sábado, 14 de abril de 2012

Preconceito: Gabriela e João querem mudar o mundo com um vídeo


Em dois dias o vídeo “Think twice before you hate...” ("Pense duas vezes antes de odiar", em tradução livre), alcançou quase 4 milhões de visualizações no Youtube.

Mas os autores dizem que ainda não é suficiente para mudar o mundo. João Tomás Correia e Gabriela Ribeiro são dois amigos adolescentes e decidiram fazer um vídeo que mostrasse ao mundo a sua revolta em relação à homofobia, lesbofobia e bifobia.

Depois de partilharem a sua experiência pessoal, ambos deixam uma mensagem de esperança para gays, lésbicas e bissexuais. Ao longo de quase cinco minutos de vídeo apresentado em inglês e português pode ler-se: “Eles não nos respeitam, mas não nos conhecem” ou “Nós nos magoamos, choramos, ficamos com medo. Como tu”. “Todos os dias esperamos [… ] que as pessoas mudem”.

Um dia depois do vídeo ter sido publicado João Correia soube que foi alvo de deboche por ter assumido a sua bissexualidade no vídeo. Sua reação foi rir. E esse é um dos conselhos que ambos os protagonistas dão no vídeo contra o preconceito.

(Fonte: dezanove.pt)

A quem é devida a obediência religiosa

Foto: nebulous 1

"A coragem também é mostrada pelo mameluco, a obediência é o ornamento do cristão". A frase, tirada da balada de Schiller A luta contra o dragão, é sintomática de um modo de pensar que dominou por muito tempo as altas esferas da Igreja Católica. O que não é ordenado ou, pelo menos, aprovado do alto não deve ocorrer.

Isso não favorece necessariamente atividades e responsabilidades pessoais dos católicos, mas lhes permite ver de vez em quando como se comportam os bispos em uma situação difícil e problemática. Nas relações com as ditaduras, como vimos, pastores "condescendentes" e os seus rebanhos estavam principalmente do lado seguro, enquanto aqueles que agiam obedecendo mais à sua consciência do que ao exemplo da sua hierarquia corriam o risco de perseguição, tortura e execução capital.

O Concílio Vaticano II – será celebrado no fim do ano o 50º aniversário da sua abertura – definiu a consciência na constituição pastoral Gaudium et Spes como "o núcleo mais secreto" e "o sacrário do homem" e, finalmente, como voz de Deus e lei à qual o homem deve obedecer. Segundo a doutrina católica, uma "consciência formada" deve se orientar naturalmente segundo o ensinamento da Igreja, mas isso não significa que o indivíduo não possa chegar a conclusões diferentes, se delas estiver honestamente convencido.

Isso certamente se torna crítico quando um grupo inteiro lança um "Apelo à desobediência", como ocorreu no ano passado na Áustria. Com a palavra-tabu "desobediência" conscientemente escolhida, os promotores da iniciativa assustaram não só a hierarquia local, mas também a central de Roma. Se outros apelos críticos, de grupos menores ou maiores de teólogos, foram mais facilmente ignorados – no máximo, se negava aos signatários o acesso a uma cátedra –, agora, com relação à "desobediência" austríaca, o Papa Bento XVI pessoalmente tomou posição. Justamente na Quinta-Feira Santa, em uma das celebrações mais importantes do ano, ele perguntou retoricamente na sua pregação: "Será a desobediência um caminho?".

Do ponto de vista do papa, ela certamente não é um caminho, principalmente não uma desobediência que deve ignorar "decisões definitivas do Magistério, como, por exemplo, na questão relativa à Ordenação das mulheres, a propósito da qual o beato Papa João Paulo II declarou de maneira irrevogável que a Igreja não recebeu, da parte do Senhor, qualquer autorização para o fazer".

Por outro lado, ele concede aos autores que é a "solicitude pela Igreja que os move, quando afirmam estar convencidos de que se deve enfrentar a lentidão das Instituições com meios drásticos para abrir novos caminhos, para colocar a Igreja à altura dos tempos de hoje".

Bento XVI ressaltou na sua rejeição à desobediência, expressa somente na forma de questões críticas, que, na história da época pós-conciliar, pode-se reconhecer "a dinâmica da verdadeira renovação" e chamou a atenção para o fato de que "para uma nova fecundidade, se requer o transbordar da alegria da fé, a radicalidade da obediência, a dinâmica da esperança e a força do amor".

A questão é se a "radicalidade da obediência" – além do mais uma obediência que manifestamente o papa requer não só para com Deus e para com a consciência, mas também para com as autoridades eclesiásticas – realmente forma um todo com as três colunas cristãs da fé, da esperança e da caridade. Bento XVI já dedicou encíclicas à esperança e à caridade. Resta saber se agora ele quer tematizar em um ensinamento por escrito, juntamente com a fé, o muitos pressupõem, também a obediência.

Surpreendeu o fato de o papa ter intervindo dessa forma a propósito da Iniciativa dos Párocos Austríacos, assim como o tom bastante moderado. Nenhuma menção a sanções contra os reformadores da Igreja por parte do bispo de Roma, que, em seu tempo como prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, havia recebido o apelido de Panzerkardinal, mas sim uma advertência a eles, especialmente para mudar de opinião com relação a temas sobre os quais atualmente não se pode discutir, como a ordenação das mulheres (benévolos expoentes do clero da Áustria, como o bispo auxiliar emérito de Viena, Helmut Krätzl, já haviam aconselhado isso aos "desobedientes").

Na Áustria, no entanto, as palavras do papa foram recebidas não negativamente, mas sim como um encorajamento – tanto pelo presidente da Conferência Episcopal, o cardeal Christoph Schönborn, quanto pelo primeiro representante da Pfarrer-Initiative, Helmut Schüller, que se mostrou "agradavelmente surpreso".

A reação papal mostra, de todos os modos, que as exigências dos padres austríacos são levadas a sério no Vaticano. Não parece ser, de momento, uma ameaçadora ruptura, mas sim, certamente, um processo de diálogo longo e complicado. O fato de o papa ter abordado o tema torna mais alegre o som dos sinos da Páscoa. Para chegar a um verdadeiro evento de Pentecostes, em que conservadores e reformadores não só se entendam linguisticamente, mas cheguem a soluções amplamente compartilhadas, o caminho a ser percorrido, porém, ainda é muito longo.

- Reportagem de Heiner Boberski, publicada no sítio Wienerzeitung.at, 06-04-2012.
Tradução de Moisés Sbardelotto, aqui reproduzida via IHU.

Próxima missa da Pastoral da Diversidade, em São Paulo: 15/04


Próxima missa da Pastoral da Diversidade em São Paulo: dia 15 de abril, às 17h. Divulguem e compareçam!

Mais informações aqui e no www.pastoraldadiversidade.com.br :-)

Percurso para a fé

"A incredulidade de São Tomé", Caravaggio, 1601

Estando ausente Tomé os discípulos de Jesus tiveram uma experiência inaudita. Quanto O vêm chegar, comunicam-lhe cheios de alegria: "Vimos o Senhor". Tomé escuta-os com ceticismo. Por que irá acreditar em algo tão absurdo? Como podem dizer que viram Jesus cheio de vida, se morreu crucificado? Em todo o caso, será outro.

Os discípulos dizem-lhe lhes mostrou as feridas das Suas mãos e das Suas costas. Tomé não pode aceitar o testemunho de ninguém. Necessita comprova-lo pessoalmente: "Se não vejo nas Suas mãos o sinal dos Seus pregos... e não coloco a mão no Seu costado, não o creio". Só acreditará na sua própria experiência.

Este discípulo que se resiste a acreditar de forma ingénua, vai ensinar-nos o percurso que temos de fazer para chegar à fé em Cristo ressuscitado os que nem sequer vimos o rosto de Jesus, nem escutamos as Suas palavras, nem sentimos os Seus abraços.

Aos oito dias, apresenta-se de novo Jesus aos Seus discípulos. Imediatamente, se dirige a Tomé. Não critica a sua ideia. As suas dúvidas não têm nada de ilegítimo ou escandaloso. A sua resistência em acreditar revela a sua honestidade. Jesus entende-o e vem ao seu encontro mostrando-lhe as Suas feridas.

Jesus oferece-se para satisfazer as suas exigências: "Trás o teu dedo, aqui tens as minhas mãos. Trás a tua mão, aqui tens o meu costado". Essas feridas, mais do que "provas" para verificar algo, não serão "sinais" do Seu amor entregue até há morte? Por isso, Jesus convida-o a aprofundar para lá das suas dúvidas: "Não sejas incrédulo, mas sim crente".

Tomé renuncia a verificar. Já não sente necessidade de provas. Experimenta a presença do Mestre que o ama, o atrai e o convida a confiar. Tomé, o discípulo que fez percurso mais longo e laborioso que ninguém até encontrar-se com Jesus, chega mais longe que ninguém na profundidade da sua fé: "Senhor meu e Deus meu". Ninguém se confessou assim a Jesus.

Não temos de nos assustar ao sentir que brotam de nós dúvidas e interrogações. As dúvidas, vividas de forma sã, salvam-nos de uma fé superficial que se contenta com repetir fórmulas, sem acreditar em confiança em amor. As dúvidas estimulam-nos a ir até ao final na nossa confiança no Mistério de Deus encarnado em Jesus.

A fé cristã cresce em nós quando nos sentimos amados e atraídos por esse Deus cujo Rosto podemos vislumbrar no relato que os evangelhos nos fazem de Jesus. Então, a Sua chamada a confiar tem em nós mais força que as nossas próprias dúvidas. "Ditosos os que creem sem ter visto".

- José Antonio Pagola
Reproduzido via Amai-vos, com grifos nossos.

sexta-feira, 13 de abril de 2012

Dalai Lama: “A paz do mundo pode provir apenas da paz interior"


O Dalai Lama afirma: “Os cristãos estão muito perto do espírito budista. Penso, por exemplo, na vida monástica, na atenção e no tempo que dedicam à meditação”. Recorda a atitude do “papa bom”, João XXIII. Mas é o Dalai Lama quem fala, a 14ª encarnação de Buda: “As principais tradições religiosas, embora difiram nas interpretações teológicas, têm em comum a prática do amor, da compaixão, da tolerância, do perdão”. Tenzin Gyatzo não se limita a responder às perguntas, pelo contrário: aventura-se em afirmações contundentes. Mas sempre com seu proverbial sorriso nos lábios.

