sábado, 21 de dezembro de 2013

O materialismo do Papai Noel e a espiritualidade do Menino Jesus


De Leonardo Boff, em seu blog:

Um dia, o Filho de Deus quis saber como andavam as crianças que outrora, quando andou entre nós,“as tocaca e as abençoava” e que dissera:”deixai vir a mim as criancinhas porque delas é o Reino de Deus”(Lucas 18, 15-16).

À semelhança dos mitos antigos, montou num raio celeste e chegou à Terra, umas semanas antes do Natal. Assumiu a forma de um gari que limpava as ruas. Assim podia ver melhor os passantes, as lojas todas iluminadas e cheias de objetos embrulhados para presentes e principalmente seus irmãos e irmãs menores que perambulavam por aí, mal vestidos e muitos com forme, pedindo esmolas. Entristeceu-se sobremaneira, porque verificou que quase ninguém seguira as palavras que deixou ditas:”quem receber qualquer uma destas crianças em meu nome é a mim que recebe”(Marcos 9,37).

E viu também que já ninguém falava do Menino Jesus que vinha, escondido, trazer na noite de Natal, presentes para todas as crianças. O seu lugar foi ocupado por um velhinho bonachão, vestido de vermelho com um saco às costas e com longas barbas que toda hora grita bobamente:”Oh, Oh, Oh…olhem o Papai Noel aqui”. Sim, pelas ruas e dentro das grandes lojas lá estava ele, abraçando crianças e tirando do saco presentes que os pais os haviam comprado e colocado lá dentro. Diz-se que veio de longe, da Finlândia, montado num trenó puxado por renas. As pessoas haviam esquecido de outro velhinho, este verdadeiramente bom: São Nicolau. De família rica, dava pelo Natal presentes às crianças pobres dizendo que era o Menino Jesus que lhes estava enviando. Disso tudo ninguem falava. Só se falava do Papai Noel, inventado há mais de cem anos.

Tão triste como ver crianças abandonadas nas ruas, foi perceber como elas eram enganadas, seduzidas pelas luzes e pelo brilho dos presentes, dos brinquedos e de mil outros objetos que os pais e as mães costumam comprar como presentes para serem distribuidos por ocasião da ceia do Natal.

Propagandas se gritam em voz alta, muitas enganosas, suscitando o desejo nas crianças que depois correm para os pais, suplicando-lhes para que comprem o que viram. O Menino Jesus travestido de gari, deu-se conta de que aquilo que os anjos cantaram de noite pelos campos de Belém”eis que vos anuncio uma alegria para todo o povo porque nasceu-vos hoje um Salvador…glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens de boa-vontade”(Lucas 2, 10-14) não significava mais nada. O amor tinham sido substituído pelos objetos e a jovialidade de Deus que se fez criança, tinha desaparecido em nome do prazer de consumir.

Triste, tomou outro raio celeste e antes de voltar ao céu deixou escrita uma cartinha para as crianças. Foi encontrada debaixo da porta das casas e especialmente dos casebres dos morros da cidade, chamadas de favelas. Ai o Menino Jesus escreveu:

Meus queridos irmãozinhos e irmãzinhas,

Se vocês olhando o presépio e virem lá o Menino Jesus e se encherem de fé de que ele é o Filho de Deus Pai que se fez um menino, menino qual um de nós e que Ele é o Deus-irmão que está sempre conosco,

Se vocês conseguirem ver nos outros meninos e meninas, especialmente nos pobrezinhos, a presenca escondida do Menino Jesus nascendo dentro deles.

Se vocês fizerem renascer a criança escondida no seus pais e nas pessoas adultas para que surja nelas o amor, a ternura, o carinho, o cuidado e a amizade no lugar de muitos presentes.

Se vocês ao olharem para o presépio descobrirem Jesus pobremente vestido, quase nuzinho e lembrarem de tantas crianças igualmente pobres e mal vestidas e sofrerem no fundo do coração por esta situação desumana e se decidirem já agora, quando grandes, mudar estas coisas para que nunca mais haja crianças chorando de fome e de frio,

Se vocês repararem nos três reis magos com os presentes para o Menino Jesus e pensarem que até os reis, os grandes deste mundo e os sábios reconheceram a grandeza escondida desse pequeno Menino que choraminga em cima das palhinhas,

Se vocês, ao verem no presépio todos aqueles animais, como as ovelhas, o boi e a vaquinha pensarem que o universo inteiro é também iluminado pela Menino Jesus e que todos, galáxias, estrelas, sois, a Terra e outros seres da natureza e nós mesmos formamos a grande Casa de Deus,

