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domingo, 30 de novembro de 2014

O Natal à espera de nascer


Bansky

Onde refugiados buscam uma liberdade sempre por vir
E os corações se consomem como que à espreita
Onde as crianças crescem antes do tempo
E a vida se perde nas fronteiras do pensamento
Onde o coração dos velhos se enregela
E ossos, tendões, sangue e células desmoronam
Onde o medo se apresenta a cada dia
E a perfeição do amor parece uma ilusão
O Natal está à espera de nascer
Em você, em mim, na humanidade inteira.

- Howard Thurman, líder negro e teólogo americano

Via | Tradução: Cris

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Deus vem para todos


Linda a mensagem final publicada no folheto da Missa da Arquidiocese do Rio de Janeiro deste domingo, 22/12/13. Reproduzimos e fazemos destas as nossas palavras, como uma oração pelo respeito às diferenças e pela inclusão na Igreja e no mundo.

"Celebrar o Natal implica vencer aquilo que nos impede de ver nos outros nossos irmãos." Que a luz dAquele que veio e vem "salvar a todos, sem distinção, os pecadores e os que se acham justos", ilumine nossos corações, nos inspire em nossa caminhada rumo a uma fraternidade cada vez maior e não nos deixe esquecer: "TODOS preparam o caminho real por onde vem o Messias (...) ninguém é estranho ao amor de Deus manifestado em Cristo Jesus". Saibamos acolhê-lO em cada um dos irmãos, sem exceção!

Feliz Natal! 

Estamos às vésperas do Natal do Senhor, e como toda família que se prepara para o nascimento de um filho, a liturgia deste domingo coloca diante de nossos olhos um álbum de família.

São Mateus, cujo Evangelho, dentre os quatro símbolos do livro do profeta Daniel - o leão, a águia, o touro e o homem alados - é simbolizado pelo homem, começa o texto sagrado com a genealogia de Jesus. Ao vir ao mundo, Deus feito homem nasce uma família humana. Desde Abraão até José, são três séries de 14 nomes. Quatorze é o número de David (D = 4, V = 6, D = 4), como que indicando que Jesus é 3 vezes Davi, o Filho de Davi, por excelência.

Na lista de antepassados, encontram-se também pagãos e mulheres estrangeiras: Tamar, Ruth, a moabita, e pecadoras como a mulher de Urias, com quem Davi havia pecado; e Raab, a prostituta cananeia que ajudou os hebreus durante a conquista de Jericó. A mensagem de Mateus, que conheceu e conviveu com Jesus, é muito clara: o Senhor veio salvar a todos, sem distinção, os pecadores e os que se acham justos. Todos preparam o caminho real por onde vem o Messias.

A menção dessas mulheres traz uma mensagem claríssima: nenhum de nós que se prepara para celebrar o Natal deve se esquecer de que o Senhor veio e vem para todos, que ninguém é estranho ao amor de Deus manifestado em Cristo Jesus, que espera de nós uma resposta de acolhida. Celebrar o Natal implica vencer aquilo que nos impede de ver nos outros nossos irmãos; é vencer todo orgulho egoísta, todo sentimento injusto. Fazer do Natal uma ocasião para sermos melhores.

Diante de nossos olhos a liturgia nos coloca mais uma das belas imagens do Advento: a figura querida e amada de São José. Também ele foi humilde bastante para vencer a sua limitação, sua incapacidade de entender um mistério que lhe supera. Aceita com humildade ser esposo de uma mulher que humanamente não será exatamente sua, ser pai de um filho que não é seu, do qual cuidou, protegeu como verdadeiro pai e esposo fiel. Esta é a grande mensagem do Natal: Deus faz maravilhas com aqueles que se deixam iluminar pela humildade. A todos um santo e abençoado Natal do Senhor!

domingo, 22 de dezembro de 2013

Experiência interior



Comentário do Pe. José Antonio Pagola sobre o Evangelho de hoje:

O evangelista Mateus tem um interesse especial em dizer aos seus leitores que Jesus há de ser chamado também de “Emmanuel”. Sabe muito bem que pode resultar chocante e estranho. A quem se lhe pode chamar um nome que significa “Deus conosco”? No entanto, este nome encerra o núcleo da fé cristã e é o centro da celebração do Natal.

Esse mistério último que nos rodeia por todas as partes e que os crentes chamamos “Deus” não é algo longínquo e distante. Está com todos e cada um de nós. Como o pode saber? É possível acreditar de forma razoável que Deus está comigo, se eu não tenha alguma experiência pessoal por pequena que seja?

Habitualmente, a nós cristãos, não foi ensinado perceber a presença do mistério de Deus no nosso interior. Por isso, muitos o imaginam em algum lugar indefinido e abstrato do Universo. Outros procuram-no adorando Cristo presente na eucaristia. Muitos tratam de escutá-Lo na Bíblia. Para outros, o melhor caminho é Jesus.

O mistério de Deus tem, sem dúvida, os seus caminhos para fazer-se presente em cada vida. Mas pode-se dizer que, na cultura atual, se não o experimentamos de alguma forma dentro de nós, dificilmente o encontraremos fora. Pelo contrário, se percebemos a Sua presença no nosso interior, será mais fácil rastrear o Seu mistério à nossa volta.

É possível? O segredo consiste, sobre tudo, em saber estar com os olhos fechados e em silêncio aprazível, acolhendo com um coração simples essa presença misteriosa que nos está alentando e sustendo. Não se trata de pensar nisso, mas de estar “acolhendo” a paz, a vida, o amor, o perdão… que nos chega desde o mais íntimo do nosso ser.
É normal que, ao aprofundarmos no nosso próprio mistério, nos encontremos com os nossos medos e preocupações, as nossas feridas e tristezas, a nossa mediocridade e o nosso pecado. Não temos de inquietarnos, mas de permanecer no silêncio. A presença amistosa que está no fundo mais íntimo de nós nos irá apaziguando, libertando e sarando.

Karl Rahner, um dos teólogos mais importantes do século vinte, afirma que, no meio da sociedade secular dos nossos dias, “esta experiência do coração é a única com a que se pode compreender a mensagem de fé do Natal: Deus fez-se homem”. O mistério último da vida é um mistério de bondade, de perdão e salvação, que está conosco: dentro de todos e cada um de nós. Se o acolhemos em silêncio, conheceremos a alegria do Natal.

sábado, 21 de dezembro de 2013

O materialismo do Papai Noel e a espiritualidade do Menino Jesus


De Leonardo Boff, em seu blog:

Um dia, o Filho de Deus quis saber como andavam as crianças que outrora, quando andou entre nós,“as tocaca e as abençoava” e que dissera:”deixai vir a mim as criancinhas porque delas é o Reino de Deus”(Lucas 18, 15-16).

À semelhança dos mitos antigos, montou num raio celeste e chegou à Terra, umas semanas antes do Natal. Assumiu a forma de um gari que limpava as ruas. Assim podia ver melhor os passantes, as lojas todas iluminadas e cheias de objetos embrulhados para presentes e principalmente seus irmãos e irmãs menores que perambulavam por aí, mal vestidos e muitos com forme, pedindo esmolas. Entristeceu-se sobremaneira, porque verificou que quase ninguém seguira as palavras que deixou ditas:”quem receber qualquer uma destas crianças em meu nome é a mim que recebe”(Marcos 9,37).

E viu também que já ninguém falava do Menino Jesus que vinha, escondido, trazer na noite de Natal, presentes para todas as crianças. O seu lugar foi ocupado por um velhinho bonachão, vestido de vermelho com um saco às costas e com longas barbas que toda hora grita bobamente:”Oh, Oh, Oh…olhem o Papai Noel aqui”. Sim, pelas ruas e dentro das grandes lojas lá estava ele, abraçando crianças e tirando do saco presentes que os pais os haviam comprado e colocado lá dentro. Diz-se que veio de longe, da Finlândia, montado num trenó puxado por renas. As pessoas haviam esquecido de outro velhinho, este verdadeiramente bom: São Nicolau. De família rica, dava pelo Natal presentes às crianças pobres dizendo que era o Menino Jesus que lhes estava enviando. Disso tudo ninguem falava. Só se falava do Papai Noel, inventado há mais de cem anos.

Tão triste como ver crianças abandonadas nas ruas, foi perceber como elas eram enganadas, seduzidas pelas luzes e pelo brilho dos presentes, dos brinquedos e de mil outros objetos que os pais e as mães costumam comprar como presentes para serem distribuidos por ocasião da ceia do Natal.

