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domingo, 15 de junho de 2014

Claudio Pastro na capela da Santíssima Trindade


Neste domingo da Santíssima Trindade, o querido Fábio Sotero nos envia esta linda reflexão do Pe. Ramón F. de la Cigoña, SJ e a compartilhamos aqui.

O mural de Claudio Pastro (*1948) sobre a Santíssima Trindade, na capela do 2º piso de Vila Kostka, Itaici (SP) [veja inteiro aqui] foi pintado em 1990, e ocupa quase 20 metros quadrados de extensão. A pintura foi feita diretamente sobre a massa, com técnicas de afresco, onde a tinta (pigmentos naturais, terra etc.) se mistura com a própria massa, penetrando-a por alguns milímetros.

O mural revela ondulações, alongando, desse modo, o lugar quadrado da capela. As mesmas curvas flutuantes convidam-nos a ir além do espaço e entrar no mistério de Deus... As curvas e as cores descansam o nosso olhar, trazem paz interior e lembram o deserto, lugar bíblico da provação e da revelação.

No deserto o homem se despoja de todas as suas mentiras. Para que as máscaras? A quem seduzir ou enganar? Contudo, Israel foi tentado no deserto e Jesus também. Nosso “eu” mais profundo é terra solitária, por onde vagueiam anjos e demônios, o bem e o mal.

No deserto podemos encontrar também o Senhor. E adorá-lo.

O artista, C. Pastro, não fechou o horizonte contemplado, deixando espaços sem pintar. Esses vãos convidam a ir além do que vemos e as ondulações das dunas ampliam o espaço de visão exterior e interior. Tudo se orienta, na fé, para o mistério, para o encontro Daquele que sempre vem. Observe o movimento cósmico que nos convida a entrar no mistério de Deus: o mundo, o deserto, as pessoas, o Cordeiro... Tudo está em movimento, porque a vida é sair de si mesmo e doar-se.

O tema da Santíssima Trindade na arte vem da tradição Copta e Siríaca. A Trindade não é fácil de ser representada. Alguns teólogos caíram em diversas heresias ao falar da Trindade: Uns, para assegurar a fé num único Deus, acabaram negando a Trindade das pessoas (Pai, Filho e Espírito Santo); outros, destacando a diversidade, acabaram negando a unidade.

O artista representou a Trindade na figura dos três anjos peregrinos. O anjo, na Sagrada Escritura, representa muitas vezes, o próprio Deus. A Trindade é mistério de comunhão, gerador de vida. O Pai não é o Filho, nem o Espírito Santo é o Pai. São diferentes nas suas relações interiores e exteriores. Mas uma coisa é certa: onde está um sempre estão os outros dois. A Trindade é verdadeira comunidade.

No mural, o Pai está no meio, como aquele que gera. Seu olhar e suas mãos indicam o Filho muito amado (pessoa e Cordeiro).

O Filho é imagem do Pai (quem me vê, vê o Pai...); sua mão também aponta o Cordeiro imolado (Ele mesmo!) e a chaga dele, de onde vão brotar a água e o sangue, o Batismo e a Eucaristia. Jesus sempre olha para nós, pois é o único revelador do Pai. É ele quem revela o mistério da Santíssima Trindade. O Filho segura o cajado de Pastor. Eu sou o Bom Pastor!

O Espírito Santo é o doador de todos os dons. Ele revela o mistério e, ao mesmo tempo, nos convida a entrar nele. E olha para o mundo! O seu cajado está solto, porque Ele o colocou nas mãos dos pastores que hoje nos guiam, os bispos.

As cores usadas nos três anjos são o azul, o vermelho e o amarelo, cores do fogo. A divindade é luz que atrai e purifica.

No centro, a mesa com o Cordeiro de pé e imolado, o Alfa e o Omega, aquele que é, que era, e que vem (Ap 1, 8).

No meio, a árvore da vida, símbolo da eternidade de Deus. Algumas das suas folhas são amarelas... Esses traços amarelos se repetem nas asas e no resplendor dos três personagens e nos faz lembrar da promessa feita outrora a Abraão: Olha para as estrelas, assim será tua posteridade...

Todos estamos na tenda, a capela é a tenda, com Abraão e Sara. Observe as estacas da tenda nos dois extremos do mural. Abraão e Sara representam a humanidade toda. O homem e a mulher aproximando-se do mistério de Deus.

Alguns se aproximam do mistério de Deus e o adoram, como Abraão. Outros, como Sara, escutam e não entendem.

