sexta-feira, 27 de maio de 2011

Estamos procurando Deus nos lugares errados

Escultura: Maarten Baas

Publicamos agora o final do discurso do teólogo espanhol José María Castillo, cuja primeira parte publicamos aqui.

Quero destacar que, na minha maneira de ver as coisas, a Igreja terá futuro e a teologia poderá subsistir na medida em que ambas – Igreja e Teologia – forem capazes de tomar um rumo diferente ao que seguiram até agora. Durante séculos, a teologia se viu a si mesma como a “regina scientiarum”, o centro de todos os saberes e o poder normativo para todas as condutas. Hoje, esta posição preponderante da Igreja e de sua teologia se tornou insustentável. Porque perdeu sua falsa consistência. O progresso da ciência e o avanço irresistível das tecnologias vão colocando as religiões no seu devido lugar. Como sabemos, as religiões resistem às mudanças e, com frequência, ficam presas à fidelidade a tradições de um passado que nunca mais será determinante na vida dos indivíduos e dos povos. O que explica o desajuste crescente entre teologia e ciência, entre teologia e sociedade.

Com frequência, se pretende atribuir este desajuste à prepotência e ao afã de comando dos dirigentes das religiões. Sem dúvida, isso pode ter uma determinada influência na atual crise religiosa. Mas o fundo da questão – segundo creio – não é essa. É a teoria sobre Deus que está falhando. E, por isso, de uma equivocada teoria sobre Deus (e sobre onde e como encontrar Deus), se costumam deduzir consequências desastrosas, sobretudo, para as pessoas, para as instituições e para a sociedade. De modo geral, são muitas as pessoas que imaginam que encontram Deus em um “Tu” transcendente, que nos é imposto a partir de um poder inapelável. Mas insisto no fato de que essa “representação de Deus” está na base e na explicação da atual crise da fé, a crise da religião e a crise da Igreja. Porque quem acredita em semelhante “Deus” e pretende representá-lo ou falar em seu nome, o que faz, na realidade, é ir na contracorrente.

Porque cada dia é mais escasso o número de pessoas que se atrevem a seguir crendo nesse Deus contraditório e perigoso. Por isso insisti em que só podemos encontrar Deus em nossa imanência, no laico, no secular, no civil, no humano. Não excluo a importância que tem, para o homo religiosus, a oração, o louvor, a celebração sacramental e simbólica das próprias convicções religiosas. Nesta ordem de “mediações”, cada religião deve ser fiel à sua própria história, aos seus costumes e às suas práticas, contanto que tudo isso não fomente a exclusão dos outros, a separação dos povos e culturas, a intolerância e o fanatismo. Porque o importante não é a religião, mas Deus, ao qual só podemos encontrar em nossa imanência e em nossa humanidade.

Pois bem, se este é o conceito e a experiência de Deus, a teologia, enquanto saber que se ocupa do tema desse Deus que encontramos no verdadeiramente humano – se é que a teologia deve seguir existindo no futuro –, terá que ser, antes que um saber superior que ensina os outros saberes, deverá ser um sujeito humilde e modesto que sempre terá que se apresentar, desde essa humildade e modéstia, como um saber que aprende dos outros saberes o que necessita assimilar deles para conhecer melhor o humano, para interpretar a partir das ciências humanas o significado e as consequências que pode ter (e terá) a presença do Deus humanizado entre os seres humanos. Porque é no humano, e somente no imanente e humano, onde os humanos podem encontrar Deus.

Não faltará razão a Karl Rahner [um dos maiores teólogos católicos do século XX, perito no Concílio Vaticano II] quando disse que: “se a teologia ainda deve continuar a existir no futuro, esta não será certamente uma teologia que se instala simplesmente e a priori 'junto a' ou 'por cima de' o mundo secular ou o mundo laico... É preciso, evidentemente, dizer que a ansiosa pergunta dos teólogos sobre o futuro da teologia não pode receber senão a resposta afirmativa que exige uma única condição: a aptidão da teologia para falar de Deus em um mundo secular”. E hoje, 60 anos depois que Rahner disse estas coisas, as aceleradas mudanças das últimas décadas nos empurram a ter que afirmar, com liberdade e audácia, que, daqui em diante, somente terá sentido e futuro a teologia que for capaz de trazer algum sentido à vida. E assim, potenciar a melhor resposta que podemos dar aos nossos desejos de humanidade. Quero dizer, os desejos que buscam uma forma de vida que, por ser mais plenamente humana, seja também mais plenamente feliz.

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