito só será exercido através da denúncia, da cobrança e, principalmente, do conhecimento dos direitos que já possui no código civil ou penal, ainda que estes não sejam plenos e igualitários aos conferidos aos heterossexuais e as demais minorias.
- Carlos Tufvesson
Publicado hoje no site do jornal O Globo. Reproduzido via Conteúdo Livre
Tweet
quarta-feira, 25 de abril de 2012
Posicionamento do CFP: tratamento da mídia sobre homossexualidade
Foto: Katrin Korfmann
A esta altura do campeonato já não é nenhuma novidade esta nota emitida dia 11/04/12 pelo Conselho Federal de Psicologia a respeito da questão da "cura homossexual". Mas, como a gente não tem mesmo como ser mais rápido no gatilho que o Sérgio Viula em seu excelente blog Fora do Armário, que está sempre dando as notícias mais relevantes em primeiríssima mão, reproduzimos, mesmo com atraso, porque vale o registro e nunca é demais divulgar. ;-)
Diante das recorrentes discussões por parte da mídia sobre a questão da orientação sexual e a possibilidade de “cura” dos homossexuais pelas psicólogas e psicólogos, tendo como exemplo o programa "VEJAM SÓ" da Rede Internacional de Televisão (RIT TV), transmitido dia 19/03/2012 e que levantou o tema “você concorda que os psicólogos sejam proibidos de ajudar os gays que desejem mudar sua orientação sexual?”, o CFP tem o seguinte posicionamento:
Primeiramente, já foi esclarecido anteriormente em nota publicada dia 28/03 que a Resolução do CFP nº 001/99 referenda a posição internacional frente ao tema, pois em 1993, a Organização Mundial da Saúde (OMS) retirou a homossexualidade do rol de doenças e patologias da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID 10).
Da leitura da Resolução nº 001/99, constata-se que, bem ao contrário do que sustenta o autor do PDC 234/2011, o CFP em momento algum veda a prestação de orientação psicológica profissional aos que pretendam voluntariamente alterar sua orientação sexual. O que se veda é que a psicóloga (o) preste os seus serviços de modo a tratar ou a prometer a cura da homossexualidade, pois a homossexualidade não é uma doença.
A (o) psicóloga (o) deve acolher o sujeito em sofrimento psíquico, seja ele proveniente de sua orientação sexual ou qualquer outro, entendendo que cabe ao indivíduo expressar-se livremente em suas demandas para a construção de um projeto terapêutico singular.
Deverá a (o) psicóloga (o) ter como princípio o respeito à livre orientação sexual dos indivíduos, e conforme o artigo 2º item b de nosso Código de Ética, é vedado à/ao Psicóloga(o) induzir a convicções políticas, filosóficas, morais, religiosas, de orientação sexual ou a qualquer tipo de preconceito quando no exercício de suas funções profissionais.
A questão da orientação sexual como expressão do direito humano, distancia-se radicalmente de conceitos de cura e doença. O objetivo terapêutico não será a reversão da homossexualidade porque esta não é uma demanda passível de tratamento, já que não se configura como distúrbio ou transtorno. O projeto terapêutico proposto estará direcionado para o bem-estar daqueles que procuram auxílio psicológico, contribuindo para a universalização do acesso da população as informações, ao conhecimento da ciência psicológica e aos padrões éticos da profissão.
Mas uma segunda questão vem à tona, relativa ao papel da mídia brasileira na discussão de tais questões, que têm sido muitas vezes debatidas de forma rasa e tendenciosa, sem entrar no mérito de um assunto tão sério, que acaba guiado por paradigmas religiosos.
Muitas das discussões desencadeadas pelos referidos meios ferem a Democracia e substituem o necessário embate de ideias políticas por denúncias unilaterais e, de modo geral, sem comprovação informativa, e sem o livre exercício do direito ao contraditório.
Acreditamos que fatos como estes mostram, mais uma vez, que a ausência de mecanismos de regulação democrática capazes de apurar e providenciar ações imediatas para lidar com as infrações cometidas pelas emissoras demandam uma das políticas públicas que necessitam ser construídas no Brasil como um Conselho Nacional de Comunicação, com participação dos diversos segmentos da sociedade, assim como já ocorre nos países democráticos.
Esta é uma das políticas em que o CFP atua no Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), onde o Conselho ocupa a Secretaria-Geral da coordenação executiva no biênio 2012-2013. A coordenação executiva do FNDC é composta atualmente por nove entidades que trabalham juntas na luta por uma Comunicação Democrática no Brasil.
É fundamental que o Ministério das Comunicações coloque em discussão, imediatamente, propostas para um novo marco regulatório das comunicações, com mecanismos que contemplem órgãos reguladores democráticos capazes de atuar sobre estas questões.