(...) Ele reflete sobre o valor das tradições religiosas: “É muito importante que recordeis vossa tradição milenar ao mundo de hoje. Muitas vezes, as pessoas consideram a religião como algo antigo, superado pelos séculos. Talvez seja velha alguma roupa ou certas tradições, mas a essência do ensino religioso é o amor, a compaixão, os valores humanos, importantes também para os não crentes”.

O "Oceano de Sabedoria" (é este o significado de seu apelido, Dalai Lama) (...) não esquece as necessidades de seu povo: “Nossos irmãos e irmãs cristãos deram a maior contribuição à educação e à saúde em todo o mundo. Outras tradições religiosas, como a minha, estiveram menos ativas neste campo. Devemos nos aplicar mais”.

(...) “A minha existência não foi fácil – confessa, sorrindo –, mas mesmo nas dificuldades compreendi que os ensinamentos das tradições religiosas são de grande ajuda. Eu, com meus 76 anos, aprendi que viver na paz, na confiança em si mesmo, é muito importante. É de grande ajuda para ter uma mente livre. E também para manter-se com boa saúde”.

Olhar para dentro, mas não para fechar-se em si mesmo, pelo contrário: “A paz do mundo pode provir apenas da paz interior. Não da força, tampouco das armas, mas apenas da paz interior”. (...)

(Fonte: IHU)

Os jovens e a construção da autonomia: um desafio

Ilustração: Marumiyan

“A juventude quer vivência grupal. Nunca houve tanta busca dessa vivência como nos dias de hoje. Por outro lado, a essência da Igreja é ser comunidade (ecclesia). Não se entende uma Igreja que não seja e não promova a comunidade, o grupo. Por isso a juventude espera acolhida”, diz padre jesuíta.

A Igreja precisa possibilitar e incentivar a construção da autonomia. É a partir dessa percepção que Pe. Hilário Dick critica as práticas da Igreja e sua relação com a juventude. Para ele, a Jornada Mundial da Juventude – JMJ, evento católico que reúne o maior número de jovens em todo o mundo desde 1980, tem uma pedagogia que não conduz “à transformação social” e tampouco possibilita o protagonismo juvenil na Igreja. “Não se nega que um e outro jovem mude de valores, se ‘converta’, que descubra Jesus Cristo etc., mas poucos são os dados que fazem que o jovem descubra mais a realidade social ou, até mesmo, a própria realidade juvenil em termos mais amplos”. E complementa: “A maior prova disso está na observação de quem é o protagonista das Jornadas: quem fala? Quem decide? Quem ocupa o palco? De forma um tanto dura podemos dizer que a juventude das JMJ é uma massa de manobra da Igreja-Instituição”, provoca, em entrevista concedida à IHU On-Line por e-mail.

Em contato com a juventude há mais de 40 anos, ele assegura que, apesar das limitações, “a Igreja e a juventude se encontram: a Igreja naquilo que ela deveria ser e a juventude naquilo que ela sonha com uma instituição como a Igreja”. E explica: “A juventude quer vivência grupal. Nunca houve tanta busca dessa vivência como nos dias de hoje. É falso dizer que a juventude não quer viver em grupo. Por outro lado, a essência da Igreja é ser comunidade (ecclesia). Não se entende uma Igreja que não seja e não promova a comunidade, o grupo. Por isso a juventude espera acolhida”. Para que esta aproximação seja possível, sugere, o trabalho pastoral com os jovens deve ser entendido como um processo, “que acontece no dia a dia, nos pequenos grupos que se encontram para relacionar-se, viver, estudar, enfrentar questões comuns, celebrar etc.”.

Hilário Dick é graduado em Teologia pela Pontifícia Faculdade do Colégio Máximo Cristo Rei, e em Filosofia e em Letras pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos. Mestre e doutor, também em Letras, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, é coordenador do Observatório Juvenil do Vale/Unisinos. Entre seus vários livros publicados, citamos Gritos silenciados, mas evidentes: jovens construindo juventude na história (São Paulo: Loyola, 2003) e Cartas a neotéfilo – Conversas sobre assessoria para grupos de jovens (São Paulo: Loyola, 2005). Junto de Carmem Lucia Teixeira e Lourival Rodrigues da Silva publicou Juventude: acompanhamento e construção de autonomia. É autor do Cadernos IHU número 18, intitulado Discursos à Beira dos Sinos. A emergência de novos valores na juventude: o caso de São Leopoldo.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Como o senhor avalia a trajetória da Jornada Mundial da Juventude – JMJ? A JMJ é uma apresentação da Igreja para os jovens ou revela o engajamento e a relação da juventude com a Igreja?
Hilário Dick – Quando é que podemos falar de “trajetória” de um evento? Basta ver as datas, o número de participantes, os locais, a reação da sociedade, a repercussão na Igreja, o preço do evento? Qualquer “movimentação” se caracteriza pelas preocupações que manifesta, pelas ideias que defende, pelas propostas que carrega. É mais do que um ajuntamento de datas, de número de participantes, de número de discursos ou “sermões” que se fizeram, de tipos de hinos que foram cantados etc. Por isso, somente com um estudo em profundidade poder-se-á falar de uma possível trajetória das JMJ.

Quanto à segunda parte da pergunta, as Jornadas Mundiais estão provando que elas são muito mais uma apresentação da Igreja para os jovens do que um engajamento dos jovens com a Igreja. A maior prova disso está na observação de quem é o protagonista das Jornadas: Quem fala? Quem decide? Quem ocupa o palco? De forma um tanto dura podemos dizer que a juventude das JMJ é uma massa de manobra da Igreja-Instituição. Assim como não se fala de Reino para esta juventude, insiste-se muito no amor à Igreja. Não podemos dizer que o seguimento de Jesus não é desenvolvido, mas não é o que as juventudes enxergam e ouvem de forma mais significativa.

IHU On-Line – Como explicar a receptividade da Jornada por parte dos jovens? Qual o significado desses eventos massivos? A JMJ tem um viés transformador?
Hilário Dick – Todo jovem gosta de viajar e de participar de um evento em que se encontram muitos jovens. Isso vale para dentro e fora da Igreja. O Papa João Paulo II, além de seu carisma no relacionamento com os jovens, foi transformado num “Papa Pop” como até cantam os Engenheiros do Havaí. Pelo caráter que tinham e têm as JMJ, os meios de comunicação não tiveram nem têm dificuldade em assumi-las.

Existem dois modos de trabalhar pastoralmente com os jovens: ou priorizando uma pastoral de eventos, de grandes concentrações, de movimentos massivos com muito marketing, muita visualidade etc., ou priorizando uma pastoral de processos, essa que acontece no dia a dia, nos pequenos grupos que se encontram para se relacionar, viver, estudar, enfrentar questões comuns, celebrar etc. A Igreja Católica está priorizando, nesse momento, de muitas formas, a pastoral de eventos. É em tal geografia que se situam as JMJ.

Pela pedagogia que se usa nas JMJ pode-se dizer que elas não levam à transformação social. Não se nega que um e outro jovem mude de valores, se “converta”, descobre Jesus Cristo etc., mas poucos são os dados que fazem que o jovem descubra mais a realidade social ou, até mesmo, a própria realidade juvenil em termos mais amplos. Basta recordar o significado que tiveram as mobilizações juvenis na Jornada Mundial de Madrid. A juventude fora da Igreja parece que não existe...

IHU On-Line – Como construir, a partir dos movimentos de grupos, das pastorais da juventude, a autonomia dos jovens que participam da Igreja?
Hilário Dick – Critico a pedagogia, porque as JMJ não garantem a participação da juventude. Se houvesse e se possibilitasse real participação, haveria protagonismo juvenil. Só se constrói autonomia, personalidade, identidade numa boa participação, e uma boa participação significa uma boa organização, onde o protagonismo juvenil seja o exercício da autonomia etc. Podemos dizer que a autonomia é o tendão de Aquiles da Igreja porque se trata do exercício do poder. E a Igreja Católica, hoje e na história, tem muita dificuldade na vivência evangélica do poder. Isso vale para todos, também para o povo de Deus, em geral, e de modo especial para a juventude que vive a descoberta da liberdade (saindo do mundo da dependência), da participação e da autonomia. Esse aspecto fica evidente na forma como são vivenciadas as JMJ. Apesar disso, na teoria, o paradigma que a Igreja defende (assume?) é o da construção da autonomia. Uma das coisas que mais afasta a juventude da Igreja é a esquizofrenia, afirmando uma coisa e fazendo outra, na prática.

IHU On-Line – Em que consiste o projeto de revitalização da Pastoral da Juventude Latino-Americana? Em que medida é preciso revitalizar a ação pastoral?
Hilário Dick – É um atestado de sanidade e de saúde para qualquer instituição o fato de ter vontade de sempre se renovar. Ora, a Pastoral Juvenil Latino-Americana tem uma caminhada de 30 anos, fundamentada na construção da Civilização do Amor. As diretrizes dessa caminhada já mereceram várias reelaborações. A grande decisão da revitalização, falada e sonhada há mais tempo, foi a proposta assumida no 3º Congresso Latino-Americano, em 2010, na Venezuela. Trata-se de reforçar o espírito missionário da juventude, seguindo uma inspiração bíblica. A novidade foi a escolha dos lugares bíblicos alimentando essa revitalização, isto é, impulsionada por aquilo que é mais de Deus: o Evangelho. Vai sair, por isso, em breve, nova edição da obra Civilização do Amor com o subtítulo Projeto e Missão. A Conferência de Aparecida, embora não tenha dito algo novo neste campo da evangelização da juventude, não deixou de reforçar o que já se vinha fazendo, embora dificultando um aspecto fundamental: a articulação, considerada como o melhor instrumento para suscitar a formação de jovens caminhando para o empoderamento, a autonomia ou, então, o protagonismo. A revitalização é uma exigência da vida; também o é da ação pastoral. Uma das formas de sempre se renovar é saber alimentar-se da Palavra de Deus.

