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segunda-feira, 28 de julho de 2014

Manifesto de Grupos Católicos LGBT do Brasil




Quem acompanha nosso blog ou nossa página no Facebook sabe que aconteceu neste dia 26, no Rio de Janeiro, o I Encontro Nacional de Católicos LGBT, reunindo, além do Diversidade Católica do Rio de Janeiro, que promovemos o evento, nossos grupos-irmãos que se reúnem nas cidades de São Paulo (Grupo de Ação Pastoral da Diversidade), Brasília, Recife/Olinda (Pastoral da Diversidade - Pernambuco), Belo Horizonte, Curitiba (Diversidade Católica do Paraná - DCPR) e Ribeirão Preto (Diversidade Católica de Ribeirão Preto (SP) e Região - DCRP), além dos núcleos em formação em Itajaí (SC), Anápolis (GO) e Passos (MG).

Os representantes desses grupos aproveitamos a oportunidade para trocar ideias a respeito das dificuldades com que nos deparamos e possibilidades de ação em nosso trabalho pelos LGBT em geral e, especialmente, na Igreja Católica Romana. Ao longo das próximas semanas, vamos compartilhar aqui algumas das reflexões nascidas desse diálogo. Porém, de imediato já nasceram dois frutos do nosso encontro: a articulação da Rede Nacional de Grupos Católicos LGBT, composta pelos grupos lá representados e aberta aos novos que virão; e a redação de nosso manifesto, em que apresentamos, em linhas gerais, os princípios que norteiam nossa ação e nossa contribuição para que a cidadania LGBT contagie a Igreja.

Convidamos tod@s a ler, refletir, compartilhar, divulgar e debater por aí.

E seguimos juntos em nossa caminhada, invocando a intercessão de Maria, o abraço protetor e amoroso do Pai, a companhia e amizade do Cristo e a luz inspiradora do Espírito Santo.

Equipe Diversidade Católica


Clique na imagem para ampliar

sábado, 19 de julho de 2014

Católicos LGBT: Por Um Novo Tempo


Sobre o I Encontro Nacional de Católicos LGBT, clique aqui


A Igreja Católica vive uma fase de renovação com o papa Francisco, que vai às raízes do evangelho e se conecta com a sociedade atual. Com um estilo despojado, o papa faz um apelo para que se vá às “periferias existenciais”, ao encontro dos que sofrem com as injustiças e os diversos tipos de conflitos. Ele critica a Igreja ensimesmada, entrincheirada em estruturas caducas incapazes de acolhimento, e fechada aos novos caminhos que Deus apresenta. A novidade que Deus traz à nossa vida, diz ele, é verdadeiramente o que nos realiza e nos dá a verdadeira alegria e serenidade, porque Deus nos ama e quer apenas o nosso bem.

O anúncio do amor de Deus que nos salva deve preceder a obrigação moral e religiosa. Hoje, alerta o papa, muitas vezes prevalece o inverso. Este anúncio deve concentrar-se no essencial, procurando curar todo tipo de ferida e fazer arder o coração, como o dos discípulos de Emaús. A Igreja deve ser sempre a casa aberta do Pai, onde há lugar para todos os que enfrentam fadigas em suas vidas, e não uma alfândega dos sacramentos. O confessionário não deve ser uma sala de tortura, mas um lugar de misericórdia, no qual o Senhor nos estimula a fazer o melhor que pudermos. E a Eucaristia não é o prêmio dos perfeitos, mas um remédio generoso e um alimento para os que necessitam. Sobre os gays, Francisco fez a célebre interrogação: “se uma pessoa é gay, busca a Deus e tem boa vontade, quem sou eu para julgar?”.

A Igreja se prepara para um sínodo mundial sobre a família, interrogando-se sobre a atenção pastoral aos que vivem em uniões do mesmo sexo. E, caso adotem crianças, como lhes transmitir a fé. Diante das mudanças culturais, das conquistas da cidadania LGBT na sociedade e de sinais de abertura na hierarquia da Igreja, é hora de nós, cristãos católicos LGBT, exercermos nosso protagonismo.

Vários de nós participamos ativamente de nossas comunidades, mas muitas vezes não podemos manifestar nossa orientação sexual por causa do preconceito e da aversão. Não poucos de nós acabaram e acabam por se afastar da Igreja por nos depararmos com essa situação. Constata-se até mesmo um assédio espiritual a que somos submetidos, sendo tratados como endemoninhados a serem exorcizados ou submetidos a orações de “cura e libertação” para mudarmos quem somos. É necessário que nos protejamos e nos afastemos dos ambientes onde isso acontece, indo ao encontro de fiéis e ministros religiosos sensíveis às nossas feridas e dificuldades, bem como aos nossos talentos e potencialidades.

O processo de inclusão e conquista da cidadania na Igreja em favor dos LGBT é sabotado quando se afirma que nela só há lugar para o gay celibatário. Esta é uma leitura rasa da doutrina, que leva a uma simplificação perversa sob a forma de dilemas do tipo “tudo ou nada” e “ame-a ou deixe-a”. Infelizmente, essa simplificação cruel tem unido religiosos ultraconservadores, de um lado; e críticos antirreligiosos implacáveis, de outro lado. Ambos alimentam um radicalismo estéril.

As mudanças almejadas não dependem só da hierarquia, ainda que haja sinais favoráveis. Elas dependem muito dos fiéis leigos, interagindo com suas comunidades e com a sociedade. A Igreja, em grande parte, são os fiéis que a fazem nas comunidades locais e nas práticas cotidianas. É hora de a cidadania LGBT contagiar a Igreja.

Aproveitamos para reforçar o convite para que todos compareçam no próximo sábado, dia 26/7, ao "Tua fé te salvou": I Encontro Nacional de Católicos LGBT, a se realizar aqui no Rio de Janeiro com a presença de representantes de nossos grupos-irmãos de São Paulo, Brasília, Belo Horizonte, Recife/Olinda, Curitiba e Ribeirão Preto. Para os que não puderem participar presencialmente, haverá transmissão online - vamos divulgar as instruções para conexão ao longo da semana, fiquem ligados. Para saber mais sobre o evento, clique aqui. Até lá!

Equipe Diversidade Católica

quinta-feira, 22 de maio de 2014

Todos irmãos: somos um só corpo no amor de Cristo




Um breve comentário a propósito da nossa postagem recente sobre o trabalho de nosso amigo, o diácono Marcos Lord, e seu alter ego, Luandha Perón (leia nossa postagem original aqui, e uma nota de esclarecimento do próprio Marcos sobre o trabalho da Betel e a presença da ICM no Brasil, aqui):

Temos muito orgulho dos laços de parceria e inquebrantável amizade que nos unem a nossos irmãos da Comunidade Betel - ICM Rio. Somos integralmente adeptos da atitude ecumênica e do diálogo inter-religioso defendidos e vividos pela Igreja Católica desde pelo menos o Concílio Vaticano II, ocorrido o começo da década de 1960. Acreditamos firmemente, como prega a doutrina católica, que todos os cristãos, católicos ou reformados, somos todos irmãos em Cristo e filhos de uma única e mesma Santa Madre Igreja. Para quem tiver interesse em se aprofundar no tema, indicamos a leitura do texto abaixo e dos documentos conciliares ali citados.

Com relação ao trabalho de Marcos como drag queen, a repercussão que teve a notícia constitui, a nosso ver, uma maravilhosa oportunidade para ampliar o entendimento e celebração da diversidade. Para nós, antes de podermos falar em definições de sexo biológico (
homem/mulher), identidade de gênero (masculino/feminino) e orientação sexual (homossexual, heterossexual ou bissexual) e todas as diferentes maneiras como os seres humanos, na magnífica diversidade com que o Pai nos criou (reflexo exuberante da Sua própria riqueza), transitamos entre essas diferentes instâncias - antes de podermos falar dessas identidades (e para que nenhuma delas se transforme em rótulo, estigma nem prisão), há algo que nos une e dignifica a todos, que é o fato de sermos, todos, Filhos Amados do mesmo Pai e irmãos em Cristo.

A esse respeito, uma boa leitura a respeito é o artigo "Imagem de Deus e Diversidade", aqui.

Um fraterno e caloroso abraço a todos! :-)

Equipe Diversidade Católica
 
* * *

O Concílio Vaticano II e o Ecumenismo

1. A forma como a Igreja católica vê hoje a tarefa ecuménica, considerando-a uma opção “irreversível” e “prioritária”, é impensável sem o Concílio. Por outro lado, o alcance do Vaticano II só se entende olhando para o peso que a consciência do problema ecuménico teve no decurso do processo conciliar.

A questão ecuménica esteve presente logo na intenção de convocar o Concílio (anunciada no último dia do Oitavário pela Unidade - 25.1.1959). Ainda antes do seu início, João XXIII criou o Secretariado para a Unidade dos Cristãos (15.6.1960), que veio a ter uma importância fulcral na forma como muitos temas foram refletidos. Finalmente, a 19.10.1962 (pouco depois do início da 1ª sessão), João XXIII elevou o Secretariado ao nível de Comissão conciliar, colocando-o em igualdade com as outras Comissões.

2. Do ponto de vista ecuménico, o Concílio representou um profundo salto qualitativo na consciência católica. Pode falar-se mesmo de uma “transformação epocal”, no sentido de que o Concílio marcou “o princípio do fim” de uma mentalidade de “Contra-Reforma”, que condicionou a identidade católica desde Trento até aos nossos dias, conduzindo-a a estreitezas confessionalistas limitadoras da sua catolicidade. Para essa mudança foi estimulante a presença de observadores não católicos.

