sábado, 1 de fevereiro de 2014

Festa de Cristo Luz dos Povos


Os pais que ofereciam seu filho voltavam-se para o passado: a obrigação de satisfazer um rito ancestral. Os anciãos abrem para o futuro. Não se trata mais de questão de ritos ou de sacerdotes: abrem-se novas perspectivas. Mas essas perspectivas só podem ser apreciadas corretamente na fé.

A reflexão é de Raymond Gravel, padre da Diocese de Joliette, Canadá, e publicada no sítio Réflexions de Raymond Gravel, comentando as leituras da Festa da Apresentação do Senhor – Ciclo A do Ano Litúrgico (02 de fevereiro de 2014). A tradução é de André Langer.

Referências Bíblicas:
Primeira leitura: Ml 3,1-4
Segunda Leitura: Hb 2,14-18
Evangelho: Lc 2,22-40

Eis o texto.

Para preparar a homilia desta semana eu li duas interpretações: uma que é cheia de bom senso e que dá um sentido à festa de hoje, que é o texto de um padre francês, Léon Paillot, que alimenta o leitor. A outra, muito mais decepcionante, é um texto que encontramos no final da revista Prions en Église desta semana, escrito pela Lise Hudon-Bonin e que infantiliza seu leitor. Devemos recordar constantemente que os evangelhos foram escritos depois da Páscoa, à luz da fé das primeiras comunidades cristãs, e que são releituras crentes dos acontecimentos reconstituídos à luz da Páscoa. O que significa que os relatos não têm a pretensão de nos contar o que realmente aconteceu; esses relatos querem nos dizer algo da fé cristã do final do século I até hoje, 2014.

Quando Lise Hudon-Bonin diz, em relação ao evangelho de hoje, que “Seus pais (os pais de Jesus) deviam ter ficado muito surpresos e maravilhados ao saber que Jesus estava investido de uma missão tão especial! Imaginamos que seus corações tenham disparado ao ouvir o que ele dizia”, o quer dizer que a senhora Hudon-Bonin não compreendeu que esse relato faz parte dos evangelhos da infância de Lucas e que eles não são materiais e históricos; é uma maneira de infantilizar os leitores que leem seu comentário.

É verdade que a tradição judaica queria que todo o primogênito do sexo masculino fosse apresentado ao Templo como rito de iniciação judaica; a Lei de Moisés o exigia. E quando se tratava de uma família pobre, os pais ofereciam ao Senhor, em sacrifício, um par de rolas ou duas pombas, em vez de bois ou ovelhas reservados às famílias ricas. No entanto, ao situar o acontecimento da apresentação de Jesus no Templo, no contexto da tradição judaica, Lucasnos diz alguma coisa sobre esse Jesus tornado Cristo e Senhor na Páscoa... E aí está o sentido do seu evangelho! O acontecimento histórico, se realmente aconteceu, ninguém sabe como aconteceu, e não é importante saber. Basta! Então, o que devemos reter do evangelho de hoje? Que Palavra de Deus pode surgir hoje, da leitura deste evangelho?

1. O Cristo Luz dos Povos

O que acontece no Templo de Jerusalém no momento em que o menino Jesus é apresentado? Há um ancião chamado Simeão; ele representa a Antiga Aliança, o Antigo Testamento, Israel. Além do mais, esse ancião é um homem justo e religioso, que esperava a consolação de Israel, isto é, o Messias de Deus, segundo os profetas do Exílio, e o Espírito Santo estava com ele (Lc 2,25). Para Lucas, temos aí tudo de que precisamos para passar da Antiga Aliança à Nova Aliança, do Antigo Testamento para o Novo Testamento, e é um ancião, um homem justo e religioso, habitado pelo Espírito Santo, que fará essa passagem.

Simeão já reconheceu que essa criança é o Senhor, o Messias, o Salvador, o Cristo da Páscoa. A Antiga Aliança terminou: “Agora, Senhor, conforme a tua promessa, podes deixar teu servo partir em paz” (Lc 2,29). A salvação já se manifestou, não a um povo em particular, mas a todos os povos; a salvação é universal: “Porque meus olhos viram a tua salvação, que preparaste diante de todos os povos” (Lc 2,30-31). É a luz anunciada pelo profeta Isaías que nós esperamos na noite do Natal: “O povo que andava nas trevas viu uma grande luz, e uma luz brilhou para os que habitavam um país tenebroso” (Is 9,1). Hoje, Lucas fala da luz como uma luz universal: “Luz para iluminar as nações e glória do teu povo Israel” (Lc 2,32).