Propagandas se gritam em voz alta, muitas enganosas, suscitando o desejo nas crianças que depois correm para os pais, suplicando-lhes para que comprem o que viram. O Menino Jesus travestido de gari, deu-se conta de que aquilo que os anjos cantaram de noite pelos campos de Belém”eis que vos anuncio uma alegria para todo o povo porque nasceu-vos hoje um Salvador…glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens de boa-vontade”(Lucas 2, 10-14) não significava mais nada. O amor tinham sido substituído pelos objetos e a jovialidade de Deus que se fez criança, tinha desaparecido em nome do prazer de consumir.

Triste, tomou outro raio celeste e antes de voltar ao céu deixou escrita uma cartinha para as crianças. Foi encontrada debaixo da porta das casas e especialmente dos casebres dos morros da cidade, chamadas de favelas. Ai o Menino Jesus escreveu:

Meus queridos irmãozinhos e irmãzinhas,

Se vocês olhando o presépio e virem lá o Menino Jesus e se encherem de fé de que ele é o Filho de Deus Pai que se fez um menino, menino qual um de nós e que Ele é o Deus-irmão que está sempre conosco,

Se vocês conseguirem ver nos outros meninos e meninas, especialmente nos pobrezinhos, a presenca escondida do Menino Jesus nascendo dentro deles.

Se vocês fizerem renascer a criança escondida no seus pais e nas pessoas adultas para que surja nelas o amor, a ternura, o carinho, o cuidado e a amizade no lugar de muitos presentes.

Se vocês ao olharem para o presépio descobrirem Jesus pobremente vestido, quase nuzinho e lembrarem de tantas crianças igualmente pobres e mal vestidas e sofrerem no fundo do coração por esta situação desumana e se decidirem já agora, quando grandes, mudar estas coisas para que nunca mais haja crianças chorando de fome e de frio,

Se vocês repararem nos três reis magos com os presentes para o Menino Jesus e pensarem que até os reis, os grandes deste mundo e os sábios reconheceram a grandeza escondida desse pequeno Menino que choraminga em cima das palhinhas,

Se vocês, ao verem no presépio todos aqueles animais, como as ovelhas, o boi e a vaquinha pensarem que o universo inteiro é também iluminado pela Menino Jesus e que todos, galáxias, estrelas, sois, a Terra e outros seres da natureza e nós mesmos formamos a grande Casa de Deus,

Se vocês olharem para o alto e virem a astrela com sua cauda e recordarem que sempre há uma Estrela como a de Belém sobre vocês, iluminando-os e mostrando-lhes os melhores caminhos,

Se vocês aguçarem bem os ouvidos e escutarem a partir dos sentidos interiores, uma música celestial como aquela dos anjos nos campos de Belém que anunciavam paz na terra,

Então saibam que sou eu, o Menino Jesus, que está chegando de novo e renovando o Natal. Estarei sempre perto de vocês, caminhando com vocês, chorando com vocês e brincando com vocês até aquele dia em que chegaremos todos, humanidade e universo, à Casa do Pai e Mãe de infinita bondade para sermos juntos eternamente felizes como uma grande família reunida.

Belém, 25 de dezembro do ano 1.

Assinado: Menino Jesus

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

O presépio: símbolo da humanidade de Deus


No Chile, quando a árvore de Natal ainda não era conhecida, as famílias celebravam a festa ao redor de um presépio. Também eram chamados de “nascimentos”.

Alguns dos presépios de nossa história colonial e republicana vinham de Quito, onde havia artesãos especialistas em confeccionar esculturas de madeira de diversos tamanhos, tanto para um mercado de consumo local como para os fiéis de outros lugares da América do Sul. As talhas quitenhas tinham um selo particular: suas figuras mostravam um semblante ingênuo e sereno, e o famoso encarnado, que destacava a pele branca com as faces coloridas de um vermelho sutil. Este efeito se conseguia depois de esfregar bastante a bexiga de um cordeiro sobre a pintura antes aplicada. As roupas dos personagens, esculpidas também na madeira, apresentavam sempre texturas com sobredourado, ou os padrões se assomavam através dos esgrafitos. Técnicas estas que faziam das esculturas quitenhas objetos muito apreciados nos lares e conventos chilenos do século XVIII. As famílias mais pobres faziam suas próprias figurinhas com argila e madeira, ou recorriam a mestres artesãos locais de menor fama. Mas todos tinham um presépio para arrumar e onde congregar-se em época natalina.

Os presépios dentro das casas articulavam a reza das novenas, mas também as cantigas de Natal e conversas em torno deles e as oferendas que cada um queria fazer a este menino recém-nascido. Os menores entregavam seus preciosos pertences e outros adquiriam figurinhas nos postos da Alameda. Ali vendiam as “cerâmicas da freiras”, criadas pelas mãos das Clarissas, presente obrigatório para as festas natalinas. Serviam para enfeitar esta composição popular de longa data na tradição ocidental.

DA TEATRALIZAÇÃO ÀS ARTES VISUAIS
O presépio não é outra coisa que uma dramatização tridimensional do nascimento de Cristo. Suas origens —em 1223— remontam à época do santo seráfico, São Francisco de Assis, que no afã de fazer que os mistérios divinos ficassem mais perto do povo, começou a representar teatralmente o nascimento de Cristo. Neste sentido, São Francisco rompe com uma longa tradição de representação da figura triunfante e majestosa de Cristo, para propor o paradigma da humanidade de Deus encarnada num Menino. Desta nova teologia surgiriam práticas votivas inovadoras, entre as quais encontramos as representações teatrais do Natal. Em presépios de palha e acompanhados de animais e pastores, os atores representariam Jesus, José e Maria, inaugurando uma festa terna e popular para celebrar o nascimento do Filho de Deus. Paralelamente a estas representações surgiriam os cantos ao Menino Jesus, as cantigas natalinas. Originalmente, a palavra denotava uma composição poética medieval que significa canção popular (canção à maneira da vila). No final do século XV começaram a compor músicas para serem cantadas e dançadas em festas de Natal, Páscoa e Corpus Christi. Eram impressas e repartidas entre os fiéis que acompanhavam, cantando o estribilho.

Logo, esta representação passaria para as artes visuais, inaugurando uma longa tradição de um motivo tão caro à cristandade.

Efetivamente, a partir daquela época abundariam as pinturas com este motivo, assim como composições tridimensionais encenando o momento do nascimento de Cristo, com a posterior adoração dos reis magos e dos pastores. A opção de mostrar a humanidade do Menino Jesus de forma eloquente, assim como a companhia destes personagens populares, teria como conseqüência a criação e difusão de um motivo mais próximo aos fiéis, encenado como um modelo parecido ao deles. O realismo ficava consagrado como forma de culto através das artes.

RELIGIOSIDADE POPULAR
Os presépios se associam ao âmbito da religiosidade popular, na medida em que recolhem cenas costumbristas das sociedades que as criam e têm capacidade de criar vínculos emotivos com seus devotos. Existem, no entanto, vários exemplos de presépios que ocuparam recintos fastuosos e oficiais, como os realizados pelo escultor Francisco Salzillo. Este consta de 556 figuras e foi elaborado para decorar em cada Natal um dos salões do palácio de Jesualdo Riquelme y Fuentes. Famosos foram os presépios napolitanos, encarregados por nobres e personagens reais, como o que cada ano é exibido no Palácio Real de Caserta. Neste lugar, Carlos III cultivava o gosto de armar presépios que podiam ser visitados e admirados pelo povo.

Estas artes visuais se nutrem de fontes canônicas e apócrifas para articular sua narração. Em primeiro os evangelhos propriamente tais, onde São Lucas e São Mateus nos referem à cena do Natal com aqueles elementos canônicos que determinam a composição do lugar. Um segundo nível que enriquece o repertório temático e iconográfico na criação de presépios é o que surge dos evangelhos apócrifos. Estes são aqueles que, por não serem considerados de inspiração divina, não figuram dentro do cânone oficial da Igreja. No entanto, sua importância radica na enorme influência que têm na mentalidade popular e nas representações artísticas mais importantes da vida de Cristo. Em relação ao Natal, os evangelhos canônicos são muito escuetos, portanto, provêem de pouco material iconográfico. Os apócrifos, em compensação, proporcionam vários elementos porque se desenvolvem na tradição oral, pródiga em imaginação.

