sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Insulto a Deus


O Arcebispo de Dublin disse que a homofobia insulta a Deus.

Diarmuid Martin disse que: "Deus nunca criou uma pessoa que Ele não amasse. Qualquer um que não demonstrar amor em relação aos gays e lésbicas está insultando Deus. Eles não são apenas homofóbicos quando fazem isso - eles estão insultando Deus porque Deus ama cada uma dessas pessoas. Cuspir nos gays e ridicularizá-los não são atitudes cristãs e devemos enfrentá-las. Nós fazemos parte de uma comunidade e ninguém pode ser excluído ou insultado. Precisamos aprender uma maneira nova de lidar com as diferenças para que todos possam viver respeitando uns aos outros. Precisamos tomar cuidado com o que falamos e a maneira como falamos inspirados na gentileza do Evangelho."


quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Quando o papa voltou a ser ''só'' um homem



Há um ano, "um raio em céu sereno", como disse o cardeal Sodano, atingiu a Igreja Católica, despreparada para viver uma situação inédita há muitos séculos: um bispo emérito de Roma vivendo sob um novo pontificado. O que levara Bento XVI a fazer o gesto da renúncia? A situação de conflitualidade, de escândalos na Cúria Romana estimulava ainda mais as perguntas, que também assumiam contornos inquietos. (...)

Mas também havia nele outra razão que o levou à renúncia: a sua convicção teológica – bastante rara para um pontífice – de que, embora tendo se tornado papa, permanecia uma distinção profunda entre o seu ministério e a sua dimensão de simples homem e cristão. Não por acaso, quando publicou a sua trilogia sobre Jesus de Nazaré, ele quis assinar os livros como simples autor e teólogo, sem muni-los com o magistério papal.

Podemos dizer que Bento XVI nunca esqueceu o que Bernardo de Claraval escreveu ao Papa Eugênio III: "Lembra-te de que és um homem, nascido de uma mulher...". Assim também, na renúncia, Ratzinger soube mostrar a sua humildade, o fato de querer acima de tudo o bem da Igreja, de confessar a sua própria fraqueza e fragilidade, de aceitar ver reduzidas todas as competência a um só mandato: a intercessão.

- Enzo Bianchi, aqui

* * *

Um ano depois daquele 11 de fevereiro que mudou a história do papado e revolucionou a Igreja Católica, há uma única palavra que pode ser dirigida a Bento XVI: "Obrigado!". Obrigado por ter permitido, com o seu gesto humilde, nobre, lúcido e corajoso, a reviravolta que levou à eleição do Papa Francisco.

A reportagem é de Marco Politi, publicada no jornal Il Fatto Quotidiano, 11-02-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Há uma expressão alemã, "Selbstlos", que significa "privar-se de si". É mais forte do que "desinteressado", porque implica a força de saber se despojar do apego que cada um sente por si mesmo.

Bento XVI, na manhã de 11 de fevereiro, despojando-se do manto papal na frente dos cardeais, deu prova dessa força. O destino de Ratzinger sempre foi o de ser classificado em caixas estereotipadas. Ele teve admiradores cegos que, por oportunismo, se calaram quando as coisas não iam bem e que hoje, com desenvoltura, passam dos conteúdos da era ratzingeriana aos conceitos de Bergoglio como se se tratasse de uma mudança de menu sazonal. E adversários por princípio, prisioneiros da imagem de Panzekardinal a ele ligada.

Joseph Ratzinger teve uma riqueza de pensamento que será lembrada pelo seu esforço de conjugar fé e racionalidade, fugindo de toda patologia integralista, e de refletir sobre o papel do cristianismo como força de minoria ativa em uma sociedade secularizada na urgência de transmitir ao mundo contemporâneo uma mensagem principal: "Deus é amor, e Jesus é o seu rosto".

Outros aspectos da sua doutrina – começando pelos chamados princípios inegociáveis – foram amplamente criticados. Mas o que importa no aniversário da sua renúncia é o percurso do personagem histórico. Bento XVI tinha e tem muitos dotes: de teólogo, de pregador e de pensador. Não tinha o carisma do governante. A política é uma arte como saber tocar piano. Ratzinger não a possuía como Pio XII, ou Paulo VI, ou João Paulo II (cada um com seu viés particular).