É Deus quem toma a iniciativa de se aproximar de nós, pois foram os três anjos, que vieram ao encontro de Abraão, como peregrinos que caminham para onde nós estamos. Deus quer se aproximar também de nós. Contudo, podemos acolhê-lo ou não; crer, como Abraão, ou rir, como Sara. Dentro de nós habita um Abraão ou uma Sara?

A fé rejuvenesce! Perceba como o artista fez um Abraão jovem. Adorando, nos unimos a Deus e aos irmãos. Formamos também comunidade.

Que a contemplação do belo e do Santo faça brotar a imagem de Deus Pai, Filho e Espírito Santo em cada um de nós.

Amém!
Fonte

O coração de Deus


O Espírito Santo, festejado no domingo passado, nos leva a mergulhar na intimidade do coração de Deus. Ele é dom mútuo, abertura, calor e partilha; é o sopro que desperta, é torrente, doçura, luz, ternura…

A reflexão é de Marcel Domergue, sacerdote jesuíta francês, publicada no sítio Croire, comentando as leituras da Festa da Santíssima Trindade (Domingo, 15 de Junho de 2014). A tradução é de Francisco O. Lara, João Bosco Lara e José J. Lara.

Eis o texto.

Referências:
1ª leitura: Êxodo 34,4-6.8-9
2ª leitura: 2 Coríntios 13,11-13
Evangelho: João 3,16-18

O Deus desconhecido

Nós, humanos, só podemos existir sendo imagem e semelhança deste que nos faz ser e a quem chamamos de «Deus». Fora isso, há para nós somente o nada. O problema é que só por meio da nossa liberdade podemos ser «como Deus» que é livre para ser o que Ele é: é tomando livremente o caminho que escolhemos. O que Deus criou à sua imagem foram as nossas liberdades. Mas o que devemos escolher para assemelharmo-nos a Ele? O leque de possibilidades à nossa escolha apresenta uma infinidade de modelos que, entre outros textos, podem se resumir na fórmula de Deuteronômio 30,15-20: «Eis que hoje estou colocando diante de ti a vida e a felicidade, a morte e a infelicidade. ... Escolhe pois a vida para que vivas...» Sim, mas onde estão a felicidade e o bem? Onde estão a infelicidade e o mal? É aí que entra o que chamamos de «Revelação». Deus vai nos mostrar «como Ele é» para que possamos nos fazer como Ele, sob o influxo do seu Espírito. E (a) isto podemos acolher ou recusar. Somente por esta «aliança» é que existimos. Sob formas diversas, que vão do mito à história revisitada e interpretada, as Escrituras nos desvendam as peripécias desta descoberta de «como Deus é». Descoberta que só chega ao seu termo no final do Livro, com o Cristo e o pleno acolhimento do seu Espírito. E então, como Deus é? É intercâmbio, reciprocidade, dom de Si; numa palavra, é «Trindade». Assim, resulta para nós que só existimos por nos darmos aos outros, que apenas salvamos o que damos de nós mesmos para que outros sejam.

Para muito além das nossas palavras


Quando dizemos «Trindade», não vamos imaginar termos feito a volta toda do Ser de Deus e que O temos enfim compreendido. Deus não pode ser qualificado nem definido por palavras. Tão logo dizemos «Pai, Filho, Espírito» e a questão se põe novamente. De fato, palavras como pai, filho e sopro referem-se às nossas experiências humanas e ganham um sentido diferente quando aplicadas a Deus. Qual sentido? Não é possível precisar. Estas palavras são como flechas que podem orientar o nosso olhar, mas jamais atingem o seu alvo. Este Pai está de fato muito além de tudo o que podemos colocar sob a palavra paternidade. Por isso Paulo, em Romanos 8,26, escreve que não sabemos nos dirigir a Deus como convém e que o Espírito deve vir a nós para falar a Deus com «gemidos inefáveis», indizíveis, sem palavras. Temos que, enfim, nos manter diante deste circuito vertiginoso do intercâmbio trinitário (ainda palavras!) em silêncio e com abertura, para recebermo-nos d’Ele, que é «Eles», entrando neste seu intercâmbio. Estamos aqui bem longe das figuras de Deus que a Bíblia apresenta para fazer-nos superá-las: o Todo Poderoso autoritário, o senhor da história que, de repente, se torna o autor dos nossos massacres e de todos os nossos males, o juiz impiedoso e vingativo, o inspetor exageradamente meticuloso e exigente. Mas estamos, ao invés disso, diante e dentro de um indizível turbilhão de amor que nos faz ser.