IHU On-Line – Na sua avaliação, a juventude está mais consciente do seu papel como ator social?
Hilário Dick – Toda a humanidade e também toda a juventude, com o decorrer da história, cresce em consciência social. Assim como se descobrem e se conquistam novos direitos, também vão-se conquistando e descobrindo novos deveres. É arriscado dizer que a juventude, hoje, tem mais consciência. A juventude atual não é melhor nem pior que a juventude de outrora: ela é diferente. Assim como nos anos 1960 a juventude tentou fazer tudo o que fez sem TV, sem celular, sem internet, etc., a juventude de 2012 deve tentar fazer tudo o que pode com os auxílios que a técnica e a comunicação oferecem. Nos últimos tempos estamos vendo manifestações juvenis significativas em várias partes do mundo. Poderiam ser mais? Poderiam ser melhores? Ser ator social nem sempre é fácil. Assim como também não foi. O mundo dos adultos não quer e nem pode entregar, nas mãos da juventude, o protagonismo e a autonomia. Isso sempre será conquista e sempre será conflitivo.

IHU On-Line – Quais os limites e desafios da Igreja diante da Juventude?
Hilário Dick – O documento 85 da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, desenvolvendo sua doutrina sobre a evangelização da juventude, chama-se Desafios e Perspectivas da Evangelização da Juventude. Não vou repetir o que está exposto nesse documento. Você faz, no entanto, outra pergunta, dizendo: "O que a juventude procura na Igreja e o que a Igreja tem para oferecer a esta juventude". Eu gostaria de responder às duas questões numa só resposta. Pensando bem, a Igreja e a juventude se encontram: a Igreja naquilo que ela deveria ser e a juventude naquilo que ela sonha com uma instituição como a Igreja. Acentuaria cinco aspectos:

1) a juventude quer vivência grupal. Nunca houve tanta busca dessa vivência como nos dias de hoje. É falso dizer que a juventude não quer viver em grupo. Por outro lado, a essência da Igreja é ser comunidade (ecclesia). Não se entende uma Igreja que não seja e não promova a comunidade, o grupo. Por isso a juventude espera acolhida;
2) a juventude espera ser reconhecida em sua realidade concreta. A Igreja, por sua vez, que não se encarna nas diferentes realidades onde deseja anunciar a Boa Nova, não é a Igreja de Jesus Cristo que se encarnou. É nessa inserção que nasce o profetismo e a juventude deseja uma Igreja profética;
3) a juventude quer ser ela mesma, quer deixar de ser massa para ser povo, isto é, um segmento organizado. Por outro lado, na Igreja, a pastoral orgânica e a colegialidade episcopal fazem parte de seu ser. É só na organização que a juventude vai construir a sua autonomia e seu protagonismo. Não há outro instrumento;
4) a Igreja tem consciência de que ela, como Deus, deve ser acompanhante. Nas últimas Diretrizes Gerais da CNBB, os bispos até dizem que a Igreja é a casa da iniciação cristã. A juventude não quer caminhar sozinha; ela sonha com a presença de alguém que saiba ser “companheiro”, alguém que, com ela, coma do mesmo pão. Portanto, as duas vocações se encontram;
5) a juventude sonha com uma formação que seja integral, que a ajude em todas as suas dimensões. Um dos maiores vazios que ela sente é a ausência destes/as companheiros. Por outro lado, a Igreja diz nas suas Diretrizes que ela é e deseja ser uma Igreja a serviço da vida plena para todos. Por isso que afirmamos que não é grande a distância entre a Igreja e a juventude.

Voltando às JMJ, devemos ter presente essas realidades por parte da Igreja (instituição) e por parte da juventude. Se for grande a distância entre os sonhos e as vocações, o diálogo será mais difícil.

IHU On-Line – Quais os desafios de passar de uma igreja episcopal para uma igreja ministerial?
Hilário Dick – A pergunta é simples e complexa. Suponho que a pergunta pense “igreja episcopal” como aquela onde os bispos “mandam” demais, esquecendo-se que também fazem parte do “povo de Deus”. Infelizmente estas contradições também acontecem na Igreja: esquecer-se de sua identidade... A reflexão que desejaria fazer refere-se a uma das doenças de nossa Igreja: o clericalismo. No clericalismo o “leigo” está de um lado, na parte que não decide, que recebe ordens; quem decide é o clero. Um dualismo que não tem sentido, mas que é muito forte em toda a parte, também no trabalho com a juventude. Parece que se tem medo de estar próximo, de perder a autoridade. Isso pode ser visto igualmente nas JMJ. Nem o padre nem o bispo deixam de ser o que são se forem capazes de se misturarem com a juventude, nem quando deixam que a juventude entre no “comando” das grandes plenárias, das grandes concentrações etc. Clero e pastores devem convencer-se de que, embora a “autoridade” seja algo que venha de “fora”, antes de tudo ela é algo que vem de “dentro”, onde todos são “povo de Deus”. É muito estranho que o discurso da “aparência” esteja tão forte em nossa Igreja. É preciso voltar à simplicidade que aprendemos com Jesus de Nazaré.

O triste é que a ostentação reforça o clericalismo; ela não aproxima. Além disso, esmaga, oprime, provoca uma cisão. É um “encanto” perigoso. Saber ser próximo da juventude e do povo é uma graça, mas é igualmente uma conquista, fruto de estudo, leitura, presença, pesquisa, observação, abertura à novidade. As JMJ serão ações de aproximação quando o espírito de Jesus de Nazaré se manifestar, também, nestas grandes concentrações.

IHU On-Line – O que espera da visita do Papa ao Brasil no próximo ano, quando participará da Jornada Mundial da Juventude, no Rio de Janeiro?
Hilário Dick – Deixemo-lo primeiramente vir. Claro que é bem-vindo. O povo brasileiro e a juventude brasileira vão estar de festa. Depois, talvez, possamos fazer uma avaliação. Sonhamos, contudo, que nosso Papa não deixe de estimular a juventude do mundo para que sejam uma novidade no seguimento a Jesus Cristo, indo além das sacristias e dos templos, proclamando o Reino de Deus e não só incentivando o amor à Igreja.

Fonte: Unisinos, via Amai-vos

Igreja de Seattle diz "não" à homofobia


Temos sublinhado aqui a importância de não perder de vista o "magistério silencioso dos cristãos cotidianos" e lembrar que "Igreja" somos todos nós, e cada um de nós é responsável por ser a Igreja que queremos ver no mundo.

Como aconteceu no caso de Barbara Johnson e no caso dos padres suíços que se recusaram a ler uma carta pastoral de seu bispo, soubemos hoje de mais um exemplo de cristãos que deixaram a voz de suas consciências falar mais alto. A arquidiocese de Seattle, EUA, decidiu transformar suas paróquias em centros de coleta de assinaturas para uma campanha contra a aprovação da lei do casamento igualitário no estado de Washington. Porém, a catedral de St. James não vai participar, conforme anunciou seu pároco aos fiéis.

Para o Padre Michael Ryan, seria "doloroso e gravemente segregacionista" colaborar com a estratégia do Arcebispo de Seattle, Peter Sartain. "Embora o Arcebispo tenha decidido apoiar a campanha, ele sabiamente deixou a critério de cada sacerdote decidir se haveria ou não coleta de assinaturas em sua paróquia", explicou. "Após discutir o assunto com os membros da equipe ministerial da catedral, optei pela nossa não-participação. Acredito que isso poderia ferir as pessoas e causaria uma grave ruptura em nossa comunidade".

O Pe. Ryan não foi o único católico a torcer o nariz para a ideia. A governadora de Washington, Christine Gregoire, católica, foi quem aprovou o projeto de lei. O senador do estado, Ed Murray, gay e católico, grande defensor da lei, classificou a decisão do arcebispo de "repreensível".

Esse caso mostra bem por que, quando se fala em Igreja, não se pode pensar apenas no Papa, nos bispos e no clero: Igreja é uma realidade múltipla, plural, que abarca desde a criança que acaba de receber o sacramento do batismo até Bento 16 ou o bispo de sua cidade. É todo o povo de Deus que acredita em Jesus, o Cristo, e procura viver de acordo com a vida dele. Saiba mais sobre a doutrina da Igreja a respeito da prerrogativa da consciência aqui: "Como é possível uma pessoa gay ser católica?".

(Fonte: Advocate.com. Colaboração do sempre atento Hugo Nogueira)

Primavera cristã: uma esperança mundial

Charge: El Roto

É hora de aliar-se com o humanismo secular e com os mundos diferentes do europeu.

"Cristo é a força que deve transformar a história. E a Igreja deve falar mais de Cristo. Senão, ela se comporta como um treinador que tem na equipe Maradona e Messi e mantêm ambos no banco". Dom Vincenzo Paglia, bispo de Terni e assistente da Comunidade de Santo Egídio sorri. Seu novo livro, Cercando Gesù [Buscando Jesus] (Ed. Piemme), escrito com o presidente da Rai Cinema, Franco Scaglia, se abre e se fecha em Jerusalém, é fortemente marcado pela atmosfera da Semana Santa e da Páscoa, tem acentos dolorosos, até mesmo dramáticos, que relembram os calvários medievais e A Paixão de Cristo de Mel Gibson. Mas, no fundo, traz uma mensagem de alegria.

"Na era do primado da ciência, do aparente domínio da tecnologia, a Igreja tem realmente uma chance formidável: a aliança entre cristianismo e humanismo", diz Dom Paglia. "Depois de três séculos de primado da razão sem Deus, sintetizados por De Lubac com a fórmula do 'drama do humanismo ateu', se abre uma era completamente diferente. Se Nietzsche anunciava a morte de Deus, e se nos massacres dos totalitários e nos excessos do capitalismo morreu também o ser humano, Deus e ser humano renascem juntos em uma só pessoa: Jesus. Mas muitas vezes os homens da Igreja falam de outras coisas. Perdem-se em questões de poder. Dão um peso muito excessivo à razão. A razão pode sustentar a fé no caminho para Deus, não pode substituí-la. O [Giovanni] Papini de Un uomo finito, que se rende à impossibilidade de elevar o ser humano à divindade, me lembra a busca de Agostinho: a consciência dos nossos limites não é o fim, mas sim o início; o ser humano parte da razão, mas não chega ao fim sem a fé".