Acesse: http://www.comunicacaodemocratica.org.br/
Assista a seguir debate transmitido no dia 22/01 no programa Ver TV, da TV Brasil, com a participação da conselheira do CFP Roseli Goffman. O programa organizou debate sobre os excessos na programação da TV brasileira. Veja a seguir os blocos do Programa:
Parte 1:
Para assistir ao vídeo, você precisa ter instalado o Windows Media Player (ou VLC).
Ao baixar e usar o vídeo, você automaticamente declara estar de acordo com o Termo de Uso.
Parte 2:
Para assistir ao vídeo, você precisa ter instalado o Windows Media Player (ou VLC).
Ao baixar e usar o vídeo, você automaticamente declara estar de acordo com o Termo de Uso.
Parte 3:
Para assistir ao vídeo, você precisa ter instalado o Windows Media Player (ou VLC).
Ao baixar e usar o vídeo, você automaticamente declara estar de acordo com o Termo de Uso.
Tweet
sexta-feira, 20 de abril de 2012
Preconceito aumenta risco de depressão, diz estudo
Mães de gays se recusam a permanecer no armário e afirmam o orgulho que têm dos filhos
na Parada do Orgulho Gay de Nova York em 1974. Vimos no blog da Amelia, aqui.
na Parada do Orgulho Gay de Nova York em 1974. Vimos no blog da Amelia, aqui.
O preconceito pode estar levando jovens homossexuais a casos de depressão e suicídio. Pesquisa realizada pelo Instituto de Ciências Médicas da Unicamp constatou que homossexuais têm tendência maior a desenvolver transtornos mentais em relação a jovens heterossexuais da mesma faixa etária. A discriminação, sobretudo por parte da família, é um fator de risco para o aumento desses casos.
Isso porque o adolescente ainda necessita da proteção do ambiente familiar e mimetiza seus valores. Assim, quando rejeitado, acaba internalizando o preconceito sofrido e se auto-discrimina por sua orientação sexual.
“Nos adolescentes, isso funciona de forma mais grave porque ainda está num momento crítico de construção da individualidade”, afirma Daniela Ghorayeb, autora do estudo e PhD em saúde mental pela Unicamp. A pesquisa faz parte de sua tese de doutorado, que deu sequência a um estudo anterior sobre a saúde mental dos adultos homossexuais.
Cerca de 67% dos entrevistados afirmaram sentir vergonha de sua orientação sexual. E, enquanto nos adultos a religião e pressões da sociedade são os fatores que induzem a esse tipo de sentimento, sobretudo entre as mulheres, nos adolescentes entre 16 e 21 anos é o medo de frustar a família o que mais pesa. “Acho que até já tive raiva de mim, mas não era só ser gay, era muita coisa junto”, diz um entrevistado.
Além disso, 35% dos pesquisados apresentaram depressão e 10%, risco de suicídio. Já entre os heterossexuais, apenas 15% sinalizaram quadro depressivo e nenhum caso de tentativa ou intenção de se matar. Por sua vez, quando a homossexualidade do jovem é bem recebida pela família, e a proteção aumenta, diminuem os riscos de transtornos mentais. “Pior porque passei por muita coisa e melhor porque enfrentei, mesmo com a depressão, eu só me trancava, chorava, não queria nada, foi horrível, aí sou melhor porque tá passando”, declara um dos participantes, em trecho da pesquisa.
Segundo Ghorayeb, muitos adolsecentes afirmaram terem sido impedidos de exercer afetividade e terem medo de serem agredidos fisicamente e verbalmente. “Alguns adolescentes, a partir de um certo horário, não andam na rua. Não anda porque sabe que existe iminência de violência física”, explica a pesquisadora. Tanto a falta de liberdade para expressar sentimentos quanto o risco de agressão tem efeito negativo na saúde mental e qualidade de vida das pessoas. No último mês, uma criança de 12 anos cometeu suicídio depois de sofrer “bulling” na escola por conta de sua orientação sexual, em Vitória (ES).
Ghorayeb comenta que no exterior existem cada vez mais pesquisas para mensurar o quanto o preconceito pode interferir na saúde mental de jovens. Há também um cuidado, em alguns lugares, de se proporcionar tratamento na rede de saúde tanto para os adolescentes quanto para a família, que recebe parte desse impacto. No Reino Unido, nos centros de saúde públicos, há profissionais especializados no tema para auxiliar na orientação familiar. Aqui no Brasil, este é o segundo estudo que cruza homossexualidade e saúde mental, sendo o primeiro a sua tese de mestrado.
Na rede de saúde, não existe nenhum tipo de auxílio especializado para estes casos. “É necessário divulgar para a comunidade acadêmica melhorar a formação dos profissionais de saúde nesse sentido”, afirma Ghorayeb.
A pesquisa considerou apenas os homossexuais que assim se definiram. Além disso, por conta da dificuldade de se conseguir voluntários com esse perfil, por conta da discriminação, a pesquisadora utilizou a técnica de recrutamento denominada “snowball sampling”. Cada entrevistado indicava outros cinco que correspondiam ao perfil.