Menos ainda ele possuía a arte de dominar as crises. E, no entanto, no momento em que se deu conta de que o governo central da Igreja Católica estava entrando em uma paralisia destrutiva, Bento XVI não se agarrou ao cargo confiando na tradição quer o quer eterno (até que a morte intervenha). Ele não se fechou em uma atitude rancorosa, culpando os outros e autoabsolvendo a si mesmo. Ele tirou as conseqüências, com sentido de dever alemão, assim como por sentido de dever – e não por ambição – tinha aceitado a eleição papal por ele não buscada, mas sim sofrida. A lucidez do seu gesto consiste em ter demitologizado o cargo papal e em ter dado novamente a palavra ao único corpo eleitoral que existe na Igreja Católica: o colégio cardinalício.

Sem a sua abdicação, os cardeais – a maioria dos quais são bispos residenciais nas mais variadas nações diferentes – não teriam tido a liberdade de fazer um exame crítico imparcial do estado da Igreja e da Cúria, e não
teriam tido o impulso de buscar um pontífice saindo das fronteiras já estreitas da Europa.


O conclave de 2013 mundializou a Igreja, e o fato de ter permitido a virada epocal, sacrificando a si mesmo, é merito de Ratzinger.

Caiu um raio na noite de 11 de fevereiro justamente sobre a cúpula de São Pedro. A foto pareceu testemunhar o evento inédito, porque, desde a Idade Média, não se tinha assistido mais a uma renúncia de um pontífice, e uma comissão secreta, instituída por João Paulo II, tinha desaconselhado decididamente essa hipótese.

Devia ser um dia de rotina, com um discurso normalíssimo de Bento XVI no consistório dos cardeais em vista da canonização dos mártires de Otranto, mortos pelos turcos mais de meio milênio antes. Discurso de rotina que a vaticanista da Ansa, Giovanna Chirri, acompanhou do seu cubículo na Sala de Imprensa vaticana – com os olhos fixos em uma pequena tela de televisão – sem ceder ao tédio.

E foi o seu dia de glória, porque, depois do discurso oficial, Bento XVI tomou um pedaço de papel e começou a ler em latim o ato de renúncia, e Chirri não deixou escapar a palavra "ingravescente aetate... idade avançada" e entendeu que o impensável estava acontecendo.

Captar de relance a notícia histórica, avaliá-la, obter a confirmação e transmiti-la por primeiro é o máximo que um jornalista pode fazer. Giovanna Chirri, às 11h46min, anunciou ao mundo o fim do pontificado ratzingeriano. Primeira em absoluto em comparação com todos os meios de comunicação. Menos preparados do que Chirri, naquele momento muitos cardeais na sala do consistório não entenderam bem do que se tratava. Bento XVI falava em voz baixa, com pressa, com frases cortadas, e o latim, para muitos, era uma recordação de outros tempos. Compreenderam apenas quando o cardeal Sodano, decano do colégio cardinalício, fez um breve discurso de resposta consternado.

Um mês depois, cinco votações no conclave apagaram qualquer hipótese de um papa italiano ou europeu. Escolheu-se o arcebispo de Buenos Aires, que durante semanas no pré-conclave não havia sido cotado como papável.

O eleito foi além das previsões dos seus eleitores. Não se limitou a um programa de racionalização da Cúria e de reorganização do banco vaticano. Francisco mudou a abordagem da Igreja diante da sociedade contemporânea e dos problemas dos fiéis, especialmente noo campo sexual; está criando um papado em que os episcopados do planeta inteiro participam das escolhas estratégicas da Igreja; levantou a questão da mulher nos centros de decisão eclesiais. E não acaba por aí.

Fonte

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

“O que seria um ‘Sínodo da Família’ sem incluir aqueles que vivem em família?”


"Em nossa opinião, seria muito positivo se o estudo, que está em processo inicial, pudesse ampliar-se mediante a expressão do Espírito Santo, através das vozes dos fiéis que participarão ao longo de todo o processo previsto”, escreve em carta a Rede mundial de católicos e organizações católicas, publicada por Religión Digital, 05-02-2014. A tradução é do Cepat.

Eis a carta.