Sobre o papa, o livro de Paglia tem palavras de grande admiração e afeto, define como extraordinária a escolha de um pontífice para liberar a escrivaninha e a agenda para escrever um livro sobre Jesus, que deve completar a trilogia dedicada por Bento XVI à figura de Cristo; assim como reconhece que, sobre a tragédia da pedofilia, o papa impôs uma linha clara e corajosa.

Mas também é verdade que, segundo Paglia, "não poucos homens da Igreja não captam plenamente o seu grande potencial de falar ao mundo moderno e de orientá-lo. Por isso, Bento XVI faz bem ao insistir sobre uma 'nova' evangelização".

"Um ano atrás, tivemos a primavera árabe. Por que não temos a primavera cristã? Por que, da América do Sul, não surge uma figura carismática como a de Dom Romero? Por que a energia liberada pelo Concílio como que se dispersou? Devemos recomeçar da figura de Cristo que transforma a história. E a transformação é eficaz se se tornar cultura, se conseguir fazer uma aliança com mundos diferentes do nosso. Como não ver que a Europa, curvada pela crise financeira e social, pode ter na a Igreja uma força em defesa do ser humano e uma aliada para construir um novo humanismo? E o alfabeto do humanismo são as Escrituras, particularmente o Evangelho. Muitas vezes, foi assim no passado".

No seu livro anterior, o best-seller In cerca dell'anima [Em busca da alma], os dois coautores identificaram o mal que consumia a Itália na inércia. Desde então, o cenário mudou, o espírito de Todi contribuiu para abrir uma nova temporada político-cultural, marcada por um compromisso direto dos católicos. Em Cercando Gesù, um padre atento ao social como Dom Paglia investiga uma dimensão nova, teológica, ligada também às sugestões literárias dos Evangelhos.

São interessantes as páginas sobre a natureza diferente da ressurreição de Lázaro, que volta milagrosamente à vida de homem e que, portanto, morrerá de novo, e a de Cristo, que renasce à vida do espírito e que, por isso, nunca morrerá mais, marcando o início de um novo mundo. É inesquecível a imagem de João Paulo II, que, durante a viagem à Terra Santa por ocasião do Jubileu do ano 2000, visitou o Santo Sepulcro, mas, por prudência, foi mantido longe da escada que sobe ao Gólgota, no temor de que a doença lhe negasse as forças para subi-la. Mas Wojtyla não quis deixar Jerusalém sem beijar, uma última vez, a rocha que acolheu a cruz de Jesus. Assim, à tarde, voltou de repente ao Sepulcro. Os religiosos tiveram que suspender as funções, os turistas foram literalmente postos para fora, e o papa fica por um longo tempo com o rosto e as mãos estendidas: "Naquele momento, consciente de que o cristianismo começava a partir dali, de onde o madeiro da cruz foi plantado e se elevou ao céu, João Paulo II tocava as alturas dos místicos".

O que resta hoje dos ensinamentos de Jesus, da sua indignação, da sua caridade, do seu sacrifício? Hoje, Jesus vive nos pobres, responde Dom Paglia, citando a Elsa Morante de La storia: "Eu jamais fui embora de vocês. São vocês que, todos os dias, me lincham, passam por mim sem me ver. Eu, todos os dias, passo perto de vocês mil vezes, me multiplico por tantos quantos vocês são, os meus sinais preenchem cada centímetro do universo, e vocês não os reconhecem...".

Por isso – sintetiza Dom Paglia – "Jesus não é um professor de moral, e o cristianismo não é apenas um sistema de valores. É a síntese entre ser humano e Deus, é o encontro com uma Pessoa que desorganiza o universo como o conhecemos e faz novas todas as coisas. O mundo de amanhã não espera nada mais além de que a Igreja anuncie a sua palavra".

- Aldo Cazzullo, para o jornal Corriere della Sera, 19-03-2012. Tradução: Moisés Sbardelotto, aqui reproduzida via IHU.

quinta-feira, 12 de abril de 2012

Sociedade cristã x mentalidade cristã

Foto: Isaac Cordal

Admiravelmente lúcido o Fabrício Cunha na reflexão que publicou hoje em seu blog. Dando prosseguimento à nossa reflexão sobre a sociedade brasileira e o Estado laico, reproduzimos em parte aqui (para ler na íntegra, clique aqui):

Quando pequeno, lembro-me bem de um adesivo colado no vidro traseiro do Kadet preto de nossa família. Dizia o seguinte: “O Brasil é do Senhor Jesus. Povo de Deus, declare isso!”

Orávamos por líderes evangélicos envolvidos em posições estratégicas na política de forma que nos beneficiassem pelo fato de estarem no poder. Nos beneficiassem não, beneficiassem a fé cristã evangélica e os seus propósitos.

(...) Enfim… Desde a época da formação do povo de Israel ou, de forma mais patente, da época de Jesus Cristo, nossa expectativa e propósitos se baseiam mais na formação de uma sociedade cristã do que de uma mentalidade cristã para a sociedade como um todo.

Quem quer formar uma sociedade cristã, tem um projeto de poder. Queremos conquistar espaços estratégicos e pessoas estratégicas de forma que, ocupando tais posições, tenhamos os nossos interesses garantidos. (...) E quem de nós nunca ouviu a afirmação política: irmão vota em irmão”?! Mesmo que tais interesses sejam a priori bons, vivemos numa sociedade múltipla, formada por todo tipo de gente que precisa ter seus direitos e liberdade resguardadas assim como nós mesmos queremos que nossos direitos e liberdade o sejam. Assim, um projeto de tomada de poder não parece ser a melhor expressão que o corpo de Cristo pode tomar aqui na terra.

O projeto de Jesus de Nazaré nada tem a ver com tomada de poder, mas com a formação de uma nova mentalidade baseada numa outra cosmovisão, que têm o amor como fonte de motivação e propósito final. É por isso que em várias de suas palavras, Ele inverte as lógicas do pensamento corrente, propondo uma nova forma de ver, pensar e agir. Vemos isso, por exemplo, em todo o Sermão da Montanha, onde os protagonistas são os fracos e irrelevantes; em sua conversa com a samaritana, onde rompe todos os paradigmas sociais para declarar-se Messias a uma mulher; no “lava-pés” ao quebrar a hierarquia e colocar-se de joelhos para servir aos discípulos; em Mt 25. 35, onde estabelece a solidariedade como caminho para a glória; em sua declaração messiânica em Lc 4. 18-19, onde, de tantos textos gloriosos sobre o Messias, escolhe um que enfatiza a sua identidade mais simples.

O projeto de Jesus não é de poder. Aliás, Filipenses 2. 5-11 nos diz claramente que seu projeto é abrir mão do poder, em vistas do amor. E Paulo começa esse texto dizendo: “seja a atitude de vocês a mesma de Cristo.”

Portanto, estamos comprometidos não em tomar a sociedade de assalto, implementando nela um projeto cristão "goela abaixo", mas em servir a sociedade, influenciando-a por meio de uma mentalidade que é contra-cultural tantas vezes, rejeitada outras tantas, mas que ganha legalidade não pelo poder que requer, mas pela humildade constrangedora e inspiradora de quem se ajoelha, toma a toalha e a bacia e lava os pés de toda gente, sem querer nada em troca.

Assim, quando perguntados porque somos, pensamos e agimos dessa forma, teremos legitimidade e espaço de fato para “darmos a razão de nossa fé”. Então essa revolução de amor ganhará mais e mais proporção, fazendo do Brasil não o país do Senhor Jesus, mas um país onde se vê mais e mais a face de Cristo no meio do povo.

Nós também somos! :-)


O Diversidade Católica é a favor do Casamento Civil Igualitário para pessoas do mesmo sexo. Deus abençoe a campanha!

Efetivar o Estado laico

Charge: Paixão

Aproveitando todo o debate gerado ontem acerca da laicidade do Estado brasileiro, suscitado pelo julgamento, pelo STF, da legalidade da interrupção da gravidez de fetos anencéfalos (a esse respeito, recomendamos o excelente guest post sobre o tema no blog Escreva Lola Escreva e este artigo publicado na Carta Maior), reproduzimos o artigo a seguir, de Tulio Viana, publicado originalmente na Revista Fórum.

O monoteísmo não é nada democrático. A crença em um deus único pressupõe a negação da existência do deus do vizinho. Pior: pressupõe que os mandamentos do seu deus são mais justos que os do deus do vizinho. E é natural que todos aqueles que se arroguem o direito de falar em nome deste deus único e todo-poderoso não primem muito pelo pluralismo. Quem ousaria contestar alguém que fala em nome de um deus onipotente, onipresente e onisciente?

A história está repleta de casos de políticos que sustentaram seu poder em nome de Deus. A teoria do “Direito Divino dos Reis”, em voga no século XVII, deu a Luiz XIV a necessária fundamentação ideológica para tornar-se o maior monarca absolutista da França: “L`État c`est moi” (O Estado sou eu) é a frase que melhor sintetiza o poder do mandatário de Deus na Terra.

No século seguinte, a mão de Deus não evitou que as cabeças de seus representantes na Terra rolassem e só então os ideais iluministas de separação entre direito e religião começaram a prevalecer. Nascia, assim, a concepção de um Estado laico que viria a nortear as democracias ocidentais até hoje.

No Brasil, durante todo o Império, o catolicismo continuou sendo a religião oficial, e as demais eram apenas toleradas (art.5º da Constituição de 1824). Como Estado confessional, o imperador antes de ser aclamado jurava manter aquela religião (art.103) e cabia a ele nomear os bispos (art.102, XIV). Somente com a proclamação da República, o Brasil se tornou um Estado laico, garantindo assim a separação entre Estado e religião (art.72, §3º a 7º da Constituição de 1891).

A atual Constituição brasileira de 1988 não deixa dúvidas quanto ao caráter laico de nosso Estado, garantindo expressamente a liberdade de crença, a liberdade de culto e a liberdade de organização religiosa (art. 5, VI da CR) e estabelecendo claramente a separação entre Estado e religião (art.19, I, da CR).