Por conta disso, o público foi bastante homogêneo e não teve abrangência de diversas classes sociais. A média de renda familiar foi entre cinco mil e sete mil reais. A maioria tinha planos de ingressar no ensino superior. “Se pesquisar outra faixa de renda, vai se chegar a resultados bem diferentes”, afirma Ghorayeb.
- Clara Roman, em sua coluna na Carta Capital em 06/04/12
Colaboração do amigo @wrighini Tweet
sábado, 24 de março de 2012
O lado positivo de alguém que você conhece
"Qual o nome do(s) soropositivo(s) que você conhece? Não, você conhece algum soropositivo. Conhece sim, porém, você não sabe que essa pessoa tem o vírus da AIDS em seu corpo. Agora responda para si mesmo como você agiria com essa pessoa se você soubesse que ela tem HIV, o que você pensaria dela ou de si mesmo? Quais as chances dessa informação não fazer nenhuma diferença na forma que você pensa sobre essa pessoa? Pense agora na resposta da maioria das pessoas a essas últimas perguntas, lembre-se que elas responderiam apenas para elas mesmas, imagine o que elas pensariam e como agiriam se soubesse que alguém é soropositivo. Entendeu porque você acha que não conhece nenhum soropositivo?"
- Rebeca, do Minoria é a mãe, em "Coquetel. Molotov?"
Leia também:
Aids tem preconceito?
Drauzio Varella: O começo do fim da Aids
Tweet
Leia também:
Aids tem preconceito?
Drauzio Varella: O começo do fim da Aids
quarta-feira, 21 de março de 2012
Curador da vida
Imagem daqui
Jesus foi considerado pelos seus contemporâneos como um curador singular. Ninguém o confunde com os magos ou curandeiros da época. Tem seu próprio estilo de curar. Não apela a forças estranhas nem profere conjuros ou fórmulas secretas. Ele não utiliza amuletos nem feitiços. Mas quando ele se comunica com os doentes contagia saúde.
De muitas formas os relatos evangélicos vão desenhando o seu poder de cura. O seu amor apaixonado pela vida, a sua acolhida calorosa de todo doente, o seu poder de regenerar o melhor de cada pessoa, a sua capacidade de contagiar a sua fé em Deus criavam as condições que tornavam possível a cura.
Jesus não oferece remédios para solucionar um problema físico. Ele se aproxima dos doentes procurando curá-los de raiz. Ele não busca apenas uma melhora física. A cura do organismo fica envolvida em uma cura mais integral e profunda. Jesus não só cura doenças. Ele cura a vida doente.
Os diferentes relatos vão sublinhando essa realidade de várias maneiras. Ele liberta os doentes da solidão e da desconfiança, lhes contagiando a sua fé absoluta em Deus: "Você, já acredita?". Ao mesmo tempo, os resgata da resignação e da passividade, despertando neles o desejo de começar uma vida nova: "Você, quer ficar curado?".
Não pára por aí. Jesus os liberta daquilo que bloqueia e desumaniza as suas vidas: a loucura, a culpa ou a desesperança. Ele lhes oferece gratuitamente o perdão, a paz e a bênção de Deus. Os doentes encontram nele algo que não lhes é oferecido pelos curandeiros populares: uma nova relação com Deus para ajudá-los a viver com mais dignidade e confiança.
Marcos narra a cura de um paralítico no interior da casa onde Jesus mora em Cafarnaum. É o exemplo mais significativo para destacar a profundidade da sua força de cura. Superando todos os obstáculos, quatro homens conseguem levar para os pés de Jesus um amigo paralitico.
Jesus interrompe a sua pregação e fixa o seu olhar nele. Onde está a origem dessa paralisia? Quais medos, feridas, fracassos e escuras culpas estão bloqueando a sua vida? O doente não diz nada, não se mexe. Ali está ele, na frente de Jesus, atado à sua maca.
Do que precisa este ser humano para se levantar e andar?Jesus lhe fala com a ternura de uma mãe: "Filho, os teus pecados são perdoados".
Pare de se atormentar. Confie em Deus. Acolha o seu perdão e a sua paz. Atreva-se a levantar-se dos seus erros e dos seus pecados.
Quantas pessoas precisam ser curadas por dentro. Quem os ajudará a entrar em contato com um Jesus que cura?
- Jose Antonio Pagola
Fonte: Eclesalia Informativo, via Amai-vos Tweet
terça-feira, 6 de março de 2012
"Não cabe cura para quem não está doente", ou: o poder, de Laerte e Foucault à psicologia nos EUA e no Brasil
Cartum: Laerte
Nestes tempos de debates sobre "cura" e patologização dos gays, é sempre bom recordar o bom e velho Foucault e suas teses sobre a loucura como mecanismo de exclusão: "em termos filosóficos e políticos, a doença mental continua sendo um mecanismo segregatório, vinculada a uma norma 'faminta e incansável', que atinge inclusive níveis microscópicos", explica o filósofo Alfredo Veiga-Neto aqui.