Neste cenário de tradições, chama a a atenção a preponderância que acusam lugares como a caverna ou a gruta onde teria nascido o Menino Jesus que teria sido iluminado por uma luz enceguecedora; as fraldas com as quais o teria coberto a Virgem Maria, os dons ofertados pelos reis Magos, assim como a presença acolhedora de um boi e um asno. Em outras narrações, os reis encontram o menino já sentado no colo de sua mãe e abrem seus cofres para ofertar presentes. No Evangelho Árabe da Infância se relata que a Virgem lhes teria dado em troca a fralda do menino.

Um terceiro nível de inspiração é o que proporciona a imaginação popular e que incorpora todo tipo de elementos da idiosincrasia local. É este nível o que permite que personagens contemporâneos entrem em cada presépio, conseguindo a verossimilitude e a proximidade do mistério. Isto explica que apareçam personagens como o padeiro, o açougueiro, a mulher que lava a roupa e o cachorro que morde o bêbado. Explica também a posterior aparição de tipos populares nacionais e inclusive de militares, convencendo o fiel de que a salvação é algo universal, possível em seu lugar e em seu tempo. A história da arte o descreve como uma manifestação cultural cheia de naturalismo, exotismo, com um especial gosto pelo efêmero. A idéia é impressionar os sentidos do espectador, conseguindo assim dar um primeiro estímulo a um aprofundamento do mistério. Da impressão pretende-se guiar para a contemplação.

O motivo do Natal e de outras cenas bíblicas derivadas deste fato fundamental não demoraria em chegar à América. A ternura e humildade simbolizadas nesse menino que nascera num presépio ou numa gruta entre animais e pastores, conseguia empatizar profundamente com uma sociedade também humilde e ansiosa de encontrar, na nova religião resultante, personagens e histórias afins com as próprias .Jesus, como menino, representava toda a humildade de uma sociedade colonial mestiça e indígena das colônias americanas.

Entre as pinturas que celebram o nascimento de Jesus há várias adorações de estilo cuzquenho que povoaram os conventos do Chile colonial e republicano. Nelas vemos muitas vezes pastores e anjos que levam frutas para oferecer ao menino recém- nascido. Embora a exegese bíblica diga que o cesto com frutas representa as Escrituras e sua doçura é o alimento da alma, nestes casos funciona mais como oferenda à divindade. É a possibilidade de convivência entre as duas esferas, a humana e a divina. O homem entrega a seu Deus o melhor de sua terra e Ele lhe devolve com dons variados. A possibilidade desta prática se baseia no mistério da Encarnação, no qual Deus se fez homem e como tal tem necessidades físicas, entre elas, o alimento.

Esta forma de constituir significado é análoga à realizada por freiras de convento em suas celas com seus próprios fanais votivos. Referimo-nos àquelas cápsulas ovaladas de vidro que abrigam o Menino Jesus rodeado de pequenas figurnhas. Oferecem ao menino, entre outras coisas, miniaturas de artesanato representando flores e frutas. Também povoam os fanais artesanatos de crin, cestos e miniaturas da cerâmica de Quinchamali. Em sua miniaturização contêm todo o significado da natureza, mas são mostras de humildade diante da grandeza da divindade. Como as frutas dos cestos das pinturas, não são outra coisa que símbolos de virtudes espirituais. Parecidas, também, com todas aquelas figurinhas de terracota ou de madeira que conformam os presépios. Nestes abundam os personagens populares exercendo seus trabalhos cotidianos e levando alimentos para oferecer ao recém-nascido. Da literatura religiosa decimonônica, vemos também um discurso narrativo que acompanha esta devoção especial ao Menino Jesus em seu nascimento. Nas novenas se rezam jaculatórias com referentes ao mundo cotidiano de um menino e estes estão aí para simbolizar presentes espirituais. Dão um berço ao menino para que tenha mais conforto, através da virtude da humildade; ou cobrem-no com um cobertor branco suave através da generosidade. Vestem-no com um xale branco mediante a virtude da paciência. Assim, conforma-se um espaço simbólico coerente entre reza, prática espiritual e oferenda material à imagem do Menino Jesus. O mundo sensível é o que proporciona insumos e referentes para poder entrar naquele mundo transcendental. Através da oferenda se estabelece o vínculo entre estas duas esferas.

Alheias a nossas raízes são, em compensação, as histórias que relatam a aparição da árvore de Natal. Dizem que foi no século XVI, depois do triunfo do protestantismo luterano, quando na Alemanha e na Suécia começou a mudar o presépio por uma árvore de uma forma simbólica. Para justificar esta mudança é que criaram algumas lendas. Mas essas são outras histórias.

- Olaya Sanfuentes
Fonte: Mirada Global. Reproduzido via Amai-vos.

domingo, 25 de dezembro de 2011

A humanidade de Deus e a divindade do Homem

Imagem daqui

Natal é, pois, uma questão de nascimento: a luz, um mundo novo, o Cristo ressuscitado, o nascimento de Deus. Para nós cristãos, Natal é tudo isso... todos esses nascimentos... Mas, de fato, que mensagens podemos reter nesta festa de Natal de 2011?

A reflexão é de Raymond Gravel, sacerdote de Quebec, Canadá, publicada no sítio Culture et Foi, comentando as leituras do Domingo da Natividade do Senhor (24-25 de dezembro de 2011). A tradução é de Benno Dischinger.

Eis o texto, aqui reproduzido via IHU.


Referências Bíblicas:
Noite de Natal:
1ª leitura: Is 9, 1-6
Evangelho: Lc 2, 1-14

Dia de Natal:
1ª leitura: Is 52, 7-10
Evangelho: Jo 1, 1-18

Em cada ano, no mês de dezembro, nós nos preparamos para a festa de Natal. Decoram-se nossas casas, iluminam-se os quarteirões, ouve-se na rádio a música de Natal, vai-se às lojas, compram-se presentes, fazem-se festas no local de trabalho, escrevem-se votos, compartilham-se fantasias de Papai Noel, cestas de Natal, participa-se da Missa, tem-se o coração em festa, fica-se mais sensível à família, à amizade, à pobreza, à paz e ao amor. Natal é a ocasião das partilhas, dos perdões, das reconciliações, das trocas de todo tipo. Isso deveria ser Natal todos os dias! Natal é para todos, pois todo o mundo encontra aí sua parte. Seja-se crente ou não ou ainda de diversas religiões, no Natal pode-se celebrar qualquer coisa.

A origem desta festa é inicialmente natural e pagã. Quer se queira ou não, nesta época do ano, no solstício do inverno, tem-se a impressão que a noite leva vantagem sobre o dia, segundo o eixo de rotação de nossa boa e velha terra. É por isso que, no Império Romano, tinha-se o hábito de celebrar o sol nascente, o solis invecti, na noite de 24 a 25 de dezembro, para significar o renascimento da luz, já que os dias começam a se alongar, e isso até o solstício do verão. Natal é, pois, uma questão de nascimento: a luz, um mundo novo, o Cristo ressuscitado, o nascimento de Deus.

Para nós cristãos, Natal é tudo isso... todos esses nascimentos... Mas, de fato, que mensagens podemos reter nesta festa de Natal de 2011?

1. A luz

“O povo que andava na escuridão viu uma grande luz, para os que habitavam as sombras da morte uma luz resplandeceu” (Is 9,1). Para nós cristãos, esta luz não é o sol, é o Cristo da Páscoa que vem transformar nossas vidas ainda hoje. Ele é a luz sobre a estrada; ele é o sol de nossas vidas. Em seus respectivos evangelhos, Mateus e Lucas compuseram um relato de nascimento para aquele que se tornou Cristo, Senhor, Salvador na Páscoa.

Mas, atenção! Mateus e Lucas não contam o nascimento de Jesus de Nazaré; eles nada sabem a respeito. Em vez disso, o que eles contam é o nascimento do Cristo ressuscitado que foi, segundo a expressão de Paulo, o “primogênito dentre os mortos” (Cl 1, 18). Então, a festa de Natal nasceu após a Páscoa. Foi preciso que Jesus ressuscitasse para que se pudesse celebrar seu nascimento... E, com seu nascimento, ocorre ao mesmo tempo o nascimento de um mundo novo, iniciado na Páscoa e que continua hoje, através dos cristãos de todos os tempos. Em cada ano somos convidados a fazer nascer esta luz em nós e em torno de nós, para expulsar todas as formas de trevas de nossas existências que ainda subsistem hoje.