E “nunca antes na história deste país” esta separação entre direito e religião foi tão importante. Com a expansão das religiões neo-pentecostais nos últimos anos, o catolicismo, que sempre foi francamente majoritário no Brasil, começou a perder espaço e os brasileiros começaram a deparar com os problemas típicos do pluralismo religioso.

Divergências de crenças de um povo 90% cristão
Pesquisa Datafolha de maio de 2007 mostrou que 64% dos brasileiros se declaram católicos, 17% evangélicos pentecostais ou neo-pentecostais, 5% protestantes não pentecostais, 3% espíritas kardecistas, 1% umbandistas, 3% outra religião e 7% sem religião.

Poderíamos simplificar estes números e afirmar que o Brasil é um país 90% cristão, mas, na verdade, estas religiões divergem sobre pontos significativos de suas doutrinas, a começar por católicos e protestantes. Para os protestantes, a Bíblia é a única fonte de revelação de Deus e eles tendem a interpretá-la em sentido mais literal. Já os católicos acreditam também na Sagrada Tradição, isto é, nos ensinamentos orais transmitidos pelos cristãos ao longo dos séculos, como complementares ao texto bíblico. Daí surgem diferenças importantes: católicos adoram os santos e Maria, mãe de Cristo; os protestantes, não. Os católicos reconhecem o Papa como líder espiritual e acreditam nos sete sacramentos como instrumento para sua salvação; os protestantes creem que somente a fé em Jesus é capaz de salvá-los. Católicos interpretam o livro do Gênesis, que narra a história de Adão e Eva, como uma metáfora; alguns protestantes o interpretam literalmente e defendem o ensino do criacionismo na escola.

Mas há diferenças significativas também entre as Igrejas Protestantes históricas (Batistas, Luteranos, Presbiterianos, Metodistas e outras) e as Pentecostais (conhecidas no Brasil como evangélicas). A principal delas é a de que os pentecostais acreditam que o Espírito Santo continua a se manifestar nos dias de hoje, por meio das práticas de curas milagrosas, profecias e exorcismos, entre outras.

Há diferenças substanciais também entre o Pentecostalismo Clássico (Assembleia de Deus, Congregações Cristãs, Deus é Amor e outras) e o Movimento Neo-Pentecostal (Igreja Universal do Reino de Deus, Igreja Renascer em Cristo e outras). A primeira delas é visível: os pentecostais clássicos se vestem com roupas bastante formais por imposição das Igrejas: homens de terno; mulheres de saias longas e cabelos compridos. Outros usos e costumes rígidos normalmente são impostos aos fiéis, como por exemplo, não assistir à TV e não praticar esportes e, para as mulheres, não se depilar ou usar anticonceptivos. O conservadorismo é a tônica da doutrina pentecostal clássica, que se baseia no ascetismo e no sectarismo. Já os neo-pentecostais são bem mais liberais, não se vestem de forma determinada e têm como principal foco a Teologia da Prosperidade, que propugna que os fiéis têm o direito de desfrutar uma vida terrena com saúde e riquezas materiais. Para tanto, precisam demonstrar sua devoção a Deus doando suas economias de modo a se tornarem credores de Deus em uma dívida que será paga com a concessão das dádivas divinas. O sacrifício ascético do corpo é substituído por um sacrifício econômico em honra de Deus.

Finalmente, os neo-pentecostais têm uma divergência inconciliável com os espíritas. Ambos creem em manifestações sobrenaturais na vida cotidiana. Os espíritas acreditam na reencarnação e creem que estas manifestações são causadas por espíritos de pessoas comuns que faleceram e ainda não reencarnaram. Já os neo-pentecostais não acreditam em reencarnação e nem na possibilidade de os mortos se comunicarem com os vivos. Para eles, estes espíritos são na verdade manifestações do demônio e, portanto, precisam ser combatidos. Daí o motivo de tanta hostilidade entre evangélicos e espíritas: enquanto estes creem na possibilidade de conversar com os espíritos de parentes e amigos já falecidos, aqueles os acusam de conversar com demônios.

Neste contexto fervilhante de crenças, nada mais natural que se retomem as discussões sobre a importância do Estado laico. Enquanto o Brasil era um país com população quase que exclusivamente católica, a maioria simplesmente impunha suas crenças sobre a minoria que, de tão pequena, não levantava sua voz para lutar pelo Estado laico.

Basta ver os crucifixos afixados nas paredes dos tribunais e órgãos públicos brasileiros. Se até então o símbolo do predomínio católico em nossos tribunais só incomodava à pequena minoria não-cristã da população, atualmente muitos protestantes já se insurgem contra ele. Infelizmente, em 2007, o Conselho Nacional de Justiça decidiu que os crucifixos nos tribunais não violam o princípio constitucional da laicidade, por se tratar de um costume já arraigado na tradição brasileira. Com este simplório argumento, os conselheiros do CNJ justificariam até mesmo a escravatura que, quando foi abolida em 1888, ainda era costume no Brasil. Se costume fosse fundamento jurídico para justificar o próprio costume, as mulheres ainda teriam que se casar virgens, não haveria o divórcio e o adultério ainda seria crime. Fato é que tribunais e órgãos públicos são mantidos com dinheiro público e não devem expressar as crenças pessoais de seus dirigentes. Os crucifixos não são, pois, apenas um símbolo do predomínio católico, mas antes de tudo de uma apropriação privada da coisa pública para a manifestação de crenças pessoais.

Ensino religioso nas escolas públicas
A questão atualmente mais polêmica que decorre do princípio constitucional da laicidade é a do ensino religioso, de matrícula facultativa, nas escolas públicas, previsto expressamente no art.210, §1º, da Constituição Brasileira.

O Acordo Brasil-Vaticano (Decreto 7.107/10) que em seu art.11, §1º, prevê “o ensino religioso, católico e de outras confissões religiosas” provocou imediata reação da sociedade civil ao colocar em risco a igualdade de tratamento entre as religiões. A constitucionalidade do dispositivo está sendo contestada atualmente no Supremo Tribunal Federal (ADI 4.439) pela Procuradoria-Geral da República, que defende corretamente que o ensino religioso no Brasil deva ser não-confessional, limitando-se, pois a um apanhado teórico da diversidade de religiões existentes em nosso país.

Melhor seria, porém, que o Estado deixasse cada família decidir sobre a melhor formação religiosa de seus filhos, matriculando-os em cursos fornecidos pelas próprias Igrejas e outras instituições religiosas. Uma emenda constitucional que abolisse o ensino religioso nas escolas públicas resolveria de vez a controvérsia relegando a formação religiosa para a esfera exclusivamente privada.

A meta do Estado laico
O Estado laico ainda é uma meta a ser perseguida pelo Direito brasileiro. Se na questão dos crucifixos e do ensino religioso, a manifestação de cristãos não-católicos tem sido decisiva para colocar em pauta os debates, as violações do princípio da laicidade tendem a ser menosprezadas quando há consenso entre católicos e protestantes.

Veja-se, por exemplo, o art.79, §1º, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, que prevê que “a Bíblia Sagrada deverá ficar, durante todo o tempo da sessão, sobre a mesa, à disposição de quem dela quiser fazer uso”. Se o Estado é de fato laico e a religião não deve ser fundamento da elaboração das leis, qual sentido há neste dispositivo? Se o deputado é cristão, que compre sua própria Bíblia e a leve consigo.

O nome do deus monoteísta tem sido usado sem maiores pudores na esfera pública, sob o argumento de que contemplaria todas as religiões. Alega-se que o preâmbulo da Constituição de 1988 se refere expressamente à “proteção de Deus” e, portanto, o ateísmo estaria excluído da liberdade de crença. Trata-se de um falso fundamento jurídico, já que o preâmbulo, por sua própria definição, é o texto que antecede a norma e, portanto, não faz parte dela. Em suma: não tem qualquer valor normativo.

A liberdade constitucional de crença é também uma liberdade de descrença, e ateus e agnósticos também são cidadãos brasileiros que devem ter seus direitos constitucionais respeitados. O mesmo se diga em relação aos politeístas, que acreditam em vários deuses e não aceitam a ideia de um deus onipotente, onisciente e onipresente.

Um bom exemplo do uso do nome de Deus com violação do princípio da laicidade é a expressão “Deus seja louvado” no dinheiro brasileiro. Como não incomoda à maioria da população, acaba sendo negligenciada em detrimento dos direitos constitucionais dos ateus, agnósticos e politeístas, que ainda não são bem representados no Brasil. Já se vê, porém, algumas destas expressões riscadas à caneta nas notas brasileiras, o que é uma clara manifestação de descontentamento com o desrespeito à descrença alheia.

O paradoxal desta menção de Deus no dinheiro brasileiro é que a Bíblia narra (Mateus: 22, 21) uma passagem na qual Jesus rechaça uma tentativa de uso político de seus ensinamentos e reconhece a importância do Estado laico, referindo-se justamente à moeda romana: “Dai o que é de César a César, e o que é de Deus, a Deus”. Das duas, uma: ou o Deus cristão mudou de ideia nestes últimos dois mil anos ou seus representantes na Terra andam excedendo os limites da procuração por Ele outorgada.

- Túlio Vianna
Reproduzido via Revista Fórum

A homoafetividade dos heterossexuais


"Eu sou homoafetivo, porque eu tenho afeto com homens", diz o ator Alexandre Nero, que interpretou um personagem homofóbico na última novela das nove, em vídeo gravado para a Campanha pelo Casamento Igualitário, com lançamento hoje. O jornalista Vitor Angelo, do Blogay (leia o texto completo aqui), comenta:
"Abraçar um amigo com carinho é sinal de – como se fiz popularmente – 'viadagem'? Beijar um outro homem significa que existe algo de homossexual no ato? Sentir saudade de um colega do mesmo sexo é uma prova que sua conduta heterossexual está em xeque? (...) Do mesmo modo que as mulheres conquistaram alguns direitos e ainda estão lutando por outros, deixando o papel do machão meio sem sentido, seria também a vez dos homens conquistaram o direito à afetividade entre eles, independente de sua orientação sexual. 
"Se as mulheres se tratam com carinho e toque, porque os homens também não podem fazer o mesmo em um mundo que ruma cada vez – mesmo de forma lenta – para a igualdade e individualidade dos seres? (...) Nero reivindica a homoafetividade para os homens e para ele e diz ser um homoafetivo pois tem carinho pelos amigos, pelos homens que admira e não tem vergonha disso. 
"Em resumo: o carinho entre homens – que os homossexuais são muitas vezes os primeiros a estender este gesto – não tem relação nenhuma com a orientação sexual das pessoas e sim com e por um mundo mais fraterno."