Querido Papa Francisco:

Esperamos que tenham sido úteis nossas propostas incluídas nas cartas de 19 de setembro e de 27 de novembro de 2013, assinadas tanto por organizações católicas como por pessoas, de maneira individual, de todo o mundo. Antes de se reunir pela terceira vez com o Conselho Assessor, te enviamos agora esta carta sobre o Sínodo Extraordinário dos Bispos, previsto para outubro de 2014. [Leia a carta que os grupos de LGBTs católicos brasileiros enviamos aos bispos aqui, e assine a petição online que a apoia aqui]

Alegramo-nos com tua decisão de convocar este Sínodo e com o compromisso para os desafios pastorais urgentes em relação à família no contexto do Evangelho. Em uma homilia recente fizeste a seguinte pergunta: “Como manter nossa fé no âmbito da família?”. Confrontamo-nos com essa questão precisamente por nos parecer como um aspecto crucial para nossa própria vida, assim como para a de tantas pessoas em nossas próprias comunidades eclesiais. Vemos hoje a nossa Igreja em uma encruzilhada de caminhos, em que você oferece uma esperança, numa renovação misericordiosa.

Alegramo-nos especialmente também com sua convocação, sem precedentes, para obter “contribuições das fontes locais”, mediante a distribuição dos questionários pelo Arcebispo Baldisseri, reconhecendo assim a importância do sensus fidelium para a autoridade magisterial da Igreja universal. Esta iniciativa é um início para o enfrentamento da necessidade, identificada na exortação Evangelii Gaudium, da promoção do crescimento da responsabilidade dos leigos, recorrentemente excluídos “das tomadas de decisões”, por um “clericalismo excessivo”. Em nossa opinião, seria muito positivo se o estudo, que está em processo inicial, pudesse ampliar-se mediante a expressão do Espírito Santo, através das vozes dos fiéis que participarão ao longo de todo o processo previsto.

Sem dúvidas, és consciente de que há muitas reações distintas por parte dos bispos e suas conferências episcopais, em relação ao requerimento de repostas das Igrejas locais mediante as 39 perguntas do questionário sobre a temática do Sínodo. Enquanto algumas conferências têm facilitado à participação dos fiéis neste estudo, que representa tantos desafios, a maioria têm feito mínimas tentativas para compreender as comunidades das paróquias neste diálogo tão importante.

Mantemos nossa convicção profunda de que, além da informação que possa ser obtida mediante os questionários, um Sínodo eficaz sobre a Família requer a participação de mulheres e homens católicos comprometidos, de diferentes regiões da igreja universal, em todas as etapas do Sínodo. Por exemplo, para que seja possível investigar, intercambiar opiniões, debater e fazer recomendações, sugerimos que peça a cada diocese do mundo que organize um sínodo diocesano em 2014, para discutir o tema, e que incite a cada bispo diocesano a animar a todos os católicos de sua diocese para que deem suas contribuições.

Nestes sínodos os debates devem ser abertos e respeitosos. As conclusões e recomendações de cada sínodo diocesano seriam então enviadas, ou diretamente para a comissão preparatória do Sínodo dos Bispos, ou, preferivelmente, a um Sínodo Nacional ou Plenário, especialmente convocado, com uma participação leiga de, ao menos, metade de todos os membros sinodais, com uma alta proporção de mulheres para compensar a sua carência no governo da Igreja.

Antecipamos que este processo levaria, de uma maneira natural, a uma representação significativa dos leigos no Sínodo da Família. Afinal de contas, o que seria um “Sínodo da Família” sem incluir aqueles que vivem em uma família?

Papa Francisco, respeitosamente oferecemos nosso assessoramento e experiência, obtidos ao viver nossas vidas cristãs em famílias de todos os tipos.

Esperamos ansiosos a confirmação de que tenhas recebido esta carta e, em seu devido tempo, sua resposta a nossas propostas, que envolve católicos e católicas comprometidos com o Sínodo Extraordinário e em seus preparativos formais. Mais uma vez, asseguramos-lhe que você está em nossas orações e temos um profundo desejo de fazer visível a missão de Cristo, de amor e justiça nas famílias de todo mundo.

Contigo em Cristo.

Rede mundial de católicos e organizações católicas.

Carta com cópia para:

Cardeal Giuseppe Bertello, Presidente da administração do estado da Cidade do Vaticano
Cardeal Francisco Javier Errázuriz Ossa, Arcebispo Emérito de Santiago do Chile
Cardeal Reinhard Marx, Arcebispo de Monique e Frisinga , Alemanha.
Cardeal Laurent Monsengwo Pasinya, Arcebispo de Kinshasa, Congo
Cardeal Sean Patrick O Malley, Arcebispo de Boston, EUA.
Cardeal George Pell, Arcebispo de Sydney, Austrália
Cardeal Oscar Andrés Rodríguez Maradiaga, Arcebispo de Tegucigalpa, Honduras

Fonte

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Repartir o pão


"O jejum que eu prefiro é este: soltar as amarras do jugo, dar liberdade aos cativos e acabar com qualquer escravidão."