A esse propósito, a presidente dos Conselhos Regional de Psicologia de SP e Federal de Psicologia vieram ontem a público prestar o esclarecimento abaixo, em artigo já amplamente reproduzido e que também nós aproveitamos para divulgar aqui - pois certas elucidações nunca são demais.
O Conselho Federal de Psicologia (CFP), assim como os conselhos regionais, é uma autarquia de direito público, com os objetivos de orientar, fiscalizar e disciplinar a profissão de psicólogo, zelar pela fiel observância dos princípios éticos e contribuir para a prestação de serviços à população.
Cumprindo as suas atribuições, o CFP, por meio da resolução 01/99, regulamenta a atuação dos psicólogos com relação à questão da orientação sexual.
Considerando que as homossexualidades não constituem doença, distúrbio ou perversão (compreensão similar à da Organização Mundial da Saúde, da Associação Americana de Psiquiatria e do Conselho Federal de Medicina), a resolução proíbe que o psicólogo proponha seu tratamento e cura.
Entretanto, em nenhum momento fica proibido o atendimento psicológico à homossexuais, como afirmado pelo deputado João Campos (PSDB-GO), líder da Frente Parlamentar Evangélica no Congresso Nacional, que propõe um projeto que pretende sustar dois artigos da citada resolução.
Isso fere a autonomia do CFP como órgão que fiscaliza e orienta o exercício da psicologia e contraria as conquistas no campo dos direitos sexuais e reprodutivos, consolidados nacional e internacionalmente.
A iniciativa do CFP foi pioneira e, na época, o Brasil passou a ser o único país no mundo com uma resolução desta natureza. Por isso, o conselho recebeu dois prêmios de direitos humanos.
Vale ressaltar que, a partir da resolução brasileira, a Associação Americana de Psicologia formou um grupo específico para elaborar documentos de referência para norte-americanos e canadenses, reafirmando posteriormente a inexistência de evidências a respeito da possibilidade de se alterar orientações sexuais por meio de psicoterapia.
A discussão sobre a patologização da homossexualidade é comumente atravessada por questões religiosas, já que certas práticas sexuais são vistas também como imorais e contrárias a determinadas crenças.
Entretanto, há que se reafirmar a laicidade da psicologia, bem como de nosso Estado. Isso significa que crenças religiosas -que dizem respeito à esfera privada das pessoas- não podem interferir no exercício profissional dos psicólogos, nem na política brasileira.
Nesse sentido, ao associar o atendimento à pretensa cura de algo que não é doença, entende-se que o psicólogo contribui para o fomento de preconceitos e para a exclusão de uma parcela significativa de nossa população.
Considerando que a experiência homossexual pode causar algum sofrimento psíquico, o psicólogo deve reconhecer que ele é decorrente, sobretudo, do preconceito e da discriminação com aqueles cujas práticas sexuais diferem da norma estabelecida socioculturalmente.
O atendimento psicológico, portanto, deve, em vez de propor a "cura", explorar possibilidades que permitam ao usuário acessar a realidade da sua orientação sexual, a fim de refletir sobre os efeitos de sua condição e de suas escolhas, para que possa viver sua sexualidade de maneira satisfatória e digna.
- Carla Biancha Angelucci, Presidente do Conselho Regional de Psicologia de São Paulo, e Humberto Verona, Presidente do Conselho Federal de Psicologia
Publicado originalmente na Folha de S. Paulo em 05/03/12.
Reproduzido via Conteúdo Livre.
Leia também:
Religiosidade e psicologia: nota de esclarecimento do CFP
* * *
A propósito...
A Associação Americana de Psicologia (APA) publicou em 2009 uma resolução determinando que profissionais de saúde mental não disessem a seus pacientes gays que eles poderiam se tornar heterossexuais por meio de terapia ou outra forma de tratamento. A resolução foi baseada em um relatório com os resultados de dois anos de pesquisas, durante os quais foram analisando 83 estudos sobre orientação sexual conduzidos desde 1960. Os 150 profissionais afiliados à entidade "manifestaram firme oposição à chamada 'terapia reparadora', que busca a mudança de orientação sexual. O texto afirma que não há evidência sólida de que essa mudança seja possível", assinalou matéria do G1 sobre o tema (aqui). "Alguns estudos, o relatório ressalta, sugerem até mesmo que esse tipo de esforço pode induzir à depressão e a tendências suicidas. 'Quem atende deve ajudar seus pacientes por meio de terapias (…) que envolvam aceitação, apoio e exploração de identidade, sem imposição de uma identidade específica'", segundo o documento.