3. Em termos de conteúdos, a importância ecuménica do Vaticano II encontrou expressão direta no Decreto Unitatis redintegratio (UR), votado a 19.11.1964, no mesmo dia da Lumen Gentium (LG). A coincidência de datas não é casual: o Decreto sobre o Ecumenismo tem de ser lido em estreita ligação com a Constituição sobre a Igreja. Todos os aspetos da renovação eclesiológica operada pelo Concílio são de relevância ecuménica: desde o novo sentido do mistério da Igreja à visão da Igreja como “Povo de Deus”; desde as bases de uma eclesiologia de comunhão à valorização, ainda que incipiente, da realidade das Igrejas Locais.

A abertura ecuménica na Lumen Gentium emerge sobretudo na perceção da comunhão que já existe entre todos os cristãos, comunhão essa assente em bens que edificam a Igreja: a Palavra de Deus escrita; a fé trinitária; a vida da graça; a fé, a esperança e a caridade e outros dons interiores do Espírito Santo, etc. (LG 15). Por isso, reconhece-se que a “Igreja de Cristo” não se identifica pura e simplesmente com a “Igreja católica”, mas “subsiste” nela. Ou seja: fora do espaço visível da Igreja católica há elementos de santificação e de verdade, há eclesialidade (LG 8).

4. Dois outros documentos são de grande significado ecuménico. Em várias das suas perspetivas – por exemplo, na conceção da Revelação ou na visão da relação entre Escritura e Tradição – a Constituição Dei Verbum coloca sob outros pressupostos o diálogo com os cristãos provenientes da Reforma. Não menos relevante é a Declaração Dignitatis humanae sobre a liberdade religiosa como um direito social e civil, individual e comunitário, a reconhecer pelo Estado em todas e quaisquer circunstâncias.

5. O Decreto sobre o Ecumenismo foi um dos documentos que requereu maior disponibilidade mental para a mudança (a sua aprovação exigiu grande capacidade de diálogo interno). Destacam-se algumas das suas afirmações: os cristãos não católicos são vistos como “irmãos no Senhor” (UR 3); há bens de salvação nas outras Igrejas e Comunidades eclesiais (UR 3); os católicos também foram responsáveis pelas divisões (UR 3 e 7); o ecumenismo exige disponibilidade para uma renovação permanente (UR 3 e 6); no centro da tarefa da unidade está o ecumenismo espiritual (UR 7 e 8); há uma legítima pluralidade na expressão da verdade cristã (UR 4, 9); importa atender à “hierarquia das verdades” da fé (UR 11).

6. A receção ecuménica do Concílio tem sido marcada por avanços e recuos (o que não acontece só na Igreja católica). De qualquer forma, avançou-se mais em quase 50 anos do que nos últimos cinco séculos. Basta ler a Encíclica Ut Unum Sint (1995) enquanto receção criativa do Concílio, a Declaração católico-luterana sobre a Justificação (1999) ou o documento católico-anglicano sobre Maria (2005) para confirmar isso.

Naturalmente, persistem tarefas bem complexas a enfrentar. A busca da unidade é questionada por novos problemas e frequentemente contraditada na prática concreta. Um problema fulcral é que muitos membros da Igreja (também hierarcas e teólogos) ainda não interiorizaram o que a tarefa ecuménica exige em termos de transformação de mentalidade e de abertura à ação criativa do Espírito.

- José Eduardo Borges de Pinho, professor da Faculdade de Teologia da Universidade Católica Portuguesa

Fonte: Agência Ecclesia

terça-feira, 6 de agosto de 2013

O papa e os gays: o que muda?


Que bom ver a entrevista do papa Francisco repercutindo no mundo: “se uma pessoa é gay, busca a Deus e tem boa vontade, quem sou eu para julgar?” - foi a frase estampada em muitos jornais e noticiários. Houve muitos comentários entusiastas, algumas reticências e até quem afirmasse que nada mudou. Cabe avaliar o que mudou e em que medida.

A principal mudança é um papa utilizar o termo ‘gay’. Por muitos séculos no ocidente, o termo usado para se referir àquele tipo de pessoa era ‘sodomita’. É uma referência ao relato bíblico do pecado de Sodoma: a tentativa de estupro que os habitantes desta cidade fizeram aos hóspedes do patriarca Ló. Esta atitude nada tem a ver com o amor entre pessoas do mesmo sexo, ou mesmo com relações sexuais livremente consentidas entre pessoas adultas. Mas, por razões outras, Sodoma se tornou o símbolo do homoerotismo pecaminoso que atrai o castigo divino, sob a forma de catástrofes naturais. No século 19, surgiu o termo ‘homossexual’ para tratar desta questão fora da perspectiva religiosa ou moral. Porém, a homossexualidade foi logo considerada doença. E, no ensinamento atual da Igreja, é uma inclinação desordenada que pode conduzir a atos igualmente desordenados e contrários à lei natural.

A medicina hoje não considera mais a homossexualidade como doença. Os movimentos sociais, porém, empregam o termo gay (originalmente alegre), para evocar a autoestima das pessoas com esta condição, bem como para reivindicar liberdade e igualdade de direitos. Na doutrina católica, por sua vez, este termo tem um sentido negativo. Um candidato ao sacerdócio que apóia a ‘cultura gay’ não pode ser ordenado. Portanto, um papa se referir publicamente à pessoa ‘gay’, indica uma mudança no horizonte de compreensão desta realidade. 

Francisco também cita o Catecismo da Igreja Católica para dizer que não deve haver marginalização destas pessoas na sociedade, mas integração, pois todos são irmãos. Ao ser perguntado por que não havia falado no Brasil sobre o casamento gay e o aborto, o papa justificou que a posição da Igreja nestes assuntos já é conhecida, e não havia necessidade de insistir. Ele preferiu falar de “coisas positivas que abrem caminho aos jovens”. Portanto, a ênfase está na dimensão positiva da mensagem cristã e não na reiteração de proibições. Aliás, o papa Bento XVI já havia dito que o cristianismo não é um conjunto de proibições, mas uma opção positiva. No entanto, ele não avançou neste caminho. O seu sucessor agora o faz.

Entre as objeções à entrevista de Francisco, está a menção ao Catecismo. Isto engessaria a questão, pois só há lugar na Igreja para o gay celibatário. Não é assim. A castidade, entendida como a correta integração da sexualidade na pessoa, é um caminho gradual, um crescimento pessoal em etapas (nº2343). Não é o reino do tudo ou nada. São reconhecidos casos em que a tendência homossexual não é opção da pessoa, e circunstâncias em que ela é compelida a agir de modo homossexual, sem culpa alguma (Homosexualitatis problema, nº11). Daí a importância do que diz o papa Francisco: a pessoa gay que busca a Deus e tem reta intenção não deve ser julgada por ninguém, nem mesmo pelo papa. Ninguém tem o direito de oprimi-la com assédio moral ou com terrorismo espiritual. E esta pessoa pode ser muito encorajada por uma afirmação do Catecismo: o primeiro de todos os representantes de Cristo é a consciência de cada um (nº1778).

Outra objeção é a defesa que o papa faz da família formada pela união heterossexual. Este modelo de família seria o único legítimo. Convém notar o elogio de Francisco à mulher paraguaia: “a mais gloriosa da América Latina”. Após a Guerra do Paraguai (1864-1870), sobraram oito mulheres para cada homem, e essas mulheres fizeram a escolha difícil e arriscada de ter filhos para salvar a pátria, a cultura e a fé. O papa elogia nada menos do que uma produção independente feita em escala nacional, ainda que em circunstâncias extremas. Estas mulheres são mais gloriosas do que todas as outras, incluindo as que vivem no modelo tradicional de família. Francisco não está contrariando a moral católica, mas está mostrando corajosamente o amplo alcance do caminho gradual na aplicação da lei moral. Isto o leva a não absolutizar um modelo familiar. Eis um exemplo muito bom para a Igreja e para a sociedade.  

A doutrina da Igreja é o seu modo de compreender o Evangelho, sempre mediado pela cultura, em uma tradição consolidada ao longo de muitos séculos. Esta doutrina já mudou em vários aspectos, e pode mudar mais. Mas isto passa pelo consenso dos bispos, interagindo com os fieis e com a sociedade. O papa é o ministro da unidade da Igreja Católica. Ele não muda as coisas com uma canetada. É ingenuidade esperar o contrário. A escolha de Francisco é um novo enfoque pastoral, explorando suas ricas possibilidades.

O que favorece este processo é a “cultura do encontro”, preconizada pelo próprio papa, onde através do diálogo todos têm algo de bom a dar, e todos podem receber em troca algo de bom. Isto requer uma Igreja que não seja ensimesmada, autorreferencial - como ele diz - mas capaz de testemunhar ao mundo um Deus que só quer o nosso bem. O que prejudica este processo são os preconceitos. E um deles, mencionado acima, é muito sutil: afirmar que só há lugar na Igreja para o gay celibatário. Esta é uma leitura rasa da doutrina, que conduz a uma simplificação perversa. Infelizmente, esta simplificação cruel tem unido religiosos ultraconservadores, de um lado; e críticos implacáveis, de outro lado. Ambos acabam alimentando um radicalismo estéril.