2. Deus e o Homem

Santo Irineu dizia: “Deus se fez homem para o que o Homem se torne Deus”. A história de Natal é de Deus que vem ao encontro das mulheres e dos homens de todas as épocas para divinizá-los, isto é, ensiná-los a serem mais humanos pela acolhida, pela abertura, pelo respeito de suas diferenças, pela restauração da justiça, da dignidade, da igualdade para todos, pela partilha de suas riquezas, pelo amor incondicional e pelo cuidado dos pobres, dos machucados da vida e dos mais desamparados.

Não é por nada que São Lucas faz nascer o Cristo numa imensa pobreza: num menino, numa criança, em primeiro lugar, com toda a vulnerabilidade, a fraqueza e a fragilidade que comporta esta etapa da vida... Porém, mais do que isso, um bebê pobre, saído de uma família não convencional, que nasce numa manjedoura de animais, porque demasiado pobre para nascer em outro lugar. Além disso, seu nascimento é anunciado em primeiro lugar aos pastores, os excluídos, os marginais, os desprezados da época.

Se não há aí uma mensagem do evangelista, de que o próprio Deus é pobre e que ele escolheu seu campo, o campo dos excluídos, dos rejeitados, dos desprezados da sociedade para nascer, eu me pergunto: O que realmente significa essa história contada por Lucas? E a mensagem que daí decorre é que o mundo novo, que começou na manhã da Páscoa, só pode se realizar se este mundo for construído sobre a dignidade, a justiça e a igualdade das pessoas, seja qual for seu status social, seu sexo, sua religião e sua cultura. Não há aí um olhar a todos os Indignados da terra que se manifestam ao mundo de hoje?

Que não venham me dizer que o Evangelho não é atual! No fundo, são Lucas nos diz que a construção de um mundo melhor não é somente um voto, um desejo piedoso ou um sonho; é uma realidade começada há mais de dois mil anos com o nascimento do Cristo e que deve prosseguir hoje; caso contrário, o Cristo não pode ter nascido... Isso quer dizer que hoje, em nosso mundo, em nossa sociedade, em nossa Igreja, não se pode celebrar o Natal caso se persista em discriminar as mulheres, os pobres, os homossexuais, os divorciados-redesposados, as mulheres que tiveram um aborto, os esquecidos e os feridos da vida.

Como cristãos, todos e todas temos uma responsabilidade. O início do evangelho de João, que se tem na manhã de Natal, nos diz que o Cristo é o logos, o Verbo, a Palavra de Deus, que esta Palavra se tornou humana e que ela é transportada por aqueles e aquelas que a receberam e que creem no Cristo (Jo 1,12). E aí o versículo seguinte é de uma importância capital: “Estes foram gerados não do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus” (Jo 1,13). Isso quer dizer que do Cristo ressuscitado se é porta-voz, porta-voz de Deus. Que responsabilidade!

3. Uma liberdade responsável

O Cristo de Natal nasce para libertar-nos. Ele nos liberta das trevas que frequentemente se manifestam pela opressão, o ódio, o desprezo, a rejeição, a exclusão, a injustiça, as desigualdades, etc. O Cristo também nos liberta de uma religião opressora, legalista e injusta que procura destruir o cristianismo, entupindo-o com leis e regras discrimatórias, e que quer amordaçar Deus controlando-o e recusando-lhe seu direito de palavra às mulheres e aos homens de hoje.

Os fiéis e os cristãos que tomaram distância em relação à Igreja, não é a Cristo que eles rejeitam, mas à instituição que pretende representá-lo. As pessoas não se tornaram anticristãs; pelo contrário, nossos modos de viver sempre refletem os valores cristãos fundamentais: a justiça, a liberdade, a igualdade, a dignidade das pessoas. O que as pessoas rejeitam são os gurus, os aiatolás, os ditadores religiosos que creem deter a verdade sobre Deus e sobre o mundo e que esmagam os fiéis com interditos, regras e leis que convidam à intolerância, ao ódio e ao desprezo da pessoa humana.

Na história humana, Deus se revela como um Deus de Liberdade... uma liberdade responsável. Ser livre não é fazer não importa o que, nem importa quando; pelo contrário, ser livre é ser exigente. Isso supõe uma aprendizagem no sentido de se viver juntos, tendo em conta os outros, e isso se aprende pela educação. Quando há leis ou interditos com ameaças punitivas conservam-se simplesmente as pessoas no medo de serem descobertas numa falta e isso mantém o infantilismo e a não responsabilidade. Ensinando às pessoas a se tornarem responsáveis para salvaguardar seus valores, para serem felizes, as leis se tornam caducas e inúteis. Não necessito de uma lei sobre o homicídio para não matar alguém. Aprendi a me respeitar e a respeitar aos outros. E, quando se produzem ocorrências trágicas e infelizes, não são as leis e as punições que conseguem evitá-las.... Mas é pela prevenção, pela reabilitação, pela responsabilização que se pode esperar mudar as coisas.

Concluindo, pode-se esperar celebrar o Natal neste ano? Creio que sim, se cremos verdadeiramente que o Cristo só pode nascer em nós através de nós. Desejo a todos esta Liberdade responsável, sendo nós mais humanos, a fim de nos tornarmos mais divinos.

sábado, 24 de dezembro de 2011

Feliz Natal!

Imagem daqui

Que o espírito do Amor, a beleza da Esperança e as bênçãos da Paz sejam seus presentes neste Natal.*

São os votos carinhosos da equipe de colaboradores do blog do Diversidade Católica. :-)

*Enviado por nosso amigo Hugo Nogueira.

Em um presépio

Imagem daqui

A leitura que a Igreja propõe para esta Noite de Natal é o Evangelho de Jesus Cristo segundo Lucas, 2, 1-14. O teólogo espanhol José Antonio Pagola comenta o texto.

Eis o texto, aqui reproduzido via IHU.


Segundo o relato de Lucas, é a mensagem do Anjo aos pastores que nos oferece as chaves para ler, a partir da fé, o mistério que se encerra em um menino nascido em estranhas circunstâncias nos arredores de Belém.

É de noite. Uma claridade desconhecida ilumina as trevas que cobrem Belém. A luz não desce sobre o lugar onde se encontra o menino, mas envolve os pastores que escutam a mensagem. O menino fica oculto na escuridão, em um lugar desconhecido. É necessário fazer um esforço para descobri-lo.

Estas são as primeiras palavras que ouviremos: "Não tenhais medo! Eu vos anuncio uma grande alegria, que será também a de todo o povo". É algo muito grande o que aconteceu. Todos temos motivo para nos alegrarmos. Esse menino não é de Maria e de José. Nascemos para todos nós. Não é apenas de uns poucos privilegiados. É para todas as pessoas.

Nós, cristãos, não devemos monopolizar essas festas. Jesus é um daqueles que o seguem com fé e daqueles que o esqueceram, daqueles que confiam em Deus e dos que duvidam de tudo. Ninguém está sozinho frente a seus medos. Ninguém está sozinho em sua solidão. Existe Alguém que pensa em nós.

Assim proclama o mensageiro: "Hoje nasceu para vós o Salvador, que é o Messias, o Senhor". Não é o filho do imperador Augusto, dominador do mundo, celebrado como salvador e portador da paz graças ao poder de suas legiões. O nascimento de um poderoso não é boa notícia em um mundo em que os fracos são vítimas de todos os tipos de abuso.

Esse menino nasce em um povoado submetido ao Império. Não tem cidadania romana. Ninguém espera em Roma o seu nascimento. Mas é o Salvador de que precisamos. Não estará ao serviço de nenhum César. Não trabalhará para nenhum império. Só buscará o reino de Deus e a sua justiça. Viverá para tornar a vida mais humana. Nele, este mundo injusto encontrará a salvação de Deus.

Onde está esse menino? Como o podemos reconhecer? Assim diz o mensageiro: "Isto vos servirá de sinal: encontrareis um recém-nascido, envolto em faixas e deitado numa manjedoura". O menino nasceu como um excluído. Seus pais não conseguiram encontrar um lugar acolhedor para ele. Sua mãe deu à luz a ele sem a ajuda de ninguém. Ela mesmo se valeu, como pôde, para envolvê-lo em panos e deitá-lo em um presépio.

Nesse presépio, Deus começa a sua aventura entre os homens. Não o encontraremos nos poderosos, mas sim nos fracos. Não está no grande e espetacular, mas sim no pobre e no pequeno. Ouviremos a mensagem: vamos a Belém. Voltemos às raízes da nossa fé. Busquemos a Deus onde ele se encarnou.