Se vocês olharem para o alto e virem a astrela com sua cauda e recordarem que sempre há uma Estrela como a de Belém sobre vocês, iluminando-os e mostrando-lhes os melhores caminhos,

Se vocês aguçarem bem os ouvidos e escutarem a partir dos sentidos interiores, uma música celestial como aquela dos anjos nos campos de Belém que anunciavam paz na terra,

Então saibam que sou eu, o Menino Jesus, que está chegando de novo e renovando o Natal. Estarei sempre perto de vocês, caminhando com vocês, chorando com vocês e brincando com vocês até aquele dia em que chegaremos todos, humanidade e universo, à Casa do Pai e Mãe de infinita bondade para sermos juntos eternamente felizes como uma grande família reunida.

Belém, 25 de dezembro do ano 1.

Assinado: Menino Jesus

sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Gay


Eu gosto muito dessa palavra (que significa “alegre” em inglês) e acho que foi uma das escolhas mais felizes em relação aos homossexuais. 
Não sabemos bem porque o termo virou referência para homossexual. Sabemos apenas que era usado de forma pejorativa e os gays souberam reverter isso, “roubando” a palavra pra si.
Eu entendo ser necessário por uma questão de visibilidade usarmos a sopa de letrinhas LGBTT, mas me incomoda um pouco termos sempre que usar a sigla, porque senão algum grupo se sente preterido (embora não seja, nem de longe, a intenção).

Gostaria que nos sentíssemos um grande grupo, o grupo que luta contra a incompreensão da sua identidade sexual/gênero e preconceito, que atende pelo nome único de “gay”. Ate a Judith Butler no livro dela "Gender Trouble" se refere a gay como GLBT, e a Butler é a autora da teoria da orientação sexual, no lugar da escolha sexual.

Logo pequenos somos colocados diante de uma tarefa que a grande maioria das pessoas só vai passar muito mais tarde, quase na vida adulta: lutar pelo seu desejo. Ser “bicha”, “maricona”, “pederasta” é tudo que a maioria não quer ser e as famílias compartilham esse pensamento.

Outro dia um leitor da minha coluna pediu que eu escrevesse um texto sobre ser gay, pois sua mãe não o aceita.

Eu não sei fazer isso. “Gay” pode ser evangélico da igreja inclusiva,
da diversidade católica, pode ser um militante chato como eu, pode ser um nerd agarrado aos livros, pode ser uma barbie (nome dado ao gay sarado e descamisado)... A diversidade sexual deve ser a ênfase e não a nomeação dos indivíduos a partir de seus parceiros sexuais, por isso “Gay” é tão diverso quanto a sexualidade humanidade e isso é fabuloso.

Eu consigo ver nessa luta por ir em busca do seu desejo algo que nos aproxima, não sei se por isso a maioria tem mais coragem de demonstrar afeto, ser sensível, chorar num filme ou dizer “eu te amo” para seus amigos (claro que sempre tem um coitado que acha que o estilo machão é melhor).

Não entendo como alguém pode desdenhar da alegria das drags caricatas ou da coragem de vida de um transex, que luta por seu corpo, sua identidade e seus direitos desde sempre. Que orgulho eu tenho em tê-las no mesmo barco.

Os gays afeminados, em boa parte por identificação com as amigas da escola (não, ninguém escolhe ou controla seu jeito de ser, só com muito sofrimento) também têm a coragem de deixar claro sua orientação e muito bem, “quem quiser queira”: há vinte anos atrás, nós nem sonhávamos com isso. Viva os efeminados que mudam o mundo para nós, pena que morrendo e apanhando, afinal, muitos (infelizmente) acham que homofobia é exagero e que todo tipo de gente morre.
As lésbicas nos mostram o feminino em sua pura falação, casamentos em eterno diálogo e repensamentos, a angústia e a alegria de montar uma família (ou podem ser fálicas, comedoras, tão libidinosas quanto o padrão macho heteronormativo).

Não somos diferentes dos héteros, eles também podem ser promíscuos, são a grande maioria dos pedófilos e é claro que tem que parecer mais agressivos.

Se sua mãe reclama a falta de um neto, conte para ela que nós, gays, somos capazes de mudar uma vida, temos sobra de amor, alegria, afeto e temos o melhor controle de natalidade do mundo: não engravidamos e já estamos podendo adotar.

E ela nunca terá uma “nora maldita” que irá perturbar, pode sim ganhar outro filho para ter mimos em dobro.