Leia também: 
O preço da masculinidade
Precisamos queimar cuecas em praça pública

O dia da vitória do amor

Foto via Blue Pueblo

Jesus anunciava um Deus cujo amor nunca deve ser merecido, um Deus que nos ama sempre e gratuitamente, um Deus que não castiga, mas perdoa aqueles que caem no mal, um Deus que pede reconciliação e amor recíproco entre as pessoas, um Deus que quer reconhecimento e culto como meios em visto do amor, porque ele mesmo é amor.

A análise é do monge e teólogo italiano Enzo Bianchi, prior e fundador da Comunidade de Bose, em artigo publicado no jornal La Stampa, 08-04-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto, aqui reproduzido via IHU.


Nestes dias de Páscoa, surge com força a singularidade do cristianismo entre todas as religiões, mas também surge com força o que na fé cristã parece ser um "escândalo" e uma "loucura" para as pessoas religiosas e para aquelas que se consideram autossuficientes em seu pensar.

Deve-se reconhecer: as outras festas cristãs, com a sua aura poética, são vividas mais ou menos por todos, mas a Páscoa parece ser uma memória e uma festa irredutível para a mentalidade e o sentir comum.

O que os cristãos revivem? Acima de tudo, eles leem e releem uma história de paixão e de morte. A de Jesus de Nazaré, um homem que – dizem-nos aqueles que estiveram envolvidos na sua vida, que viveram e comeram com ele – passava pelas cidades e os vilarejos da terra de Israel fazendo o bem, cuidando, curando, consolando todos os que ele encontrava.

Jesus também falava de um Deus que parecia ser "outro" para os homens religiosos do seu tempo, tornava "evangelho", boa notícia, aquele Deus ao qual os homens haviam acabado por dar imagens perversas, projetando nelas os seus desejos mundanos. Ele anunciava um Deus cujo amor nunca deve ser merecido, um Deus que nos ama sempre e gratuitamente, um Deus que não castiga, mas perdoa aqueles que caem no mal, um Deus que pede reconciliação e amor recíproco entre as pessoas, um Deus que quer reconhecimento e culto como meios em visto do amor, porque ele mesmo é amor.

Jesus, além disso, tinha palavras duríssimas para os detentores do poder religioso, sacerdotes e doutores da lei, porque eles se isentavam dos pesos que faziam os outros carregar, porque procuravam parecer exemplares sem jamais tentar sê-lo realmente. Jesus era incômodo, e por isso teve inimigos, caluniadores que o chamavam de falso profeta e de endemoninhado.

Esses inimigos conseguiram, mediante um processo-farsa ilegal, condená-lo como blasfemador de Deus e convenceram o poder político de que Jesus também era um perigo para a autoridade de César. E assim o poder religioso e o político, concordes entre si, o condenaram à morte na cruz, sentença executada no dia 7 de abril do ano 30 da nossa era.

Naquele dia, Jesus na cruz parecia um amaldiçoado por Deus e pelos homens para os fiéis judeus, como um homem nocivo para o império aos olhos dos romanos: nu, na vergonha, morreu sem se defender, sem responder à violência, amando e perdoando "até o fim", como tinha vivido.

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Os pés de Cristo

Foto daqui

"Como são belos sobre as montanhas
os pés do Mensageiro da Paz". (Is. 52,6)

Pés tenros de criança
acariciados pela mãe.
Pés sujos de menino
brincando em Nazaré.
Pés firmes de moço
pisando os caminhos do Pai.
Pés tostados nas areias
do mundo dos homens.
Pés encardidos nas caminhadas,
viajantes no fazer o bem.
Pés do Pastor
feridos por espinhos e pedras
nas encostas,
nos vales,
procurando ovelhas perdidas
de Israel.
Pés lavados no Jordão
e no mar da Galiléia,
santificando as águas.
Pés ligeiros
no visitar amigos,
curar enfermos,
consolar aflitos.
Pés galgando montes
para vigílias de preces.
Pés de gigante,
devorados pelo zelo
da casa do Pai,
contidos diante do cinismo
dos fariseus,
beijados pelas pecadoras,
perfumados pelo amor da Madalena.
Pés angustiados
atravessando o Cedron
a caminho do Horto,
sangrando
na trilha do Calvário.
Pés redentores,
partidos,
fixados na Cruz,
para que nossos pés fossem livres.
Cristo,
eloqüentes os teus pés
que, reverentes,
em gratidão beijamos!

- D. Mauro Morelli

''É preciso rever a moral sexual'': palavra de bispo


Geoffrey Robinson, bispo emérito de Sydney, fez essa declaração em Baltimore, nos Estados Unidos, durante um simpósio de homossexuais católicos.

Que a Igreja é muitas vezes vista como uma agência que pretende ensinar as pessoas o que se deve ou não fazer, quase como um oásis de controle dentro de uma cultura secular de "liberdade", já se sabia há muito tempo. Uma imagem enganosa que encerra em si uma série de preconceitos a serem desfeitos, mas em que ninguém talvez possa se declarar isento de responsabilidade. Que o caminho que conduz à santidade não consiste em uma superação de um exame de boa conduta, mas sim um entrar cada vez mais em relação com Deus e a sua liberdade não é hoje uma concepção muito difundida, nem entre os católicos, que, de fato – pelo menos segundo os inúmeros estudos e pesquisas sobre o assunto – acabam, em matéria de moral, no entanto, decidindo de acordo com as suas ideias.

Na área da moral sexual, a diferença é ainda mais evidente: nos EUA, por exemplo, enquanto os bispos e alguns católicos invocam a liberdade religiosa para combater a reforma da saúde – que também amplia a cobertura para os anticoncepcionais – não há pesquisa que não indique o seu uso por mais de mais de 98% das mulheres, sem nenhuma distinção de confissão religiosa.

O recurso à liberdade de consciência e à responsabilidade pessoal é uma das aquisições conciliares mais utilizadas em matéria de pastoral familiar, e que diversos teólogos morais preferem se pronunciar com extrema cautela, dada a complexidade das questões de hoje, em que é cada vez mais difícil, senão impossível, traçar uma linha nítida de demarcação, também é conhecido, como muitas pequenas observações ditas em voz baixa por muitos, postas por escrito por poucos.

Mas que um bispo indique, sem muitos rodeios, como a doutrina moral da Igreja tem necessidade de uma bela revisão talvez poucos imaginariam, antes do dia 15 de março passado, quando, em Baltimore, Dom Robinson, bispo emérito de Sydney, declarou que é necessário "um novo estudo de tudo o que tem a ver com a esfera da sexualidade para melhorar o ensino da Igreja em matéria de relações tanto hetero quanto homossexuais". Na verdade, "todo o ensino que disciplina todas as relações de tipo sexual deveria ser atualizado, porque o sexo é uma modalidade importante para expressar o amor entre duas pessoas". E, se a sociedade o banaliza, não é óbvio que a Igreja deve continuar aceitando acriticamente as antigas concepções da moral sexual que nos vêm da tradição.

Geoffrey Robinson fala com conhecimento de causa: australiano, nascido em 1937, títulos em filosofia, teologia e direito canônico em Roma, foi pároco e professor de direito canônico, juiz do tribunal eclesiástico para os matrimônios, além de ter trabalhado para escolas católicas e no diálogo ecumênico. Em 1984, foi nomeado bispo auxiliar de Sydney e, em 2002, o Papa João Paulo II o chamou para fazer parte da comissão vaticana para o abusos por parte do clero. Tendo se aposentado por causa do limite de idade, voa frequentemente para os EUA para conferências e retiros em universidades e paróquias.

Em março deste ano, Dom Robinson visitou os EUA mais uma vez. Nos dias 15 e 16 de março, ele foi um dos oradores do VII Simpósio Nacional sobre Catolicismo e Homossexualidade – que ocorreu em Baltimore, Maryland, com a presença de mais de 400 pessoas, incluindo gays, lésbicas e transgêneros católicos –, um tema ao qual ele também dedicou estudos e energia no passado.

No mesmo simpósio, discursou o governador do Estado, Martin O'Malley, que havia assinado alguns dias antes a legalização do casamento gay, ao qual os opositores ameaçam um recurso ao referendo (mas as pesquisas indicam que a maioria ainda está a favor, ou até em crescimento).

Precisamente ao responder a questão sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo, Robinson declarou que a doutrina da Igreja sobre o matrimônio é clara e imutável, mas que a abordagem das questões de moral sexual e a própria interpretação de algumas passagens da Escritura sobre a homossexualidade precisam de uma "profunda revisão".

Ele teria chegado a essa convicção – confessou – analisando justamente as causas sobre os abusos do clero na qualidade de presidente da Sociedade Australiana de Direito Canônico. "Paradoxalmente, foi justamente o choque dos abusos que me convenceu sobre a importância fundamental do sexo na vida das pessoas, e não haverá nenhuma margem de mudança da doutrina da Igreja Católica sobre os atos homossexuais enquanto não houver uma mudança sobre os atos heterossexuais".

"Se o ponto de partida – como é hoje na moral oficial – é que todo ato sexual individual deve ser necessariamente tanto unitivo quanto procriativo, então nunca haverá qualquer possibilidade de aprovação do menor ato homossexual".

"Durante séculos, a Igreja ensinou que todo pecado sexual é pecado mortal. Hoje, isso já não é mais proclamado aos quatro ventos como antigamente. Porém, a doutrina nunca foi abolida e afetou muitas pessoas, favorecendo a crença em um Deus irascível que condena ao inferno por um único instante de prazer derivado de um desejo humano de ordem sexual". "Uma vida moral – declarou – não é só fazer as coisas certas, mas também compromisso para chegar a identificar qual é a coisa certa a fazer".