O relatório, um extenso documento de 138 páginas (que pode ser lido na íntegra, em inglês, aqui), trata com detalhes a questão de como terapeutas devem lidar com pacientes gays que lutam para permanecer fiéis a crenças religiosas que desaprovem a homossexualidade. O mais interessante é que, segundo a líder da equipe responsável pelo estudo, a esperança é que "o documento ajude a desarmar o debate polarizado entre religiosos conservadores que creem na possibilidade de mudar a orientação sexual e os muitos profissionais da área de saúde mental que rejeitam essa opção. 'Os dois lados precisam se educar melhor', disse a especialista. 'Os psicoterapeutas religiosos precisam abrir seus olhos para os potenciais aspectos positivos de ser gay ou lésbica. Terapeutas não religiosos precisam reconhecer que algumas pessoas podem dar preferência a sua religião, em detrimento de sua sexualidade'."
No Brasil, também em 2009, o Conselho Federal de Psicologia já havia aplicado, ainda segundo a matéria do G1, "uma censura pública como punição à psicóloga Rozângela Alves Justino, que oferecia terapia para que gays e lésbicas deixassem de ser homossexuais [saiba mais sobre o caso aqui]. O órgão concluiu que a profissional infringiu o Código de Ética da Psicologia" e a resolução de 1999 segundo a qual a "homossexualidade não constitui doença, nem distúrbio e nem perversão".
(Com informações do G1, via Tantas Notícias) Tweet
quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012
Saúde e Salvação
Pintura 3D: Boa Mistura
Assinala o Papa Bento XVI em sua mensagem sobre a Campanha da Fraternidade 2012:
"Para os cristãos, de modo particular, o lema bíblico ['que a saúde se difunda sobre a terra' (cf. Eclo 38, 8)] é uma lembrança de que a saúde vai muito além de um simples bem estar corporal. No episódio da cura de um paralítico (cf. Mt 9, 2-8), Jesus, antes de fazer com que esse voltasse a andar, perdoa-lhe os pecados, ensinando que a cura perfeita é o perdão dos pecados, e a saúde por excelência é a da alma, pois 'que adianta ao homem ganhar o mundo inteiro, mas perder a sua alma?' (Mt 16, 26). Com efeito, as palavras saúde e salvação têm origem no mesmo termo latino salus e não por outra razão, nos Evangelhos, vemos a ação do Salvador da humanidade associada a diversas curas: 'Jesus andava por toda a Galiléia, ensinando em suas sinagogas, pregando o Evangelho do Reino e curando todo o tipo de doença e enfermidades do povo' (Mt 4, 23)".
Do mesmo modo, o monge e teólogo italiano Enzo Bianchi salienta:
"Os Evangelhos enfatizam o fato de que Jesus cuida dos doentes (o verbo grego therapeúein, 'cuidar', ocorre 36 vezes, enquanto o verbo iâsthai, 'curar', 19 vezes), e cuidar significa, sobretudo, servir e honrar uma pessoa, ter solicitude por ela. Jesus vê no doente uma pessoa, faz vir à tona a unicidade dela e se relaciona com ela com a totalidade do seu ser, captando a sua busca de sentido, vendo-a como uma criatura disposta à abertura de fé-confiança, desejosa não só de cura, mas daquilo que pode dar plenitude à sua vida. (...)
"Em suma, com a sua prática de humanidade, Jesus ensina que cuidar é, em primeiro lugar, encontrar e entrar em relação com um homem ou com uma mulher. Aproximando-se das pessoas não com o poder e o saber do médico, mas sim com a responsabilidade e a compaixão do ser humano, Jesus se apresenta na vulnerabilidade e na fraqueza, e assim consegue encontrar a humanidade ferida dos doentes entrando em uma relação autenticamente ética com eles."A respeito da Campanha da Fraternidade 2012, seguindo esse mesmo enfoque da relação entre a saúde do corpo e a da alma, bem como a saúde do indivíduo como um todo e a da sociedade, reproduzimos abaixo artigo de Maria Clara Bingemer, professora do Departamento de Teologia e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio.
E chegou a Quarta Feira de cinzas e parece que finalmente o ano vai começar. No Brasil, o Carnaval é o marco que finaliza a série de festas e férias e viagens iniciadas no Natal. O Carnaval é o selo que diz: “Ao trabalho” Mas para nós que vivemos a fé em Jesus Cristo, diz algo mais: “Convertei-vos e crede no Evangelho”.
Ao receber a cruz feita de cinzas sobre a testa, milhares, milhões de católicos no mundo inteiro estão comprometendo-se a entrar num caminho de conversão, na penitência, na prática mais intensa da ascese e das virtudes, no deixar para trás os velhos hábitos e revestir-se dos novos em Cristo.
A Conferência dos bispos do Brasil a cada ano procura marcar esse tempo qualificado de viver a conversão ao Evangelho com a Campanha da Fraternidade. Com um tema central e materiais diversos disponíveis para os fiéis refletirem e se aprofundarem é um serviço inestimável ao povo de Deus para viver melhor e mais qualificadamente os quarenta dias que o separam da Páscoa, mistério maior da sua fé.