A religião bíblica não é, essencialmente, de dízimos e cobranças, de penitências e exercícios heroicos de ascese e rezas sem limites. Tanto quanto ser fiel a Deus, a pessoa religiosa é instada a ser humana e solidária. Com o mesmo coração que ama a Deus, amar seu irmão. Por isso, disse Jesus: "Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo", ou seja, dando a ele "o que mais gostarias de comer" ou repartindo com ele o teu pão. Nossa religião é simples e é igualmente para todos. Quanto ao segundo mandamento - amar ao próximo como a si mesmo - os judeus são um exemplo. Nós, cristãos, temos ainda muito que aprender. Reparte o teu pão com o faminto e não dê as costas aos pobres. Poderíamos começar por estas simples ações, porque somos bíblicos e evangélicos.

Abraços e boa semana para todos.

Rosilene Luiza

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Car@s Amig@s, um documentário - e o poder do diálogo




Celso Masotti é o autor do documentário Car@s Amig@s, lançado em janeiro, que fala de direitos humanos e tem as minorias LGBT como eixo para outras discussões (e conta com a participação de amigos queridos, como o Lula Ramires, da Pastoral da Diversidade de São Paulo, aos 29:50; o Rev. Marcio Retamero, da ICM, nosso aliado de primeira hora; e Sergio Viula, autor do livro "Em Busca de Mim Mesmo") - você pode assistir a uma prévia no vídeo acima. Pois hoje cedo o Celso postou a seguinte nota em seu Facebook: 

Quando recebo mensagens de estranhos normalmente eu já espero algum palavrão ou alguma ameaça pelo fato de, mesmo sendo heterossexual, ser um defensor ferrenho dos direitos LGBTs. Então, não é sempre que se recebe uma mensagem dessas. Então estou comemorando. E quero comemorar com todos vocês.

"Sr. Masotti. Olha, sou um cara bem comum e chato. Até o final do ano passado eu não gostava de muitas coisas, uma delas era de gay. Sempre achei que gay era um sem vergonha. Um babaca. Que dar a bunda era no mínimo feito por gente que não merecia ser chamado de gente. E sempre achei isso porque aprendi isso. Meu pai e minha mãe falavam isso. O pastor falava isso. Mas, nunca agredi ninguém. Eu cuspi uma vez em um gay. Então eu estava procurando no youtube uma animação pro meu sobrinho. Esta animação se chama Carros. Eu não sei se digitei errado ou algo assim, mas apareceu um filme que me pareceu estar com o título escrito errado. Tinha @ em seu nome. Demorei um pouco para entender que o @ estava no lugar do masculino e do feminino. Eu sou meio lerdo com as coisas, tá? Então eu resolti assistir e vi que falava de gays, lésbicas e desse povo que eu queria cuspir. Tive vontade de desligar o filme e continuar a busca pela animação do meu sobrinho. Mas, continuei. Depois que assisti tudo eu quis saber quem tinha feito o filme. Achei seu nome aqui no facebook. Bem, eu entrei em contato apenas para te agradecer porque eu aprendi com o filme. Ele me tocou. Comecei a ver que as pessoas talvez não tenham culpa por serem gays. Talvez elas venham ao mundo dessa maneira. Estou envergonhado pelo cuspe que lancei naquele cara. Estou me sentindo mal com o que fiz. E antes do filme eu não sentia. Achava que estava certo fazer o que fiz. Até bater era certo. Bem. É isso. Obrigado."

É um raio de esperança, que alimenta nossa crença no poder do diálogo... :-)

"A Alegria do Evangelho enche o coração e a vida inteira daqueles que se encontram com Jesus"


Na nossa reunião deste sábado discutimos a Exortação do papa sobre a evangelização. Foram selecionados e destacados em negrito (abaixo) os conteúdos que mais nos ajudam em nosso apostolado, seja para refutar posições legalistas e intransigentes, seja encorajar um cristianismo aberto e inclusivo.

Estamos convencidos de que ventos muito favoráveis estão soprando a nosso favor. Podem conferir.

