sábado, 26 de maio de 2012

Igualdade, não "tolerância"


"Ao longo da história, as afirmações de 'liberdade religiosa' e as atitudes de 'tolerância' às vezes se confundem. E sempre foi mais fácil tolerar o outro, do que lhe conceder real liberdade para ser tal como é."

- Elias Wolff, em sua análise da declaração Dignitatis Humanae, sobre a liberdade religiosa


"Seis anos atrás, na escola de meus filhos, foi criada a Aliança Gay-Hetero de Pais para ajudar a escola a incorporar os direitos dos gays em seu currículo de direitos civis. Alguns pais relutantes confundiram a meta de ensinar as crianças a enxergar a escolha de amar uma pessoa do mesmo gênero como sendo um direito civil fundamental com ensiná-las sobre comportamentos sexuais. Foram precisos alguns anos para mostrar a diferença aos pais e para superar a mensagem um tanto quanto aviltante de 'tolerância', substituindo-a pelo conceito de igualdade e proteção plenas garantidas em lei.

O exercício pedagógico empreendido por nossa escola e que o país [EUA] como um todo está enfrentando com dificuldades acaba de ganhar um ímpeto importante do presidente [Obama]. Em 122 palavras, ele traçou um marco contra o qual serão medidas leis e normas culturais futuras."

- Julia Sweig, em artigo publicado na Folha de S. Paulo esta semana



Como combater a homofobia na escola

Foto daqui

Do aluno que desmunheca ao grupinho de meninas que brinca de beijar na boca, a escola convive diariamente com situações que colocam a orientação sexual dos alunos em discussão. Os jovens que apresentam comportamentos heterossexuais, condizentes com o sexo biológico, não preocupam. Meninos se comportam dentro das regras para o gênero masculino e meninas seguem o jeito predefinido das garotas.

O termo heteronormatividade resume esse conjunto de atitudes preconceituosas e compulsórias. "O conceito embasa a ideia de que a heterossexualidade é a sexualidade natural", diz Maria Cristina Cavaleiro, pedagoga do Grupo de Estudos de Gênero, Educação e Cultura Sexual da Universidade de São Paulo (USP).

Nesse cenário, a homossexualidade e a bissexualidade são consideradas desvios da norma. Uma pesquisa da Fundação Perseu Abramo publicada em 2009 mostra que, quando perguntados sobre pessoas que menos gostam de encontrar, os entrevistados classificaram em quarto lugar os homossexuais (16%). Foram deixados para trás somente por usuários de drogas, pessoas que não acreditam em Deus e ex-presidiários.

Quando o olhar se volta para a escola, o panorama não é diferente. Outro estudo, divulgado em 2004 pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), revela que quase 40% dos alunos entrevistados não gostariam de ter homossexuais como colegas e mais de 35% dos pais não gostariam de tê-los como amigos dos filhos.

Antes de tudo, o que deve ficar claro para todos é que ninguém escolhe ser gay. "Essa orientação tem relação direta com o desejo, a atração física por alguém do mesmo sexo. E não é premeditado. Ocorre espontaneamente", diz o professor Luiz Ramires Neto, mestre em Educação pela USP e um dos diretores da organização não-governamental Cidadania, Orgulho, Respeito, Solidariedade e Amor (Corsa), de São Paulo.

Segundo ele, até hoje não há análises conclusivas sobre o assunto, nem no campo da genética nem nos estudos sobre o impacto do ambiente social (leia as dúvidas respondidas nos destaques desta reportagem). O fato é que, no ambiente escolar, comportamentos desviantes da norma muitas vezes são encarados como problemas. "O professor tem de entender que não vai mudar a orientação sexual de um jovem, mas tem como despertar na turma o respeito pela diversidade sexual", aconselha Maria Helena Vilela, diretora do Instituto Kaplan, especializado em Educação e sexualidade. "O educador pode debater com base na história de homossexuais que desempenham funções de destaque ou aproveitar um debate sobre a família para tratar de tipos de arranjo, especialmente os que vão além de pai, mãe e filhos."

Preconceito contra alunos, parentes e educadores
No dia a dia da escola, uma das situações mais incômodas é a manifestação exagerada da homossexualidade. "Assumir uma postura de enfrentamento é uma tática de reação muito comum do jovem, que pode se dar por meio de atitudes como afinar a voz, rebolar (se menino) ou agir de maneira bem agressiva e engrossar a fala (se menina)", descreve Lúcia Facco, doutora em Literatura Comparada pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e estudiosa do assunto. "Quem chama a atenção dessa forma está defendendo seu jeito de ser, da mesma maneira que o faria um aluno esquerdista que vai à aula vestindo uma camiseta com a estampa de Che Guevara", diz Ramirez Neto, da ONG Corsa.

Mas nem todos extravasam os sentimentos. Alguns ficam quietos. São esses os que mais sofrem. "Desenvolvem depressão e até abandonam a escola", comenta a professora e pesquisadora de diversidade de gênero Edith Modesto. Angela Moysés Nogueira Rodrigues, de Brasília, observou que a sua filha mais velha, Thaís, parecia ser muito tímida. Enquanto todos brincavam no pátio da escola de Ensino Fundamental em que estudava aos 13 anos, ela se sentava num canto para ler. Até que, com o tempo, numa conversa franca, a menina assumiu ser lésbica. Não havia política na escola sobre o tema, mas, com a ajuda dela, a direção passou a orientar os professores para trabalhar a temática.

E quando os pais de alunos são homossexuais? Jéssica Gutierrez e Carina Ramires, da capital paulista, criam juntas as filhas biológicas de outros casamentos, uma de 8 anos e outra de 10. "Hoje, as duas não enfrentam dificuldades. Todos sabem que elas têm duas mães", fala Jéssica. O casal de mulheres participa de reuniões e de eventos sem constrangimentos. Uma vez, uma das professoras perguntou qual era a formatação da família, pois precisava preparar atividades para o dia dos pais. "Explicamos naturalmente e todos entenderam", lembra Jéssica.

Pena que a clareza e o entendimento nem sempre dão o tom. Há casos em que manter a discrição sobre a homossexualidade poupa sofrimento - e, em última instância, garante o emprego. Renato*, professor do Ensino Fundamental da rede estadual paulista, é gay e procura deixar esquecer isso na escola. "Nem todos os alunos sabem. A maioria gosta de estar comigo. E os jovens podem se afastar ao saber. Não vejo professores homossexuais assumidos sendo abraçados pelos alunos com carinho ou afetividade", diz.

Levar uma vida de fingimento, porém, é cansativo. No tempo livre com os colegas, por exemplo, Renato se vê obrigado a passar por situações constrangedoras, como omitir detalhes do seu último fim de semana. Em pesquisas sobre o tema, a escritora Lúcia Facco presenciou casos semelhantes e orienta: "Primeiramente, o gay precisa entender que não é nenhum ser especial. Além disso, cabe a ele buscar apoio na direção, já que um trabalho isolado pode ser mal entendido e visto como uma espécie de apologia. É vital saber que essas atitudes funcionam e vão ajudar outras pessoas".

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Como lidar com uma aluna gay assumida?
Pergunta do leitor A. S., São Luis, MA
Ao iniciar qualquer diálogo, o professor deve aceitar a autodefinição da aluna, sem a questionar. A estudante tem o direito de proteção a reações hostis para se ver e se julgar pela sinceridade dos seus desejos, sem preconceitos. Outros estudantes poderão reagir negativamente à presença de um gay na sala de aula, mas lembre-se de que eles também estão preocupados em tentar construir a própria identidade (e pode ser perturbador observar esse confronto com alguém que não siga o caminho da maioria). Grande parte dos homossexuais descobre seu desejo sexual na idade escolar, como acontece com os heterossexuais. Durante a adolescência, jovens podem ter experiências com colegas do mesmo sexo, o que não é a comprovação irrefutável da orientação de alguém. Pode ser um meio de buscar conhecer certas formas de satisfação. Mas pode também ser o momento de uma descoberta, caso o jovem se sinta confortável com a experiência. O problema não é o aluno ser declaradamente gay, mas como podemos aprender (e também ensinar) que são múltiplas as formas de vivenciar os afetos e a sexualidade. A Educação deve desmontar estereótipos, veicular conhecimentos objetivos e fomentar nos jovens a capacidade de defender a si próprios de forma não violenta.