Convém torcer por estes bons propósitos do papa Francisco. E os que têm fé podem e devem rezar, pois não faltam resistências ferozes. Os bons ventos franciscanos hão de prevalecer.



Equipe Diversidade Católica

segunda-feira, 4 de junho de 2012

Colégio é acusado de se omitir em caso de bullying

 

É isto que é inaceitável: que uma instituição de ensino compactue, de fato ou por conivência, com a agressão. E é tanto mais inaceitável que se trate de uma instituição católica, que deveria pautar todas as suas relações pelo respeito, pelo acolhimento incondicional e pelo amor irrestrito. Esses deveriam ser os valores transmitidos às crianças e jovens ali educados. E, no entanto, que mensagem se comunica com o silêncio ou a justificação da violência?

Está mais do que na hora de os cristãos assumirem uma posição firme, acima de tudo, contra toda e qualquer forma de violência.


No momento em que o País discute a possibilidade de criminalização do bullying, uma tradicional escola católica da cidade é acusada de omissão no caso de um garoto de 13 anos que conta ter sido agredido pelos colegas por ser bailarino. A mãe da vítima, que trabalhou na instituição por 18 anos, também acusa o colégio de assédio moral e demissão indevida. Os dois processos tramitam na Justiça, mas a escola rebate as alegações.

As primeiras ofensas começaram logo que Enzo Frizzo Paulino começou a fazer balé, aos 8 anos. “Alguns colegas sabiam que eu dançava. Começaram a me chamar de ‘veado’, ‘bicha’ e gay”, lembra o menino, que estudava no Colégio Nossa Senhora de Lourdes, que tem mais de 70 anos e fica na Vila Regente Feijó, região de Água Rasa, na zona leste. Para acabar com as provocações, a família decidiu transferir o garoto para o turno da tarde. “Falei com a escola e disseram que resolveriam a situação”, conta a mãe do menino, Alba Mara Paulino.

Mas, na nova turma, a situação de Enzo piorou. “Eu escondia que era bailarino, morria de medo de ser descoberto. Mesmo assim, era chamado de gay e os garotos não me deixavam usar o banheiro masculino”, lembra. “Procurei a coordenadora, mas ela disse que, como ele era bailarino, deveria estar acostumado a ser chamado de ‘veado’”, conta Alba.
O garoto afirma que, quando os colegas da tarde descobriram que era bailarino, ele nunca mais teve paz. A mãe ainda não sabe como a notícia se espalhou. “Os alunos do período não sabiam e só os professores e funcionários sabiam”, lembra Alba. Por isso, para ela, a informação foi provavelmente repassada por um adulto. “Com certeza, a pessoa que contou não imaginou o impacto disso na vida do Enzo.”

O menino percebeu que seu segredo havia sido revelado em 2010, após retornar de um festival de dança em Joinville, em Santa Catarina, um dos mais importantes do País. Foi quando as agressões passaram a ser também físicas. “Eles me batiam e gritavam: ‘veado’, ‘veado’, ‘sua bicha’”, conta o garoto, cerrando um dos punhos e batendo três vezes contra a outra mão. “Eu me sentia a escória. E eu não sou gay.”

Enzo sofreu calado. Aguentou meses de surras e xingamentos sem contar nada à mãe. Até que um dia, Alba entrou no banheiro enquanto o filho estava no chuveiro e o viu machucado. “Foi quando ele me contou tudo”, desabafa a mãe. A professora afirma ter procurado a coordenação da escola mais de uma vez. “Disseram que iriam resolver e acabei não fazendo boletim de ocorrência. Eu mesma estudei na escola, de criança até o Ensino Médio, tinha uma relação com a instituição, e não achei que poderiam negligenciar ajuda ao meu filho.”

Hoje, ao lembrar do comportamento do filho, Alba se lamenta. “Eu me sinto culpada por não ter percebido antes”, diz ela, com os olhos cheios d’água. “Ele não contava. Mas começou a faltar, a ter problemas com as notas e a ficar doente”, relata. Enzo teve anorexia e ficou um ano afastado da dança. “Cheguei a pensar em desistir da dança para não sofrer mais”, diz o garoto.

O menino ficou fascinado pela dança após ver o filme Encantada, no cinema, com a mãe. “Deixamos a sessão e ele dizia que queria ser bailarino”, conta a professora. A mãe levou o garoto ao futebol, à natação e ao tae-kwon-do, mas Enzo só queria dançar. “Ele pediu para ir a uma academia de balé. Estava firme na decisão”, diz Alba. Hoje, em um novo colégio, voltou a dançar e não precisa mais esconder isso de ninguém. “Já não tenho medo de dizer que sou bailarino. Agora, eu tenho amigos”.

(Fonte: Estado de S. Paulo, conforme tuitado pelo @celsodossi)

sábado, 21 de abril de 2012

O céu é dos diferentes

Arte: Silas Kopf

O pecado maior que a Igreja de Jesus pode cometer é fechar-se em si mesma, negar-se ao diferente, propor uma identidade cristã homogênea e de rígidas exigências, a não ser naquilo que decorre necessariamente do mandamento do amor.

Isto porque Jesus fez e propôs a experiência de um Deus profundamente libertador. Que deixa as noventa e nove ovelhas sadias e homogêneas e vai buscar à margem, a diferente. Ele mesmo nos disse que, no banquete celeste, nos surpreenderíamos por ver sentados aqueles que não imaginamos, os que julgávamos “de fora”.

Bom critério para avaliarmos nossa maturidade humana, nossa caminhada cristã, nosso seguimento de Jesus é refletirmos como lidamos com o diferente de nós. O mesmo é fácil, cômodo, um amor auto-centrado e sem horizonte. O difícil e belo é o outro, que, na sua diferença, revela tanto a nós mesmos, em nossa singularidade, quanto ao amor de Deus, em suas multiformes maneiras de ser origem e senhor de toda a vida.

“Se o céu é profundamente humano, então é um radical encontro. Bem entendida, esta categoria poderia, melhor do que qualquer outra imagem, nos fazer vislumbrar a realidade plenificante e dinâmica do céu. Encontro significa a capacidade de ser-nos-outros sem perder a própria identidade. O encontro supõe o vigor de aceitar o diferente como diferente, acolhê-lo e deixar-se enriquecer por ele. Com isso rompemos o mundo do nosso ‘eu’ e permitimos a surpresa, a aventura e mesmo o risco. Todo encontro é um risco, porque se dá numa abertura para o imprevisível e para a liberdade. Onde há liberdade tudo é possível: céu e inferno. O céu como encontro significa que o homem, quanto mais se abre para novos horizontes divinos e humanos, mais se encontra consigo mesmo e forma com quem se encontra uma comunhão vital”. (Boff, Leonardo. Vida para além da morte. Ed. Vozes. p. 70)

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Casais gays também são família, reconhecem bispos mexicanos

Imagem daqui

No contexto da 93ª Assembleia Plenária da Conferência Episcopal Mexicana (CEM), cujo tema é a família e as dificuldades e ameaças por ela enfrentadas atualmente, Víctor René Rodríguez Gómez, secretário-geral da CEM, observou que a Igreja não exclui as uniões entre pessoas do mesmo sexo:

"Os casais do mesmo sexo que formam uma família nunca estiveram excluídos da Igreja; o que queremos deixar muito claro é que o matrimônio é entre um homem e uma mulher, e o consideramos um patrimônio da humanidade. A Igreja Católica está longe de considerar uma exclusão ou separação de quem pensa diferente, mas também é nossa missão deixar muito claro, conforme o Evangelho, o que o Senhor nos revelou com relação à vida, à família e à instituição matrimonial."

Embora insistisse em que a visão da Igreja e do Evangelho é a família baseada no amor entre um homem e uma mulher abertos à vida e na capacidade de auto-doação, Rodríguez Gómez disse que a Igreja também respeita e valoriza outros tipos de convivência, como aqueles constituídos por mães e seus filhos ou avós e netos, devido à migração dos pais.

Um adendo: a rigor, os textos bíblicos foram escritos em uma época muito anterior à concepção do amor como fundamento da família, na qual o vínculo matrimonial tinha um caráter muito mais utilitário e econômico do que afetivo. Salientam, sim, o respeito entre os cônjuges, mas nada falam do "amor" no sentido do amor romântico, em vigor no Ocidente há menos de três séculos - como vimos na excelente retrospectiva histórica publicada aqui ontem. Ademais, de todo modo, nada impede que um casal gay seja igualmente aberto à possibilidade de ter filhos e ao exercício da auto-doação.

Juan Pedro Juárez Meléndez, bispo de Tula, referiu-se aos desafios enfrentados pelas famílias que vivem com um ou dois salários mínimos, renda com a qual é impossível ter uma existência digna; assinalou ainda que a falta de emprego é outra das situações difíceis que afetam gravemente as famílias mexicanas, assim como o problema da migração.

Jorge Patrón Wong, bispo-auxiliar de Papantla, mencionou a perda de valores e de solidariedade, assim como o aumento da pobreza e a ampliação das desigualdades econômicas. Sobre este último ponto, Rodríguez Gómez lamentou que, cada vez mais, muitos tenham pouco e poucos tenham muito.