Robinson continuou a sua turnê de palestras em todos os EUA. No dia 30 de março, ele esteve na Santa Clara University, na Califórnia, para, depois, voar até San Francisco no sábado e assim retornar para Sydney. Não houve relatos de reações por parte de seus coirmãos norte-americanos, mas ele encontrou um notável apoio no editorial do jornal National Catholic Reporter publicado no dia 27 de março.

"Estamos em perfeita consonância com Dom Robinson para um reexame aprofundado e honesto do ensino da Igreja sobre a sexualidade". Se a posição é clara, assim também é a motivação: contribuir para fazer com que a Igreja não seja condenada à irrelevância no panorama cultural de hoje.

Acolher o convite de Robinson para abandonar a ideia do pecado sexual como um pecado contra Deus, para, ao contrário, considerar a moral sexual em termos de bem ou mal com relação às pessoas representaria um passo de grande liberdade. Ao invés de ir em busca do bem ou do mal em atos objetivos individuais – é um ato é unitivo e aberto à procriação? – o desafio é se esforçar para olhar para as intenções e as circunstâncias. "Os atos sexuais são agradáveis a Deus quando ajudam o crescimento das pessoas e melhoram as suas relações. Mas não são agradáveis quando causam ofensa às pessoas e pioram as suas relações".

O convite é o de não se concentrar na leitura literal da Bíblia para compreender o significado mais profundo nos termos da jornada espiritual do povo de Deus na história.

Robinson não é o primeiro a pedir uma revisão da moral católica, escreve o editorial, mas certamente a palavra de autoridade de um bispo irá se juntar ao coro, acrescentando uma nova dimensão. Só com uma moral sexual clara e compreensível hoje seremos capazes de desafiar a mensagem martelante da cultura dominante na mídia: uma sexualidade egoísta que idolatra a satisfação pessoal, o sexo separado do amor e que coloca em primeiro lugar o "eu" ao invés do "você".

Não nos esqueçamos, escreve o NCR, que uma sexualidade cristã genuína, centrada nas exigências dos outros, responderia mais plenamente às expectativas mais profundas do coração humano e seria capaz de promover de forma mais eficaz a relação entre as pessoas.

Trata-se, no fim das contas, de assumir, sempre, a própria responsabilidade pessoal no dia a dia, que é, além disso, o primado conciliar da consciência.

- Maria Teresa Pontara Pederiva, para o Vatican Insider, 30-03-2012.
Tradução: Moisés Sbardelotto, aqui reproduzida via IHU.

Professores têm preconceitos contra gays

Clique na imagem para ampliar. Fonte: Facebook

Quem deveria ensinar o respeito à diversidade também demonstra preconceito contra os homossexuais ou, no mínimo, total desconhecimento do tema. É o que indica um relatório sobre homofobia nas escolas que a ONG Reprolatina acaba de divulgar em seu site (aqui) [na verdade, o relatório é datado de 2011]. Para o estudo, que tem apoio do Ministério da Educação (MEC), foram entrevistados professores, diretores, funcionários e alunos do 6º ao 9º ano do fundamental de 44 escolas estaduais e municipais de 11 capitais do País, entre elas São Paulo.

Os depoimentos, colhidos entre 2009 e 2010, falam de educação sexual, homossexualidade e preconceito. Na maioria das escolas, casos de bullying contra gays são encarados como brincadeiras naturais, o que torna a homofobia um problema invisível. Alguns relatos presentes no relatório expressam, ainda, profundo desconhecimento sobre a sexualidade.

Um educador de São Paulo diz, por exemplo, que sente “pena” dos gays e afirma não saber se a homossexualidade “é uma doença” ou se o jovem “fica assim” por ser criado no meio de mulheres. Outro, também da capital, diz que a homossexualidade pode ser detectada pela anatomia, já que as lésbicas não teriam “cintura afinada.”

Cada cidade recebeu seis pesquisadores, que criaram grupos de discussão e observaram o cotidiano das escolas. Coordenadora do estudo, a ginecologista Magda Chinaglia participou das entrevistas em São Paulo. E diz que uma das principais constatações é a de que a educação sexual é deixada de lado. “Ela não existe, embora seja uma política bem antiga. Quando existe, está focada no lado biológico. A sexualidade não é discutida e os professores não se sentem preparados.”

Magda conta que casos de homofobia foram presenciados até mesmo pelos pesquisadores. Uma garota da capital contou o que ouviu dos colegas: “Eles vieram pra mim e disseram: ‘Você não é bem-vinda aqui, nós não te aceitamos. Além de ser baiana, você ainda é sapatona?’ Falaram um monte de coisas”. Um outro estudante disse que seu amigo teve de sair da escola por causa do preconceito.

Apesar dos relatos dos jovens, as autoridades escolares afirmaram, quando questionadas, não terem conhecimento dos casos. “Diretores e professores não veem as situações mais graves”, diz Magda. Segundo ela, a homofobia não é enxergada porque está naturalizada e foi incorporada ao cotidiano escolar. No documento, os próprios professores reconhecem que não sabem lidar com o problema e um deles diz que a “escola reza” para que “essas coisas” não aconteçam, “para não ter de resolver”. Outro admite: “Não estamos ainda aptos para falar disso. O que a gente fala é o superficial”. Eles também apontam os pais, que desaprovam aulas de educação sexual, como empecilho.

“Cada situação dessas mexe comigo. São coisas que vivi na escola, senti na pele. Surpreende a professora falar que, se você é homossexual, é democracia a outra pessoa o xingar”, diz o educador Toni Reis, presidente da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT). Ele se refere ao jovem gaúcho de 15 anos que, no mês passado, foi agredido na saída da aula após assumir ser gay. Ao perguntar para a professora por que não interferia, ouviu que “os outros tinham direito de se expressar daquela forma.”

Reis estudou a homofobia nas escolas em seu doutorado. “Temos várias políticas públicas estabelecidas no âmbito nacional e estadual, mas não estão chegando às escolas”, diz. A conclusão de seu estudo é semelhante àquela indicada pela Reprolatina: até existem professores sensibilizados para o tema, mas falta capacitação para que aprendam a lidar com o problema.

(Publicado originalmente no Jornal da Tarde)

Leia também:
Diversidade Sexual e Educação: Problematizações sobre a Homofobia nas Escolas (pdf para download, 2009)
Estudo qualitativo sobre a homofobia na comunidade escolar em 11 capitais brasileiras: Relatório técnico Final (pdf para download, 2011)

Cristo, nossa páscoa, foi imolado

Foto daqui

Sabemos que a origem da Páscoa cristã remonta a tradições religiosas anteriores ao mundo da Bíblia. Inicialmente era uma festa para celebrar a chegada da primavera no hemisfério norte. Depois ela passou a ser também um momento cultual de agricultores, no qual se oferecia às divindades os primeiros frutos da terra. Quando as populações mediterrâneas se tornaram nômades e pastoris, a festa da Páscoa passou a ser um ritual para oferecer aos deuses os primogênitos dos animais. Uma espécie de culto de gratidão e ao mesmo tempo de súplica pela prosperidade e fertilidade da terra e dos rebanhos. Mais tarde, quando tribos nômades da então Canaã se juntam para formar o povo de Israel, a Páscoa passou a ser a festa da libertação, vista como a passagem de Javé pelo Egito para tirar o povo da escravidão.

Com a chegada do cristianismo, a Páscoa judaica, aos poucos, foi se convertendo em Páscoa de Jesus. Passou-se a celebrar a ressurreição de Cristo, evento central da fé cristã. Um dos primeiros escritos cristãos, datado entre os anos 54 a 57 d. C., assim se expressava: "Se Cristo não ressuscitou, a nossa pregação é vazia e também é vazia a fé que vocês têm” (1Cor 15,14). A fé na ressurreição de Jesus é a crença na vitória de Cristo sobre a morte. Ele morreu, mas está vivo e caminha conosco. Assim sendo, a celebração da Páscoa cristã é a celebração da vida: "A morte foi engolida pela vitória. Morte, onde está a sua vitória? Morte, onde está o seu ferrão?” (1Cor 15,54-55).

Portanto, celebrar a Páscoa é celebrar a vida, com toda a sua beleza e riqueza. Não teria, pois, sentido celebrar a Páscoa aceitando passivamente todas aquelas formas de violência e de ódio que ceifam vidas humanas e destroem o nosso planeta, única casa que temos para viver. Neste sentido, a Páscoa cristã, recuperando a simbologia da Páscoa judaica, é a festa do compromisso e do engajamento, da luta pela liberdade e contra todas as formas de escravidão.

A Páscoa é a festa da disponibilidade, a festa da audácia, do convite para ir à luta, na busca da terra prometida, ou seja, da justiça que gera igualdade e equidade. A Páscoa não pode ser celebrada por quem cruza os braços e aceita tudo resignadamente. Segundo a tradição judaica, durante a Páscoa Deus passa para libertar, mas as pessoas precisam acolher essa passagem lutando e conquistando o espaço da liberdade. Por essa razão, diz a narrativa simbólica da Páscoa judaica, é preciso celebrá-la "com cintos na cintura, sandálias aos pés e cajado na mão” (Êx 12,11). Assim sendo, a celebração da Páscoa é convite à prontidão. Sem sair do próprio lugar, sem ir à procura, sem enfrentar os desafios, a liberdade e a libertação não virão.

As primeiras comunidades cristãs entenderam isso muito bem e desde cedo falaram da Páscoa como imolação de Jesus: "Cristo, nossa páscoa, foi imolado” (1Cor 5,7). Não se trata de um elogio fúnebre ao sacrifício de Jesus, à sua morte brutal, uma vez que essas comunidades tinham consciência de que Jesus não fora mandado por Deus para morrer de modo violento. Jesus fora enviado para anunciar uma Boa Notícia aos pobres: a libertação de toda forma de opressão (Lc 4,18-19). A sua morte brutal foi o resultado de um pacto entre o poder político romano e o poder religioso do templo. Ambos se uniram para eliminar um profeta incômodo que, anunciando a libertação dos cativos, ameaçava esfacelar um sistema construído sobre a opressão política e religiosa do povo (Jo 19,9-12).