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A mãe de uma aluna é lésbica. O que faço?
Pergunta da leitora B. P., Ilhéus, BA
Primeiramente, trate essa família como qualquer outra. A maioria das escolas ainda só entende uma organização: a heteropatriarcal, em que há o pai, a mãe e os filhos. A questão é que hoje existem várias configurações possíveis na sociedade: mães solteiras ou separadas que criam os filhos sozinhas, avós que cuidam dos netos integralmente, homens e mulheres separados que se casam novamente e passam a criar juntos os filhos de outros casamentos, casais homossexuais que se unem e, juntos, cuidam dos filhos de relacionamentos heterossexuais que tiveram e assim por diante. Essas diferentes constituições de família, aos poucos, vão sendo assimiladas por diretores, coordenadores pedagógicos e professores. Esse movimento, porém, se dá de fora para dentro e, muitas vezes, ocorre lentamente. É só pensar que, há 30 anos, ninguém ousava comentar nas unidades de ensino quando uma criança era filha de pais divorciados. Aos poucos, a comunidade escolar vai se acostumar com a condição da aluna que tem duas mães, por exemplo. Uma das formas de auxiliar esse processo é abordar a questão. Sempre que houver oportunidade de falar sobre a família e suas possíveis constituições, inicie um debate sem preconceito nem viés religioso. A reunião de pais é outra oportunidade de a escola conhecer quem são os responsáveis por cada criança e saber que tipos de arranjo familiar existem naquele momento.

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Como deve se portar um professor gay?
Pergunta do leitor P. N., Guajara-Mirim, RO
Nada pode forçá-lo a manifestar seus desejos e nada o obriga a calar sobre as próprias vontades. Decidir como se posicionar, contando ou não sobre sua orientação sexual, vai depender de uma série de fatores. Um deles é o contexto. Às vezes, assumir a homossexualidade acarreta consequências reais, como o preconceito aberto e a perseguição por parte de algum integrante da equipe. Fora isso, é possível que os adolescentes sejam invasivos ao fazer perguntas muito pessoais. O educador decide se entra no assunto ou não. Quanto mais a escola lida abertamente com a questão da sexualidade, mais condição o professor tem de responder francamente às colocações da turma, mesmo as mais ousadas. A não discriminação sexual é garantida pela Constituição, mas em um ambiente homofóbico esse direito fica prejudicado. Nesse caso, autoridades como promotores de Justiça e até a polícia devem ser acionadas. Por outro lado, o docente que se sentir confortável pode assumir sua opção sexual. É recomendado que se busque apoio na direção ou na coordenação pedagógica, já que um trabalho isolado corre o risco de ser visto como apologia. Em todas as situações, o educador precisa ter consciência de que, quanto maior a visibilidade das ações, mais avanços se conquistam.

Questões repondidas por: Maria Cristina Cavaleiro, da USP, e Luiz Ramires Neto, da ONG Corsa.
* O nome foi trocado para preservar o personagem.

(Fonte: Nova Escola)

Próxima missa da Pastoral da Diversidade, em São Paulo: 27/05



Próxima missa da Pastoral da Diversidade em São Paulo: dia 27 de maio, às 17h. Divulguem e compareçam!

Mais informações aqui e no www.pastoraldadiversidade.com.br :-)

Hoje, mesa-redonda "Diversidade sexual e diversidade religiosa na perspectiva do Estado Laico"


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Atualização em 28/05/12:
Nosso amigo e colega de mesa Sergio Viula conta, em seu blog, como foi o debate. Leia aqui.

Vem Espírito Santo e ensina-nos a viver


A leitura que a Igreja propõe neste domingo é o Evangelho de Jesus Cristo segundo João 20, 19-23 que corresponde ao Domingo de Pentecostes, ciclo B do Ano Litúrgico.

O teólogo espanhol José Antonio Pagola comenta o texto.

Eis o texto, aqui reproduzido via IHU.


Pouco a pouco aprendemos a viver sem interioridade. Já não precisamos estar em contato com aquilo que há de melhor em nosso coração. É suficiente para vivermos distraídos nas nossas ocupações. Contentamo-nos com funcionar sem alma e nos alimentarmos somente de pão. Não gostamos de nos expor na busca da verdade. Vem Espírito e liberta-nos do vazio interior.

Já não sabemos viver sem raízes e sem metas. É suficiente nos deixarmos programar externamente. Movemo-nos e agitamo-nos sem cessar, mas não sabemos o que desejamos e para onde vamos. Estamos cada vez melhor informados, mas sentimo-nos mais perdidos que nunca. Vem Espírito e liberta-nos da desorientação.

Quase não nos interessam as grandes questões da existência. Não nos preocupa ficarmos sem luz para enfrentarmos à vida. Transformamos-nos em pessoas céticas e ao mesmo tempo mais frágeis e inseguras. Queremos ser inteligentes e lúcidos. Por que não encontramos sossego e paz? Por que a tristeza nos visita tão seguidamente? Vem Espírito Santo e liberta-nos da escuridão interior.

Queremos viver mais, viver melhor, viver sem tempo. Mas viver o quê? Queremos nos sentir bem; buscamos nos sentir melhor. Mas para que? Procuramos desfrutar intensamente da vida, tirar proveito ao máximo, mas nos contentamos somente com passar bem. Realizamos aquilo que gostamos. Apenas há algumas proibições ou terrenos vetados. Por que desejamos alguma coisa diferente? Vem Espírito Santo e ensina-nos a viver.

Queremos ser livres e independentes e nos encontramos cada vez mais a sós. Necessitamos viver em grupo, mas às vezes nos fechamos no nosso pequeno mundo. Necessitamos nos sentir queridos e não sabemos criar contatos vivos e amistosos. O sexo é nomeado “amor” e o prazer “felicidade”. Mas quem saciará nossa sede? Vem Espírito Santo e ensina-nos a amar.

Na nossa vida já não há espaço para Deus. Sua presença ficou reprimida ou atrofiada dentro de nós mesmos. Cheios de ruídos interiores, já não conseguimos escutar sua voz. Dedicados a milhares de desejos e sensações, não conseguimos perceber sua proximidade. Sabemos dialogar com todo o mundo, menos com ele. Temos aprendido a viver de costas ao Mistério. Vem Espírito Santo e ensina-nos a acreditar.

Sejamos crentes ou não crentes, pouco a pouco vamos virando poucos crentes e maus crentes e assim peregrinamos muitas vezes pela vida. Na festa cristã do Espírito Santo Jesus disse para todos nós aquilo que um dia falou para seus discípulos exalando seu espírito sobre eles: “Recebam o Espírito Santo”. Esse Espírito que sustenta nossas pobres vidas e anima nossa débil fé pode entrar em nós por caminhos que somente ele conhece.

sexta-feira, 25 de maio de 2012

As vadias vão às ruas

Mais informações aqui

“Eu morreria feliz se eu visse um Brasil cheio, em seu tempo histórico, de marchas. De marcha dxs que não têm escola, marcha dxs reprovadxs, marcha dxs que querem amar e não podem, marcha dxs que se recusam a uma obediência servil, marcha dxs que se rebelam, marcha dxs que querem ser e estão proibidxs de ser. Eu acho que, afinal de contas, as marchas são andarilhagens históricas pelo mundo.”

- Paulo Freire
(Citado pela Vivi, que explica direitinho Por que ir à marcha das vadias. Não deixe de ler, aqui)

"Há anos mulheres são ensinadas a não serem estupradas, mas nossa sociedade não parece preocupada em ensinar os homens a não estuprarem. Mulheres que sofreram algum tipo de violência sexual não são vadias. Nenhuma mulher é estuprável. Nenhuma roupa é um convite para o estupro. (...)

Para as mulheres, a palavra 'vadia' não tem o mesmo significado que para os homens. Vadias e vagabundas são todas as mulheres que ousam ir contra as regras do moralismo vigente. Apropriar-se do termo 'vadia' e ressignificá-lo é uma das principais estratégias do movimento. Se não posso usar a roupa que quero sem ser julgada por isso, se a liberdade das mulheres não é plena, então somos todas vadias.

Muitas pessoas acham ofensivo participar de uma marcha com esse nome. Não querem associar-se ao termo. Tomar para si a palavra 'vadia', tantas vezes usada para machucar, é uma forma de empoderamento, por meio de uma reação questionadora. Porém, é preciso ter em mente que há diferentes tipos de desigualdades e violências. Por isso é interessante ver que várias marchas têm buscado a inclusão e a coletividade, além do debate em relação a gênero, raça e sexualidade."

- Bia Cardoso, no Amálgama. Não deixe de ler MESMO, aqui.

A polarização não interessa a ninguém

Da esquerda para a direita: Steve e Maria Newnum, Luiz Modesto, Luiz Silva, 
Pr. Célio Camargo, Arnaldo Adnet, D. Anuar Batisti e Pe. Rildo. 
Foto enviada pelo Pr. Célio, via Facebook

Conforme havíamos comentado aqui, após a repercussão deste texto do blog um dos fundadores do Diversidade Católica viajou a Maringá, a convite dos organizadores da Parada LGBT local, para participar dos eventos previstos na programação da semana, entre eles um encontro entre representantes de grupos religiosos da região e do movimento LGBT. Foi um momento de encontro entre pessoas que se abriram para a troca e o diálogo franco e honesto, que já começou a gerar frutos - alguns bem notórios, como este; outros, talvez mais importantes, menos visíveis. Haverá outros, haverá muitos (como o evento que realizaremos no próximo dia 03/06 no Rio de Janeiro - mais informações aqui). É por isso que trabalhamos.