O corpo uno e múltiplo

Deus é, portanto, em Si mesmo, Aquele que faz ser (Pai), Aquele que recebe a Si mesmo e que aceita ser (Filho) e Aquele que vai de Um para o Outro e, de alguma forma, transporta-Os para todas as coisas, concedendo-lhes ser e receber-se. Isto tudo poderia também ser dito sob a forma de núpcias, onde o casal humano seria a imagem de Deus. Daí resulta que só podemos existir de verdade, ou seja, ser imagem e semelhança de Deus, tomando consciência de que somos frutos de uma rede de relações que, de próximo em próximo, estende-se à humanidade inteira. Assumir isto com toda a nossa liberdade equivale a aceitarmos fazer parte deste «um só corpo». Para chegarmos até aí, temos necessidade de que Deus se revele. Sem isto, como poderíamos fazer-nos à sua imagem? A Páscoa nos ensina que Deus é dom de Si: o Pai nos dá o Filho, o Filho nos dá a sua vida e o Espírito é «entregue», derramado, segundo a expressão usada por João (19,30. Ver também 7,39 e 1 João 5,6-7). O fruto da Páscoa é a possibilidade de os homens se fazerem um, assim como o Pai, o Filho e o Espírito são Um. Quando Jesus se dá a nós como alimento e como bebida, ou seja, como o que mantém a vida, acrescenta: «Fazei isto em memória de mim.» Fazer e refazer isto para que todos os tempos sejam investidos desta memória, é pôr no mundo o corpo feito de membros reconciliados que chamamos de Igreja. Sem cessar, ela deve refazer-se, transformar-se e progredir para tornar-se verdadeiramente Imagem.

Fonte

sábado, 14 de junho de 2014

Confiar em Deus


A leitura que a Igreja propõe neste domingo e o evangelho de Jesus Cristo segundo João 3, 16-18 que corresponde a Festa da Santíssima Trindade, ciclo A do ano litúrgico. O teólogo espanhol José Antonio Pagola comenta o texto.

Eis o texto.

O esforço realizado pelos teólogos ao longo dos séculos para expor em conceitos humanos o mistério da Santíssima Trindade apenas ajuda hoje os cristãos a reavivar a sua confiança em Deus Pai, a reafirmar a sua adesão a Jesus, o Filho encarnado de Deus, e a acolher com fé viva a presença do Espírito de Deus em nós. Por isso pode ser bom fazer um esforço para nos aproximarmos do mistério de Deus com palavras simples e coração humilde seguindo de perto a mensagem, os gestos e a vida inteira de Jesus: mistério do Filho de Deus encarnado.

O mistério do Pai é amor cativante e perdão contínuo. Ninguém está excluido do Seu amor, a ninguém se lhe nega o Seu perdão. O Pai ama-nos e procura-nos a cada um dos Seus filhos e filhas por caminhos que só Ele conhece. Olha para todos os seres humanos com ternura infinita e profunda compaixão. Por isso, Jesus invoca-O sempre com uma palavra: “Pai”.

A nossa primeira atitude ante esse Pai deve ser a confiança. O mistério último da realidade, que nós crentes chamamos “Deus”, não nos há de causar nunca medo ou angústia: Deus só pode amar-nos. Ele entende a nossa fé pequena e vacilante. Não temos de sentir-nos tristes pela nossa vida, quase sempre tão medíocre, nem desalentar-nos ao descobrir que temos vivido durante anos afastados desse Pai. Podemos abandonar-nos a Ele com simplicidade. A nossa pouca fé basta.

Também Jesus nos convida à confiança. Estas são as Suas palavras: “Não vivais com o coração perturbado. Acreditais em Deus. Acreditai também em Mim”. Jesus é o vivo retrato do Pai. Nas Suas palavras escutamos o que nos diz o Pai. Nos Seus gestos e ao Seu modo de atuar, entregue totalmente a fazer a vida mais humana, descobre-se o quanto Deus nos quer.

Por isso, em Jesus podemos encontrar-nos em qualquer situação com um Deus concreto, amigo e próximo. Ele coloca paz na nossa vida. Faz-nos passar do medo para a confiança, do receio à fé simples no mistério último da vida que é só Amor.