Apesar das mudanças cada vez mais evidentes, é difícil prever quanto tempo a Igreja levará para rever sua doutrina com relação à sexualidade em geral e ao matrimônio em particular, bem como à questão da homossexualidade. Porém, o combate à violência, a defesa da dignidade das pessoas diante das dificuldades sociais e econômicas e a valorização e disseminação dos valores da solidariedade, fraternidade, apoio mútuo, respeito, diálogo e empatia, a capacidade de colocar-se no lugar do outro: esses constituem, de fato, importantes desafios à sociedade e às famílias de todos os formatos e tipos. Que a Igreja, e cada um dos cristãos em suas relações e vidas diárias, cumpramos nossa vocação de ajudar as sociedades latino-americanas e em todo o mundo a encará-los de frente. E, como sublinhou o secretário-geral da CEM, sem exclusões. :-)

Com amor,
Cris

Com informações de La Jornada (México). Colaboração do amigo @wrighini.

terça-feira, 17 de abril de 2012

Uma questão de justiça: os LGBTs de Maringá e a Catedral


Desde a divulgação dos cartazes da Parada do Orgulho LGBT de Maringá, no Paraná, começou a polêmica. Como a arte de um deles (imagem acima) mostra a Catedral Basílica Menor de Nossa Senhora da Glória, construção-símbolo da cidade, atingida por um raio de luz e "explodindo" em um arco-íris, a assessoria de imprensa da Arquidiocese de Maringá informou, no final da manhã desta segunda-feira (16), que o departamento jurídico da cúria arquidiocesana foi acionado e tomaria providências jurídicas sobre o caso. Em nota a respeito do caso, a arquidiocese reiterou que "a Igreja Católica não tem a pretensão de Domesticar a sociedade, impondo-lhe seus princípios e valores", mas que o cartaz "confrontou opinião religiosa da parcela maior da comunidade maringaense".

"A ideia de fazer esse convite veio justamente, como se pode reparar na imagem, do conceito da catedral como um prisma em que, ao ser injetado um foco de luz solar de um lado, do outro desponta em todas as cores possíveis", disse Luiz Modesto, representante do movimento gay da cidade e editor do site Maringay. "Como a catedral é o primeiro símbolo de Maringá, é um convite a chamar para o diálogo todas as pessoas, para maior aceitação e respeito. Nós aprovamos e gostamos do conceito".

A inspiração veio da capa do álbum "The Dark Side of the Moon", da banda de rock britânica Pink Floyd. A autora dos cartazes polêmicos (há também uma segunda versão, mais próxima da referência original do disco), Elisa Riemer, justificou sua escolha: "Nada melhor que esse símbolo para usar como se fosse o prisma. O prisma tem vários lados e jogando uma luz conseguimos ver todos os caminhos. As sete cores. Imagine que para cada problema você tem sete respostas ou caminhos a tomar e se um estiver bloqueado... Procure a outra cor que lhe indicará outra coisa".

"Não estou ofendendo a religião de ninguém e jamais foi essa a intenção", continuou ela. "Que símbolo usar para definir Maringá? Poderia ter sido usado pra qualquer outra coisa, poderia ter sido usado pra uma campanha de alguma rádio, de alguma banda, de qualquer outro segmento. Mas o que pegou foi justamente isso, foi porque foi usada pra uma campanha LGBT. Não vejo problema algum, e muito menos falta de respeito".

Segundo Elisa, o uso da catedral se deu exclusivamente pela similaridade com o prisma: "Se as pessoas observassem bem, veriam o quanto escureci a catedral e retirei a cruz - para nada, exatamente nada, estar ligado à religião. Não tive a intenção de polemizar e sim de fazer as pessoas pensarem, refletirem". De todo modo, porém, ressaltou Modesto, "este nunca foi o cartaz de divulgação da Parada Gay. O oficial, que usaremos para publicação, é bem mais simples e pode ser visto na Fan Page do evento, no Facebook".

Ainda assim, o arcebispo de Maringá, Dom Anuar Battisti, ontem, no seu blog, lamentou “o uso dado ao cartaz, que confronta com o pensamento e a opinião religiosa da parcela maior da comunidade maringaense”. Diante da polêmica, Luiz Modesto contou ter recebido um convite para tomar café com o arcebispo nesta terça-feira (17). A reunião, segundo ele, foi amigável; o arcebispo teria entendido que o cartaz visava a ampliar o diálogo sobre a homofobia. Levantamentos feitos pelo movimento gay de Maringá registram 38 agressões contra GLBTs nos últimos 12 meses, sendo duas delas assassinatos de travestis.

“Levei alguns dados de suicídio entre adolescentes gays, de violência contra LGBT e assassinato de travestis nos municípios da arquidiocese. O arcebispo comoveu-se. Concordamos que direcionar as atenções para os casos de violência contra o ser humano é muito mais relevante que a polêmica causada pelo cartaz. O foco agora é outro, a criação da Pastoral da Diversidade em Maringá e o indicativo de uma Pastoral Nacional da Diversidade pela CNBB”, relatou Modesto. A proposta, segundo ele, seria de uma pastoral que congregasse os católicos homossexuais: “É necessário divulgar a ideia de que Deus não é ódio e punição, mas amor e acolhimento. Embora a posição da Igreja seja contrária à homossexualidade, deve existir um braço dentro dela que nos proteja da violência e nos acolha da forma como somos, sem deixar-nos desamparados espiritualmente”.

“Estamos abertos à discussão e dispostos a falar dos problemas enfrentados por eles”, disse Dom Anuar, que segundo Modesto teria afirmado também que a preocupação maior deve ser contra a violência, e não contra o movimento.

Caso a pastoral seja criada, será a primeira iniciativa oficial da Igreja Católica para trabalhar diretamente no combate à homofobia. “Para as pessoas que entenderam o cartaz como provocação, eu peço desculpas sinceras. O objetivo maior era criar um diálogo sobre o assunto. E conseguimos”, concluiu Modesto.

O que pode ter contribuído para a má recepção do cartaz - que, para os segmentos mais conservadores de Maringá, provavelmente já seria impactante pela mera associação entre LGBTs e Igreja - foi a saída das sete cores do arco-íris cercada de estilhaços, uma imagem que talvez tenha parecido agressiva. Porém, pode-se entender também a sugestão de explosão como uma referência à urgentíssima necessidade de uma mudança, na sociedade brasileira hoje, com relação à violência sofrida pelos LGBTs. E à importância e responsabilidade da Igreja como foco de transformação da atual situação - afinal, ela é o prisma que transforma a luz. Ou, como tão bem comentou nosso amigo Murilo Araújo em seu editorial brilhante para o Vestiário (leia na íntegra aqui):
De certo modo, [o cartaz] representa a igreja com que eu sonho cotidianamente. Trata-se de um sonho muito particular, porque quem tem outra fé (ou não tem nenhuma) tem todo o direito de discordar desse meu pensamento, ou de apenas não se preocupar com isso. Mas, se substituíssemos a Catedral de Nossa Senhora da Glória por uma escola, ou por um prédio do governo, o cartaz continuaria representando a minha utopia: uma instituição que transforma uma só cor em várias, e que gera a diversidade, em vez de anulá-la.
Mais tarde, ainda na terça-feira, a assessoria de imprensa da Arquidiocese veio a público informar, segundo O Diário, que as palavras de Dom Anuar sobre a Pastoral da Diversidade foram: “Acolho a proposta no coração e a respeito. Vamos encaminhá-la na medida do possível, mas não há indicativo momentâneo de sua criação”. A assessoria informou ainda que Dom Anuar participaria nesta quarta-feira (18) da 50ª Assembleia Geral da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), em Aparecida (SP), e a criação da Pastoral da Diversidade provavelmente seria discutida, por conta da repercussão nacional do caso de Maringá, embora não estivesse na pauta oficial do evento.

É bom saber da própria assessoria de imprensa da Arquidiocese, oficialmente, o que foi dito pelo Arcebispo. Mesmo não havendo "indicativo momentâneo de sua criação", a postura de diálogo e abertura sinalizada foi um primeiro passo; a CNBB estar ciente e discutir a repercussão do ocorrido é outro. O terceiro... bem, o que nós, católicos, gays e não-gays, faremos agora?

De fato, antes mesmo de qualquer discussão sobre a doutrina vigente da Igreja Católica a respeito da homossexualidade, uma coisa é certa: a Igreja - e, como sempre, por "Igreja" referimo-nos não só ao Magistério, mas a todos os batizados - precisa assumir seu papel histórico de mediadora e pacificadora, que tantas vezes desempenhou com mérito, e, também na questão da homofobia, atuar como a defensora da justiça social, contrária a toda forma de violência, que é.

Parafraseando o Fórum Europeu de Grupos Cristãos de Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgêneros em sua carta aberta ao papa Bento XVI ano passado, a Igreja Católica no Brasil precisa, como aconteceu no Chile, posicionar-se explicitamente contra os atos de violência contra a população LGBT. “O silêncio, neste contexto, pode ser perigosamente interpretado pelos perpetradores de atos de violência, tortura e assassinato como um parecer favorável às suas ações”, como bem sublinhou o referido Fórum.

Trata-se, aqui, de uma questão de justiça: justiça perante o direito dos LGBTs de serem respeitados e acolhidos no seio não só da Igreja, mas da sociedade mais ampla; e justiça com o papel histórico da Igreja Católica de defensora da vida e da dignidade da pessoa humana.

