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Continuação do post de ontem...
Uma nova compreensão da fé destrói a prisão da crença. Ela liberta as pessoas religiosas para um mundo de ações compassivas, expressadas na parábola do Bom Samaritano. Ninguém está excluído dessa extensão da experiência de unidade, que surge das profundezas da alma, nas quais as crenças não podem adentrar, porque "conhecemos a Deus não por meio do pensamento, mas por meio do amor". Nos horizontes que a luz da experiência contemplativa revela, não mais identificamos a fé com a crença, ou condenamos as crenças de outras pessoas como sendo deficientes. O contemplativo deveria ser possuidor de uma cortesia mais parecida com a do Cristo, do que isso. E, dentro do risco, sim isso envolve um risco, do encontro com o outro, de encontrar outros crentes nos reinos desconhecidos da diferença, descobrimos a própria natureza da fé. Também seremos reconfortados porque, de fato, nossa própria identidade, que acreditávamos ameaçada, se afirma. [...]
A mera afirmação e defesa de nossas convicções não pode conduzir a uma verdadeira comunidade de fé. Isso faz com que nos tornemos membros de uma seita, uma cabala fundamentalista. Fecha a mente, como um órgão de percepção e da verdade. Caso confundamos a fé com a crença, dessa maneira, e passemos a pensar na fé como doadora de um senso de sermos diferentes ou superiores aos outros, terminaremos como o fariseu que agradecia a Deus por fazê-lo diferente dos outros e ficava satisfeito por ser superiormente diferente. A mente religiosa, nesse estado, pode até se persuadir a si mesma de que isso é humildade. Ao nos identificarmos inteiramente com a crença (o lado esquerdo do cérebro), negando a fé (o lado direito do cérebro), ocupamos um mundo privado só nosso, em lugar do reino de Deus, ou do reino de Cristo, no qual "não há nem judeus, nem gregos, homens ou mulheres, escravos ou libertos". Os religiosos frequentemente têm receio do poder da fé, precisamente porque ela tende a nos dirigir para esse reino indiferenciado do Espírito, no qual desmantelam-se todas as diferenças, que as crenças que colocamos em nosso altar podem controlar minuciosamente, religiosas, sociais e até mesmo de gênero.
A fé é a pista de alta velocidade para o espírito. Todo ato de fé que fazemos é uma descoberta do labirinto do espírito. A crença, quando rompida pela fé, conduz a um labirinto de espelhos, uma série de infinitas regressões, o labirinto do ego. Labirintos levam a becos sem saída e, quanto mais nos perdemos, mais entramos em pânico. Porém, os labirintos só nos pedem para seguirmos fielmente seus volteios e curvas, estranhos, mas afinal simétricos, de modo a sermos conduzidos para casa, ao centro.
- D. Laurence Freeman, OSB
Reproduzido via site da Comunidade Mundial de Meditação Cristã no Brasil, com grifos nossos
In Laurence Freeman, FIRST SIGHT: The Experience of Faith (London: Continuum, 2011) pg.9-10).
Tradução de Roldano Giuntoli
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