Acolher o Espírito que alenta o Pai e o Seu Filho Jesus é acolher dentro de nós a presença invisível, profunda, mas real do mistério de Deus. Quando nos fazemos conscientes desta presença contínua, começa a despertar-se em nós uma confiança nova em Deus.

A nossa vida é frágil, cheia de contradições e incertezas: crentes e não crentes vivemos rodeados de mistério. Mas a presença, também misteriosa do Espírito em nós, apesar de débil, é suficiente para sustentar a nossa confiança no Mistério último da vida que é só Amor.

Fonte

domingo, 3 de junho de 2012

A Trindade Santa


Deus não poderia fazer outra coisa senão amar. Fazer discípulos não é recrutar mão de obra ou procurar aderentes. Antes de qualquer coisa, trata-se de ir. O único mandamento é amar!

A reflexão a seguir é de Raymond Gravel, sacerdote de Quebec, Canadá, publicada no sítio Culture et Foi, comentando as leituras do Domingo de Pentecostes (3 de junho de 2012). A tradução é de Susana Rocca.

Eis o texto, aqui reproduzido via IHU.


Referências bíblicas:
1ª leitura: Dt 4,32-34.39-40
2ª leitura: ROM 8,14-17
Evangelho: MT 28,16-20

Cada ano, após Pentecostes, desde o século XIV, nós celebramos a festa da Trindade Santa: a festa de Deus, o Deus único e trino, o Deus em pessoas. Eu lia o comentário de Gérard Sindt na revista Signes d’aujourd’hui, que dizia: “O nosso Deus é um Deus pessoal. Em Cristo, nós descobrimos Deus em pessoas (no plural), que nos ensina a nossa personalidade relacional” e – eu acrescentaria – comunional. De fato, Deus é relação e comunhão com a sua criação, conosco. E por que isso? Simplesmente porque Deus é Amor. No Ângelus do dia 22 de maio de 2005, o Papa Bento XVI convidava as pessoas a reconhecer que Deus é único, que ele é Pai, Filho e Espírito Santo, que ele não é solidão, mas comunhão perfeita, pois Deus é Amor. Eis aí a grande revelação que Cristo nos trouxe: o Ser de Deus é o Amor em estado puro. Então, Deus não poderia fazer outra coisa senão amar. De fato, o amor não existe se não for movimento, reciprocidade, dom, acolhida, relação e comunhão. Na história, Deus não cessou de se revelar e ele continua a fazê-lo hoje, pois se é Deus ele não pode ser e não pode existir mais que como Fonte de Amor, o amor criado que dá a vida, que se multiplica, que se expande e nos faz descobrir sempre mais Deus.

Para falar em Deus, precisamos defini-lo como relação, dom, partilha, comunicação, intercâmbio, comunhão. A única maneira de alcançar a totalidade é necessariamente três pessoas em Deus, porque o Amor tem isto de particular: é preciso que exista um terceiro: “O meu mandamento é este: amem-se uns aos outros, assim como eu amei vocês” (Jo 15,12). O Amor não volta àquele que ama; se dá a outro, daí seu crescimento e a sua fecundidade. Também, o Amor não se fusiona; ele estabelece uma relação interpessoal. É o que faz dizer ao padre francês Léon Paillot: “Deus, nosso Deus é essencialmente relação, intercâmbio. Mas é preciso uma terceira pessoa para que todos os Eu se tornem um Nós”.

Não podemos falar de um Deus Pai sem que haja uma relação de amor com um dos filhos gerados por ele. E se não houvesse nada além do que o Pai e o Filho, poderíamos pensar que eles se bastariam a se próprios: o Pai dá a vida e o Filho a recebe... Porém, isso faria um Deus limitado, centrado em si próprio. E, portanto, diz o teólogo Gérard Sindt: “Deus, na Bíblia, tende ao descentramento de si próprio, e é o Espírito que é o operador. Ele é a fecundidade operacional de Deus, a sua feminidade e a sua maternidade. A feminidade, ela própria, é experiência de Deus”. E Gérard Sindt acrescenta: “Quando se fala de pessoas em Deus, é sempre o Espírito que é mais difícil de atingir. Ele representa aqui a terceira pessoa, isto é, nós”. Nós estamos envolvidos, portanto, do mistério de Deus, da Trindade. Também, para que haja comunhão, é preciso três pessoas; se não houvesse mais do que duas, seria simplesmente uma relação. Assim, o Espírito assegura a fecundidade do Amor do Pai ao seu Filho que partilha conosco.

Mas o que nos dizem as três leituras de hoje sobre Deus?