Equipe Diversidade Católica

Papa Francisco - Exortação Apostólica Evangelii gaudium
sobre o Anúncio do Evangelho no mundo atual

1. A Alegria do Evangelho enche o coração e a vida inteira daqueles que se encontram com Jesus. Quantos se deixam salvar por Ele são libertados do pecado, da tristeza, do vazio interior, do isolamento. Com Jesus Cristo, renasce sem cessar a alegria.

[...] 10. um evangelizador não deveria ter constantemente uma cara de funeral. Recuperemos e aumentemos o fervor de espírito, «a suave e reconfortante alegria de evangelizar, mesmo quando for preciso semear com lágrimas! (...) E que o mundo do nosso tempo, que procura ora na angústia ora com esperança, possa receber a Boa Nova dos lábios, não de evangelizadores tristes e desalentados, impacientes ou ansiosos, mas sim de ministros do Evangelho cuja vida irradie fervor, pois foram quem recebeu primeiro em si a alegria de Cristo» (Paulo VI).

[...] 34. No mundo atual, com a velocidade das comunicações e a selecção interessada dos conteúdos feita pelos meios de comunicação, a mensagem que anunciamos corre mais do que nunca o risco de aparecer mutilada e reduzida a alguns dos seus aspectos secundários. Consequentemente, algumas questões que fazem parte da doutrina moral da Igreja ficam fora do contexto que lhes dá sentido. O problema maior ocorre quando a mensagem que anunciamos parece então identificada com tais aspectos secundários, que, apesar de serem relevantes, por si sozinhos não manifestam o coração da mensagem de Jesus Cristo. Portanto, convém ser realistas e não supor que os nossos interlocutores conhecem o horizonte completo daquilo que dizemos, ou que eles podem relacionar o nosso discurso com o núcleo essencial do Evangelho que lhe confere sentido, beleza e fascínio.

35. Uma pastoral em chave missionária não está obsecada pela transmissão desarticulada de uma imensidade de doutrinas que se tentam impor à força de insistir. Quando se assume um objetivo pastoral e um estilo missionário, que chegue realmente a todos sem exceções nem exclusões, o anúncio concentra-se no essencial, no que é mais belo, mais importante, mais atraente e, ao mesmo tempo, mais necessário. A proposta acaba simplificada, sem com isso perder profundidade e verdade, e assim se torna mais convincente e radiosa.

36. Todas as verdades reveladas procedem da mesma fonte divina e são acreditadas com a mesma fé, mas algumas delas são mais importantes por exprimir mais diretamente o coração do Evangelho. Neste núcleo fundamental, o que sobressai é a beleza do amor salvífico de Deus manifestado em Jesus Cristo morto e ressuscitado. Neste sentido, o Concílio Vaticano II afirmou que «existe uma ordem ou ‘hierarquia’ das verdades da doutrina católica, já que o nexo delas com o fundamento da fé cristã é diferente». Isto é válido tanto para os dogmas da fé como para o conjunto dos ensinamentos da Igreja, incluindo a doutrina moral.

37. São Tomás de Aquino ensinava que, também na mensagem moral da Igreja, há uma hierarquia nas virtudes e ações que delas procedem. Aqui o que conta é, antes de mais nada, «a fé que atua pelo amor» (Gal 5, 6). As obras de amor ao próximo são a manifestação externa mais perfeita da graça interior do Espírito: «O elemento principal da Nova Lei é a graça do Espírito Santo, que se manifesta através da fé que opera pelo amor». Por isso afirma que, relativamente ao agir exterior, a misericórdia é a maior de todas as virtudes: «Em si mesma, a misericórdia é a maior das virtudes; na realidade, compete-lhe debruçar-se sobre os outros e – o que mais conta – remediar as misérias alheias. Ora, isto é tarefa especialmente de quem é superior; é por isso que se diz que é próprio de Deus usar de misericórdia e é, sobretudo nisto, que se manifesta a sua omnipotência».