Nosso querido Arnaldo conta como foi o encontro. 

Na sala de reuniões da Arquidiocese de Maringá, Paraná, dia 18 de maio, às 17h, o arcebispo Dom Anuar Battisti recebeu o organizador da Parada LGBT de Maringá e representantes religiosos ligados ao movimento gay [conforme contamos aqui].

Ao lado do Arcebispo, seu secretário e um padre, Rildo.

Entre os religiosos estávamos eu, Arnaldo Adnet - representando o movimento Diversidade Católica - do Rio de Janeiro, um pastor luterano de Maringá e sua esposa, também teóloga, que ressaltaram estar ali em seus nomes pessoais e não representarem a Igreja; além do Pr. Célio Camargo, da Igreja da Comunidade Metropolitana de Maringá, com seu companheiro.

Luiz Modesto, o organizador da Parada, abriu a reunião lembrando o primeiro encontro entre ele o o Bispo, a respeito do que teria sido uma provocação dos gays contra a Igreja de Maringá, ao usarem uma imagem estilizada da Catedral no cartaz da Parada LGBT que aconteceu dia 20 [história que contamos aqui]. No primeiro encontro, Luiz desculpou-se e negou qualquer intenção de ofensa ou provocação, mas aproveitou a ocasião para apresentar ao Bispo os números referentes às vitimas da homofobia nas cidades de sua Arquidiocese. Dom Anuar mostrou-se sensibilizado e acolheu a proposta de desenvolver um trabalho pastoral no sentido de frear a violência. Foi quando decidiram convidar religiosos que já trabalhassem a questão da diversidade sexual para um encontro.

O Pastor Célio, da ICM, contou como transformou sua casa de madeira em uma igreja que abriga jovens expulsos de suas famílias, entre eles travestis, soropositivos, que não freqüentavam escola nem vislumbravam qualquer possibilidade de inserção social. Falou-nos dos rapazes que já deixaram sua casa com um emprego e educação em curso. Mas disse também que alguns pais acreditam que ele influencie seus filhos, induzindo-os à homossexualidade, e ameaçam processá-lo. Alguns dos presentes se surpreenderam quando o pastor Célio contou que rezavam para Nossa Senhora, e que muitos dos membros de sua comunidade eram de formação católica.

Todos quiseram saber quem eram os membros do Diversidade Católica e como eram nossas relações com a Igreja. Contei-lhes um pouco da minha história, de nascido família católica com um tio frei e 2 tias freiras. Contei como havia recebido educação religiosa, passando por colégio religioso, que fiz Primeira Comunhão; fui líder de grupo jovem e catequista, fui coordenador da Pastoral da Juventude, que recebi o Papa, na visita de 1980, até decidir deixar de evitar minha vocação homoafetiva e fazer a escolha que parecia inevitável: seguir fiel aos valores e princípios segundo os quais havia sido educado e que mais tarde abraçara por escolha própria, ou ser fiel a mim mesmo, aos meus sentimentos e desejos, ainda que para tal tivesse que abrir mão daqueles valores. Disse que foi preciso um longo, duro e tortuoso caminho para chegar até este momento.

Perguntado sobre nossa relação com o Magistério da Igreja Católica, contei-lhes que contamos com a orientação espiritual de um sacerdote e que individualmente estávamos cada um inserido em suas próprias paróquias. As relações variam caso a caso; entre nós há desde um Ministro da Eucaristia - investido pelo pároco, que o conhece e sabe de sua orientação sexual e sua inserção no DC - até o jovem que foi destituído de suas funções de coordenador da Crisma e da Pastoral da Juventude após ter aberto em confissão ao pároco sua orientação sexual. Mas esse mesmo jovem, na Jornada Mundial da Juventude em Madrid, interpelou o Arcebispo do Rio de Janeiro sobre a relação da Igreja com os gays, e Dom Orani respondeu que a Igreja precisava voltar novo olhar para esta questão [como o próprio rapaz relatou aqui]. Lembrei que o pároco da minha Igreja – a Paróquia da Ressurreição – me convidara a falar para toda a comunidade sobre homossexualidade e fé católica. Contei também que canto no Coral da Igreja e que frequento a missa com minha mãe e meu companheiro. Disse que, assim como estes padres, vários outros podem até não se pronunciar publicamente sobre a questão, mas não hesitam em abrir os braços para receber-nos sem julgamento, no puro exercício do amor cristão.

Disse também que posso até sonhar com a aprovação do clero às uniões homoafetivas, mas que não alimento ilusões de imediato e que não é isso o que me preocupa. O que não é aceitável são os crimes de ódio aos gays, crimes que vão muito além das estatísticas oficiais de assassinatos e agressões cruéis, mas que começam nas casas de famílias ditas religiosas. Ainda mais inaceitável é o fato de que muitos desses crimes sejam praticados com argumentos religiosos. Todos se lembraram então de casos diversos de ataques covardes de agressores de rua ou de abandonos, não menos covardes, por parte de pais envergonhados de seus filhos travestis, transexuais, transgêneros, lésbicas e gays.

Falamos também dos pais que transformaram vergonha em orgulho e até em razão de viver - alguns deles após atos de violência que levaram seus filhos a agressões e até à morte.

Sensibilizado neste momento, Dom Anuar contou que no sábado viajaria justamente para uma reunião de bispos sobre violência contra jovens e adolescentes, em Foz do Iguaçu. Pediu-nos um documento com dados oficiais sobre vitimas da homofobia em seu Estado e disse que estaria tudo sob o mesmo guarda-chuva.

Agradecemos sua disponibilidade, mas ressaltamos que não se tratava da mesma coisa. Que era preciso dar nome aos bois. Lembramos de como Oscar Wilde chamava o amor entre iguais de “o amor que não ousa dizer seu nome”, e de como os gays viveram séculos à sombra da História, sujeitos ocultos ou inexistentes aos olhos gerais. Choveram exemplos e razões para que esta violência específica fosse nomeada e citada explicitamente.

Falei de como recusamos a oposição entre gays e Igreja e quão pouco interessante esta polarização é para ambas as partes. Lembrei de como a imprensa já antecipa a tradicional polêmica confrontando opiniões de lado a lado - como no episódio da aprovação da união estável entre pessoas do mesmo sexo pelo STF. Na ocasião, a cada manifestação favorável, os jornalistas procuravam representantes da posição contrária na CNBB [e, no entanto, como mostramos aqui, não foram poucas as vozes a favor, mas que não chegaram ao grande público]. Como se a garantia de legítimos direitos civis sem qualquer conotação religiosa pudesse abalar valores cristãos [como discutimos aqui]. Falamos muito sobre a armadilha implícita neste tradicional antagonismo: aos gays é vetada associação a uma vida espiritual e à Igreja é imputado o lugar de fonte geradora de toda a homofobia.

O pastor luterano Robert Stephen e sua esposa, Maria Newnum, expressaram a emoção de todos diante do relato do Pastor Célio e propuseram um pacto de solidariedade, ao exemplo de cristianismo verdadeiro, comparando os abrigados da ICMos excluídos de nossos dias – aos samaritanos, leprosos e os excluídos do tempo de Jesus, que Ele insistia em amar. O Bispo recomendou os serviços da Casa de Emaús, que o Pastor Célio disse ser exatamente onde eles obtinham medicamentos e cestas básicas.

O Padre Rildo, então, pediu a Dom Anuar que desse permissão para que ele fosse visitar a casa. Passado algum tempo de reflexão e após outras intervenções, o Bispo autorizou-o a visitar a ICM.

Esclarecemos a dúvida do Bispo sobre a lei que garante aos trans o uso de nome condizente a seu gênero, como forma de evitar evasão escolar e de tratamentos de saúde. Entreguei ao Bispo uma cópia que havia levado do artigo "Homossexualidade e Evangelização" [que estamos publicando aqui no blog, em partes, às quintas-feiras - e você pode acessar pela tag "homossexualidade e evangelização", aqui]. O padre Rildo fez questão de fazer uma cópia, na hora.

Ao final da reunião o Bispo convocou-nos a formular em conjunto um release único sobre o encontro. Ele mesmo sugeriu que falássemos da necessidade de abalar a tal polarização Igreja vs. gays. Nem os gays devem ser privados de sua vocação espiritual, nem a Igreja deve ser confundida como foco de ódio aos gays ou como fornecedora de munição ou justificativa para ataques homofóbicos. Comprometemo-nos todos a trabalhar pelo enfraquecimento deste antagonismo.