Eu sei que muita gente acha melhor ser hétero. Eu acho que no máximo é mais fácil, embora eu deteste a idéia de ter que pagar drinks, ficar duas horas cantando uma garota e ter que dançar duro feito uma tábua para não ser zoado pelos meus amigos. Como um hétero vive sem a coreografia da Anitta jamais entenderei.

No mundo gay conheci as melhores festas da vida, fiz amigos que são como irmãos e vivi coisas que só na biografia não autorizada vocês ficarão sabendo. Tenho uma vida intensa e feliz (e a sua pode ser assim também). Mas temos que tomar as rédeas dessa vida e deixar de se importar um pouco com essa sociedade careta e covarde.

Se você acha que o mundo gay não é nada disso, querido, mude de amigos, não de sexualidade.

Não posso generalizar, porém: os estudos e minhas escolhas de vida me fazem viver numa bolha de privilégio e sei quantos gays sofrem somente por viverem sua sexualidade. Morrem ou são torturados em países como Equador, Rússia, alguns da África, do Oriente Médio e em lugares remotos do Brasil.

Ser gay ainda é ilegal em 78 países e há punição com pena de morte em 5 destes, embora o Brasil seja o campeão mundial em morte de homossexuais, com 44% do número total.

Mas se mudarmos as leis e protegermos nossos irmãos, além de sermos alegres, de sermos corajosos, poderemos nos orgulhar de ter mudado o mundo.


“Aqui estão os loucos. Os desajustados. Os rebeldes. Os criadores de caso. Os pinos redondos nos buracos quadrados. Aqueles que vêem as coisas de forma diferente. Eles não curtem regras. E não respeitam o status quo. Você pode citá-los, discordar deles, glorificá-los ou caluniá-los. Mas a única coisa que você não pode fazer é ignorá-los. Porque eles mudam as coisas. Empurram a raça humana para a frente. E, enquanto alguns os vêem como loucos, nós os vemos como geniais. Porque as pessoas loucas o bastante para acreditar que podem mudar o mundo são as que o mudam”.
Jack Kerouac

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Uma proposta de futuro

"Pessoas do ano 2013: católicos LGBT e seus aliados"
Via Equally Blessed

Chegando ao fim deste ano de eleição do Papa Francisco, aproveitamos as palavras de Leonardo Boff em sua entrevista ao Brasil de Fato para fazer um balanço do início do pontificado deste que foi eleito a "Personalidade do Ano" pelas revistas americanas Time e The Advocate (LGBT) - mas sem esquecer a ressalva muito bem apontada pelos amigos do Equally Blessed:

Ficamos muito felizes por o Papa Francisco ter sido nomeado "Personalidade do Ano" pelas revistas Time e The Advocate. Mas a nossa Personalidade do Ano (deste e de todos os anos) é você, católico LGBT ou nosso aliado.

Obrigado por tudo que você fez este ano para tornar a nossa igreja mais amorosa, inclusiva e justa. Estamos ansiosos para trabalhar com você em 2014.

Seguem alguns destaques nossos da entrevista de Leonardo Boff. Para ler a entrevista completa, clique aqui.


"Quando esteve no Rio de Janeiro, o discurso mais duro que pronunciou foi para os bispos e cardeais. Disse a eles que não eram pobres nem interiormente, nem exteriormente, que eram duros com o povo e que não foram capazes de fazer a revolução da ternura, da compaixão, da compreensão com o povo. Em Roma disse o mesmo: os ministros da igreja tem que sair da fortaleza e ir para o povo e o povo deve poder vir e sentir-se em casa. A igreja não está aí para condenar ninguém, mas sim para acolher, perdoar, suscitar esperanças e ter compaixão com quem tem problemas. Essa é a característica mais bela e evangélica de Francisco."

"Eu acredito que Francisco, antes de reformar a cúria e a igreja, já reformou o papado. O estilo do papa é outro. O papado tem um ritual, nas vestimentas, nos símbolos do poder. Franciscorenunciou a tudo isso e fez o trabalho contrário: conseguiu que o papado se adaptasse a suas convicções e a seus hábitos. Por isso renunciou a todos os símbolos de poder. Ele disse: “a igreja tem que ser pobre como Jesus”. São Pedro não tinha um banco e Jesus não entendia nada de contabilidade! Jesus era um profeta que trazia fé, esperanças. Francisco resgata a tradição mais antiga da igreja e recusa chamar-se papa. Papa é um título dos imperadores. Francisco se considera um bispo de Roma que governa a igreja na caridade, não no direito canônico. Isso muda tudo.