Este ano o tema é a saúde. E pode-se pensar: o que tem a Igreja a ver com o tema da saúde? É algo que compete ao governo e à iniciativa privada. Com todo respeito, saúde é um dos temas mais teológicos que existem. E isso radica em sua própria etimologia. A palavra latina para dizer saúde é “salus”’que se traduz por “salvação, conservação da vida”.
O tema da saúde nos conduz de maneira bela e profunda para entender o coração da nossa fé. Aprendemos no Catecismo que Jesus Cristo é nosso salvador, que veio nos trazer a salvação. Mas quantas vezes nossa compreensão do que seja salvação é algo meio curto e mecânico. Parece que Deus criou tudo bem, nós estragamos e o Verbo se encarnou para “remendar”nosso estrago.
Não é isso, não é só isso e graças a Deus é muito mais que isso! A Encarnação, centro indiscutível de nossa fé, é mistério de vida e vida em plenitude. Não foi apenas para reparar estragos ou lacunas que Deus enviou seu filho na plenitude dos tempos nascido de mulher. Foi para revelar-nos que o desejo mais profundo desse Deus que Ele nos ensinou a chamar de Pai é conduzir-nos à vida e vida em abundancia.
E essa vida abundante que jorra generosamente do coração de Deus toca e integra todas as dimensões do ser: corporeidade, psiquismo, sensibilidade, espiritualidade. Não se trata, pois de que cuidar da saúde física é algo material que não interfere nada com a saúde espiritual. Pelo contrário, todas as dimensões essas devem ser cultivadas com igual carinho, dedicação, para que não sejamos pessoas hipertrofiadas em um dos pólos do ser e atrofiadas em outro.
Isso é mais importante ainda quando vivemos uma época que tem como que obsessão por certa concepção de saúde. O culto ao corpo, a malhação incessante nas academias e ginásios, a busca exaustiva pela forma perfeita na verdade não conduz à saúde plena. Pelo contrário, leva à atrofia de outras partes do ser que ficam reduzidas e diminuídas. Não leva, pois à saúde plena, por mais que pareça o contrário.
Da mesma forma, o não cuidado do corpo, às vezes por negligencia própria, mas às vezes por não encontrar no atendimento público de saúde condições dignas e mesmo mínimas de manter a saúde, é desastroso.
A Campanha da Fraternidade enfoca todos estes aspectos. Não apenas deseja “disseminar o conceito de bem viver e sensibilizar para a prá¬tica de hábitos de vida saudável”como também “despertar nas comunidades a discussão sobre a realidade da e. saúde pública, visando à defesa do SUS e a reivindicação do seu justo financiamento”.
Buscando uma saúde que se entenda não apenas nem somente nem principalmente como ausência de doenças ou como padrão estético se chega mais perto da salvação. Não é a toa que o Evangelho nos mostra por muitas vezes Jesus muito próximo dos doentes, dando-lhes conforto e curando-os de suas enfermidades. Mas sua prática não se detinha aí.
A partir da cura, ensinava-lhes que Deus além de curar doenças perdoa pecados; além de restaurar a saúde corporal restaura também a totalidade da pessoa, reintegrando-a na comunidade para que possa louvá-Lo e servi-Lo plenamente.
Saúde e salvação são, portanto duas irmãs inseparáveis. Não se busca a uma sem buscar a outra e não se alcança verdadeiramente uma sem ao mesmo tempo e inseparavelmente, ser alcançado pela outra.
- Maria Clara Bingemer
Repoduzido via Amai-vos
* * *
Atualização em 07/03/12:
A propósito do tema da CF 2012, vale ler a reflexão do comentário de Hélio Schwartsman, intitulado "Fora com a dignidade" (aqui), do qual destacamos um trecho:
"Para o religioso, é a 'dignidade do ser humano' que deve servir como critério moral na tomada de decisões relativas a vida e morte. (...) O problema da dignidade é que ela é subjetiva demais. A pluralidade de crenças e preferências do ser humano é tamanha que o termo pode significar qualquer coisa, desde noções banais, como não humilhar desnecessariamente o paciente (forçando-o, por exemplo, a usar aqueles horríveis aventais vazados atrás), até a adesão profunda a um dogma religioso (testemunhas de Jeová não admitem transfusões de sangue).
Numa sociedade democrática, não podemos simplesmente apanhar uma dessas concepções e elevá-la a valor universal. E, se é para operar com todas as noções possíveis, então já não estamos falando de dignidade, mas, sim, de respeito à autonomia do paciente, conceito que a substitui sem perdas." Tweet
terça-feira, 27 de dezembro de 2011
Aids tem preconceito?
Os dados do Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde mostram que, na última década, houve um crescimento da epidemia da aids entre a população de homens jovens que fazem sexo com homens. “Homens que fazem sexo com homens” foi uma categoria epidemiológica e biomédica criada nos anos 90 para tentar agrupar a imensa diversidade de práticas e performances sexuais dos homens. Não sabemos como esses homens se apresentam socialmente - se como gays, heterossexuais, bissexuais, travestis ou transexuais.