Mas, por que celebramos esta festa justamente hoje? Estamos a 40 dias do Natal; pelo calendário, estamos na metade do inverno (no hemisfério norte). Sabemos que se a marmota sair da sua toca e estiver nublado, restam ainda seis semanas de inverno... e é assim que acontece todos os anos. Antes de ser uma festa cristã, a festa de hoje, assim como a festa do Natal, era uma festa pagã. No império romano, celebrava-se a metade do inverno para significar que a luz começa a aumentar dia após dia a partir do solstício de inverno, o deus Fauno e a luz renascente. Durante essas festividades, as pessoas percorriam as ruas com velas. Em 472, o Papa Gelasio transformou-a em festa cristã, para lembrar que o Cristo que nasceu no Natal é a luz dos povos, e as velas que levamos nos lembram o nosso batismo cristão, que nos faz ser luz, à semelhança de Cristo.

O padre francês Léon Paillot escreve: “Nós anunciamos no Natal que Deus se fez homem. O velho Simeão nos diz por que Deus se fez homem”. Ele será sinal de divisão no mundo e mesmo na Igreja: “Simeão os abençoou e disse aMaria, a mãe de Jesus: ‘Este menino vai ser causa tanto de queda como de reerguimento para muitos em Israel. Ele será um sinal de contradição. Assim serão revelados os pensamentos de muitos corações. Quanto a ti, uma espada te traspassará a alma’” (Lc 2,34-35). A divisão não diz respeito somente aos judeus e pagãos, mas também a todos aqueles e aquelas que recusam reconhecer o Cristo da Páscoa. E Maria, no evangelho de Lucas, não é a mulher, mãe de Jesus; é a Igreja, a filha de Sião, a nova Jerusalém, o povo da Nova Aliança, os cristãos que somos nós. Portanto, a divisão se faz no mundo e na Igreja. Ainda hoje estamos divididos entre cristãos e inclusive entre católicos.

2. O feminismo lucano

Já no início do evangelho de Lucas, temos um vislumbre do feminismo lucano. O que vem fazer esta anciã, Ana, no evangelho de hoje, uma vez que já temos esse ancião, Simeão, para dar o sentido ao evangelho de Lucas? Esta mulher diz algo sobre Lucas: esta mulher é profetisa (Lc 2,36), o que não é algo comum na época do Antigo Testamento, nem mesmo no Novo Testamento. Esta mulher, viúva, após ter atingido a idade de 84 anos, não se afastou do Templo (Lc 2,37b), o que significa que ela representa o israelita perfeito. Além disso, Lucas diz que ela servia no Templo, dia e noite, com jejuns e orações (Lc 2,37c); é muito feminista, porque as mulheres não tinham o direito de servir no Tempo, ainda mais durante a noite. Para Lucas, a mulher ocupa as mesmas funções que o homem.

Para nós, hoje, que relemos esta passagem, será que este relato de Lucas pode nos surpreender? Como diz Léon Paillot: “Eu li, há cerca de 10 dias, uma reflexão do Papa Francisco que dizia: Deus não é um Deus de costumes; é um Deus das surpresas. E acrescentou: a Palavra de Deus é viva, ela vem e diz o que deve dizer, e não o que eu espero que ela diga ou o que eu espero que ela vá dizer. É uma palavra livre, que é surpresa e novidade”. Se Deus sempre renova, para nós que relemos este relato hoje, que novidade nos quer dizer? É cada um e uma de nós que deve descobri-lo...

Uma coisa é certa: como disse Paillot, o rito de apresentação de uma criança do sexo masculino no Templo, onde o sacerdote tem o papel primordial, no evangelho de hoje não é senão um pretexto para nos fazer compreender outra coisa: “Os pais que ofereciam seu filho voltavam-se para o passado: a obrigação de satisfazer um rito ancestral. Os anciãos abrem para o futuro. Não se trata mais de questão de ritos ou de sacerdotes: abrem-se novas perspectivas. Mas essas perspectivas só podem ser apreciadas corretamente na fé, porque a conclusão do relato é surpreendente: voltamos a Nazaré, e tudo prossegue na humildade de uma vida comum. Decididamente, os sinais feitos por este que é apresentado como a luz das nações são discretos e verdadeiramente pouco espetaculares. Surpreendente! Como acontece ainda hoje”.