- Arnaldo Adnet

Nota da equipe do blog:
No dia seguinte ao encontro relatado acima pelo Arnaldo, D. Anuar deu à Rádio CBN de Maringá uma entrevista em que defendeu uma mudança de postura da Igreja em relação aos homoafetivos. Se você ainda não ouviu, vale ouvir aqui.

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Todos, cristãos e não-cristãos, gays e não gays, estão convidados para o evento "O Amor de Cristo nos Uniu - Gays cristãos na Igreja Católica", que realizaremos no dia 3/6, na UNIRIO. Vamos debater e refletir sobre as possibilidades de conciliação, encontro e diálogo entre fé cristã e diversidade sexual - e mostrar que há mais pontos de convergência do que estamos habituados a perceber.

Estamos esperando vocês!

Mais informações aqui

A escola na luta contra a homofobia


Dados alarmantes sobre discriminação a homossexuais na escola vieram à tona no 9° Seminário Nacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais - realizado na Câmara dos Deputados em 17 de maio de 2012, dia Internacional de Combate à Homofobia. Uma pequena (e triste) amostra:

- Mais de 40% dos homens homossexuais brasileiros já foram agredidos fisicamente durante a vida escolar, diz estudo da Unesco;
- Mais de um terço dos 15 mil alunos entrevistados para uma pesquisa da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) procuram não chegar perto de homossexuais;
- 21% acham que estudantes homossexuais não são normais;
- 26% dizem não aceitar a homossexualidade.

Também é desanimador constatar que possíveis mudanças a esse cenário estão em compasso de espera. O congelamento da discussão vem desde 2011, com o veto governamental ao material anti-homofobia (apelidado pelos críticos como "kit gay"), que os militantes da área veem como retrocesso.

Isso que não significa, claro, que as escolas estejam de braços cruzados. "Ações para a formação de professores sobre o tema têm sido disseminadas", afirma Cláudia Vianna, professora da Faculdade de Educação Universidade de São Paulo (USP) e especialista em Gênero e Educação . "Entretanto, os materiais relacionados estão diluídos pelo Brasil e partem de iniciativas de ONGs, que apenas em alguns casos são incentivadas pelo governo".

É preciso destacar, ainda, que o trabalho não acaba com a simples distribuição de um livro didático ou com a criação de uma disciplina que trate do assunto. Um trabalho eficaz, capaz de diminuir o preconceito à homossexualidade de modo a ultrapassar os muros da escola, deve permear todo o currículo e as situações de gestão de conflitos. O lado positivo é que já percorremos parte dessa trilha: desde a década de 1990, Educação Sexual é tema transversal previsto nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs). O lado ruim é que pouco disso saiu do papel. "Na prática, falta atenção à diversidade sexual e à percepção da sexualidade como resultado de um processo de socialização", argumenta Cláudia.

Retomar o caminho trilhado, portanto, é uma primeira providência indispensável ao combate à homofobia nas escolas. Também é preciso uma dose razoável de realismo. Afinal, o fim do problema depende de um longo processo de formação - não apenas dos alunos, mas também dos professores. Vale a reflexão: quantos docentes ainda acham que a homossexualidade é doença? "As mudanças com relação ao tema são lentas, porque envolvem valores sociais e disputa política por qualidade da Educação em diversos aspectos. Mas não podemos desistir delas", completa a especialista.

(Fonte: Nova Escola)

O Concílio Vaticano II e a liberdade religiosa


De acordo com Philippe Chenaux, Diretor do Centro de Estudos sobre o Concílio Vaticano da Pontifícia Universidade Lateranense, a declaração Dignitatis Humanae (DH) sobre a liberdade religiosa, é um documento de importância histórica "dos maiores documentos do Concílio".

Falando no dia 3 de maio para o ciclo de conferências organizado pelo Centro de Estudos e Pesquisas sobre o Concílio Vaticano II da Lateranense em colaboração com o Centre Culturel Saint Louis de France sobre o tema "Revisar o Concílio, Historiadores e teólogos confrontando-se", o professor de História da Igreja Moderna e Contemporânea contou o trabalho que deu esta declaração e como os padres conciliares embora partindo de posições diferentes e em alguns casos opostas chegaram a votar com grande maioria a Dignitatis Humanae.

A declaração sobre a liberdade religiosa era considerada pelo Papa Paulo VI como um dos grandes documentos do Concílio, não tanto pelo seu tamanho (trata-se de um dos textos mais curtos), e nem sequer pela forma (é uma declaração simples), mas sim pelo seu conteúdo.

Para o prof. Chenaux a DH "resolvia dois dos problemas mais difíceis com que a Igreja se enfrentava há pelo menos dois séculos: o problema da relação entre liberdade e verdade, a nível teórico ou teológico, e aquele das relações entre a Igreja e o Estado moderno, a nível político-eclesiástico”.

O debate sobre a liberdade religiosa tem sido controverso, porque "apesar da Igreja sempre ter afirmado a liberdade do ato de fé", ou seja, que "ninguém pode ser forçado a abraçar a fé contra a sua vontade", era necessário superar o legado da aliança institucional dos poderes espirituais e temporais, da intolerância religiosa subsequente à reforma e contrareforma e uma certa intransigência durante o século XIX.

O professor da Lateranense explicou que "A tese intransigente do Estado Católico tinha permanecido oficial pela Igreja, pelo menos, até o final do pontificado de Pio XII" quando "A dolorosa experiência dos totalitarismos (o comunismo, o nazismo, o fascismo) tinham contribuído para uma redescoberta pelo Magistério da Igreja da eminente dignidade da pessoa humana e dos seus direitos fundamentais".

Em mensagens de rádio no tempo de guerra, em Natal de 1942 e no Natal de 1944, Pio XII enfatizou a dignidade da pessoa humana e a importância de uma democracia saudável.

Para Chenaux já antes da Segunda Guerra Mundial, a Igreja era incapaz de conformar os poderes do Estado com o reconhecimento de Deus e da Igreja. Nos Pactos de Latrão com a Itália fascista (1929); o Reichskonkordat com a Alemanha nazista (1933); e o Concordato com a Espanha de Franco, em '53, a Igreja adotou uma política de defender o "mal menor", a fim de garantir a liberdade da Igreja, do clero, dos católicos e de todos os cidadãos.

No concílio as duas posições, a mais ortodoxa e a outra que abria para o mundo tendo em conta a mudança dos tempos, se confrontaram, ao ponto de que a elaboração da DH "foi até o último momento trabalhosa e difícil".

Chenaux disse que, mesmo em maio de '64 "O debate entre apoiantes e opositores do texto (da DH) foi muito amargo". Os bispos norte-americanos e muitos bispos da Europa do Leste (especialmente poloneses) "afirmaram a necessidade de reconhecer um direito com base na natureza da pessoa humana. Os segundos, ou seja, os adversários, expressaram a convicção de que não se podia separar a liberdade religiosa da verdade e dos seus direitos".

No debate interveio o então Arcebispo de Cracóvia, monsenhor Karol Wojtyla, que propôs preparar duas declarações: "uma dirigida aos cristãos não-católicos com um espírito ecumênico, para dizer que a verdade cristã nos torna livres, e outro dirigida aos governos, uma declaração ad Extra, que servia aos interesses da Igreja nos países comunistas".

Em dezembro de 1964, a pedido do Papa Paulo VI, também foi consultado o filósofo Jacques Maritain, que em um memorando entregue ao papa em março de 1965, lembrou com vigor que "a liberdade religiosa deve ser proclamada e mantida como um dos direitos humanos fundamentais da pessoa humana".

Acontece assim que no dia 7 de dezembro de 1965, com 2308 placet e 70 non placet, a declaração DH foi aprovada e promulgada pelo Papa Paulo VI.

A DH diz: "Este Concílio declara que a pessoa humana tem direito à liberdade religiosa, esta liberdade consiste no fato de que todos os homens devem estar livres de coação por parte de indivíduos e grupos sociais e de todo poder humano para que, em matéria religiosa, ninguém seja forçado a agir contra a sua consciência, nem impedido dentro dos devidos limites a agir de acordo com sua consciência, em particular, publicamente, sozinho ou associados com outros".

O jesuíta José Leclerc, professor de eclesiologia no Institut Catholique de Paris e autor de uma obra sobre a história da tolerância na idade moderna, escreveu na revista Etudes em abril de 1966, que foi um "acontecimento extraordinário" na história dos Concílios.

- Antonio Gaspari
Tradução: Thácio Siqueira. Reproduzido via Zenit

quinta-feira, 24 de maio de 2012

À mesa do rei


Era uma vez um rei leal.

Quando seu amigo morreu, ele jurou que cuidaria dos seus filhos.

Ele não era rei ainda quando fez a promessa mas, coroado, não a esqueceu.

Um dia saiu procurando pelo reino um descendente do seu amigo.

Encontrou um ex-empregado da família do amigo que sabia.