Portanto, urge que os católicos, gays ou não, comuniquemos à CNBB que a postura que esperamos da nossa Igreja é de abertura, acolhimento, inclusão e respeito à vida, às diferenças e à dignidade dos LGBTs. Os católicos americanos já se organizaram para transmitir ao respectivo Magistério seu desejo nesse sentido. Os europeus, também. E nós, leigos católicos aqui no Brasil?

Fica a pergunta para a nossa reflexão. De todos nós.

(Com informações do UOL, Folha de S. Paulo, O Diário [aqui e aqui], Maringay, Vestiário e Arquidiocese de Maringá e a colaboração dos amigos @MarkosOliveira, @realfpalhano, @wrighini e @murilo17)


* * *

Atualização em 18/04/12:
Veja aqui a repercussão da notícia no Jornal Hoje, da Rede Globo, que não chega a falar no desfecho da reunião e traz a informação errônea de que a imagem que foi pivô do conflito seria o cartaz oficial da Parada; e, no SBT, já trazendo a referência a uma possível Pastoral da Diversidade. Colaboração do sempre atento @MarkosOliveira. :-)

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

O triunfo da "religião"?

Foto daqui

Chegamos a pensar em mudar o título original do artigo que reproduzimos abaixo, mas depois decidimos mantê-lo, acrescentando apenas as aspas e uma ressalva: nosso alerta de sempre quanto ao perigo das generalizações cegas. A "religião" triunfante a que a autora se refere no título, assim como a "religião institucional" de que fala no fim do texto, é aquela que se imiscui indevidamente em assuntos de Estado e, como bem observou o Dep. Jean Wyllys em texto que comentamos ontem aqui, estabelece questões de cunho moral e místico como parâmetro para a elaboração das normas e para o seu controle. Essa religião, ou melhor, esses religiosos, os que "acham que é seu dever defender a Deus dos homens ímpios, condenando ou matando porque eles sabem melhor quem é Deus", como diz Laurence Freeman, OSB, na reflexão que publicamos hoje mais cedo, são de fato um escândalo.

"Quando as pessoas usam a religião pra fazer juízo de valor do outro e justificar menosprezá-lo, excluí-lo ou condená-lo (...) - que talvez nem seja a religiosidade mais comum, mas certamente é a mais barulhenta - essa religião, vivida dessa forma, é (...) detestável. E, com relação aos cristianismos, (...) a religião, praticada dessa forma, nada tem a ver com a Boa Nova que Cristo nos veio anunciar", observou uma de nossas colaboradoras em texto publicado aqui recentemente. "As pessoas não se tornaram anticristãs; pelo contrário, nossos modos de viver sempre refletem os valores cristãos fundamentais: a justiça, a liberdade, a igualdade, a dignidade das pessoas. O que as pessoas rejeitam são os gurus, os aiatolás, os ditadores religiosos que creem deter a verdade sobre Deus e sobre o mundo e que esmagam os fiéis com interditos, regras e leis que convidam à intolerância, ao ódio e ao desprezo da pessoa humana", diz o teólogo e sacerdote canadense Raymond Gravel.

Todavia, em vez de considerar que todos os religiosos se portam dessa forma "escandalosa", saibamos separar o joio do trigo; em vez de partir para o expurgo,
a priori, de todos os que professam alguma fé, trabalhemos juntos por uma maneira de viver a religião que saiba o seu lugar. Uma maneira de viver a religião que deixe a César o que é de César e cuide da seara que lhe cabe: a vocação para a saúde e a libertação, a vocação para ser ponte, portas e janelas abertas, ligação mais profunda consigo mesmo e com os outros seres humanos, que assim serão chamados de irmãos e iguais: nem abaixo, nem acima. Sem divisões, sem juízos e condenações, e sobretudo sem exclusões.


Segue o texto. Boa leitura!

“Seja realista, peça o impossível”. Volto mais uma vez à sugestiva frase dos muros do maio de 68 em Paris. Se considerarmos que o sentido de uma ação se esclarece a partir dos meios empregados para atingir um fim, a ação política contém uma ambiguidade peculiaríssima: seus fins são, via de regra, justificáveis ou não, do ponto de vista dos ideais, ideologicamente, como se costuma dizer, enquanto os meios o são instrumentalmente, a saber, do ponto de vista de sua capacidade de alcançar esses fins.

Sim é isso mesmo: os fins justificam meios. Se isso é discutível em termos da moralidade privada, é incontornável no âmbito do “ethos” da política. Creio que foi por isso que Aristóteles recusou o idealismo de Platão e sentenciou que ou o ideal é atingível para o comum dos homens, ou permanecerá apenas um ideal impossível. Considerar a política como arte do possível, entretanto, nem de longe significa cair no colo de um pragmatismo tosco, o tipo das “políticas do real” que amiúde vemos por aqui e por ali.

Indiscutivelmente, os governos Lula, e agora Dilma, reposicionaram um ideal até bem pouco tempo tomado como impossível: erradicação da fome e da miséria extrema em nosso País. A isso Dilma acrescentou o saudável ideal de País de classe média. É sobretudo em função desses fins supremos que se deve julgar a maior ou menor racionalidade das alianças, das estratégias político-administrativas e dos resultados. Ok.

O visível constrangimento do ministro Gilberto Carvalho pedindo “perdão”, pasmem, à bancada evangélica por declarações bastante razoáveis durante o Fórum Social em Porto Alegre, quando mencionou a necessidade de o Estado disputar ideologicamente a chamada nova classe C, (o que é que tem demais nisso?) não deve passar em branco. Aos poucos vemos um silencioso-ruidoso crescimento da intolerância religiosa mais obscurantista, alimentando-se justamente da laicização do Estado que os mesmos atores combatem.

Podemos estar criando corvos. Em plena aurora do século XXI, quando as clínicas de medicina reprodutiva fazem cotidianamente diagnóstico genético pré-implantação selecionando os melhores embriões para diminuir riscos na gravidez, uma ministra não pode nem mencionar a palavra aborto que um bispo a chama de “mal-amada”. Depois do STF julgar legítima a união homoafetiva, o belo vídeo do Ministério da Saúde tem que ser retirado do ar. Do perdão podemos passar à heresia.

O poder de barganha da bancada de Deus assombra o governo como um espectro. Até aqui os compromissos de segundo turno têm sido honrados. Mas é bom considerar que, quando a religião institucional triunfa, todos perdem. Exemplos não faltam. É tempo e hora de voltar a exigir o impossível, ampliando os fins, readequando os meios. É preciso não temer os religiosos. É sim preciso enfrentá-los no campo democrático, nos debates, nos referendos, nos plebiscitos, nos parlamentos. É hora de ver se o fim, nesse caso, realmente justifica o acovardado meio. Deus? Não temais. Ele não tem nada a ver com isso.

- Sandra Helena de Souza
sandraelena@uol.com.br
Professora de Filosofia e Ética da Unifor
Publicado originalmente no site do jornal O Povo, de Fortaleza, e reproduzido via Tantas Notícias

A respeito do episódio do "pedido de perdão" do ministro Gilberto Carvalho em 15 de fevereiro, vale a pena ler a coluna de Mauricio Dias, da Carta Capital (aqui), comparando a reunião com um procedimento inquisitorial - uma chocante deturpação do que é uma religiosidade genuinamente libertadora. (Visto no Tantas Notícias)

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Sobre a necessidade de acreditar em deus (e as palavras)

Imagem daqui

Saiu há poucos dias no excelente Minoria é a Mãe, de que já falamos aqui, este texto da Kamila que achamos que valia muito a pena reproduzir. Afinal, o que ela escreveu acaba sendo - mesmo sem pretender - uma explicação simples e bem argumentada do porquê da debandada de fieis que as religiões em geral, e o catolicismo em particular, têm sofrido. Bom, vamos ao texto, que eu comento depois.

"Fui criada em uma família que pratica o que eu chamo de “catolicismo padrão”. O católico brasileiro padrão é aquele que conhece e até segue as tradições básicas da religião, mas não a pratica à risca - só vai pra missa em ocasiões especiais, por exemplo.

"Eu segui algumas das tradições católicas no começo. Fui batizada, fiz catecismo, aprendi a rezar, tentei até ler a Bíblia algumas vezes, mas confesso que nunca consegui terminar. O fato do qual eu tentei fugir durante muitos anos, no entanto, foi que nada disso me tocava. Então eu evitei a questão até que finalmente consegui encará-la de frente e me questionar: afinal, eu acredito em deus ou não? E isso é mesmo necessário? Quando eu finalmente consegui me perguntar isso, cheguei a uma estranha conclusão: meu problema nunca foi com deus, mas sim com a religião.

"Mas eu queria chegar no seguinte fato: quando criança, dificilmente alguém vai te dizer que existe a possibilidade de questionar deus, ou a religião. Mas você geralmente questiona assim mesmo, é isso que crianças fazem. Só que, em um momento ou em outro, você acaba absorvendo que, afinal, não existe por que questionar. Desde muito cedo somos ensinados que existe uma necessidade inerente a todo ser humano de acreditar em um deus. Se converter para outra religião ou não ter religião nenhuma não é tão condenável do que não acreditar em deus, porque isso simplesmente não é visto como uma possibilidade.