Sendo celebração da vida, a Páscoa cristã, recuperando a simbologia judaica (Êx 12,1-20), foi vista desde o início como a festa da imolação. Imolação entendida como coragem para romper com sistemas e situações que impedem a vida de desabrochar. Os sistemas religiosos e políticos, corruptos e violentos, que geram morte e destroem a vida são, de acordo com os primeiros cristãos, o "fermento velho” que faz a vida apodrecer. Por essa razão é preciso celebrar a Páscoa "sem fermento”, ou seja, sem corrupção, sem adesão a tais sistemas (1Cor 5,6-8). Sem isso, diz esse texto do cristianismo nascente, haverá só malícia e perversidade.

Portanto, celebrar a Páscoa não é comer ovo de chocolate e sair por aí distribuindo figurinhas de coelhinho e nem "santinhos” de Jesus ressuscitado. Precisamos retornar às origens e entender a Páscoa como festa da vida e como compromisso para que a vida seja sempre uma festa. Sem engajamento e sem participação da nossa parte, sem compromisso com a justiça e sem luta, a Páscoa se transforma numa celebração consumista, voltada para o superficial e para o medíocre. Não será a festa da libertação e da ressurreição de Jesus.

Nós cristãos muitas vezes agimos como aquelas primeiras pessoas que na madrugada do domingo de Páscoa foram procurar Jesus no túmulo. Mais de dois mil anos depois nós nos comportamos como se Cristo estivesse apodrecido no sepulcro. Não temos esperança, não acreditamos na vida, não nos comprometemos com nada. Vivemos com medo e só pensando em nós mesmos. É hora de agirmos como anjos da ressurreição, gritando para todos os que fazem parte do cristianismo: "Por que vocês estão procurando entre os mortos aquele que está vivo? Ele não está aqui! Ressuscitou!” (Lc 24,5-6).

É hora de dizermos que o encontro com a vida plena, com o Ressuscitado, não se dá na escuridão dos túmulos do egoísmo, mas na claridade, na luz da abertura para o outro, na solidariedade. Mas para que tal encontro aconteça é indispensável o deslocamento para a Galileia, ou seja, para as periferias do mundo. Por mais contraditório que possa parecer, é na periferia que se dá a verdadeira Páscoa. Ali todos nós podemos encontrar aquele que é a Vida e o sentido para as nossas vidas: "Vão anunciar aos meus irmãos que se dirijam para a Galileia. Lá eles me verão” (Mt 28,10). Oxalá, nesta Páscoa, tenhamos a coragem de realizar este deslocamento, que, às vezes, é mais mental e cultural do que físico e geográfico. Isso nos permitirá um verdadeiro encontro com o Ressuscitado!

- José Lisboa Moreira de Oliveira
Reproduzido via Amai-vos

terça-feira, 10 de abril de 2012

Os sonhos das três árvores


Uma vez, no cume da montanha, três pequenas árvores amigas sonharam sobre o próprio futuro. A primeira olhou para as estrelas e disse: "Eu quero guardar tesouros, ouro e pedras preciosas; serei o baú mais formoso do mundo!" A segunda observou um pequeno arroio e disse: "Eu quero viajar através de mares e levar gente importante; serei o navio mais importante do mundo". A terceira arvore olhou para o vale e viu homens trabalhando e disse: "Eu não quero jamais deixar o topo da montanha. Quero crescer tão alta que, quando as pessoas do povoado se detenham para me olhar, levantarão seu olhar ao céu e pensarão em Deus. Eu serei a árvore mais alta do mundo!"

Os anos passaram. Choveu, brilhou o sol e as pequenas árvores se converteram em majestosos cedros. Um dia, três lenhadores subiram ao cume da montanha e um deles disse: "Que árvore tão formosa!" E com a força do seu braço, derrubou a primeira árvore com o seu machado. "Agora me transformarão em um baú formoso; vou conter tesouros maravilhosos!" disse a primeira árvore.

Outro lenhador olhou a segunda árvore e disse: "Esta árvore é muito forte e perfeita para mim!". E com o arremesso de seu machado, a segunda árvore caiu. "Agora deverei navegar por mares imensos", pensou a segunda árvore, "serei o navio mais importante dos mares!"

A terceira árvore sentiu seu coração entristecer, quando o último lenhador se fixou nela e disse: "Qualquer árvore me servirá para o que procuro!" E com o arremesso de seu machado, a terceira árvore tombou.

A primeira árvore se entristeceu quando o carpinteiro a converteu em um mero presépio, para alimentar as bestas. "Cadê o ouro e as pedras preciosas? Usada apenas para pôr o pasto..."

A segunda árvore se contristou quando fizeram dela apenas um pequeno barco de pesca. Ficou aolí, na beira de um lago servindo uns pobres pescadores galileus...

O tempo passou... Numa noite estrelada, uma jovem pôs a seu filho recém-nascido naquele humilde presépio. "Eu queria lhe haver construído um formoso berço", disse-lhe seu marido... A mãe lhe apertou a mão e sorriu, enquanto a luz da estrela iluminava o menino que agradavelmente dormia sobre a palha. "O presépio é formoso", disse Maria - e, de repente, a primeira árvore compreendeu que continha o maior tesouro do universo.

Passaram os anos... Numa tarde, um homem forte subiu no barco de pesca, com uns poucos seguidores. O mestre, esgotado, adormeceu logo. De repente, uma tormenta aterradora se abateu sobre eles. A barca estremeceu e temeu naufragar, pois as ondas eram muito fortes. De repente, ouviu a voz do Mestre gritar: "Acalma-te!" A tormenta lhe obedeceu. De repente, a segunda árvore percebeu que era a barca de Pedro e levava a bordo o Rei dos céus, da terra e dos mares.

E a terceira árvore? Convertida em travessões de lenha, fora esquecida em um escuro armazém militar. De repente, numa sexta-feira da manhã, alguns homens violentos tomaram aqueles madeiros e os colocaram nas costas de um inocente que tinha sido golpeado sem misericórdia. Depois, lhe cravaram mãos e pés e sentiu que um sangue divino escorregava por ela... e entendeu que ela era a árvore mais privilegiada, pois ajudava a salvar o mundo! De uma maneira misteriosa, tornar-se realidade seu sonho antigo. Ela se converteu não na mais alta, mas na mais preciosa, pois todos ao olhá-la pensarão sempre no amor de Deus.

Uma pergunta: seus sonhos são muito diferentes dos sonhos de Deus?

- Pe. J. Ramón F. de la Cigoña SJ
Reproduzido do blog Terra Boa

* * *

Senhor Jesus, não lhe pedimos que nos livres das provações, mas que concedas a força do teu Espírito para superá-las em bem da Igreja. A certeza do seu amor nos renova a cada dia. A alegria de servir aos irmãos é a nossa melhor recompensa. Ensina-nos, a exemplo de nossa Mãe, a dizer sempre SIM no cumprimento da vontade do Pai.
Amém!

(Oração de D. Luciano Mendes de Almeida, SJ)

Ensino Religioso e Estado laico


Educação religiosa, num Estado norteado por princípios constitucionais republicanos e, pretensamente, laicos, deveria ser totalmente atribuída ao núcleo familiar.

No rastro da decisão do Conselho da Magistratura do TJ (Tribunal de Justiça) do Rio Grande do Sul (06/03/12) que determina a retirada dos símbolos religiosos de suas dependências, talvez seja o momento de reascender a discussão sobre a manutenção da disciplina de Ensino Religioso nas escolas públicas.

Incialmente havia uma previsão de que a disciplina fosse ministrada por voluntários, mas, uma nova redação, através da Lei 9475/97, de autoria do padre Roque Zimmerman, definiu o Ensino Religioso como disciplina normal do currículo das escolas públicas, sendo do Estado a responsabilidade pela contratação de professores.

Criar mecanismos para profissionalizar a disciplina de Ensino Religioso, com professores devidamente formados para atuar na área, não apenas em instituições confessionais, mas em universidades também laicas e que sejam preferencialmente nomeados através de concurso público, poderia ser uma alternativa. Outra seria rever a obrigatoriedade de ser ter uma disciplina de matrícula facultativa nas grades curriculares, delegando essa responsabilidade a professores das demais áreas.

Entramos assim em outro ponto conflitante, uma vez que professores com Licenciatura em Ensino Religioso são quase inexistentes e poucos são os que possuem pós-graduação na área. Assim, é possível encontrar professores de toda e qualquer área ministrando aulas de Ensino Religioso, muitas vezes preenchendo “buracos” na carga horária, noutras, “convidados” a ampliá-la a fim de atender a demanda.

Atribuir, conforme previsto na Lei 9394/1996, Art. 33º, um caráter facultativo ao Ensino Religioso nas escolas públicas me parece tão controverso quanto manter símbolos religiosos no Judiciário. Facultativa, mas não pode ser substituída, por exemplo, por matemática, área na qual o Brasil anda de mal a pior, desde adoção da matemática moderna, lá pelos idos de 1970.

Educação religiosa, num Estado norteado por princípios constitucionais republicanos e, pretensamente, laicos, deveria ser totalmente atribuída ao núcleo familiar, posto sob sua única responsabilidade. A exceção seria a disciplina ser ministrada em escolas confessionais, que tem entre seus princípios uma atuação com base na religião.

O direito de professar uma religião é garantido pela constituição, não há necessidade de impor uma educação religiosa, mesmo que ela seja orientada para a ética, a cidadania, a história das religiões ou respeito à diversidade, já que esses são temas interdisciplinares e já abordados em praticamente todas as outras disciplinas.

Fé não se discute, é uma opção pessoal ou familiar. Impor uma fé é inconstitucional, portanto, não seria adequado efetivar o processo de laicização do Estado suprimindo a disciplina? Ou, ao contrário, adequando a sua nomenclatura para Estudo das Religiões e, daí sim, colocando professores graduados na área para ministrá-la? Isso, em tese, poderia evitar as aulas de catequese ministradas por alguns professores e deixar os demais livres dessa tarefa que não lhes compete.

- Angela Maieski
Reproduzido via Amálgama

Leia também:
CNBB critica pai-nosso obrigatório em escola

Enquanto isso, na frente de batalha educação x homofobia...
Professores têm preconceitos contra gays
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