Ziba, o ex-empregado, lhe disse que numa cidade obscura (Lo-Debar), havia um aleijado dos pés que era filho do seu amigo Jônatas. Ele vivia de favor na casa de um certo Maquir.

O rei (Davi) mandou chamar o herdeiro: Mefibosete, que estranhou que o poderoso rei se importasse com um cão morto como ele.

Davi lhe devolveu todas as propriedades, suas por terem sido de seu avô e de seu pai.

Além disso, chamou-o para morar no palácio.

E Mefibosete foi feliz para sempre.

Desta história, real, aprendemos várias lições:

1. Quando nos posicionamos como vítimas, temos medo que gestos generosos de outras possam nos alcançar. Afinal, não somos como cães mortos?

2. Quando nos posicionamos como vítimas, fazemos com que os outros nos vejam como coitadinhos, não como pessoas dignas, e perpetuam nossa miséria. Não podemos ser conhecidos por nossas deficiências ("aleijado dos pés"). Serão estas as nossas únicas características, se nós mesmos as destacarmos.

3. Precisamos saber que nosso lugar é à mesa do Rei, não nos cantos, como se vivêssemos de favor (como Mefibosete na casa de Maquir numa cidade inexpressiva). Não importa se temos uma deficiência física ou mental; nosso lugar é à mesa do Rei. Não importa se fomos machucados e feridos na infância ou recentemente; nosso lugar é a mesa do Rei. Não importa se fomos rejeitados; nosso lugar é à mesa do Rei. Ele está à nossa procura para nos fazer assentar à sua mesa.

- Israel Belo de Azevedo, no Prazer da Palavra (via PavaBlog)

Gays, raça, classe e religião

Charge: Kevin Siers (dica do amigo Alexandre Melo Franco Bahia, via Facebook)

Na quarta-feira passada [retrasada (09/05)], quando Barack Obama garantiu mais uma vaga na história ao defender o casamento entre pessoas do mesmo sexo, Cory Booker, o popular prefeito negro de Newark, disparou pelo Twitter: vou dar entrevista, assim "que eu parar de dançar".

A importância do anúncio feito por Obama ainda é muito recente para ser compreendida, mas, que tal mandarmos o cinismo dar uma volta ali na esquina? Podemos, por um momento, deixar de lado o escrutínio do cálculo político que fez com que o presidente assumisse o risco de alienar eleitores-chave em novembro?

Imagine se um político racista conseguisse introduzir um plebiscito na Carolina do Sul, onde a bandeira confederada, símbolo da luta contra a abolição da escravatura, continua desfraldada na capital. O dito plebiscito perguntaria aos eleitores se a proibição das práticas eleitorais que impediam negros de votar e o fim da segregação em escolas públicas, conquistas do Ato de Direitos Civis de 1964, devem ser revogadas. Não tenho dúvidas de que ficaríamos chocados com o número de votos a favor da volta da segregação racial.

Esse plebiscito, felizmente, não vai acontecer e sugiro o exercício da imaginação apenas para argumentar que direitos civis não devem ser submetidos ao varejo nas urnas, especialmente num mês em que um partido nazista conquistou 20 assentos no parlamento do berço da democracia ocidental.

E, numa semana em que a Carolina do Norte aprovou uma emenda constitucional para impedir que o casamento gay seja legalizado entre suas fronteiras, tenho um recado para quem acha que os homossexuais americanos são elitistas brancos e antidemocráticos, refestelados em privilégio na Califórnia e em Nova York. Somente 34% dos eleitores compareceram às urnas para votar a odiosa emenda. A mobilização conservadora é muito mais intensa, o que, de acordo com o respeitado Pew Research Center, fez com que a maioria dos Estados americanos que lançaram plebiscitos locais tenha banido o casamento gay. Ou seja, quem não se opõe ao casamento gay tende a ficar em casa, revelam os números do Pew.

A "evolução de opinião" sobre o assunto, que Barack Obama alega, é refletida numa das mais incomuns evoluções estatísticas nos Estados Unidos. Em 1996, 65% da população geral se manifestava contra o casamento gay, 27% a favor. Uma nova pesquisa do Pew revela 47% a favor, 43% contra. O anúncio de quarta-feira acendeu os púlpitos das igrejas protestantes americanas. Sabemos que a Proposition 8, passada há quatro anos para banir o casamento gay na Califórnia, contou com quase 60% de apoio dos negros, mobilizados por seus pastores.

Mais de 95% dos negros americanos votaram em Obama em 2008 e continuaram a apoiar o presidente, apesar de constituir a minoria mais punida pelo crash de 2008. A mídia americana, predominantemente branca, voltou a sugerir que os negros são homofóbicos e vão ficar em casa em novembro. Aposto minha coleção de CDs do Paulinho da Viola que eles vão votar em massa em Barack Obama.

Sim, a cara da militância gay americana ainda é um homem branco de meia-idade e de classe média alta. Os líderes religiosos que demonizam a estabilidade de famílias lideradas por pessoas do mesmo sexo fariam por bem observar que 66% das crianças negras americanas são criadas por mães ou pais solteiros. Entre os brancos, esse número cai para 24%. Sim, são principalmente os brancos afluentes que insistem no burguês direito de se casar. Um negro que vive abaixo da linha da pobreza terá mais dificuldade de apresentar um companheiro à família e esta é uma fonte de distorção estatística. Mas, em vez de contemplar o fato com escárnio, podemos lembrar que Obama mudou de opinião sob pressão de Michelle e das filhas Sasha e Malia. As meninas frequentam colegas de escola que são criadas por gays e lésbicas e aproximaram o pai do absurdo da intolerância. Quanto mais as pessoas convivem com gays assumidos e ajustados, maior a tolerância.

Graças a um gesto simbólico do primeiro presidente negro americano, um gesto que não implica burocracia ou imposição legal, quantas famílias estarão, hoje à noite, fazendo as pazes?

- Lucia Guimarães
Publicado originalmente no jornal O Estado de São Paulo, 14/05/12
Reproduzido via Conteúdo Livre

Leia também:
Obama no rastro de Lincoln:
"Os defensores do casamento homossexual como o último dos direitos civis acertam ao lembrar que a Carolina do Norte alterou a sua própria constituição em 1875, a fim de 'proibir os casamentos entre um branco e um negro, e entre um branco e um pessoa com descendentes de cor, até a terceira geração'. (...) Nos EUA, uma nação-igreja inclusiva como nenhuma outra, os presidentes têm uma função religiosa. Lincoln foi ferido no dia da Sexta-Feira Santa de 1865 e morreu na madrugada do dia de Páscoa, e logo tornou-se o alter Christus, morto para tirar o pecado da escravidão. Obama é um norte-americano filho da era de Martin Luther King, e não menos do que Lincoln."
Religiosos negros e latinos nos EUA apoiam o Presidente Obama em sua declaração sobre o casamento igualitário (em inglês, aqui)

“O Amor de Cristo nos uniu”: Gays cristãos na Igreja Católica


É com grande alegria que convidamos a todos para o evento que vamos realizar no dia 3 de junho próximo aqui no Rio de Janeiro, para refletirmos juntos sobre como viver a fé cristã e ser gay. A programação inclui uma mesa-redonda e alguns depoimentos de gays cristãos, que compartilharão suas histórias pessoais. A entrada é franca e receberemos com prazer todos - gays e não-gays, cristãos e não-cristãos - para conversarmos sobre as possibilidades de encontro e diálogo, para que nos enriqueçamos e cresçamos juntos.

A programação é a seguinte:

14h     Abertura: A história do Diversidade Católica, desde 2007 (Arnaldo Adnet e Valéria Wilke)
14h30  Mesa-redonda: Fé cristã e diversidade sexual
1. “A verdade que emerge” (James Alison, padre católico, teólogo e escritor)
2. “Panorama bíblico sobre a homossexualidade” (Marcio Retamero, mestre em História Moderna/UFF e pastor da Igreja Presbiteriana da Praia de Botafogo e da Igreja da Comunidade Metropolitana Betel do RJ)
3. “Diversidade sexual e fé católica dentro de um Estado Laico” (Cristiana Serra, psicóloga e católica leiga)
16h30  Coffee break
16h45  Gay e cristão: depoimentos pessoais
17h45  Encerramento

O evento acontecerá no Auditório do CCET da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro/UNIRIO - Av. Pasteur, 456 - Botafogo/Praia Vermelha (veja o mapa para chegar a partir da rodoviária aqui e a partir do Aeroporto Santos Dumont, aqui). 