"O cristianismo em geral nunca me tocou porque eu não via sentido nele. Jesus pode ter existido e ter sido um cara legal, mas por que as pessoas precisam tentar provar isso, eu me perguntava. Por que as pessoas que são de outras religiões vão automaticamente pro inferno? O que me dá o direito de considerar a minha religião verdadeira e as outras falsas? Por que eu tenho que fazer coisas boas visando agradar a deus pra que eu vá para o paraíso quando morrer? Por que as pessoas não amam e respeitam as outras, se era isso que Jesus queria e é a ele que elas estão seguindo? Por que deus pedia sacrifícios? Por que deus achou que seria uma boa ideia fazer um dilúvio? Por que as pessoas não entendem que o Jardim do Éden é uma metáfora? Por que as pessoas insistem que religião e ciência são mutuamente excludentes?

"Então eu aprendi que deveria construir minhas crenças. E, na minha cabeça, as coisas devem fazer sentido. O conceito de divindade - especialmente a judaico-cristã - não era lógica o suficiente e nunca entrou na minha cabeça. No entanto, mesmo achando perfeitamente plausível que deus não existisse, eu ainda acreditava. E cheguei à conclusão de que, bem, ele existe pra mim. O que eu chamo de deus pra facilitar a vida na verdade não é uma personificação, mas sim uma força universal, por mais brega que isso possa soar. É aquilo que rege as leis da física, a matemática, o nascimento e morte das estrelas, o funcionamento perfeito dos órgãos do corpo humano. Isso tudo sempre foi mais divino pra mim do que o sermão do padre. Isso tudo sempre me tocou, sempre me fez admirar o mundo e o simples fato de existirmos. E é justamente isso que eu acho tão importante: conseguir admirar a existência.

"Resumindo a história, hoje em dia eu já descobri que isso tem um nome: eu sou teísta agnóstica. O que basicamente significa que eu acredito em deus, da minha própria maneira, mas que não tenho como saber se ele de fato existe ou não e na verdade não me importo muito em saber. A definição simples de agnosticismo, aliás, é essa: a visão de que a razão humana é incapaz de proporcionar fundamentos racionais suficientes para justificar o conhecimento da existência ou não de Deus. [Wikipedia]

"O que eu quero dizer com isso tudo é que, assim como em qualquer outro aspecto da vida, não vale a pena tentar impor sua religião sobre outra pessoa. Algumas coisas simplesmente não funcionam para algumas pessoas, assim como o catolicismo não funcionou pra mim. Às vezes nós nos damos bem com aquilo que nos é ensinado e às vezes nós precisamos ir atrás do que vai dar certo pra gente. Às vezes nós simplesmente não precisamos. O fato de acreditar em um deus em nenhum momento torna uma pessoa melhor do uma que não acredita - e o contrário também é verdadeiro: não acreditar em deus não torna ninguém melhor do que outra pessoa.

"Somos muito mais do que uma característica só na vida. Às vezes a sua religião define o seu modo de viver, às vezes você simplesmente não tem uma. Eu não tenho um problema específico com religião alguma, além do fato de não compreendê-las totalmente. O único problema, ao meu ver, acontece quando você usa o seu deus e a sua religião como uma muleta para o desrespeito. Não conheço nenhuma religião que pregue o desrespeito ao próximo; e, no entanto, muitas vezes ela é usada a torto e a direito como uma desculpa plausível para isso. O fato de a sua religião condenar a homossexualidade, por exemplo (o que por si só já é um fato questionável), não te dá o direito de desrespeitar alguém e não faz com que esse ato seja menos condenável.

"Li em algum lugar uma vez que algumas pessoas estavam reclamando do fato de a lei contra a homofobia estar comprometendo a liberdade de expressão. O argumento era que não poderia ser considerado crime o fato de a sua religião condenar a homossexualidade e você seguir isso. Acontece aqui um erro muito claro de interpretação: existe uma grande diferença entre você não gostar de homossexuais - seja lá por qual motivo for - e cometer algum crime de ódio ou desacato. Nesse momento, a bandeirinha da opinião costuma ser levantada, e ela é muito perigosa. 'Eu não tenho preconceito, só não gosto de viado, por que vocês não respeitam a minha opinião?'

"O perigo desse argumento é que ele mascara o preconceito com a liberdade de expressão. Veja você o caso do Danilo Gentilli e da piada do macaco: 'Alguém pode me dar uma explicação razoável por que posso chamar gay de veado, gordo de baleia, branco de lagartixa, mas nunca um negro de macaco?', ele disse. Isso é uma distorção do conceito de poder. Eu posso fazer muitas coisas. Pra falar a verdade, eu posso fazer praticamente qualquer coisa, mas eu não faço, por diversos motivos. Um deles é que nós não devemos fazer algumas coisas, apesar de teoricamente poder.

"Eu uso palavras que dificilmente seriam consideradas politicamente corretas. Mas uso dentro de um determinado grupo, onde nós nos apropriamos dessas palavras e onde elas não são usadas como ofensa. Eu digo 'viadagem' com essas pessoas, mas em momento nenhum digo em qualquer outro lugar. Porque em qualquer outro lugar, e sem um acordo prévio entre as pessoas que estão ouvindo, eu vou simplesmente estar ofendendo alguém. Há muito e muito tempo, convencionou-se que viado é um xingamento, pois significa que você está chamando a pessoa de gay. Um heterossexual costuma se ofender com isso porque não quer ser confundido com um homossexual. Um homossexual, no entanto, se ofende porque convencionou-se que o termo deveria ser ofensivo. Ele se ofende com a sua própria sexualidade porque nos fazem acreditar que ela está errada e que devemos ter vergonha.

"Eu já fui chamada de puta várias vezes, nos mais variados contextos e por pessoas diferentes. Em pouquíssimas me senti realmente atingida, mas foi mais porque a pessoa realmente acreditava que aquilo era uma ofensa, e das piores. Eu gosto da palavra puta - acho sonoro, acho bonito. Mas convencionou-se que puta é uma coisa ruim pra se dizer a uma pessoa, porque é basicamente dizer que ela faz sexo por dinheiro. No entanto, curiosamente, puta não é tão usado assim nesse contexto; quantas vezes você já não ouviu alguém se referir a alguma moça como puta porque ela gosta de sexo ou por que se veste de determinada maneira? O fato de ser um xingamento só reflete mais ainda o fato de a sexualidade da mulher ser condenada.

"Nós não ofendemos e somos ofendidos por palavras, pura e simplesmente, mas sim pelo significado que foi atribuído a elas e que nós absorvemos. Vamos parar um pouco e pensar, então, no que estamos falando, no que estamos ouvindo e, principalmente, no que estamos entendendo disso tudo."

- Kamila

Pois aí está: quando as pessoas usam a religião pra fazer juízo de valor do outro e justificar menosprezá-lo, excluí-lo ou condená-lo, como a Kamila descreve - que talvez nem seja a religiosidade mais comum, mas certamente é a mais barulhenta - essa religião, vivida dessa forma, é, na minha opinião pessoal, simplesmente detestável. E, com relação aos cristianismos, ela tem toda razão ao intuir que a religião, praticada dessa forma, nada tem a ver com a Boa Nova que Cristo nos veio anunciar.

Outro dia postamos aqui no blog um texto em que Raymond Gravel comentava que as pessoas em geral não têm problemas com Deus, ou com Cristo: "Os fiéis e os cristãos que tomaram distância em relação à Igreja, não é a Cristo que eles rejeitam, mas à instituição que pretende representá-lo. As pessoas não se tornaram anticristãs; pelo contrário, nossos modos de viver sempre refletem os valores cristãos fundamentais: a justiça, a liberdade, a igualdade, a dignidade das pessoas. O que as pessoas rejeitam são os gurus, os aiatolás, os ditadores religiosos que creem deter a verdade sobre Deus e sobre o mundo e que esmagam os fiéis com interditos, regras e leis que convidam à intolerância, ao ódio e ao desprezo da pessoa humana."

Ou seja, o que escandaliza é essa imagem de Deus que tantos religiosos, infelizmente, têm vendido por aí. Esse Deus é inaceitável. Ninguém quer um Deus ranzinza, cruel, pronto a condenar ao menor deslize. Ninguém precisa de um Deus que tolhe. O ser humano precisa se realizar em sua plenitude, precisa se abrir, precisa de alegria e paz. Essa imagem de Deus não representa nada disso, e talvez seja mesmo muito saudável que a rejeitemos com todas as nossas forças, apesar de toda a pressão em contrário.

Sendo você religioso, agnóstico ou ateu, esse senso de reverência e beleza, essa capacidade de se emocionar diante do universo, esse senso de que há algo grande para além de nós, e que o universo simplesmente não gira ao redor do umbigo de cada um - isso é o que tantos filósofos, místicos, teólogos descrevem como o senso do sagrado, e que pessoalmente me parece que é inerente ao ser humano. Se uma religião facilitar para você entrar em contato com isso mais profundamente, ótimo. Aí, a religião será ponte, será portas e janelas abertas, será ligação mais profunda consigo mesmo e com os outros seres humanos, que aí chamaremos de irmãos - "meus iguais": nem abaixo, nem acima. Sem divisões, sem exclusões.

Mas, se você for religioso, agnóstico ou ateu, ou pegar qualquer outra crença e torná-la importante para você de um modo que te feche para o encontro e para o diálogo, e a use para julgar, condenar, menosprezar e excluir o outro - aí entra em ação um mecanismo que é uma tentação permanente para os seres humanos, e que se manifesta independente da religião (ou falta de) da pessoa. Tenho visto muito isso entre os ateus: uma maneira de defender seu ateísmo chamando os religiosos de estúpidos e cegos que soa muito parecido com os religiosos dizendo que os ateus são imorais e vão para o inferno.