38. É importante tirar as consequências pastorais desta doutrina conciliar, que recolhe uma antiga convicção da Igreja. Antes de mais nada, deve-se dizer que, no anúncio do Evangelho, é necessário que haja uma proporção adequada. Esta reconhece-se na frequência com que se mencionam alguns temas e nas acentuações postas na pregação. Por exemplo, se um pároco, durante um ano litúrgico, fala dez vezes sobre a temperança e apenas duas ou três vezes sobre a caridade ou sobre a justiça, gera-se uma desproporção, acabando obscurecidas precisamente aquelas virtudes que deveriam estar mais presentes na pregação e na catequese. E o mesmo acontece quando se fala mais da lei que da graça, mais da Igreja que de Jesus Cristo, mais do Papa que da Palavra de Deus.

39. Tal como existe uma unidade orgânica entre as virtudes que impede de excluir qualquer uma delas do ideal cristão, assim também nenhuma verdade é negada. Não é preciso mutilar a integridade da mensagem do Evangelho. Além disso, cada verdade entende-se melhor se a colocarmos em relação com a totalidade harmoniosa da mensagem cristã: e, neste contexto, todas as verdades têm a sua própria importância e iluminam-se reciprocamente. Quando a pregação é fiel ao Evangelho, manifesta-se com clareza a centralidade de algumas verdades e fica claro que a pregação moral cristã não é uma ética estóica, é mais do que uma ascese, não é uma mera filosofia prática nem um catálogo de pecados e erros. O Evangelho convida, antes de tudo, a responder a Deus que nos ama e salva, reconhecendo-O nos outros e saindo de nós mesmos para procurar o bem de todos. Este convite não há de ser obscurecido em nenhuma circunstância! Todas as virtudes estão ao serviço desta resposta de amor. Se tal convite não refulge com vigor e fascínio, o edifício moral da Igreja corre o risco de se tornar um castelo de cartas, sendo este o nosso pior perigo; é que, então, não estaremos propriamente a anunciar o Evangelho, mas algumas acentuações doutrinais ou morais, que derivam de certas opções ideológicas. A mensagem correrá o risco de perder o seu frescor e já não ter «o perfume do Evangelho».

40. A Igreja, que é discípula missionária, tem necessidade de crescer na sua interpretação da Palavra revelada e na sua compreensão da verdade. A tarefa dos exegetas e teólogos ajuda a «amadurecer o juízo da Igreja». Embora de modo diferente, fazem-no também as outras ciências. Referindo-se às ciências sociais, por exemplo, João Paulo II disse que a Igreja presta atenção às suas contribuições «para obter indicações concretas que a ajudem no cumprimento da sua missão de Magistério». Além disso, dentro da Igreja, há inúmeras questões à volta das quais se indaga e reflete com grande liberdade. As diversas linhas de pensamento filosófico, teológico e pastoral, se se deixam harmonizar pelo Espírito no respeito e no amor, podem fazer crescer a Igreja, enquanto ajudam a explicitar melhor o tesouro riquíssimo da Palavra. A quantos sonham com uma doutrina monolítica defendida sem nuances por todos, isto poderá parecer uma dispersão imperfeita; mas a realidade é que tal variedade ajuda a manifestar e desenvolver melhor os diversos aspectos da riqueza inesgotável do Evangelho (nota nº44:...temos necessidade de ouvir-nos uns aos outros e completar-nos na nossa recepção parcial da realidade e do Evangelho).

[...] 43. No seu constante discernimento, a Igreja pode chegar também a reconhecer costumes próprios não directamente ligados ao núcleo do Evangelho, alguns muito radicados no curso da história, que hoje já não são interpretados da mesma maneira e cuja mensagem habitualmente não é percebida de modo adequado. Podem até ser belos, mas agora não prestam o mesmo serviço à transmissão do Evangelho. Não tenhamos medo de os rever! Da mesma forma, há normas ou preceitos eclesiais que podem ter sido muito eficazes noutras épocas, mas já não têm a mesma força educativa como canais de vida. São Tomás de Aquino sublinhava que os preceitos dados por Cristo e pelos Apóstolos ao povo de Deus «são pouquíssimos». E, citando Santo Agostinho, observava que os preceitos adicionados posteriormente pela Igreja se devem exigir com moderação, «para não tornar pesada a vida aos fiéis» nem transformar a nossa religião numa escravidão, quando «a misericórdia de Deus quis que fosse livre». Esta advertência, feita há vários séculos, tem uma actualidade tremenda. Deveria ser um dos critérios a considerar, quando se pensa numa reforma da Igreja e da sua pregação que permita realmente chegar a todos.