Atenção para dois detalhes: Há na região duas universidades vizinhas, a UFRJ e a UNIRIO. Nosso evento  será na UNIRIO. Além disso, o prédio da UNIRIO em que será realizado o encontro fica depois do Instituto Benjamin Constant. Portanto, NÃO é o prédio da reitoria colado à UFRJ, e sim o do campus do final da av. Pasteur, mais próximo ao bondinho do Pão de Açúcar. Para quem for de ônibus, peça ao motorista pra descer no ponto mais próximo ao Pão de Açúcar, que é exatamente ao lado da entrada do estacionamento do campus da UNIRIO onde ocorrerá o evento. As linhas que circulam na Urca são 107 (Central), 511, 512 e 513 (circulares da Zona Sul). Além disso, há um micro-ônibus que faz integração na estação de metrô Botafogo. Para quem for de carro, o estacionamento do campus estará liberado no dia.

Clique na imagem para ampliar

O portão do campus, bem ao lado do último ponto de ônibus da Av. Pasteur, 
antes do bondinho do Pão de Açúcar

Do portão até o auditório, é só atravessar o estacionamento

Aproveitem para acompanhar a página do evento no Facebook, aqui, onde vocês também podem aproveitar para tirar qualquer dúvida que tenham (bem como pelo e-mail contato@diversidadecatolica.com.br)

Para quem quiser nos ajudar a divulgar, segue abaixo um panfleto com a programação e demais informações.

Clique na imagem para vê-la e fazer download em tamanho maior



Homossexualidade e evangelização: desafios contemporâneos (2)

Foto: Tony Park

Começamos a publicar na quinta-feira passada, em 6 partes (que você acessa na tag "Homossexualidade e evangelização"), o artigo "Homossexualidade e evangelização: desafios contemporâneos", do Pe. Luís Correa Lima, SJ, divulgado pelo Centro Loyola de Fé e Cultura, da PUC-Rio, como uma síntese do curso Diversidade Sexual, Cidadania e Fé Cristã, realizado em 2010 e 2011. O artigo, que sairá sempre às quintas-feiras pela manhã, tem como objetivo fornecer subsídios a religiosos e leigos, agentes de pastoral e outros para entender melhor e encontrar meios de lidar, dentro do contexto da Igreja Católica, com os desafios pastorais da relação e cuidado da população LGBT, no foco do acolhimento respeitoso e amoroso.

Evangelizar neste contexto
Para a Igreja, a lei de toda a evangelização é pregar a Palavra de Deus de maneira adaptada à realidade dos povos, como lembra o Concílio Vaticano II. Deve haver um intercâmbio vivo e permanente entre a Igreja e as diversas culturas dos diferentes povos. Para viabilizar este intercâmbio – sobretudo hoje, em que tudo muda tão rapidamente, e os modos de pensar variam tanto – ela necessita da ajuda dos que conhecem bem a realidade atual, sejam eles crentes ou não. O laicato, a hierarquia e os teólogos precisam saber ouvir e interpretar as várias linguagens ou sinais do nosso tempo, para avaliá-los adequadamente à luz da Palavra de Deus, de modo que a Revelação divina seja melhor compreendida e apresentada de um modo conveniente (Gaudium et spes, nº44).

A correta evangelização, portanto, é uma estrada de duas mãos, do intercâmbio entre a Igreja e as culturas contemporâneas. Só se pode saber o que a Palavra de Deus significa hoje, e que implicações ela tem, com um suficiente conhecimento da realidade atual, que inclui a visibilização da população LGBT e os seus direitos humanos.

Certa vez o papa Bento XVI afirmou que o cristianismo não é um conjunto de proibições, mas uma opção positiva. E acrescentou que é muito importante evidenciar isso novamente, porque essa consciência hoje quase desapareceu completamente [Entrevista, Agência Zenit, 16 ago. 2006]. É muito bom que um Papa tenha reconhecido isto. Há no cristianismo uma tradição multissecular de insistência na proibição, no pecado, na culpa, na condenação e no medo. O historiador Jean Delumeau fala de uma ‘pastoral do medo’, que com veemência culpabiliza e ameaça de condenação eterna para obter a conversão. Isto não se deu somente no passado. Também hoje, em diversas igrejas e ambientes cristãos, muitos interpretam a doutrina de maneira extremamente restritiva e condenatória, com obsessão pelo pecado, sobretudo ligado a sexo.

Sem obsessão pelo pecado, o caminho do diálogo se abre. É preciso também respeitar a autonomia das ciências e da sociedade, como determina o Concílio (Gaudium et spes, nº36). Não cabe hoje encaminhar os gays a terapias de reversão ou a ‘orações de cura e libertação’, que frequentemente são formas escamoteadas de exorcismo. No diálogo ecumênico e inter-religioso da Igreja, recomenda-se conhecer o outro como ele quer ser conhecido, e estimá-lo como ele quer ser estimado. O conhecimento e a estima recíprocos são também o melhor caminho para o diálogo entre a Igreja e o mundo gay.

Neste diálogo, os ensinamentos da Igreja devem ser vistos não a partir da proibição, mas a partir da opção positiva contida na mensagem cristã, como sublinhou o papa. Uma carta da Cúria Romana aos bispos, de 1986, afirma: nenhum ser humano é um mero homossexual ou heterossexual. Ele é, acima de tudo, criatura de Deus e destinatário de Sua graça, que o torna filho Seu e herdeiro da vida eterna. E acrescenta que toda violência física ou verbal contra pessoas homossexuais é deplorável, merecendo a condenação dos pastores da Igreja onde quer que se verifiquem (Homosexualitatis problema, nos16 e 10). A oposição doutrinária às práticas homoeróticas não elimina esta dignidade fundamental do ser humano. Deus criou a todos. O Cristo veio para todos, e oferece o seu jugo leve e o seu fardo suave. Cabe a nós, com fidelidade criativa, conhecermos e darmos a conhecer estes dons divinos.

A posição da moral católica, segundo a carta, baseia-se na razão humana iluminada pela fé, e guiada conscientemente pela intenção de fazer a vontade de Deus, nosso Pai. Esta posição encontra apoio também nos resultados seguros das ciências humanas, que possuem objeto e método próprios e gozam de legítima autonomia. São dignas de admiração a particular solicitude e a boa vontade demonstradas por muitos sacerdotes e religiosos, no atendimento espiritual às pessoas homossexuais. A Congregação para a Doutrina da Fé deseja que tal solicitude e boa vontade não diminuam. Um programa espiritual amplo ajudará as pessoas homossexuais em todos os níveis da sua vida de fé, mediante os sacramentos, incluindo o da penitência, como também através da oração, do testemunho, do aconselhamento e da atenção individual. Desta forma, a comunidade cristã na sua totalidade pode reconhecer sua vocação de assistir estes seus irmãos e irmãs, evitando que se produza neles tanto a desilusão como o isolamento (Homosexualitatis problema, nos2, 13 e 15).

Sobre a condição e as relações homossexuais, um documento anterior da Igreja (Persona humana, de 1975) é frequentemente reiterado. Algumas pessoas são homossexuais por uma espécie de instinto inato ou uma constituição própria incurável, de modo que a sua condição é definitiva. As relações homossexuais, porém, contrariam a ordem moral objetiva [são contrárias à lei natural, como dirá depois o Catecismo da Igreja Católica (§2357)]. Elas são condenadas na Sagrada Escritura como graves depravações, e apresentadas como uma triste conseqüência da rejeição de Deus. Os atos de homossexualidade são intrinsecamente desordenados e não podem receber qualquer aprovação. Porém, na atividade pastoral as pessoas homossexuais hão de ser acolhidas com compreensão e apoiadas na esperança de superar as suas próprias dificuldades. A sua culpabilidade deve ser julgada com prudência (Persona humana, nº8).

Sobre a culpabilidade, reconhecem-se certos casos em que a tendência homossexual não é fruto de opção deliberada da pessoa, e que esta não tem outra alternativa, mas é compelida a se comportar de modo homossexual. Por conseguinte, em tal situação ela agiria sem culpa. Sobre isto, a tradição moral da Igreja alerta para o risco de generalizações a partir do julgamento de casos individuais. Mas, de fato, em uma determinada situação podem existir circunstâncias que reduzem ou até mesmo eliminam a culpa da pessoa (Homosexualitatis problema, nº11). Portanto, não se pode afirmar que todos os que praticam atos homossexuais estão em pecado mortal, e devem se afastar dos sacramentos.

Além dos ensinamentos do papa e da Cúria Romana, há interessantes iniciativas e proposições feitas pelos bispos em suas igrejas locais, ou mesmo através de conferências episcopais. Nos Estados Unidos, por exemplo, os bispos escreveram em 1997 uma bela carta aos pais de pessoas homossexuais. O título dela é oportuno e profético: Sempre Nossos Filhos [Always our children, USCCB, 10 set. 1997]. Eles afirmam que Deus não ama menos uma pessoa por ela ser gay ou lésbica. A aids pode não ser castigo divino. Deus é muito mais poderoso, mais compassivo e, se for preciso, mais capaz de perdoar do que qualquer pessoa neste mundo. Os bispos exortam os pais a amarem a si mesmos e a não se culparem pela orientação sexual de seus filhos, nem por suas escolhas. Os pais não são obrigados a encaminhar seus filhos a terapias de reversão para torná-los héteros. Os pais são encorajados, sim, a lhes demonstrar amor incondicional. E dependendo da situação dos filhos, observam os bispos, o apoio da família é ainda mais necessário.