O quesito recuperado pelos registros epidemiológicos é o de homens jovens que fazem sexo com outros homens em duas “categorias de exposição”, homossexuais e bissexuais. Segundo o ministro da Saúde, uma das respostas a esse crescimento será a campanha nacional de prevenção no Dia Mundial de Combate à Aids: o sujeito da campanha será o homem gay jovem. O detalhe é que os dados epidemiológicos recuperam práticas sexuais; já as campanhas se voltam para identidades sexuais. Os dois conceitos não são iguais e apontam para linguagens, populações e vulnerabilidades diferentes.
Uma tese que tenta explicar o crescimento da aids entre homens gays de 15 a 24 anos é a da história da epidemia e suas metáforas. Diferente da geração dos anos 80, para quem a aids era uma sentença de morte, os jovens dos anos 90 conheceram a aids como uma doença grave, porém crônica. A aids passou da “peste gay” nos anos 80 para uma doença relacionada às práticas sexuais desprotegidas, em que as biografias das pessoas vivendo com aids estão entre nós. Teria havido uma certa universalização da exposição à aids com o deslocamento dos grupos de risco para as práticas sexuais: não seriam homens gays ou travestis os indivíduos mais vulneráveis à aids, mas todos aqueles com práticas sexuais desprotegidas. No conjunto das práticas sexuais de maior vulnerabilização à aids, os homens que fazem sexo com outros homens mereceriam maior atenção.
Mas quem é o homem que faz sexo com outros homens? Ele pode se apresentar socialmente como um homem gay ou se manter na proteção de um casamento heterossexual. Pode ser uma travesti ou uma transexual, a depender de como os indivíduos responderam ao quesito das práticas sexuais com outros homens. Pelos registros epidemiológicos conhecemos suas práticas, mas pouco sobre suas localizações no amplo leque de identidades ou performances sexuais. Não sabemos se eles são os gays do início dos anos 2000 que não se apresentavam como homossexuais para os sistemas de notificação, ou se de fato anunciam um novo regime masculino de vulnerabilização à aids.
Uma travesti talvez seja um homem para os registros epidemiológicos, mas uma mulher nos jogos performáticos da sexualidade entre corpos masculinos e femininos. É na passagem das práticas dos registros epidemiológicos para as apresentações sociais sobre sexualidade que está o principal desafio das campanhas educativas. A quem dirigir a campanha para proteger os jovens homens de 15 a 24 anos que fazem sexo com outros homens?
A escolha do Ministério da Saúde foi de nominá-los como jovens gays. Não tenho dúvidas de que as jovens travestis são outro grupo igualmente importante. Mas quais seriam as vulnerabilidades de sujeitos tão diversos agrupados na categoria de homens que fazem sexo com outros homens? A principal delas é a homofobia. Os jovens gays corporificam a maior categoria dos fora da norma heterossexual, homens que não reproduzem a heteronormatividade em seus corpos e práticas sexuais. O slogan da campanha do Ministério da Saúde será “a aids não tem preconceito”, um sinal de como as políticas de saúde do Estado brasileiro operam em um marco de direito humanos.
Mas a verdade é que o crescimento da epidemia em um determinado grupo não é simplesmente resultado de práticas sexuais desprotegidas: é também resultado de uma ordem social homofóbica que impede os indivíduos de buscarem informação nas escolas, de acessarem os serviços de saúde ou de receberem o diagnóstico precoce da doença. O jovem gay da campanha é um personagem que ganhará corpo e voz pelo anúncio do crescimento de sua vulnerabilidade à aids, mas outros regimes de opressão acompanham sua existência vulnerável.
O crescimento da epidemia entre uma população tão jovem pode ser explicado pela hipótese histórica de mudança de compreensão da doença entre os homens que se iniciam na vida sexual, mas também pela hipótese sociológica da homofobia, que impõe vulnerabilidades aos fora da norma heterossexual. O jovem gay representa o inominável para os livros didáticos do Ministério da Educação, que insistem em reduzir a sexualidade à reprodução biológica. O jovem gay representará essa imensa população de homens que fazem sexo com homens recuperados pelo boletim epidemiológico, um grupo tão diverso que desafia a campanha do Ministério da Saúde sobre como nominá-lo.
O revigoramento da epidemia entre a mesma população que anunciou seu início nos anos 80 não deve reacender nossos temores sobre novas formas de estigmatização e preconceito a esses grupos. Ao contrário, deve nos envergonhar que, mesmo 20 anos depois de campanhas sistemáticas, ainda não fomos capazes de romper o cerco homofóbico que impede que os principais equipamentos do Estado protejam os fora da norma heterossexual dos riscos da aids.