Vejam bem, acho perfeitamente válido ser ateu. José Saramago era ateu, militava ativamente contra a Igreja Católica, e era um humanista de carteirinha. Era de um humanismo tão profundo e tocante que é evidente que, com Cristo ou sem Cristo, ele captou a ideia da coisa melhor do que muito cristão que se encontra por aí. E, sinceramente, isso - como você vive a sua vida e se relaciona - é muito mais importante do que a palavra que você usa para se descrever. No Evangelho, aliás, é também disso que Cristo fala ao advertir que não adianta dizer "Senhor, Senhor", declarar-se seu seguidor, e não agir como tal. Ele deixa muito claro que os atos são muito mais importantes que as palavras.

Sobre as palavras e as opiniões... outro dia li uma discussão (não me lembro onde agora, se lembrar coloco o link) toda baseada em argumentos técnicos do Direito em que essa história de brandir o direito à liberdade de expressão como desculpa para poder sair ventilando ofensas por aí, do ponto de vista do Direito, é um equívoco, porque o respeito à dignidade humana se antepõe à liberdade de expressão. Quer dizer, existem direitos mais importantes que outros, e o direito que eu tenho de ser respeitada é mais importante do que o seu de falar qualquer coisa que lhe venha à cabeça. Muito simples.

Um beijo, com todo o amor. Cuidem-se bem por aí neste Carnaval.
;-)

Cris

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Tapa na peruca de Higgs e palmada no bumbum do jornalismo


Pela trocentésima vez desde o final do ano passado, tive a oportunidade de me deparar com uma manchete gritando que cientistas chegaram quase-quase na observação do qualquer-coisa do Bóson de Higgs. Esse Bóson de Higgs parece o "pertim" do mineiro; tá sempre quase lá.

Pra quem ainda não entendeu do que eu estou falando, Bóson de Higgs é uma partícula elementar surgida logo após o Big Bang de escala maciça hipotética predita para validar o modelo padrão atual de partícula. É a única partícula do modelo padrão que ainda não foi observada, mas representa a chave para explicar a origem da massa das outras partículas elementares.

Entendeu? Nem eu. Qual a relevância disso pro católico? Veremos.

No que concerne ao ser humano católico, alguém, um belo dia, resolveu chamar essa questão física de Partícula de Deus. Se o nome de Deus gerasse R$1,00 em prol das pesquisas pelo fim de doenças graves no mundo, a cada vez que fosse usado, a gente nunca mais morreria.

Daí começou a confusão e eu tenho acompanhado essa discussão toda que já chegou ao ponto de alguém dizer que os cientistas estão perto de descobrir Deus. Achei que era hora de parar com isso. Me arrepio toda só de pensar que algum ser humano realmente acredita que o tal Boston de Higgs, somente por ter estado lá no começo de tudo, representa Deus. É como se alguém andasse por aí procurando o próprio umbigo. Ele está lá. Basta se envergar um pouquinho pra ver. E ele sempre esteve lá. Parte do ser humano, igualzinho a Deus. E aí eu me pergunto: Quando observarem o Higgs, seremos todos felizes? Estaremos todos repletos e teremos as respostas para todas as perguntas? Seremos mais irmãos e menos resmunguentos? De onde viemos, saberemos. Mas, e pra onde vamos? E o porquê da gente ter sido criado? Comofaz?

Acredito muito que cada um de nós precise mesmo construir senso crítico frente à imprensa porque a coisa tá ficando cada vez mais feia. Escreve-se qualquer coisa para vender jornal ou aumentar o fluxo de navegação em sites de notícias e a gente não pode cair na tentação de comprar tudo o que se fala por aí porque, do mesmo jeito que algum irresponsável alardeia que a pesquisa científica séria da observação do bóson de Higgs vai nos mostrar Deus, esse mesmo irresponsável espalha outra infinidade de cretinices que só geram mais confusão e gritaria. Todo ser humano carrega, em si, Deus. Todas as pessoas são sacrários do Divino, e à humanidade cabe apenas descobrir como se unir cada vez mais a essa Divindade, independente da religiosidade que a expressa. A ciência corre atrás de seus interesses em prol da evolução da nossa espécie mas daí a algumas mídias transformarem isso na manchete de que Deus está pra ser descoberto, é pura pescaria de leitor. E a gente sabe que a religião de verdade vem para esclarecer, para formar consciência, para fazer de nós, humanos, pessoas mais críticas e menos mera massa de manobra.

Espero que os cientistas evoluam na pesquisa e se sintam felizes e satisfeitos com ela. Espero que o jornalismo pare de tentar transformar pessoas de verdade em Pinocchios e acredito mesmo que a gente consiga ter a temperança de pensar e pesquisar antes de cair na rede de qualquer cretino que se intitula jornalista e faltou à aula de ética.

Com amor,
Zu.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

O Papa e o Casamento Gay

Foto: Rodney Smith

O discurso anual do papa Bento XVI aos diplomatas no Vaticano (1) recebeu uma dura manchete de uma agência internacional de notícias: "Casamento homossexual é 'ameaça' à humanidade, diz papa". E ainda: "Declarações são as mais fortes proferidas por Bento XVI contra união gay" (2).

Quem se der ao trabalho de ler o pronunciamento do papa (aqui) vai encontrar uma gama de questões internacionais sob a ótica de um humanismo de inspiração cristã. São temas como a crise econômica mundial e sua incidência sobre as nações e sobre a juventude, os conflitos do Oriente Médio e da África, as manifestações em favor da democracia, as migrações, o acesso universal à educação, a liberdade religiosa, os desastres ecológicos, e a luta contra as alterações climáticas e contra a pobreza extrema. Há até uma menção à “Rio+20”, a próxima Conferência da ONU sobre Desenvolvimento Sustentável.

O que supostamente disse o papa sobre a ameaça do casamento gay à humanidade? Eis o trecho:
"[...] a educação tem necessidade de lugares. Dentre estes, conta-se em primeiro lugar a família, fundada sobre o matrimónio entre um homem e uma mulher; não se trata duma simples convenção social, mas antes da célula fundamental de toda a sociedade. Por conseguinte, as políticas que atentam contra a família ameaçam a dignidade humana e o próprio futuro da humanidade."
A alusão ao casamento homossexual é no máximo indireta, e mesmo assim questionável. Por que esta união atentaria contra a família tradicional? Os gays não têm obrigação de se tornarem héteros e de se casarem com pessoas de outro sexo. Até porque, para o direito eclesiástico, um matrimônio assim é nulo. Além do mais, as terapias de reversão são proibidas, pois a homossexualidade não é doença. Os héteros, por sua vez, não são gays enrustidos prestes a debandarem diante da possibilidade de união homo. Portanto, casamento homo e casamento hétero são de naturezas distintas e não concorrem entre si. Não há ameaça.

De qualquer maneira, o papa não disse aos diplomatas que o casamento gay é uma ameaça à humanidade, ainda que outras vezes tenha se manifestado contra esta forma de união. Há, no entanto, um ranço moralista que só enxerga proibição e condenação no ensinamento da Igreja, sobretudo a respeito de sexo. E todo o resto é irrelevante. Este ranço não está somente nos segmentos ultraconservadores da Igreja, mas também em certa imprensa facciosa que só quer fazer alarde para vender notícia.

Quantas questões de suma importância não foram levantadas pelo papa? Quantos desses assuntos não merecem séria reflexão e engajamento das nações, da opinião pública e dos organismos internacionais? Mas tudo isso é omitido pelo ranço moralista, que embolora as mentes e aliena as pessoas. Que Deus nos livre deste triste empobrecimento humano.

Equipe do Diversidade Católica

Notas:
(1) Leia o discurso do papa na íntegra aqui
(2) Notícia no G1 aqui. Fonte: Reuters.

* * *

Atualização em 16/01/12:

  • Uma das colaboradoras do blog publicou uma reflexão pessoal acerca da repercussão desta nossa nota (veja os comentários deste post), aqui.
  • Em 14 de janeiro, mais ou menos na mesma linha do texto acima, um jornalista do The Guardian denunciou que a agência Reuters atribuiu ao Papa Bento XVI uma frase sobre o "matrimônio homossexual" que ele nunca pronunciou. Leia aqui. (Note que esse link é para um site católico, mas, até onde temos conhecimento, foi o único veículo em português que noticiou a denúncia. Caso prefira, leia a nota original, em inglês, aqui.)

sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Vozes cristãs pró-LGBT que se destacaram em 2011

Imagem daqui

Em nosso trabalho pela conciliação da dupla identidade gay e (cristã) católica, o que talvez tenha nos chamado mais atenção ao longo deste ano de 2011 foi o quanto uma minoria ruidosa de extremistas de ambos os lados vem conseguindo criar uma situação de fragmentação social, colocando religiosos e LGBTs em campos opostos, incompatíveis e mutuamente excludentes. Parece-nos que essa divisão se presta a fins políticos que nada têm a ver com o interesse dos LGBTs em construir uma sociedade plural e tolerante, em que haja espaço para o diálogo e a convivência pacífica entre as diferenças, e muito menos com valores cristãos legítimos e a busca de um mundo de mais justiça e fraternidade, verdadeiro Reino de Deus aqui e agora.