1. Deuteronômio 4,32-40: Estamos no Antigo Testamento, a Antiga Aliança, e o autor do Deuteronômio se maravilha diante deste Deus diferente dos outros deuses; não é uma força escura ou impessoal como os outros deuses: Deus está, juntamente, longe e perto: “Javé é o único Deus, tanto no alto do céu, como aqui em baixo, na terra” (Dt 4,39). Ele fala ao homem (Dt 4,33) e ele se escolheu um povo (Dt 4,34). Essas duas coisas fazem parte da sua singularidade. Poderíamos ter pensado que Deus é incomunicável, que o mundo dos homens e o mundo de Deus não se encontram nunca, que eles não falam a mesma língua... Mas não! É tudo o contrário: com Deus existe uma comunicação possível, uma proximidade admirável, e não morremos! (Dt 4,33). Deus liberou seu povo da escravidão (Dt 4,34), e ele quer a felicidade dos seres humanos que ele escolheu (Dt 4,40).

Esse antigo texto do Deuteronômio não conhecia certamente o Deus Trino tal como o conhecemos hoje e que foi definido pela Igreja do século IV. Mas já podemos entrever sinais da Trindade, nos versículos 35-38, que o lecionário infelizmente cortou na liturgia deste domingo: fala-se da Palavra, do Verbo (segunda pessoa da Trindade), e do Fogo, do Espírito (terceira pessoa da Trindade). É uma antecipação do Deus relação e comunhão, tal como hoje é confessado.

2. Romanos 8,14-17: Na sua carta aos Romanos, São Paulo nomeia as três pessoas em Deus, sem mesmo conhecer o conceito da Trindade. Além do mais, ele nos integra na família trinitária: “Todos os que são guiados pelo Espírito de Deus são filhos de Deus” (Rom 8,14). É o Espírito que segura o vínculo entre Deus e nós; ele nos tira dos nossos medos e das nossas escravidões, e nos faz reconhecer Deus como Pai (Rom 8,15). Além disso, diz São Paulo, nós somos como Cristo: “E se somos filhos, somos também herdeiros: herdeiros de Deus, herdeiros junto com Cristo” (Rom 8,17). E São Paulo acrescenta: “uma vez que, tendo participado dos seus sofrimentos, também participaremos da sua glória” (Rom 8,17). Mas atenção para não cair na teologia do martírio como necessidade de salvação! O que São Paulo quer dizer é que nas nossas experiências humanas de libertação e de sofrimento, nós somos como Cristo; assemelhamo-nos a ele. Assim como ele, nós também devemos assumir a nossa condição humana até o fim, isto é, até a morte, para ressuscitar como Cristo.

É evidente que no momento em que São Paulo escreve a sua carta, a perseguição cristã fazia parte do programa. Mas, hoje, como não é mais o caso, nós não devemos inventar silícios, como parecem propô-lo algumas correntes conservadoras cristãs. Nós não devemos levar mais do que os silícios que a vida nos impõe: os nossos limites humanos, as nossas capacidades, a doença, o sofrimento e a morte. A Sexta-Feira Santa precede sempre o Domingo de Páscoa. Foi o caso de Jesus de Nazaré e será o caso para nós também.

3. Mateus 28,16-20: Em nenhum lugar da Bíblia nós encontramos uma fórmula trinitária tão explícita e elaborada como no final do Evangelho de Mateus, onde assistimos ao envio missionário dos apóstolos, na noite da Páscoa: “Portanto, vão e façam com que todos os povos se tornem meus discípulos, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo” (Mt 28,19). Segundo os exegetas, essa fórmula se constituiu na liturgia do batismo, no final do século I. Isso não quer dizer que o evangelista Mateus conhecia o Deus Trino como o conhecemos hoje; ele utiliza simplesmente o nome de Deus, revelado na história, como um Pai, por Jesus Cristo seu Filho, no Espírito de Cristo que nos habita. Devemos salientar que para Mateus o batismo não está reservado a um povo em particular; ele é universal: “todos os povos” (Mt 28,19).