Há muitas famílias que têm filhos gays e sofrem imensamente com isto. Os pais frequentemente culpam a si mesmos e não sabem o que fazer. Esta mensagem é muito oportuna também em nossa realidade social e eclesial. Um novo pronunciamento dos bispos norte-americanos foi feito em 2006, sobre o ministério junto a pessoas com inclinação homossexual. Neste trabalho, os ministros religiosos são convidados a ouvir as experiências, as necessidades e as esperanças das pessoas homossexuais. Assim se manifesta o respeito à dignidade inata e à consciência do outro. Gays e lésbicas podem, dependendo das circunstâncias, revelar a sua condição a familiares e amigos e crescer na vida cristã [Ministry to persons with a homosexual inclination: guidelines for pastoral care. Washington, DC, 2006].

A atitude de humildade e de escuta do ministro religioso é muito importante. Gays e lésbicas são filhos de Deus, e o Espírito divino também age neles. Não se deve jamais desqualificar previamente suas vivências, necessidades e esperanças simplesmente por causa de sua orientação sexual. O fiel homossexual pode ‘sair do armário' sem sair da Igreja. Isto só é possível fomentando nas comunidades cristãs um ambiente que não seja homofóbico e nem hostil.

Continua na próxima quinta-feira, 31/5/12

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Deus não odeia ninguém

Foto daqui

Ao ver um protesto de membros da Igreja Batista de Westboro (igreja ultrafundamentalista e radicalmente antigay), com faixas com os dizeres: “Deus odeia as bichas”, um menino pediu à sua mãe para fazer uma intervenção na cena.

Josef Akrouche, de nove anos, pegou um caderno e escreveu: “Deus não odeia ninguém”.

“Ele está crescendo para ser um bom rapaz”, disse sua mãe, Patty Akrouche, no Facebook, ao recordar a história. “Ganhei meu presente de Dia das Mães mais cedo”, lembra.

É isso aí, Jeff. Nos lembrou até isto aqui.

(Fonte: Blogay)

Cardeal alemão pede igualdade para relacionamentos hetero e homossexuais


O cardeal de Berlim, Rainer Maria Woelki, disse numa importante conferência católica na Alemanha, o Katholikentag que os relacionamentos de pessoas do mesmo sexo devem ser tratados de forma igual aos dos casais heterossexuais.

A análise é de Francis DeBernardo, publicada no sítio da New Ways Ministry, 20-05-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto, aqui reproduzida via IHU.


Um artigo publicado no sítio The Local, uma agência de notícias em inglês da Alemanha, noticia:

"Ele disse a uma multidão na quinta-feira, 17, que a Igreja deveria ver, a longo prazo, as relações homossexuais fiéis assim como fazem com as heterossexuais. 'Quando dois homossexuais assumem a responsabilidade um pelo outro, se eles se relacionam uns com os outros de uma forma fiel e a longo prazo, então você tem que ver isso da mesma forma como as relações heterossexuais', disse Woelki a uma multidão estupefata, de acordo com uma notícia do jornal Tagesspiegel.

"Woekli reconheceu que a Igreja vê o relacionamento entre um homem e uma mulher como base para a criação, mas acrescentou que é hora de pensar mais sobre a atitude da Igreja com respeito às relações do mesmo sexo".

Falando na 98º Katholikentag, uma conferência que reuniu 60 mil católicos em Mannheim, Woelki se juntou a um crescente coro de vozes episcopais que estão clamando por uma mudança na recusa tradicionalmente absolutista da hierarquia a reconhecer a bondade moral das relações lésbicas e gays.

Em dezembro passado, o arcebispo Vincent Nichols, de Londres, ganhou as manchetes ao apoiar as uniões civis para casais de lésbicas e gays no Reino Unido. Naquele mesmo mês, o padre Frank Brennan, jesuíta estudioso de Direito na Austrália, também pediu o reconhecimento similar para os relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo. Em janeiro, Dom Paolo Urso, bispo de Ragusa, Itália, também pediu o reconhecimento das uniões civis em seu país.

O mês de março de 2012 assistiu a uma explosão de questionamentos de prelados à proibição da hierarquia acerca da igualdade do casamento. No 7º Simpósio Nacional da New Ways Ministry, Dom Geoffrey Robinson, bispo australiano, pediu um total re-exame da ética sexual católica para permitir, dentre outras coisas, a aprovação moral dos relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo. A diocese de Manchester, em New Hampshire, apoiou um projeto de lei que legaliza as uniões civis (embora como uma medida paliativa para evitar a igualdade do casamento).

Dom Richard Malone, bispo de Portland, Maine, anunciou que a diocese não assumiria um papel ativo na oposição do próximo referendo do Estado sobre a igualdade do casamento, como havia feito em 2009. Na Itália, o cardeal Carlo Maria Martini, de Milão, afirmou em seu livro Credere e Conoscere (Crer e conhecer), que "eu não compartilho as posições daqueles que, na Igreja, criticam as uniões civis".

Embora a oposição à igualdade do casamento por parte da hierarquia, especialmente nos EUA, ainda seja grande e forte, é significativo que essas recentes declarações estejam todas desenvolvendo um tema similar de ao menos algum reconhecimento do valor intrínseco das relações lésbicas e gays, assim como da necessidade de proteção civil a elas. Que essa tendência continue e cresça.

Marcha para Jesus ou contra homossexuais?

"Ao contrário do que dizem por aí, não odeio ninguém que seja gay".
Deus.

"Os pastores só precisam entender que podem ter quantos valores morais quiserem, contanto que se conformem com a ideia de que o Estado não tem nada a ver com isso. E se quiserem esbravejar seus tantos preceitos por aí, mesmo que sejam preceitos contrários aos direitos humanos, é sempre bom lembrar que liberdade de expressão envolve responsabilidade, inclusive legal, sobre o que se faz e o que se fala. (...)

"Ainda sobre a liberdade, é bom dizer aos pastores que enquanto eles não querem mordaças nos seus púlpitos e altares, nós também estamos há séculos cansados de mordaças nos nossos beijos e no nosso sexo, nos nossos amores e no nosso afeto. Em função disso, é também cansativo o movimento de legitimação da homofobia que se perpetua em eventos como a Marcha para Jesus, que até poderiam ter algo de interessante. Mais ainda, chega a ser triste ver verdadeiras multidões de marionetes a repetir os discursos de preconceito das suas lideranças, dando glórias ao ridículo dessa violência que, por sinal, não é nada cristã."

Do querido Murilo Araújo, para o vestiário.org. Vale ler o texto completo, aqui.

"O Bom Samaritano" ou "O Bom Travesti"

Escultura: Nic Joly

E perguntaram a Jesus: "Quem é o meu próximo?" E ele lhes contou a seguinte parábola:

Voltava para sua casa, de madrugada, caminhando por uma rua escura, um garçom que trabalhara até tarde num restaurante. Ia cansado e triste. A vida de garçom é muito dura, trabalha-se muito e ganha-se pouco. Naquela mesma rua dois assaltantes estavam de tocaia, à espera de uma vítima. Vendo o homem assim tão indefeso saltaram sobre ele com armas na mão e disseram: "Vá passando a carteira". O garçom não resistiu. Deu-lhes a carteira. Mas o dinheiro era pouco e por isso, por ter tão pouco dinheiro na carteira, os assaltantes o espancaram brutalmente, deixando-o desacordado no chão.

Às primeiras horas da manhã passava por aquela mesma rua um padre no seu carro, a caminho da igreja onde celebraria a missa. Vendo aquele homem caído, ele se compadeceu, parou o caro, foi até ele e o consolou com palavras religiosas: "Meu irmão, é assim mesmo. Esse mundo é um vale de lágrimas. Mas console-se: Jesus Cristo sofreu mais que você." Ditas estas palavras ele o benzeu com o sinal da cruz e fez-lhe um gesto sacerdotal de absolvição de pecados: "Ego te absolvo..." Levantou-se então, voltou para o carro e guiou para a missa, feliz por ter consolado aquele homem com as palavras da religião.