- Débora Diniz
Antropóloga, professora da Universidade de Brasília e pesquisadora da Anis - Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero
Reproduzido via Conteúdo Livre Tweet
O quesito recuperado pelos registros epidemiológicos é o de homens jovens que fazem sexo com outros homens em duas “categorias de exposição”, homossexuais e bissexuais. Segundo o ministro da Saúde, uma das respostas a esse crescimento será a campanha nacional de prevenção no Dia Mundial de Combate à Aids: o sujeito da campanha será o homem gay jovem. O detalhe é que os dados epidemiológicos recuperam práticas sexuais; já as campanhas se voltam para identidades sexuais. Os dois conceitos não são iguais e apontam para linguagens, populações e vulnerabilidades diferentes.
Uma tese que tenta explicar o crescimento da aids entre homens gays de 15 a 24 anos é a da história da epidemia e suas metáforas. Diferente da geração dos anos 80, para quem a aids era uma sentença de morte, os jovens dos anos 90 conheceram a aids como uma doença grave, porém crônica. A aids passou da “peste gay” nos anos 80 para uma doença relacionada às práticas sexuais desprotegidas, em que as biografias das pessoas vivendo com aids estão entre nós. Teria havido uma certa universalização da exposição à aids com o deslocamento dos grupos de risco para as práticas sexuais: não seriam homens gays ou travestis os indivíduos mais vulneráveis à aids, mas todos aqueles com práticas sexuais desprotegidas. No conjunto das práticas sexuais de maior vulnerabilização à aids, os homens que fazem sexo com outros homens mereceriam maior atenção.
Mas quem é o homem que faz sexo com outros homens? Ele pode se apresentar socialmente como um homem gay ou se manter na proteção de um casamento heterossexual. Pode ser uma travesti ou uma transexual, a depender de como os indivíduos responderam ao quesito das práticas sexuais com outros homens. Pelos registros epidemiológicos conhecemos suas práticas, mas pouco sobre suas localizações no amplo leque de identidades ou performances sexuais. Não sabemos se eles são os gays do início dos anos 2000 que não se apresentavam como homossexuais para os sistemas de notificação, ou se de fato anunciam um novo regime masculino de vulnerabilização à aids.
Uma travesti talvez seja um homem para os registros epidemiológicos, mas uma mulher nos jogos performáticos da sexualidade entre corpos masculinos e femininos. É na passagem das práticas dos registros epidemiológicos para as apresentações sociais sobre sexualidade que está o principal desafio das campanhas educativas. A quem dirigir a campanha para proteger os jovens homens de 15 a 24 anos que fazem sexo com outros homens?
A escolha do Ministério da Saúde foi de nominá-los como jovens gays. Não tenho dúvidas de que as jovens travestis são outro grupo igualmente importante. Mas quais seriam as vulnerabilidades de sujeitos tão diversos agrupados na categoria de homens que fazem sexo com outros homens? A principal delas é a homofobia. Os jovens gays corporificam a maior categoria dos fora da norma heterossexual, homens que não reproduzem a heteronormatividade em seus corpos e práticas sexuais. O slogan da campanha do Ministério da Saúde será “a aids não tem preconceito”, um sinal de como as políticas de saúde do Estado brasileiro operam em um marco de direito humanos.
Mas a verdade é que o crescimento da epidemia em um determinado grupo não é simplesmente resultado de práticas sexuais desprotegidas: é também resultado de uma ordem social homofóbica que impede os indivíduos de buscarem informação nas escolas, de acessarem os serviços de saúde ou de receberem o diagnóstico precoce da doença. O jovem gay da campanha é um personagem que ganhará corpo e voz pelo anúncio do crescimento de sua vulnerabilidade à aids, mas outros regimes de opressão acompanham sua existência vulnerável.
O crescimento da epidemia entre uma população tão jovem pode ser explicado pela hipótese histórica de mudança de compreensão da doença entre os homens que se iniciam na vida sexual, mas também pela hipótese sociológica da homofobia, que impõe vulnerabilidades aos fora da norma heterossexual. O jovem gay representa o inominável para os livros didáticos do Ministério da Educação, que insistem em reduzir a sexualidade à reprodução biológica. O jovem gay representará essa imensa população de homens que fazem sexo com homens recuperados pelo boletim epidemiológico, um grupo tão diverso que desafia a campanha do Ministério da Saúde sobre como nominá-lo.
O revigoramento da epidemia entre a mesma população que anunciou seu início nos anos 80 não deve reacender nossos temores sobre novas formas de estigmatização e preconceito a esses grupos. Ao contrário, deve nos envergonhar que, mesmo 20 anos depois de campanhas sistemáticas, ainda não fomos capazes de romper o cerco homofóbico que impede que os principais equipamentos do Estado protejam os fora da norma heterossexual dos riscos da aids.
- Débora Diniz
Antropóloga, professora da Universidade de Brasília e pesquisadora da Anis - Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero
Reproduzido via Conteúdo Livre Tweet
Assinar:
Postagens (Atom)