Francisco é mais que um nome: é um projeto de igreja, de uma sociedade mais simples, solidária, é o projeto de uma simplicidade voluntária, de uma sobriedade compartilhada. Possivelmente isso vá criar uma crise entre os bispos e cardeais. Eles se acreditam príncipes da igreja e o papa não quer nada disso. Francisco quer que se renove o pacto das catacumbas quando, ao final do Vaticano segundo, 30 bispos se reuniram nas catacumbas e fizeram votos de viver na pobreza, de abandonar os palácios e viver no meio do povo. Essa é a proposta para toda a hierarquia da igreja. Essa será, para mim, a grande revolução de Francisco."

"É outro tipo de presença da igreja, não como poder, mas sim como uma instância de apoio a tudo o que é humano. O cristianismo se soma a outras religiões, a outros caminhos espirituais e renunciam assim a seu privilégio de excepcionalidade, como se fosse a única igreja verdadeira, a única religião válida. Não. O cristianismo está junto às demais religiões para alimentar valores humanos, para salvar a nossa civilização que está ameaçada."

"Sim, eu creio que ele seguirá mantendo o discurso tradicional de defesa da vida, contra o aborto, mas com uma diferença: antes, os temas da moral sexual, familiar, do celibato dos sacerdotes ou do sacerdócio das mulheres, eram temas proibidos, que não podiam ser discutidos. Nenhum cardeal, bispo ou teólogo podia falar disso. Francisco não, ele deixou aberta a discussão. Ele vai abrir uma ampla discussão na igreja e vai recolher elementos que podem se tornar universais.

Francisco abriu muitos espaços. Não sei até que ponto poderá avançar com isso, mas haverá sim uma ampla discussão na igreja."

"Hoje temos uma só maneira de ser cristão, mas há outras. Na América Latina estamos demonstrando que é possível um cristianismo afro-indígena-europeu, uma mescla de três grandes culturas. Por isso aqui a igreja tem outro rosto, é mais aberta, mais comprometida com as mudanças que beneficiam o povo. Temos que universalizar isso, porque a injustiça mundial é muito grande. E este papa é muito sensível ante os últimos, os invisíveis. Aí está sua centralidade."

"Quando Bento XVI leu o informe de mais de 300 páginas sobre a situação interna da igreja, (...) sentiu que não tinha força nem física, nem psíquica, nem espiritual, para enfrentar um problema dessa natureza. Esse problema não vinha de fora, do mundo, da sociedade, não: o problema vinha de dentro da igreja, de sua parte mais central que é a cúria romana. Isso o escandalizou.

Bento XVI foi muito humilde ao reconhecer que outra pessoa deveria vir com mais força, com mais determinação e outra visão da igreja para criar um horizonte de esperanças e credibilidade que a igreja havia perdido totalmente."

"(...) creio que Francisco vá inaugurar uma dinastia de papas do Terceiro Mundo, da África, da Ásia, da América Latina. Com isso, o catolicismo se enriquecerá com valores de outras culturas que nunca foram respeitadas, mas sim colonizadas.

O cristianismo da América Latina é um cristianismo de colonização. Fizemos muitos esforços para criar um cristianismo nosso, com nossos santos, nossos mártires.

Nosso cristianismo tem seu próprio rosto, que não é o velho rosto europeu. Isso vai facilitar que o cristianismo seja uma boa proposta para a humanidade, não somente para os cristãos. Nosso cristianismo tem outro elemento de ética, de humanidade, de espiritualidade para um mundo altamente materializado, tecnologicamente sofisticado. Francisco encarna esse contraponto, essa dimensão.

Sua proposta tem futuro."



segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Sim, somos gays e católicos!


Linda a matéria que saiu no Portal Todavia com nosso amigo Murilo Araújo e o Ed, membro do Diversidade Católica.

O batismo ainda pequeno, a catequese logo depois, a missa aos domingos na companhia de algum familiar, talvez até a participação em um grupo de jovens mais tarde e uma identidade religiosa é estruturada. Foi assim com Murilo Araújo, André Soares e Edilmar Alcântara, três rapazes que além de compartilhar da fé e de uma formação baseada no catolicismo, tiveram outra coisa em comum: precisaram lidar com suas condições sexuais dentro da religião.

Se as heranças religiosas familiares de Murilo levaram aos seus primeiros passos na Igreja Católica, o gosto pela vivência cristã foi sendo desenvolvido em sua própria formação pessoal. Um ano antes do permitido, Murilo decidiu pedir a sua mãe para entrar na catequese e, ainda adolescente, sua missão no grupo de jovens já era uma realidade. “O que antes era um vínculo mais ligado à coisa da família, virou uma parte da minha vida mesmo. Até o meu amadurecimento para pensar a sociedade, a minha vida social e a minha forma de estar no mundo foram desenhadas pelo meu vínculo com a minha comunidade de fé e pela minha vivência religiosa. Isso é muito forte pra mim”, confessa.