A missão consiste, então, em batizar, em fazer discípulos. Não aderindo a uma doutrina, mas sim entrando numa comunidade de fé que se enraíza em Deus, pelo Espírito Santo que nos habita. É evidente que a pessoa que ensina é importante, mas ele diz respeito aos mandamentos que Cristo nos deu: “ensinando-os a observar tudo o que ordenei a vocês” (Mt 28,20)... Porém, de fato, estes mandamentos se resumem num só: “Amem-se uns aos outros, assim como eu amei vocês” (Jo 15,12). O nosso Amor deve ser fecundo, voltado aos outros, para que ele produza frutos, e que ele revele outros rostos do Deus Amor, outras pessoas em Deus, pelo Espírito Santo. Apesar das dúvidas que surgissem e que persistissem sobre Deus, da parte desses próximos (Mt 28,17), Cristo nos confirma a sua presença, pois ele mora em nós pelo seu Espírito: “ensinando-os a observar tudo o que ordenei avocês. Eis que eu estarei com vocês todos os dias, até o fim do mundo” (Mt 28,20).

Concluindo, eu gostaria simplesmente de propor a vocês esta bela reflexão do exegeta francês Jean Debruynne sobre o evangelho desse domingo: “Trata-se de fazer discípulos e fazer discípulos não é recrutar mão de obra ou procurar aderentes. Antes de qualquer coisa, trata-se de ir. Ir é partir, é sair. É ser livre. Ir é o contrário de estar fechado na verdade, e prisioneiro dos seus princípios. Ir é caminhar para a frente, e não de ré. Ir é um sinal de confiança. Vá! É uma decisão. Trata-se de aprender a guardar os mandamentos e não guardá-los na geladeira. O único mandamento é amar!”.

sábado, 2 de junho de 2012

Deus não pertence a uma religião


A leitura que a Igreja propõe neste domingo é o Evangelho de Jesus Cristo segundo Mateus 28, 16-20 que corresponde ao Domingo da Santíssima Trindade, ciclo B do Ano Litúrgico. O teólogo espanhol José Antonio Pagola comenta o texto.

Eis o texto, aqui reproduzido via IHU.


No núcleo da fé cristã num Deus trinitário há uma afirmação essencial. Deus não é um ser tenebroso e impenetrável, encerrado egoisticamente em si mesmo. Deus é Amor e só Amor. Nós cristãos acreditamos que no mistério último da realidade, dando sentido e consistência a tudo, não há senão Amor.

Jesus não escreveu nenhum tratado acerca de Deus. Em nenhum momento o encontramos expondo aos camponeses da Galileia alguma doutrina sobre Ele. Para Jesus, Deus não é um conceito, uma bela teoria, uma definição sublime. Deus é o melhor Amigo do ser humano.

Os investigadores não duvidam de um dado que recolhem dos evangelhos. As pessoas que escutavam Jesus a falar de Deus e o viam atuar em seu nome experimentavam Deus como uma Boa Nova. O que Jesus diz de Deus soa-lhes a algo de novo e bom. A experiência que comunica e contagia parece-lhes a melhor notícia que podem escutar de Deus. Por quê?

Talvez o primeiro que captam é que Deus é de todos, não só dos que se sentem dignos para apresentar-se ante Ele no templo. Deus não está preso a um lugar sagrado. Não pertence a uma religião. Não é uma propriedade dos piedosos que peregrinam a Jerusalém. Segundo Jesus, ele “faz sair o seu sol sobre bons e maus”. Deus não exclui nem discrimina ninguém. Jesus convida todos a confiar Nele: “Quando oreis dizei: Pai!”

Com Jesus eles vão descobrindo que Deus não é só dos que se aproximam dele carregados de méritos. Antes deles, escuta a quem lhe pede compaixão porque se sentem pecadores sem remédio. Segundo Jesus, Deus anda sempre procurando aqueles que vivem perdidos. Por isso se sente tão amigo de pecadores. Por isso lhes diz que Ele “veio procurar e salvar o que estava perdido”.

Também se dão conta de que Deus não é só dos sábios e entendidos. Jesus agradece ao Pai porque gosta de revelar aos pequenos coisas que estão ocultas aos ilustrados. Deus tem menos problemas para entender-se com o povo simples do que com os doutos que acreditam saber tudo.

Sem dúvida, a vida de Jesus foi dedicada em nome de Deus a aliviar o sofrimento dos doentes, libertar os possuídos por espíritos malignos, resgatar leprosos da marginalização, oferecer o perdão a pecadores e prostitutas..., o que os convenceu que Jesus experimentava Deus como o melhor Amigo do ser humano, que só procura o nosso bem e apenas se opõe aos que nos fazem mal. Os seguidores de Jesus nunca puseram em dúvida que o Deus encarnado e revelado em Jesus é Amor e só Amor para todos.
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