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Como seria o nascimento de Jesus na era digital?


É do ano passado, mas ainda vale. :-) Porque Cristo não nasceu apenas há mais de 2 mil anos na longínqua Belém, mas há de nascer em cada coração, aqui e agora, e a cada Natal.

Natal sem solidão


Por todos os cantos, escuto gente falando que "odeia o Natal". Por trás de tão desaforada frase para Papai Noel e suas renas, imagino que haja sempre embutido um gole azedo de alguma tristeza ou um pote de amargura pelo abandono, pela dificuldade ou incapacidade de comemorar a vindoura noite feliz.
De fato, para quem tem de encarar os piscas-piscas da cidade na solidão ou se banhando nas lembranças de quem ou de um tempo que se foi é o ó do borogodó.

Também é um porre queimar todo o 13º salário em presentes para sobrinhos endiabrados. Mais chato ainda é ter de suportar aquele cunhado folgado dizendo que a "coxa do peru tem dono".

Mas penso que seja preciso evitar maldizer esse tempo que ainda sobrou para parte da humanidade: doar-se à solidariedade e ceder o banco reservado aos velhos no ônibus, mudar de atitude e deixar de estacionar em vagas reservadas às pessoas com deficiência, lembrar os entes e amigos engavetados na estante do atropelo -ou do egoísmo- do cotidiano, suavizar pequenas injustiças alheias com as próprias mãos.

As razões para não gostar do Natal podem ser, com algum esforço, revertidas em atitudes que proporcionem energia e fé para dias melhores a quem não tem nem a oportunidade de escolha e irá mesmo passar esses dias no calundu.

Obviamente ninguém tem a obrigação de estar feliz nesta época do ano. Porém é uma chance coletiva e legítima de tentar amenizar o Natal de solidão forçada para alguns que moram em asilos, de rechear positivamente a fantasia dos que se "hospedam" em orfanatos, de incentivar dias melhores para os que dormem nas enfermarias, nas UTIs.

Eu mesmo já passei muitos Natais atravessados, levando comigo toda a "famiage". Em um deles, eu estava de molho, em reabilitação da paralisia infantil, no hospital Sarah, em Brasília, cercado por macas, pinos cirúrgicos, dores de todos os tipos e sabores.

Lembro que houve um show do Eduardo Dusek, que tocou "Barrados no Baile" e divertiu o povo com seus trejeitos no piano. Enfermeiros, médicos e voluntários se juntaram a pais, mães e irmãos para celebrar a data e desejar que os estropiados, no futuro, pudessem passar o dia 25 em outra situação, talvez, quem sabe, disputando a coxa do peru com o cunhado.

De lá para cá, não resolvi ir às missas do galo nem faço questão de fazer ceia à meia-noite, mas lá em casa tem enfeites, tem uma voz interior que empurra a ser mais solidário e há iniciativas diversas para não odiar o Natal, para não dar brecha à solidão e dar fôlego para os bons pensamentos. Há sempre alguém se agarrando na esperança de um mundo melhor, sobretudo quando o próprio mundo criou essa possibilidade.
E esta "Pollyanna sobre rodas" defende um Natal sem solidão. Adote um cachorro sarnento e faça dele um lulu de madame -vale também comprar um labrador babão e botar nele o nome de Banzé. Engula o orgulho com uma taça de espumante e ligue para o ingrato de seu filho mais velho que só quer saber de passear em Gramado.

Se nada funcionar, coloque o disco do "rei" na vitrola e deixe que ele repita, até ficar rouco, aquela frase gostosa: "Quando eu estou aqui, eu vivo esse momento lindo...".

- Jairo Marques
Reproduzido via Conteúdo Livre

O Advento dos pais de Jesus


Ninguém esperou mais pelo Menino que seus pais. Durante nove meses, Maria carregou dentro de si o Salvador e viveu o mistério da maternidade: gerou vida dentro de si, ao mesmo tempo em que gestava a Vida. Ao seu lado, o companheiro José, que com Ela partilhava o mistério que o Senhor havia lhes depositado nas mãos. O que esperar? O que seria necessário fazer? O que deveriam viver, além da entrega nas mãos do Pai?

Na Anunciação, fica claro que Maria não entendia como a vontade de seu Senhor se concretizaria: questiona o anjo, tenta entender o que aos olhos humanos era incompreensível – como gerar vida, se ela não conhecia homem, se era virgem? E o anjo lhe explica como, soprando sobre Ela o Espírito de Deus que a cobriria de entendimento e adoração, reverenciando desde já a Vida que nascia dentro de si.

Por outro lado, José, o carpinteiro, tal como o seu povo esperava pelo Messias. Esperava com o coração em constante expectativa por se saber da linhagem do rei Davi e, como havia anunciado o profeta, era daquela casa real que sairia o novo rei dos judeus. E esperava por seu casamento com sua amada Maria. Até que chega o inesperado... José percebe que sua noiva está grávida. Não consegue repudiá-la, mas também é difícil aceitá-la. Então o homem dos sonhos, recebe em seu sono a visita do anjo que lhe acalma o coração apertado: “Não tenha medo, ela concebeu pela ação do Espírito.” (Mt 1, 20). E a espera se transforma na alegria da guarda do grande segredo: o Salvador estava próximo.

O acompanhar dos episódios que se seguirão a partir daqueles momentos de Nazaré é revelador. Maria irá meditar em seu coração sobre os acontecimentos que marcarão o nascimento do Menino. José irá cuidar dela durante sua espera. E, os dois, irão acompanhar o Menino em sua caminhada terrena, ajudando-o a crescer em estatura, conhecimento e graça.

Observar Maria ao longo da vida de Jesus Cristo nos fará entender como fazer para entendermos a história de um Deus que caminha com a humanidade. O Criador conhece pelo nome cada uma de suas criaturas. Mas, às criaturas não é dado todo o conhecimento de seu Criador. Por isso, a necessidade de saber enxergá-Lo na escuridão, escutá-Lo na turbulência e senti-Lo quando parece estar longe. E este é também um caminho de conversão: aquele que nos conduzirá ao encontro do Senhor, através do sair de nós mesmos para o encontro com aquele que só pode ser visto através do amor e serviço ao outro. Tal como a Virgem de Nazaré o fez.

Observar José neste tempo de Advento é resgatar a esperança sentida por aquele judeu simples, fiel a seu Deus, e que acreditou no inacreditável que acontecia em sua vida, deve ser exemplo para as nossas vidas que também são, por vezes, atropeladas pelo inaceitável, pelo incrível, pela graça de Deus.

Nesses tempos em que nos parece mais fácil a desesperança, o exemplo da família de Nazaré, guardiões da Esperança, deve ser presença consoladora para nossos corações e ações, impulsionando-nos a seguir em frente e a fazer o Menino nascer novamente para a humanidade.

- Gilda Carvalho
Reproduzido via Amai-vos

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Advento: O “SIM” ousado à vida

Foto daqui

Nem sempre temos consciência da força que a expressão “sim” carrega, pois nos faz mais "ex-cêntricos", centrados nos outros. Dizer “sim” é ampliar o próprio interior para que Deus possa atuar. Dizer “sim” é deixar Deus ser Deus.

Encanta-nos quando alguém pronuncia um “Sim!” seguro e convicto. É música em seus lábios, explosão de vida, afirmação generosa e alegre de tudo o que a pessoa é. É sílaba afiada, nota aguda, proclamação decisiva, expressão que tem peso. É um ato de fé. Quando alguém diz “Sim!” está afirmando sua vida, confiando em Deus e nos outros.

Quando alguém diz “Sim”, com toda energia e vibração, está fazendo com que todos os que o ouvem creiam na vida e se encantem com o mundo. Cada “Sim” radical é um sermão, um testemunho, um empurrão de graça para aqueles que o ouvem.

Você já percebeu como todo “Sim” repercute e desencadeia outros “Sins”? Não há palavra mais aberta, mais confiante, mais entregue. O “Sim” move e nos faz peregrinos. Se nunca nos movemos, nunca nos plenificaremos.

Há especialistas em encontrar obstáculos, fabricar pretextos, encontrar desculpas, obter adiamentos... Sempre dizem “Não” a tudo o que é novo. O “Não” é fácil, cômodo e seguro e mata a aventura. Aprender a dizer “Sim” é viver!