Para André, o caminho pela religião foi ainda mais intenso. Neto de católicos praticantes, ele chegou a se dedicar na missão de ser padre e morou em um seminário. “Desde menino, meus avós me levavam à igreja. Para aceitar a minha verdadeira identidade como filho de Deus, já estive morando em um seminário e também fiz parte da ordem franciscana. Quanto a minha identidade sexual, fico muito tranquilo hoje quando alguém me pergunta se sou gay”, revela.

É nesse processo de descobertas sexuais que a maior parte dos jovens entra em conflito. Segundo pesquisa da Universidade da Columbia, em Nova Iorque, a taxa de suicídio entre os jovens gays e bissexuais é até cinco vezes maior do que a de jovens heterossexuais, independente da religiosidade. No Brasil, o índice de suicídio entre esses jovens gays chega a três por dia, mais de mil adolescentes por ano.

Se enfrentar os dilemas familiares junto ao bullying no colégio, por exemplo, já é árduo para um homossexual nos primeiros momentos de suas descobertas, para um gay católico o contexto religioso é um quesito a mais desse processo. “Foi estranho no começo, muito complicado de administrar. Comecei a ler livros que desmitificavam passagens bíblicas tidas como imutáveis. Hoje, vejo a relação da Igreja com a minha sexualidade de outra forma. Penso que ninguém escolhe ser gay, hétero ou o que seja. As pessoas simplesmente são o que são. Alguns aceitam, outros fogem de si mesmo”, conta Edilmar.

Mas para toda regra, há exceções. Murilo sempre lidou com bastante serenidade quando a assunto foi entender o processo de identificação sexual e religioso em sua vida. A aceitação parece ter vindo como uma luz, provocando uma liberdade ímpar. “Eu digo que eu sou até mais cristão por ser gay – e mais gay por ser cristão. Se tem uma experiência na minha trajetória que associou tudo isso, foi o dia em que eu saí do meu próprio armário: me senti saindo de um caixão quase, me senti vivo como nunca antes, deixando pra trás um Murilo que era uma mentira, e me sentindo mais livre, sem amarras. Se não foi Deus quem me proporcionou esse bem, essa bênção e essa liberdade, eu não sei mais quem foi”, revela.

Nessa caminhada em direção a uma melhor descoberta (e por que não dizer aceitação?) pessoal, alguns grupos foram surgindo para dialogar melhor sobre essa relação entre homossexualidade e catolicismo. É o caso do Diversidade Católica, um grupo que atua no Rio de Janeiro há mais de seis anos funcionando e reúne católicos gays periodicamente na casa de um grande amigo do grupo. Como nos conta Edilmar, membro do Diversidade, tudo funciona como uma grande família, sempre aberta a receber novos corações para dividir histórias, compartilhar a fé, sem nunca desistir de seguir Jesus por causa de sua condição sexual. “Eu sabia que não era o único no mundo a passar pelo o que estava passando, por isso me empenhei em encontrar pessoas que vivam a mesma coisa que eu. Hoje, somos uma família que cresce a olhos vistos”, completa.

Entretanto, se o conflito pode ser administrado com o tempo, grande parte das pessoas ainda olha torto para esses homossexuais que decidiram seguir o caminho cristão. “Às vezes, a gente fica meio sem lugar: quando chega à Igreja, a gente é muito ‘pra frente’, muito subversivo, por estar querendo uma abertura à homossexualidade num espaço que mal fala de sexo (só fala quando é pra proibir); do outro lado, por mais ‘pra frente’ e subversivo que eu seja, sempre alguém vai me achar atrasado por eu ‘estar numa instituição que me condena’”, explica Murilo. Para ele, trata-se de uma grande falta de compreensão, de todos os lados: "apesar dos dois grupos me ‘julgarem’ por razões diferentes, nenhum dos dois para pra me escutar. E pior, ambos estão partindo de um mesmo fundamentalismo: achar que o fato de eu ser religioso me desautoriza a criticar a minha religião – e que se eu tiver críticas, eu tenho mais é que sair dela e criar a minha própria. E não é assim que as coisas funcionam".

Entre dilemas pessoais e sociais, o caminho de descoberta e o entendimento de uma identidade formada tanto pela vivência da religião quando pela condição sexual são acontecimentos que só se tornam possíveis através do amor e do respeito. Como diz Anais Nis, escritora francesa: “Não podemos salvar as pessoas. Tudo o que podemos fazer é amá-las”.
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