44. Aliás, tanto os Pastores como todos os fiéis que acompanham os seus irmãos na fé ou num caminho de abertura a Deus não podem esquecer aquilo que ensina, com muita clareza, o Catecismo da Igreja Católica: «A imputabilidade e responsabilidade dum ato podem ser diminuídas, e até anuladas, pela ignorância, a inadvertência, a violência, o medo, os hábitos, as afeições desordenadas e outros fatores psíquicos ou sociais» (nº1735). Portanto, sem diminuir o valor do ideal evangélico, é preciso acompanhar, com misericórdia e paciência, as possíveis etapas de crescimento das pessoas, que se vão construindo dia após dia. Aos sacerdotes, lembro que o confessionário não deve ser uma câmara de tortura, mas o lugar da misericórdia do Senhor que nos incentiva a praticar o bem possível. Um pequeno passo, no meio de grandes limitações humanas, pode ser mais agradável a Deus do que a vida externamente correcta de quem transcorre os seus dias sem enfrentar sérias dificuldades. A todos deve chegar a consolação e o estímulo do amor salvífico de Deus, que opera misteriosamente em cada pessoa, para além dos seus defeitos e das suas quedas.

45. [...] Um coração missionário está consciente destas limitações, fazendo-se «fraco com os fracos (...) e tudo para todos» (1 Cor 9, 22). Nunca se fecha, nunca se refugia nas próprias seguranças, nunca opta pela rigidez auto-defensiva. Sabe que ele mesmo deve crescer na compreensão do Evangelho e no discernimento das sendas do Espírito, e assim não renuncia ao bem possível, ainda que corra o risco de sujar-se com a lama da estrada.

domingo, 9 de fevereiro de 2014

Um grande mestre e aliado se vai


Faleceu no dia 30 de janeiro o padre João Batista Libânio, SJ, mestre e doutor em Teologia e teólogo da libertação. Sua obra lhe rendeu uma legião de admiradores dentro de fora da Companhia de Jesus, dos quais alguns criaram o site http://jblibanio.com.br, reunindo importantes materiais do teólogo, conforme nota publicada no jornal O Globo. Sua morte foi lamentada pelo Papa Francisco, segundo quem "Libânio fez muito bem à Igreja e à Vida Consagrada” (aqui) Leonardo Boff referiu-se a ele como seu "amigo-irmão", que "morreu de pé, vela acesa" (aqui).
 
Professor de Teologia no Instituto Santo Inácio de Belo Horizonte, o Pe. Libânio teve entre seus alunos alguns importantes aliados nossos aqui no Brasil, como, por exemplo, James Alison. Embora durante um bom tempo tivesse mantido as concepções dominantes da doutrina católica em relação aos homossexuais, com a convivência ele se abriu a novas perspectivas, a ponto de ter escrito o prefácio do livro do Pe. Alison sobre a relação entre LGBTs e Igreja, "Fé além do ressentimento", que reproduzimos na íntegra aqui e da qual selecionamos alguns trechos a seguir.

Um grande teólogo, sem dúvida. Fará imensa falta. Que possa seguir intercedendo por nós junto ao Pai, e que sirva de inspiração a outros para seguirem seus passos pelos caminhos que abriu.



(...) Evita gerar no leitor extremos do sentimento de rejeição da condição gay ou de compaixão pela vítima ou de revolta contra o sistema social ou contra a máquina eclesiástica. Atravessam-lhe a obra transparência e honestidade do relato. Em qualquer situação existencial, gay ou não, o leitor se toca. A pessoa gay certamente encontra uma palavra de libertação, não pela via barata da contestação, mas por honesto processo reestruturante interno, baseado fundamentalmente na ação criativa e bondosa de Deus e apoiado por inúmeras passagens da Escritura feita em voz gay.

(...) Não se trata de fazer das pessoas gays vítimas e cerrar fileiras ao seu lado contra o aparato eclesiástico, nem também de posicionar-se como defensor deste em nome da lei e da norma, sem alcançar o espírito íntimo do cristianismo.

(...) Ressentimento não se supera com luta, com batalhas contra ou em defesa de alguma posição julgada errada tanto pelos que rejeitam o mundo homossexual quanto pelos que o defendem. Não vai por aí. Mesmo o mais intransigente inquisidor se sente tocado e questionado pelo livro. Solapa-lhe a base inquisitorial.

(...) A libertação vem da dupla experiência de sentir-se filho amado de Deus e de poder dizer “nós” numa comunidade de irmãos em Igreja, sinal de um Reino apenas imaginável.