No processo de Salvação da humanidade tudo começou com um “Sim”, o de Maria em Nazaré. Nada de condições, nem garantias ou averiguações, mas abertura total e entrega definitiva. Será dor e será alegria; morte e ressurreição; espera e acolhida.

A Deus não agradam as condições, dúvidas, demoras, regateios... Ele espera de nós sempre um “Sim” claro, definitivo e permanente à sua proposta.

Deus nunca força a liberdade, nem mesmo nos momentos em que está em jogo o futuro da humanidade. Deus que nos criou sem o nosso consentimento, não impõe missão alguma sem a nossa permissão. Ele suscita nossos desejos, atrai, convida, mas respeita sempre nossa liberdade.

Todo “Sim” é atrevido, arriscado e aventureiro. Tudo o que é grande na vida, tudo o que é nobre, duradouro e valioso começa com um “Sim” confiante. O “Sim” emancipa, realiza e personaliza.

Maria disse SIM e se autodenominou “serva do Senhor”; põe-se a serviço dessa vocação-missão.

A vida é um lento aprendizado para dizer sempre “SIM!”

Uma pergunta: Como você responde às propostas de Deus?

- Pe. A. Pallaoro SJ
Reproduzido via blog Terra Boa

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

O nascimento de Jesus: um cordel sobre o Natal


Recebemos essa animação via Facebook e achamos TÃO fofinha - apesar da confusão entre pastores e Reis Magos... E, principalmente, que importante o lembrete de que Natal não é só compras e Papai Noel, não?

Ho ho ho... ;-)

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Eis que chegará o Salvador

"Adoração dos Pastores", Honthorst, 1622

O último domingo do tempo do Advento nos convida a relembrar os acontecimentos de Nazaré, quando o anjo Gabriel vem anunciar a Maria que ela conceberá o Salvador. No ventre daquela jovem virgem, o milagre da vida vai acontecer e, meses depois, já em Belém, o próprio Deus virá fazer morada junto à humanidade toda.

Durante a visita do anjo, Maria irá se sentir confusa sobre o mistério daquela encarnação, já que era virgem. Depois, seu noivo José também se perturbará já que não a havia desposado plenamente. Mas ambos irão buscar a vontade de Seu Deus e, aos poucos, irão compreender que eram portadores de um grande mistério e participarão ativamente deste.

Maria e José trazem consigo uma grande notícia: com eles chegará o Salvador! E irão mostrar a todos que a salvação não acontece com grandiosidade ou alarde, mas na simplicidade de uma gruta em uma cidade distante, sob o testemunho apenas de animais e pobres pastores. E esse milagre se repetirá infinitamente, demonstrando que é assim que Deus quer dar a salvação a seus filhos: com simplicidade, com a ternura de um pai que presenteia um filho, com o sentido especial daqueles momentos únicos feitos apenas da troca de olhares ou de sorrisos.

Jesus não se veste de brilho para salvar a humanidade; veste-se de faixas que podem cobrir o pequeno corpo do Menino. Jesus não se senta em um trono para mostrar seu poder; deita-se em uma manjedoura, coberta de palha. Jesus não conta com a reverência de autoridades para apresentar-se como salvador; aceita a humilde visita de pastores de ovelhas sujos e mal-dormidos que correm para conhecer o que lhes é anunciado.

E é assim que Jesus quer continuar a estender sua salvação a cada um de nós: na simplicidade dos corações que conseguem enxergar os mistérios daquela Noite Santa; na abertura de sentimentos que provoca o despojamento de todo egoísmo para reconhecer o Salvador em cada um daqueles que passam por nossas vidas; na alegria própria daqueles que se sabem desde já salvos pelo amor do Criador por suas criaturas, mas que, ainda assim, sabem que é preciso trabalhar com Deus para a implantação de seu reino de amor já neste terra e, assim, viver a plenitude dos tempos.

Para sua reflexão: Lc 1, 26-38

- Gilda Carvalho
Reproduzido via Amai-vos, com grifos nossos

domingo, 18 de dezembro de 2011

Com alegria e confiança

Fra Angelico, Anunciação, 1437-1446

A leitura que a Igreja propõe neste Quarto Domingo do Advento é o Evangelho de Jesus Cristo segundo Lucas 1, 26-38. O teólogo espanhol José Antonio Pagola comenta o texto.

Eis o texto, aqui reproduzido via IHU, com grifos nossos.


O Concílio Vaticano II apresenta Maria, Mãe de Jesus Cristo, como "protótipo e modelo para a Igreja", e descreve-a como mulher humilde que escuta a Deus com confiança e alegria. Com essa mesma atitude temos de escutar a Deus na Igreja atual.

"Alegra-te". É o que primeiro Maria escuta de Deus e o primeiro que temos de escutar também hoje. Entre nós falta alegria. Com frequência deixamo-nos contagiar pela tristeza de uma Igreja envelhecida e gasta. Já não é Jesus, a Boa Nova? Não sentimos a alegria de ser os Seus seguidores? Quando falta a alegria, a fé perde o frescor, a cordialidade desaparece, a amizade entre os crentes arrefece. Tudo fica mais difícil. É urgente despertar a alegria nas nossas comunidades e recuperar a paz que Jesus nos deixou de herança.

"O Senhor esteja contigo". Não é fácil a alegria na Igreja dos nossos dias. Só pode nascer da confiança em Deus. Não estamos órfãos. Vivemos invocando cada dia a um Deus Pai que nos acompanha, nos defende e procura sempre o bem de todo o ser humano.

Esta Igreja, às vezes tão desconcertada e perdida, que não acerta em voltar ao Evangelho, não está só. Jesus, o Bom Pastor, procura-nos. O Seu Espírito nos atrai. Contamos com o seu alento e compreensão. Jesus não nos abandonou. Com Ele tudo é possível.

"Não temas". São muitos os medos que nos paralisam, aos seguidores de Jesus. Medo do mundo moderno e da secularização. Medo de um futuro incerto. Medo da nossa debilidade. Medo da conversão ao Evangelho. O medo está a fazer-nos muito mal. Impede-nos de caminhar para o futuro com esperança. Encerra-nos na manutenção estéril do passado. Crescem os nossos fantasmas. Desaparecem o realismo são e a sensatez cristã. É urgente construir uma Igreja da confiança. A força de Deus não se revela numa Igreja poderosa, mas sim humilde.

"Darás à luz um filho que se chamará Jesus". Também a nós, como a Maria, é-nos confiada uma missão: contribuir para pôr luz no meio da noite. Não estamos chamados a julgar o mundo mas a semear a esperança. A nossa tarefa não é apagar o pavio que se extingue, mas acender a fé que, em não poucos, está a querer brotar: Deus é uma pergunta que humaniza.

Desde as nossas comunidades, cada vez mais pequenas e humildes, podemos ser levadura de um mundo mais são e fraterno. Estamos em boas mãos. Deus não está em crise. Somos nós os que não nos atrevemos a seguir a Jesus com alegria e confiança.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Tempo sem Advento?


Falar do “tempo” não é tão simples e óbvio; de fato, às vezes, até é um problema. Não é raro encontrar-nos em situações nas quais vivemos o tempo como um túnel, repetitivo, onde só há presente... Um pesadelo!

O tempo torna-se cada vez mais veloz, fugaz, estressante... “Kronos” continua a devorar com maior voragem o que cria. Diante disso, não há futuro auspicioso, nem esperança que sustente... Um tempo assim só é habitado por mim mesmo e não há lugar para o outro. É um “tempo sem advento”. Deus não consegue entrar em nossos “tempos apertados”!

Esta forma desabitada e estéril não é a única maneira de viver nosso tempo. Uma coisa é “viver no tempo” e outra, muito diferente, é “viver o tempo”, dando sentido e orientação à temporalidade. Viver o tempo intensamente, vivificá-lo, cuidá-lo e artisticamente orientá-lo para aquilo que desejamos! Este “tempo presente” é oportuno, precioso e não volta mais.

A tirania da agenda e a cobrança de resultados não é o único sentido do tempo e muito menos o mais importante. Há uma dimensão que sustenta, um nível do tempo mais profundo que sempre esteve aí esperando nossas buscas. É neste nível básico onde respiram nossos desejos, onde nossa esperança bebe, onde nossos sonhos criam raízes... É nele que podemos moldar a arte de viver.

É preciso parar e descer a esse nível do tempo para ir descobrir a presença que completa nosso ser, plenifica a existência e responde às nossas perguntas...