Passados alguns minutos, passava por aquela mesma rua um pastor evangélico, a caminho da sua igreja, onde iria dirigir uma reunião de oração matutina. Vendo o homem caído, que nesse momento se mexia e gemia, parou o seu carro, desceu, foi até ele e lhe perguntou, baixinho: "Você já tem Cristo no seu coração? Isso que lhe aconteceu foi enviado por Deus! Tudo o que acontece é pela vontade de Deus! Você não vai à igreja. Pois, por meio dessa provação, Deus o está chamando ao arrependimento. Sem Cristo no coração sua alma irá para o inferno. Arrependa-se dos seus pecados. Aceite Cristo como seu salvador e seus problemas serão resolvidos!" O homem gemeu mais uma vez e o pastor interpretou o seu gemido como a aceitação do Cristo no coração. Disse, então, "aleluia!" e voltou para o carro feliz por Deus lhe ter permitido salvar mais uma alma.

Uma hora depois passava por aquela rua um líder espírita que, vendo o homem caído, aproximou-se dele e lhe disse: "Isso que lhe aconteceu não aconteceu por acidente. Nada acontece por acidente. A vida humana é regida pela lei do karma: as dívidas que se contraem numa encarnação têm de ser pagas na outra. Você está pagando por algo que você fez numa encarnação passada. Pode ser, mesmo, que você tenha feito a alguém aquilo que os ladrões lhe fizeram.

Mas agora sua dívida está paga. Seja, portanto, agradecido aos ladrões: eles lhe fizeram um bem. Seu espírito está agora livre dessa dívida e você poderá continuar a evoluir." Colocou suas mãos na cabeça do ferido, deu-lhe um passe, levantou-se, voltou para o carro, maravilhado da justiça da lei do karma.

O sol já ia alto quanto por ali passou um travesti, cabelo louro, brincos nas orelhas, pulseiras nos braços, boca pintada de batom. Vendo o homem caído, parou sua motocicleta, foi até ele e sem dizer uma única palavra tomou-o nos seus braços, colocou-o na motocicleta e o levou para o pronto socorro de um hospital, entregando-o aos cuidados médicos. E enquanto os médicos e enfermeiras estavam distraídos, tirou do seu próprio bolso todo o dinheiro que tinha e o colocou no bolso do homem ferido.

Terminada a estória, Jesus se voltou para seus ouvintes. Eles o olhavam com ódio. Jesus os olhou com amor e lhes perguntou: "Quem foi o próximo do homem ferido?"

- Rubem Alves
Fonte: A fé absurda

terça-feira, 22 de maio de 2012

Acreditar é humano; duvidar é divino

Foto: Martin Zalba

Acho muito interessante a frase do meu amigo Peter Rollins : “To believe is human; to doubt divine” – Acreditar é humano; duvidar é divino. Ou seja, onde não houver espaço para a dúvida, também não haverá espaço para especular sobre o que a fé, no sentido mais amplo, significa – Basta analisar a realidade dos personagens bíblicos.

A fé é nostalgia. É um nó na garganta. A fé é mais um passo adiante do que uma posição, mais um pressentimento do que uma certeza.

A fé é espera. Ela está caminhando no tempo e no espaço.

Portanto, se alguém se achega a mim e me pede ( o que acontece com frequência) para falar sobre minha fé, é exatamente sobre essa jornada no tempo e no espaço que falo. Os altos e baixos das lágrimas, os sonhos, os momentos particulares, as intuições. Falo sobre a sensação ocasional que tenho de que a vida não é uma sequência de eventos que gera outros eventos tão a esmo, quanto uma tacada no jogo de bilhar faz que as bolas se afastem em diferentes direções, mas que a vida tem um roteiro, assim como num romance – aqueles eventos que, de algum modo, nos levam a algum lugar.

Embora passe a vida à busca de Deus, com frequência sinto que Deus está na próxima curva do caminho, ali atrás da próxima árvore na floresta. Continuo andando porque gosto de onde a jornada me levou até agora, pois outros caminhos parecem ainda mais problemáticos do que o meu próprio e porque anseio pela conclusão do plano. Conheço pouco das tragédias da vida. Provei sua comédia. Continuo andando porque creio no conto de fadas de que um Deus forte e sábio o suficiente para criar um mundo marcado por tal beleza e bondade será fiel em restaurar sua aparência original. Quero me esforçar para cooperar nesse projeto, e coloco todas as minhas fichas na firme promessa de Cristo, de que, no final , tudo sairá bem. Tanto para mim quanto para todos!

- Nelson Costa Jr.
(Fonte: A fé absurda)

Disseminar a homofobia: a igreja precisa recusar esse papel

Imagem daqui

A Semana Maringaense de Combate a Homofobia antecedeu a Parada LGBT programada para o dia 20 de maio. Entre as personalidades convidadas para as conferências estava o leigo católico Arnaldo Adnet, que integra o grupo Diversidade Católica do Rio de Janeiro [conforme havíamos publicado aqui].

Adnet, juntamente com integrantes do movimento GLBT de Maringá, reuniu-se com o Arcebispo da Arquidiocese de Maringá, pastores e leigos evangélicos para relatar a experiência pastoral experimentada no Rio, onde o grupo recebe o amparo espiritual necessário para o enfrentamento diário das dificuldades sofridas por causa da homossexualidade.

[Leia também: Arcebispo de Maringá defende mudança de postura do clero em relação aos homossexuais]

“Quando me descobri gay, eu mesmo me julguei e me penalizei com a auto-exclusão da igreja católica. Isso provocou um vazio imensurável em minha vida e quase me destruiu. Foi através desse grupo, assessorado por um pároco católico, que regressei a fé. Hoje me sinto íntegro, feliz e sustentado pelo dom infindo do amor de Jesus e da minha igreja. Tenho prazer em afirmar que sou gay e católico”; conclui Adnet.

Para Adnet, mesmo inadvertidamente, a mídia tem colocado as igrejas e os gays em posições antagônicas. Basta um olhar cuidadoso para verificar a procedência dessa afirmação. Historicamente, igrejas e fiéis foram seduzidos e tornaram-se reféns de objetivos díspares da justiça e da paz. Em nome de Deus e na suposta defesa da fé cristã, muito sangue foi derramado nessa terra. Terra esta, onde, ao final, todos os corpos serão recebidos de igual modo e sem acepções de crença ou de sexo.

Havemos, portanto e enquanto o Espírito Santo nos sopra o fôlego da vida, empenhar todas as forças para ajudar nossas igrejas a olharem para cruz e para a mesa; onde, antes de ascender aos céus, Jesus repartiu o pão e o vinho a todos os seus discípulos.

Experiências como as do grupo da Diversidade Católica, demonstram que há mais amor entre cristãos e gays, do que o ódio que a mídia ou pequenos grupos religiosos querem propagar. Abaixo algumas afirmações dos líderes cristãos:

“Não devemos considerar os homossexuais mais pecadores do que alguns que estão dentro da igreja, que são mentirosos, maldizentes, injustos, como bem classificou o Apóstolo Paulo (I Co 6.9-10). A Igreja tem a tendência de considerar um/a adúltero/a um/a pecador/a mais aceitável do que um homossexual” – (A Igreja e a questão do homossexualismo: uma Orientação Pastoral – Colégio Episcopal da Igreja metodista, 2000)

“É legítima a reivindicação dos homossexuais de viver na sociedade sendo respeitados em suas diferenças, sem discriminações ou perseguições que os oprimam”. – Cardeal Dom Geraldo Majella Agnelo, então presidente da CNBB, em depoimento à revista Época (10/1/2005).

“São dignas de admiração a particular solicitude e a boa vontade demonstrada por muitos sacerdotes e religiosos, no atendimento pastoral às pessoas homossexuais; esta Congregação [da Doutrina da Fé] espera que tal solicitude e boa vontade não diminuam”. – Cardeal Joseph Ratzinger, no documento Carta aos bispos da Igreja Católica sobre o atendimento pastoral de pessoas homossexuais (Roma, 1986, número13).

“A consciência é a intimidade secreta, o sacrário da pessoa, em que se encontra a sós com Deus e onde lhe ouve intimamente a voz. Na consciência revela-se, de modo admirável, a lei que consiste em amar a Deus e ao próximo. A fidelidade à própria consciência é o laço mais profundo que une todos os seres humanos entre si, inclusive os cristãos, na busca da verdade e de uma solução autêntica para os problemas morais que surgem na vida de cada um e na relação de uns com os outros, na sociedade… Ninguém seja levado a agir contra a consciência nem impedido de agir de acordo com ela”. – Documentos do Concílio Vaticano II (1965): constituição pastoral Gaudim et Spes (número 16) e declaração Dignitatis Humanae (número 2).

É tempo de assumirmos, como cristãos e como igreja a posição de autores principais nas cenas cotidianas de compaixão pelas vidas humanas, ao invés de prestarmo-nos ao papel de coadjuvantes disseminadores da homofobia. Que os Anjos e Santos digam amém!

- Maria Newnum, pedagoga e teóloga metodista, em seu blog

Fontes:
Igreja e a Questão do Homossexualismo – Uma Orientação Pastoral
Sob a perspectiva da Igreja
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