Nós, cristãos católicos LGBT, reunidos na Rede Nacional de Grupos Católicos LGBT, expressamos nossa perplexidade e indignação diante da manifestação homofóbica de um dos candidatos à Presidência da República no debate transmitido pela Rede Record, na TV aberta e com transmissão nacional, no último domingo (28) à noite; do total silêncio dos demais candidatos em relação às suas palavras; e do riso audível da plateia presente no estúdio da emissora durante sua fala.
Como LGBTs, gostaríamos de esclarecer que a homofobia não se reduz à rejeição irracional ou ódio em relação aos homossexuais; compreende igualmente toda manifestação arbitrária que qualifica o outro como contrário, inferior ou anormal e, devido à sua (suposta) diferença em relação a determinado padrão preponderante, alija essa pessoa de sua humanidade, dignidade e personalidade. Portanto, desqualificar alguém a partir da desqualificação de uma categoria em que o indivíduo (supostamente) se insere é homofobia.
Do mesmo modo, reduzir todo o rico espectro afetivo e sexual de um grupo de seres humanos, como fez o referido candidato no debate de domingo; equiparar, sem nenhuma fundamentação em dados concretos, homossexualidade a pedofilia; classificar a homossexualidade como doença, numa visão patologizante ultrapassada e destituída de qualquer base científica; estimular o "enfrentamento" dessa população pela "maioria", contrariando o princípio democrático de proteção e asseguramento de direitos de todos, inclusive (e sobretudo) das minorias; sugerir que os homossexuais sejam "tratados" em "algum lugar distante", remetendo a práticas famigeradas de internação e isolamento que ainda é preciso combater - tudo isso é homofobia. Tudo isso constitui a tão danosa violência psicológica a que todos nós, LGBTs, estamos submetidos ao longo de nossas vidas. Tudo isso dá corpo à violência simbólica e social que se abate sobre nós diariamente e ganha expressão material nos números assustadores das agressões, tortura e assassinatos com requintes de crueldade que, em nosso país, atingem não só a população LGBT, mas também aqueles indivíduos percebidos como LGBTs - violência que, só neste ano de 2014, já matou pelo menos 216 pessoas pelo simples fato de serem LGBT.
Como cidadãos, gostaríamos de salientar que o direito à liberdade de expressão é sempre antecedido pelo direito de cada pessoa a ser respeitada em sua dignidade. Ninguém tem o direito de propalar racismo, misoginia nem homofobia em público, na medida em que isso fere a dignidade de outras pessoas e reproduz e incentiva, direta ou indiretamente, a violência física e psicológica.
Como cristãos, lamentamos que o cristianismo, em qualquer vertente, se veja sob a ameaça de se esvaziar da sua riqueza simbólica e espiritual, perdendo qualquer traço de humanismo e sendo reduzido a mera ideologia moral e instrumento de normatização social, tornando tantos crentes incapazes de qualquer solidariedade, empatia e identificação com a humanidade de seus próximos.
Como católicos, expressamos nosso sonho com uma Igreja efetivamente católica, isto é, universal; uma Igreja de portas abertas para todos, como diz o Papa Francisco, pronta a acolher a todos em suas diferenças, aberta ao diálogo e atenta à sua vocação de defensora da vida e da dignidade de toda e cada pessoa humana.
Em Jesus Cristo, Autor da Vida, somos todos chamados à caminhada-construção de um mundo de amor, justiça e paz. Convidamos todas as pessoas de boa vontade, em particular os cristãos, a refletirem sobre o preconceito e a violência para com as pessoas LGBT e a se empenharem na sua superação, guiados pelo auxílio do Senhor, que nos ensina a amar uns aos outros, e iluminados por Maria, mãe intercessora de todos nós.
Rede Nacional de Grupos Católicos LGBT
Diversidade Católica do Rio de Janeiro (DCRJ); Grupo de Ação Pastoral da Diversidade - São Paulo;
Diversidade Católica de Belo Horizonte; Diversidade Cristã de Brasília; Diversidade Católica do Paraná (DCPR); Diversidade Católica Ribeirão Preto/SP e região (DCRP); Diversidade Católica de Passos (MG); Pastoral da Diversidade - PERNAMBUCO; núcleos em formação em Itajaí (SC), Anápolis (GO) e Fortaleza (CE)
2 de outubro de 2014
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4 comentários:
O que me deixou mais triste foi a repercussão das palavras desse Senhor. Quantas pessoas defendendo a liberdade de expressão, muito triste. Mas um amigo meu também citou a felicidade de ver um amigo hétero indignado com as palavras desse candidato. Essa defesa mesmo que seja mínima e discreta trás esperança para um mundo onde veja o Amor de Deus entre nós, somos tão dignos de Amor como qualquer outra pessoa no mundo. Gostaria de informação sobre esse núcleo em formação em Fortaleza-Ceará, quase explodi de felicidade quando vi. É tão difícil encontrar apoio, só temos Deus, se puderem me informar como entrar em contato com esse grupo eu seria eternamente grata. Aguardo retorno.
Querida, estamos trabalhando para que o mundo e a Igreja sejam cada vez mais lugares de acolhimento e encontro fraterno, e haja menos espaço para o ódio e a repulsa a quem quer que seja só por esta pessoa ser quem é. :-)
Você poderia nos fornecer um e-mail de contato seu? Caso prefira, pode entrar em contato com a gente por inbox em nossa página do Facebook (https://www.facebook.com/diversidadecatolica) - por enquanto, o contato é direto pelo e-mail pessoal de um dos rapazes que estão iniciando o grupo em Fortaleza, e preferimos não divulgar seu e-mail publicamente.
Aguardamos seu retorno! Vc será muito bem vinda! :-)
Um abraço fraterno
Equipe Diversidade Católica
Vocês vão fazer algum texto sobre a recente movimentação no Vaticano? Em torno da questão num "sínodo" ou coisa assim.
Oi, João! Desculpe a demora para responder; estas últimas semanas foram de muito trabalho aqui. Estivemos analisando a documentação produzida pelo Sínodo e acabamos de publicar um breve comentário a respeito, que você pode ler aqui.
Um grande abraço!
Equipe Diversidade Católica
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