Dado evidente nestes tempos pós-modernos: o futuro que vamos construindo “carece de marcas de certeza” (Lefort), se atrofiou e vivemos “tempos sem futuro”. Ninguém pode prever o futuro com segurança! Não sabemos o que virá, pois tudo e a cada dia torna-se mais complexo e difuso. Por isso, vivemos um “presente esticado”! Mas, ao reduzir nossos sonhos e aspirações ao consumo, reduzimos nossa humanidade e nossa vida.

Precisamos voltar a ter um futuro onde ancorar; um futuro que valha a pena imaginar e que impulsiona as ações de nosso presente; uma esperança que nos dilate. Ir ao encontro do futuro significa reconhecer que Deus está trabalhando conosco e em nós. Ele vem ao nosso encontro a partir do futuro e fermenta nosso presente.

Caminhamos para o futuro atraídos por Aquele que plenifica nossa vida, já desde agora, com ingredientes vitais. Deus vem do futuro, como plenitude e totalidade; e dele temos saudade!

O futuro está dominado pela irrupção do Reino e está cheio do senhorio de Cristo. “Deus espera na fila” e descobrir sua vinda é atribuir-lhe seu lugar em nosso tempo; é viver o Advento, tempo da espera e da esperança, das buscas e dos silêncios... Tempo de “olhar” ao redor e descobrir que Deus continua vindo, sempre, por caminhos surpreendentes. Toda a nossa vida é Advento. Deus transforma o “kronos” em “Kairós”, tempo de salvação! De agora em diante, nada em nossas vidas é insignificante, nem rotineiro. Nada é banal e incomum para quem mergulhou no eterno.

O Advento é tempo de dispôr-se a algo grande. O que estamos esperando é imenso e fora do nosso tempo rotineiro. Intuímos que nossos olhos foram criados para uma visão mais profunda, mais humana, mais plena; desejamos ser um pouco mais lúcidos, mais sensíveis, muito mais corajosos para descobrir a profundidade e a riqueza de tudo o que acontece ao nosso redor e dentro de nós. No mais profundo de cada um há uma carência que nos faz bradar ao Eterno: “Vem, Senhor, nos salvar! Vem sem demora nos dar a paz!” E temos uma certeza: Ele vem!

Uma pergunta: Deus entra verdadeiramente em sua agenda, no seu tempo?

- Pe. A. Pallaoro SJ
Reproduzido via blog "Terra Boa", do Pe. J. Ramón F. de la Cigoña SJ, com grifos nossos

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

A vida na verdade do momento


João Batista foi um homem agreste. Sentiu-se atraído para o deserto. Lá ele podia ser ele mesmo. "Eu sou a voz que clama no deserto". Era onde se sentia em casa, com seus gafanhotos e mel silvestre, ao invés dos melhores restaurantes e hotéis.

Entretanto, as pessoas corriam para ele, que exerceu uma influência fenomenal sobre aqueles que detinham o poder. Livre de apegos e sem perturbações pelas tentações de segurança a que a maioria das pessoas sucumbe, ele tinha uma paixão pela verdade e por contá-la tal como ela é. No final, caindo em desgraça com o rei, pagou o preço final que muitos profetas tiveram de pagar: a sua própria vida.

O Advento não é apenas esperar que algo aconteça. É a espera na esperança e a vida na verdade do momento, com cada sopro respirando a verdade. Trata-se de ser firme com a verdade mesmo nos pequenos compromissos e nas exceções motivadas politicamente que desbastam nossa integridade.

A meditação é uma espécie de deserto, onde só a verdade pode existir. Nossa prática nos ensina a viver feliz lá, para torná-la nosso lar com toda a sua simplicidade e nenhuma necessidade de mobiliário. Então ela floresce com o amor a que a verdade serve, e descobrimos que somos solitários, mas não estamos sozinhos; somos nós mesmos, e não apenas egos isolados tentando sobreviver e se defender. Florescemos com a brava liberdade do Batista, que sabia que estava a serviço de algo maior que ele mesmo. Se soubermos disso, então nenhum preço é demasiado alto a pagar.

Com amor,

Laurence Freeman OSB
Mensagem do autor para a terceira semana deste Advento (veja trecho da mensagem para a primeira semana aqui e, para a segunda semana, aqui). Grifos nossos.
Para saber mais, visite o site da Comunidade Mundial de Meditação Cristã no Brasil.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Advento: saudades do futuro!

Foto: i can read

Advento é tempo de espera, vigilância, preparação e de chegada. Tempo litúrgico onde o suspiro da expectativa e da esperança não fica sem resposta. Advento é um brado de esperança.

A Vinda de Cristo é o grande evento que agita os corações, sacode as inteligências, inquieta as pessoas e move as estruturas... para uma espera e um encontro surpreendente. É a “mística da gravidez” que cria em nós uma atitude permanente de espera, fazendo-nos crer na força escondida da vida que continuamente está para nascer.

Quem vive o Advento não é prisioneiro da “cotidianidade”, pois mantém o olhar fixo no horizonte, para a revelação da glória de Deus. Se o presente é sem sol, ele está certo da aurora! É tempo de redescobrir quem somos, o que queremos e para onde vamos.

Deus quebrará seu silêncio, a noite escura será iluminada, a primavera substituirá o inverno e o cristão guarda em si o fogo do Espírito Santo, que o mantém sempre vivo, forte e aberto ao futuro. Como o sentinela situado estrategicamente em lugares altos e de amplos horizontes, recebemos a delicada missão de observar, vigiar, discernir e anunciar, para defender a vida do povo.

Mas não basta captar os sinais, devemos também interpretá-los, quando não são claramente perceptíveis, no horizonte longínquo. Outra missão do sentinela, além de olhar, discernir é anunciar o que vê. Esta atitude de permanente vigilância, de contínua conversão do olhar, é constitutiva da vocação cristã.

Como seguidores de Jesus, somos chamados a ser permanentemente, na Igreja e no mundo, sentinelas do Reino, capazes de discernir com lucidez e perspicácia as interpelações e os desafios que surgem no horizonte da história.

Vigiar é ousar renascer, vir-de-novo, recomeçar. Nessa vigilância vislumbramos o decisivo: vivência da ternura, reinvenção da vida, despertar de sonhos e a gratuidade amorosa.

O difícil é esperar. "Desespero é fácil, e uma grande tentação!” (Péguy).

Com essa espera de Deus, com essa esperança, o cristão pode dar sabor à sua vida. A esperança tem suas raízes na eternidade, mas ela se alimenta das pequenas coisas da terra.

O Advento revela segredos futuros, é o ponto final quando todos seremos acolhidos por Aquele que nos espera e nos quer “eternos”. Porque Ele é “terno” e disso temos saudades!

Uma pergunta: O que você “vislumbra” no seu horizonte pessoal, eclesial e social?

- Pe. A. Pallaoro sj
Reproduzido via blog "Terra Boa", do Pe. J. Ramón F. de la Cigoña sj, com grifos nossos

* * *

Celebramos hoje a festa de Nossa Senhora de Guadalupe padroeira da Cidade do México (1737), do México (1895) e da América Latina (1945). Sua origem está na aparição d e Nossa Senhora a um pobre índio da tribo Nahua, Juan Diego Cuauhtlatoatzin, em Tepeyac, noroeste da Cidade do México, em 1531.

Pelos relatos da época, uma "Senhora do Céu" apareceu a Juan Diego (canonizado pelo Papa João Paulo II em 2002), identificou-se como a mãe do verdadeiro Deus, fez crescer flores numa colina semi-desértica em pleno inverno, as quais o pobre indígena devia levar ao bispo, como prova de que efetivamente a Virgem havia aparecido e lhe pedir a construção de um templo naquele lugar. Como prova, Nossa Senhora deixou sua própria imagem impressa milagrosamente no manto do indígena, de péssima qualidade, feito a partir do cacto e que, pelas leis naturais, deveria se deteriorar em menos de 20 anos. E já se passaram mais de 400 séculos!

Em ampliações da face de Nossa Senhora, os seus olhos parecem refletir o que estava à sua frente naquele 1531: Juan Diego e o senhor bispo presentes. Oxalá estejamos sempre nas pupilas da Mãe de Jesus!

Mãe de todos os latino-americanos, rogai a Deus por nós!

- Pe. J. Ramón F. de la Cigoña
Reproduzido via blog "Terra Boa", do Pe. J. Ramón F. de la Cigoña sj

domingo, 11 de dezembro de 2011

Fiquemos alegres!


