Ilustração: Aluísio Cervelle,
para a Revista Superinteressante
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Virou mania nacional: bater no deputado carioca Jair Bolsonaro se tornou atividade favorita de 10 entre 10 defensores da igualdade e da tolerância. Pudera. Em entrevistas, Bolsonaro soltou uma avalanche de disparates: “Eu sou contra a adoção por casais homossexuais. Se um de nós for criado por um homossexual, com certeza vai ser um homossexual”. E logo depois comparou gays com ladrões: “É o fim da família, o fim do respeito. Vocês também não iam gostar de ter um filho ladrão. Fere os princípios éticos e morais”. O preconceito contra gays não é novidade – mas parece estar piorando. Em abril, um estádio de vôlei inteiro vaiou e xingou de “bicha” e “viado” o jogador Michael dos Santos, do time Vôlei Futuro, que é gay assumido. Uma pesquisa feita pelo Grupo Gay da Bahia concluiu que o assassinato de homossexuais no Brasil subiu 31% no último ano e chegou a 260 casos. E outra, da Fundação Perseu Abramo, mostra que 64% das pessoas acreditam que casais de gays e lésbicas não deveriam andar abraçados ou se beijar em locais públicos e que apenas 24% pensam que os governos deveriam ter a obrigação de combater a discriminação de homossexuais. Para 70% “isso é um problema que as pessoas têm de resolver entre elas”.
Mas não é isso que pensam os gays – para eles, a discriminação é um problema que tem de ser resolvido na Justiça. E é lá que eles estão conquistando seu espaço. Veja o caso do bancário aposentado José Américo Grippi. Em fevereiro deste ano, aos 66 anos, ele se tornou o primeiro homossexual a conquistar na Justiça Federal o direito de receber pensão militar. Grippi viveu por 35 anos com o capitão Darci Teixeira Dutra, morto em 1999, e brigou pelo direito ao benefício, inicialmente negado pelo Exército. “Nosso amor não era banal, era sincero”, declarou Grippi - e, assim como em qualquer casal hétero, recebeu seus direitos de viúvo. No ano passado, o Superior Tribunal de Justiça concedeu a guarda de duas crianças a um casal de lésbicas de Bagé. Os filhos haviam sido adotados por Luciana Maidana e eram criados desde 1998 com a ajuda da companheira dela, Lídia Guteres. Com a decisão, se uma das duas morrer, a outra ficará com as crianças, que de outra forma seriam consideradas órfãs. E não para por aí: nos últimos anos, decisões da Justiça permitiram que gays exercessem o direito de incluir o companheiro no plano de saúde, de ganhar pensão por morte e de declarar o imposto de renda em conjunto.
Essas vitórias no Judiciário estão cumprindo o papel que as leis não cumprem: tratar homossexuais e heterossexuais da mesma maneira. Afinal, é muito mais fácil fazer um juiz decidir a favor dos gays do que a maioria do Congresso aprovar uma mudança na lei. Hoje em dia a Constituição determina que o casamento civil aconteça apenas entre homem e mulher. Mas, segundo a Comissão da Diversidade da Ordem dos Advogados do Brasil, tribunais de todo o país já reconheceram em pelo menos 1 026 processos a união entre pessoas do mesmo sexo. Em muitos desses casos, ficou entendido que houve união estável do casal e que, já que todos são iguais perante a lei, não haveria por que tratar os gays de forma diferente. Assim, pelas beiradas, homossexuais estão garantindo o direito de ser tratados igualmente. Mais importante do que isso: essas decisões favoráveis abrem jurisprudência, ou seja, acabam servindo de referência para outros juízes ao julgar casos semelhantes. E vem mais por aí. Ainda neste semestre os 11 ministros do Supremo Tribunal Federal devem decidir sobre a constitucionalidade da união [estável] homossexual no Brasil. Três deles já se manifestaram publicamente a favor da questão. Se ficar decidido que a união gay é constitucional, isso pode ter influência em decisões sobre questões de herança, de seguros e de paternidade – quase todas as áreas da vida.
Mas isso não significa que a questão ficará resolvida. Por mais importante que seja a vitória no STF, ela só serviria de referência para juízes de instâncias inferiores. Para que gays sejam realmente tratados como iguais, só mesmo com uma mudança na lei. Segundo a especialista em direito homoafetivo Maria Berenice Dias, atualmente há 108 direitos não assegurados aos homossexuais. Caso o casamento entre parceiros do mesmo sexo fosse aprovado no Congresso, todos esses direitos seriam reconhecidos automaticamente. Se isso acontecesse, pessoas como Bolsonaro se tornariam figuras do passado – coisa que, do ponto de vista da Justiça, elas já são.
- Vanessa Vieira
Artigo publicado na Revista Superinteressante, edição 291, maio de 2011 Tweet
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