O discurso eclesiástico, que considera algum grupo de pessoa como “os outros”, separando-os do corpo eclesial, gera vítimas. Deus criador de todos, a quem ama incondicionalmente e que nos fala como a irmãos em seu Filho Jesus, refuga os mecanismos geradores da exclusão em nome da inclusão querida por ele.

(...) A verdadeira natureza de Deus se descobre não por meio da verticalidade de uma paternidade que se impõe, mas pela horizontalidade de uma fraternidade que se vive. Essa ideia volta sob muitos aspectos como fundamental da leitura cristã de Deus.

(...) No decorrer do livro, o leitor detecta como muitas atitudes e escritos eclesiásticos não respondem a gestos, palavras e atitudes de Jesus. Alison o mostra por fidelidade à mensagem evangélica e não em nome de algum confronto. Um dos pontos fundamentais dessa obra consistiu em pensar teologicamente em voz gay, sem ressentimento nem proselitismo, mas de maneira serena, fina e profunda. Se há algo duro, não vem do discurso, mas da própria objetividade da realidade.

(...) A todo o texto preside a convicção vivida de que o amor de Deus excede a todo desenho humano e não há diferença que esteja fora do longo e amoroso olhar de Deus.


Leia o prefácio do Pe. Libânio para o livro "Fé além do ressentimento" na íntegra aqui.

(Com as preciosas colaborações de Lula Ramires e Cristiana Coimbra, da Pastoral da Diversidade/SP)





Sair para as periferias

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A leitura que a Igreja propõe neste domingo é o Evangelho de Jesus Cristo segundo Mateus 5, 13-16 que corresponde ao Quinto Domingo do Tempo Comum, ciclo A do Ano Litúrgico. O teólogo espanhol José Antonio Pagola comenta o texto.

Eis o texto

Jesus revela duas imagens audazes e surpreendentes do que pensa e espera dos Seus seguidores. Não hão de viver pensando sempre em seus próprios interesses, seu prestígio ou seu poder. Embora sejam um pequeno grupo no meio do vasto Império de Roma, hão de ser o “sal” que necessita a terra e a “luz” que faz falta ao mundo.

“Vós sois o sal da terra.” As pessoas simples da Galileia captam espontaneamente a linguagem de Jesus. Todo o mundo sabe que o sal serve, sobretudo, para dar sabor à comida e para preservar os alimentos da corrupção. Do mesmo modo, os discípulos de Jesus hão de contribuir para que as pessoas saboreiem a vida sem cair na corrupção.

“Vós sois a luz do mundo.” Sem a luz do sol, o mundo fica às escuras e não podemos orientar-nos nem desfrutar da vida no meio das trevas. Os discípulos de Jesus podem trazer a luz que necessitamos para nos orientar, aprofundar o sentido último da existência e caminhar com esperança.

As duas metáforas coincidem em algo muito importante. Se permanece isolado num recipiente, o sal não serve para nada. Só quando entra em contato com os alimentos e se dissolve com a comida, pode dar sabor ao que comemos. O mesmo sucede com a luz. Se permanece encerrada e oculta, não pode iluminar ninguém. Só quando está no meio das trevas pode iluminar e orientar. Uma Igreja isolada do mundo não pode ser nem sal nem luz.

O Papa Francisco tem visto que a Igreja vive hoje fechada em si mesma, paralisada pelos medos, e demasiado afastada dos problemas e sofrimentos como para dar sabor à vida moderna e para oferecer-lhe a luz genuína do Evangelho. A sua reação foi imediata: “Temos de sair para as periferias”.

O Papa insiste uma e outra vez: “Prefiro uma Igreja acidentada, ferida e manchada por sair à rua, que uma Igreja doente por se fechar e pela comodidade de se agarrar às suas próprias seguranças. Não quero uma Igreja preocupada em ser o centro e que acaba enclausurada num emaranhado de obsessões e procedimentos”.

A chamada de Francisco está dirigida a todos os cristãos: “Não podemos ficar tranquilos na espera passiva em nossos templos”. “Os Evangelhos convidam-nos sempre a correr o risco do encontro com o rosto do outro.” O Papa quer introduzir na Igreja o que ele chama de “a cultura do encontro”. Está convencido de que “o que a igreja necessita hoje é capacidade de curar feridas e trazer calor aos corações”.
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