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Da periferia ao centro



DOMINGO III COMUM Ano A

"Para aqueles que habitavam na sombria região da morte, uma luz se levantou”.
Mt 4, 16


Jesus começou pela periferia. Foi na Galileia, território distante da “santa” Jerusalém, terra de fronteira e de misturas várias, culturais e religiosas, objecto de menosprezo dos habitantes da Judeia, que começou a sua missão. Lugar de passagem de muitas caravanas pela “estrada do mar”, dominados no passado pelos Assírios, considerava-se que “viviam nas trevas e na morte” porque, como em todas as fronteiras, a vida é feita de compromissos e mútuas influências. É na periferia da terra prometida, nos distantes e esquecidos territórios de Zabulão e Neftali que a luz das palavras e dos gestos de Jesus vai começar a brilhar. Como algo bom e novo. Bom porque salva, enche de sentido a dolorosa vida, renova a esperança e compromete todos na mudança: “Convertei-vos” (assim se entende melhor o texto em grego: “metanoêite”, “mudai de vida”). E novo porque liberta, cura, recria e levanta das “mortes” que o ritualismo vazio e a religião legalista acabam por gerar. Foi pelos pobres, pelos improváveis, pelos que contavam pouco, que Jesus começou.

E começou pelo princípio. Pelo anúncio de que é possível mudar, que o peso do passado não é maior do que a esperança do futuro, e só fica agarrado ao mal quem não gosta de si, nem dos outros, nem de Deus. Por isso a mudança é em função do “reino”, essa palavra que abarca toda a Boa Nova (“euangellion”), que toma corpo na pessoa de Jesus e que apetece seguir para toda a parte. E aí começam as surpresas! Apetece lembrar mais um dito do Papa Francisco: “O nosso Deus não é um Deus de hábitos: é um Deus das surpresas!(21.01.2014)”. Porque Jesus não só aceita que O sigam, mas Ele próprio chama alguns para andarem com Ele. Como nos esquecemos tão facilmente dessa condição de caminhantes, de amigos a caminho, que vamos ao encontro de conhecidos e desconhecidos e nos alegramos porque uma boa notícia enche as nossas vidas?

No fundo, a periferia é sempre o que está mais próximo. Nas relações humanas também caminhamos da periferia para o centro no conhecimento e na amizade. É a estratégia da raposa e do principezinho (Saint-Exupéry), de cada dia sentar-se mais perto, e começar a antecipar a felicidade do encontro. É um caminho de construção de laços e afectos, e se os discípulos foram convidados a andar com Jesus não foi para fazer turismo, mas para que no caminho por dentro de cada um, o conhecimento gerasse amor e compromisso. Nas relações, na evangelização, na construção da paz ou da unidade, se não aceitamos a humildade de caminhar da periferia para o centro, e tentamos impôr rapidamente o que julgamos certo e inquestionável, podemos fazer revoluções, mas o crescimento e a vida boa e nova de Deus não acontecem. Como podemos aprender com Jesus?

- P. Vítor Gonçalves

Fonte: Voz da Verdade (26/01/2014), via Rumos Novos

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Converter-se "porque o Reino de Deus está próximo"


Sobre conversão já se gastou muita tinta. Em geral, se explica que "converter-se" quer dizer mudar de direção, como se a vida estivesse no caminho errado. Não me parece a melhor tradução ou orientação. Na verdade, é ter uma nova alma, é encher-se de um novo entusiasmo, é preparar-se para um novo grande acontecimento. Algo de novo está para acontecer: "o Reino de Deus está chegando". Em outra passagem, o noivo está chegando. A festa vai começar. Para tanto, é preciso estar com a "veste nupcial" e com as "lâmpadas acesas" nas mãos, ou com um brilho diferente no olhar e uma disposição renovada no coração. É preciso sentir uma alegria diferente, saindo da rotina ressequida do dia a dia. A menos que alguém esteja no caminho errado, não é preciso mudar de direção, mas sim intensificar o que já se faz, deixar-se tomar por uma atitude renovada de festa. É como se estivéssemos voltando para casa, para a nossa casa. Na recomendação de Cristo, é a nova casa de Deus que está chegando, não somos nós que estamos indo para ela. Daí a necessidade de "converter-se", de esperar com uma nova alma, esquecer as tristezas e dizer: QUE BOM! Todos nós estamos no caminho certo, mesmo se com dificuldades de vivenciá-lo. Não será necessário grandes saltos na conversão proposta por Jesus, apenas mais intensificação de nosso jeito próprio de ser. Continuar sendo nós mesmos, com mais vontade de abraçar, com alma e coração, nossa vida. Não mudemos de direção! Intensifiquemos apenas o que já somos e vivemos! Aceitem meu ABRAÇO INTENSIFICADO de convertido!

Rosilene Luiza
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