Perniciosamente, a divisão em campos opostos cria - qualquer que seja o "lado" em que cada um se coloca - um "nós" santificado contra os "eles" demonizados, "tudo farinha do mesmo saco". Pobres de "nós", oprimidos e vitimizados, e malvados "eles", ditadores, opressores, excludentes. "Eles", com frequência, chegam a ser vistos, com pena ou com desprezo, como "loucos" - clássico recurso dos humanos jogos de poder para esvaziar e desqualificar o discurso do outro ao tirar-lhe o direito a uma voz própria; pois, se é "louco", não sabe o que está dizendo, e não pode haver diálogo com alguém assim!

Parece-nos que há justamente aí um grande problema: ao colocar todos no mesmo saco de uma categoria genérica e abstrata - seja a categoria dos "fundamentalistas" ou a dos "gays pecadores/doentes" -, privamos o outro da sua identidade. Deixamos de enxergar as pessoas para ver apenas o adversário no meio da massa "inimiga". Ao classificar o outro como louco, perturbado ou doente, privamos nosso interlocutor de sua voz e vedamos o diálogo. Instaura-se assim a lógica da guerra, segundo a qual, para um lado vencer, é preciso que o outro perca. A perversidade dissimulada aí é que guerra nenhuma tem vencedores. Dilacerada, a sociedade toda perde.

Preconceitos e segregações, sejam ou não justificados com argumentos religiosos ou de qualquer outra ordem, são eminentemente problemas sociais e culturais, muito mais amplos que qualquer religião. A nosso ver, a homofobia que se encontra entre religiosos é fruto da homofobia arraigada em nossa sociedade, e não o contrário - embora, claro, as justificativas de cunho religioso sejam usadas para reforçar a homofobia, criando um círculo vicioso sem fim. Acreditamos, porém, que, para superar esse estado de coisas, o bom caminho não será entrar em guerra com "as religiões"; muito pelo contrário, os valores religiosos podem e devem ser convocados à luta por um mundo mais justo e mais plural.

Nos EUA, por exemplo, onde a maioria da opinião pública até muito recentemente encarava LGBTs e cristãos como forças em campos opostos, hoje quase dois terços (64%) da população concordam que os relacionamentos gays devem ser aceitos pela sociedade, incluindo a maioria de todos os principais grupos religiosos, com exceção dos evangélicos brancos (Public Religion Research Institute, 29 de agosto de 2011). No Brasil, apesar do acirramento do conflito e da violência mútua, uma pesquisa do Ibope sobre atitudes da população brasileira em relação aos LGBTs, divulgada no final de julho, trouxe à tona alguns dados surpreendentes acerca da evolução da opinião pública a este respeito - revelando, por exemplo, que 52% das mulheres, 50% dos católicos, 60% dos jovens de 16 a 24 anos e 60% dos com nível superior são favoráveis à união estável entre casais homoafetivos (saiba mais e leia uma análise aqui).

Muitos acontecimentos em 2011 evidenciaram essa mudança. Se, no Brasil, o ano foi marcado por importantes conquistas em termos de direitos civis, nos EUA a equipe do Believe Out Loud, organização americana que incentiva e dá subsídios a inclusão dos LGBT nas Igrejas cristãs protestantes (saiba mais aqui), compilou um top 10 de vozes cristãs pró-LGBT que se destacaram em 2011. Estamos trabalhando para que essas vozes se façam ouvir cada vez mais alto também por aqui.

E que 2012 seja ainda melhor.

Equipe Diversidade Católica  :-)

* * *


Top 10 das vozes cristãs pró-LGBT que se destacaram em 2011:

10. A Sojourners, maior organização de cristãos progressistas dos EUA, repudia o movimento Believe Out Loud e inspira reação
No Dia das Mães, o Believe Out Loud tentou lançar seu vídeo viral (aqui) através de um anúncio pago na newsletter eletrônica da Sojourners. Recusando-se a "tomar partido" na busca por aceitação dos LGBTs na Igreja, a Sojourners rejeitou o anúncio, inspirando mais de 100 publicações em veículos da imprensa e blogs ("A Sojourners não nos representa mais"), além de um abaixo-assinado do Change.org pedindo que a Sojourners modificasse sua posição anti-LGBT.

9. A retórica cristã anti-LGBT de Rick Perry é repudiada com veemência
Em novembro, o candidato à presidência americana Rick Perry lançou um vídeo, ironicamente intitulado "Strong" ("Forte"), numa tentativa equivocada de atrair os cristãos por meio da crítica aos militares LGBTs. O tiro saiu pela culatra, e ele recebe uma saraivada de críticas - sobretudo dos cristãos, ultrajados com seu ponto de vista discriminatório, tornando-se a figura com mais alto índice de desaprovação no YouTube em 2011.

8. O bullying recebe a atenção devida
Embora as consequências trágicas do bullying tenham continuado a se fazer sentir em 2011, as iniciativas e atitudes pró-LGBT e anti-bullying souberam fazer-lhes frente. Quando o Estado de Michigan tentou promulgar uma lei anti-bullying que eximia abusos com justificativa religiosa, deixando aberta uma brecha para o ódio e a violência, vozes mais sensatas acabaram se impondo. Duas incríveis respostas baseadas na fé foram o programa anti-bullying para escolas da organização Lutherans Concerned, chamado "Where All Can Safely Live" ("Onde todos possam viver em segurança"), e o "In Our Shoes" ("No seu lugar"), uma iniciativa para divulgar as histórias de adolescentes vítimas de bullying por meio da vivência de um dia inteiro em seu lugar.

7. A UCC se aproxima da milésima congregação aberta e afirmativa
A UCC, United Church of Christ ("Igreja Unida de Cristo"), há muito uma organização de destaque na cristandade inclusiva (que ordenou um pastor abertamente gay 1972 e manifestou seu apoio à igualdade matrimonial em 2005), acolheu sua 971ª congregação "aberta e afirmativa" em outubro e se aproximou da meta de 1.000 congregações ainda no primeiro semestre de 2012.

6. Coalizão LGBT realiza encontro histórico com a Southern Baptist Convention
A Association of Welcoming and Affirming Baptists realizou um encontro pioneiro e sem precedentes entre uma coalizão de ativistas seculares e religiosos e a Southern Baptist Convention, apresentando um abaixo-assinado com mais de 10 mil assinaturas solicitando que a SBC pedisse desculpas pelos males que possam ter causado à comunidade LGBT.

5. Ativistas metodistas adotam a igualdade LGBT como meta central
Houve um furacão de ativismo pela inclusão LGBT na United Methodist Church em 2011: do apoio maciço à Rev. Amy DeLong quando ela foi levada a julgamento (e absolvida) pela realização de um matrimônio homoafetivo aos 900 metodistas dos estados de Nova York e Connecticut que se organizaram para tornar o casamento acessível a todos, passando pelos agora mais de 1.000 clérigos da UMC de todos os EUA que se comprometeram a criar um "Altar para todos" (Altar for All) e a casar ou dar bênçãos a casais do mesmo sexo. Tal movimentação está preparando o terreno para a Conferência Geral da UMC em 2012, na qual os ativistas esperam que seus esforços resultem em uma política denominacional mais inclusiva para os LGBTs.

4. A Igreja Presbiteriana dos EUA aprova a ordenação para LGBTs
Em maio, após anos de luta, a Igreja Presbiteriana dos EUA ratificou a Emenda 10-A, uma mudança constitucional histórica que permite que pessoas lésbicas, gays, bissexuais e transgêneras sejam ordenadas na denominação. Em outubro, o Rev. Scott Anderson tornou-se a primeira pessoa abertamente LGBT a ser ordenada dentro da nova política.

3. O Don't Ask, Don't Tell é página virada
Em setembro, o veto dos militares a membros gays e lésbicas finalmente tornou-se uma página virada, possibilitando que os soldados LGBT possam servir abertamente, com a dignidade e respeito que merecem, e (espera-se) abrindo as portas para que o país finalmente corrija as centenas de outras desigualdades jurídicas e políticas ainda enfrentadas pelos LGBTs em seu dia-a-dia.

2. O estado de Nova York aprova a Igualdade Matrimonial
Em junho, Nova York tornou-se o sexto estado (mais o Distrito de Colúmbia) a reconhecer a igualdade matrimonial, uma vitória que mais que dobrou a porcentagem de cidadãos americanos vivendo em estados que lhes asseguram esse direito fundamental, e que deve boa parte de seu êxito ao ativismo incansável de ativistas movidos pela fé, inclusive mais de 700 líderes leigos e religiosos que apoiaram a lei ativamente.

1. O Departamento de Estado americano se compromete a promover a igualdade LGBT em todo o mundo
No começo de dezembro, num discurso arrebatador na ONU, a Secretária de Estado Hillary Clinton anunciou a intenção do governo dos EUA de combater ativamente as violações dos direitos humanos dos LGBTs. Abordando uma série de argumentos habitualmente utilizados para renegar os direitos LGBT, inclusive de ordem religiosa, Hillary Clinton assinalou com coragem para o mundo inteiro que "nenhuma prática ou tradição pode se antepor aos direitos humanos que pertencem a todos nós". Com efeito, ela defendeu eloquentemente que as tradições religiosas podem e devem ser usadas como "fontes de compaixão e inspiração para todos os seres humanos".

- Joseph Ward III, Diretor da Believe Out Loud
Fonte: The Huffington Post
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