“O Espírito do Senhor está sobre nós, ele nos envia a proclamar o Evangelho com sua mensagem de Alegria, mas tem também as suas advertências, quando a salvação é posta a prova ou quando a felicidade é confiscada por uma minoria que se sente superior e dona da verdade a respeito de Deus e do mundo. O Espírito nos envia: endireitem o caminho do Senhor!”

A reflexão é de Raymond Gravel, sacerdote de Quebec, Canadá, publicada no sítio Culture et Foi, comentando as leituras do 3º Domingo de Advento (11 de dezembro de 2011). A tradução é de Susana Rocca, aqui reproduzida via IHU, com grifos nossos.

Eis o texto.

Referências bíblicas:
1ª leitura: Is 61,1-2.10-11
2ª leitura: 1Tes 5,16-24
Evangelho: Jo 1,6-8.19-28

O terceiro domingo de Advento é o domingo da Alegria. Todas as leituras falam disso. Mas temos motivos para nos alegrar? Apesar dos caprichos e da precariedade de nossas vidas, nós cristãos temos a profunda convicção de que Cristo já está entre nós. É o João Batista, do evangelista João, quem nos repete: “Mas no meio de vocês existe alguém que vocês não conhecem” (Jo 1,26) [1].

Para o evangelista João, não há mais dúvida sobre o papel desempenhado por João Batista para a fé cristã, em relação ao papel de Jesus de Nazaré, que se tornou o Cristo e Senhor no momento da sua morte-ressurreição. É como se o conflito que existia no momento dos sinópticos entre os batistas e os cristãos tivesse terminado. Em Mateus, por exemplo, João Batista mandou perguntar a Jesus: “És tu aquele que há de vir, ou devemos esperar outro?” (Mt 11,3).

No Evangelho de João, esse tipo de dúvida é inconcebível. Não há mais rivalidade entre os seguidores de João Batista e os de Jesus. Aos sacerdotes e aos levitas de Jerusalém que perguntam a João Batista, “Quem é você?” (Jo 1,19), ele respondeu: “Eu não sou o Messias” (Jo 1,20). Eles continuaram: “Então, quem é você? Elias?” João disse: “Não sou”. Eles perguntaram: “Você é o Profeta (Moisés)?” Ele respondeu: “Não” (Jo 1,20).

Historicamente, é impossível que João Batista fosse capaz de fazer tais declarações sobre sua identidade e a de Jesus. Tudo é teológico e cristológico, de modo que podemos dizer com certeza que João Batista foi o primeiro cristão que não foi batizado. De fato, São João faz do Batista o modelo para todos os cristãos que, através do batismo, se tornam testemunhas de Cristo, profetas da Boa Nova da salvação e os servos da Palavra, do Verbo de Deus que é o Cristo da Páscoa: “Eu sou a voz que clama no deserto: Endireitai o caminho do Senhor, como disse o profeta Isaías” (Jo 1,23). Santo Agostinho dizia: “É difícil distinguir as palavras da voz, portanto, se tomou o João Batista pelo Cristo. Tomou-se a voz pela palavra, mas a voz se fez conhecer, a fim de não ser obstáculo à palavra...”.

No Evangelho de São João, à resposta de João Batista sobre a sua identidade, os fariseus responderam: “Então, por que é que você batiza, se não é o Messias, nem Elias, nem o Profeta?” (João 1,25). E é aí que João Batista se transforma em testemunha, em missionário, em servo da Palavra: Ele indica a luz que é o Cristo, ele empresta sua voz ao Verbo, à Palavra de Deus que é o Cristo e inicia seu serviço, embora reconhecendo sua superioridade: “Eu não mereço nem sequer desamarrar a correia das sandálias dele” (Jo 1,27). Desamarrar a correia das sandálias de seu mestre era a função do discípulo. Um pouco mais tarde no Evangelho de São João, João Batista diz: “É preciso que ele cresça e eu diminua” (Jo 3,30). O batismo de João Batista é um batismo de conversão que nos faz discípulos de Cristo. O batismo cristão é mais do que isso: pelo Espírito de Pentecostes, ele nos faz tornar o próprio Cristo, Cristos ressuscitados.

Não é à toa que neste terceiro domingo de Advento é chamado de Domingo da Alegria... Porque, quando entendemos bem o que acontece, como cristãos, isso nos faz necessariamente sentir alegria: a Alegria que é sempre, no evangelho, ligada à Páscoa, a Ressurreição, à Vida com “v” maiúsculo. Isso nos faz compreender o terceiro Isaías, na primeira leitura de hoje e o apóstolo Paulo, em sua primeira carta aos Tessalonicenses, temos na segunda leitura. Nós somos consagrados: “O Espírito do Senhor Javé está sobre mim, porque Javé me ungiu. Ele me enviou para dar a boa notícia aos pobres, para curar os corações feridos, para proclamar a libertação dos escravos e pôr em liberdade os prisioneiros” (Is 61,1). Somos convidados à Alegria, “Transbordo de alegria em Javé, e me regozijo com meu Deus, porque ele me vestiu com a salvação, cobriu-me com o manto da justiça, como o noivo que se enfeita com turbante, e a noiva que se adorna com joias” (Is 61,10). E São Paulo acrescenta: “Estejam sempre alegres” (1Tes 5,16).

Ao mesmo tempo, São Paulo nos interpela. Nós, os cristãos, temos a missão de libertar as pessoas, de aliviá-los, de cuidá-los, de lhes trazer esperança, “Não extingam o Espírito” (1Tes 5,19), “Não extingam o Espírito” (1Tes 5,20), “examinem tudo e fiquem com o que é bom (1Tes 5:21). Assim, através de nós, Deus pode fazer germinar a sua justiça (Is 61,11). Essas recomendações são para todos os cristãos que trabalham pela Justiça, pela promoção e pela dignidade humana, no nascimento da esperança, no nascimento de Cristo... hoje... Os cristãos devem ser os verdadeiros profetas. Segundo Isaías, o verdadeiro profeta é aquele que restaura a Justiça de Deus em favor dos pobres, dos pequenos, dos excluídos e dos feridos pela vida. De acordo com São João, o verdadeiro profeta é também aquele que é o mensageiro, o porta-voz de Deus, um testemunho da Luz. Falando de João Batista, escreve o evangelista João: “Ele veio como testemunha, para dar testemunho da luz, a fim de que todos acreditassem por meio dele” (Jo 1,7).

Hoje, em nossa igreja, que tipo de profeta precisamos? Num mundo cada vez mais secularizado, o profeta de hoje ainda pode revelar a presença de Deus e anunciar seu Reino de Justiça e verdade? Creio que sim! Mas, antes de tudo, é preciso reconhecer que ninguém é dono da verdade e que o Espírito Santo trabalha através dos homens e das mulheres do nosso tempo, e não somente através da hierarquia da Igreja. O que choca e distancia a maioria dos crentes de hoje é a apropriação da verdade por parte de alguns dirigentes que desprezam a modernidade e que excluem todas aquelas e todos aqueles que buscam atualizar a mensagem do Evangelho às realidades e às situações de nosso tempo.

O profeta de hoje, que quer anunciar o Cristo Libertador, deve lutar não só contra o integrismo secular que lhe impede de falar, mas também contra o integrismo religioso, que se recusa a aceitar que ele seja o porta-voz ou mensageiro da palavra do Cristo ressuscitado, até o ponto de excluí-lo da Igreja. Se fizermos uma leitura fundamentalista dos textos bíblicos, corremos o risco de fazer dizer aos autores bíblicos o oposto do que eles queriam dizer, e fazemos da Palavra de Deus uma carga a levar, em vez de uma palavra que libera... É também a prova de que nós não compreendemos o que é a Palavra de Deus.

Em seu último livro: Meu Deus... por quê?, o abade Pierre, 93 anos, um grande profeta do nosso tempo, critica a Igreja Católica sobre questões de atualidade: a sexualidade, a igualdade homem/mulher, a homossexualidade, a homoparentalidade, o casamento dos sacerdotes, etc... Ele faz uma dura crítica dos crentes que leem a Bíblia de forma literal e materialista. Muitas vezes, esses são encorajados pelos dirigentes da Igreja que fazem o mesmo. No entanto, o Pierre cita um Padre da Igreja, Santo Agostinho, que denunciava em seu tempo, no 4º século, o abuso de uma leitura literal e histórica das narrativas do Gênesis, sobre Adão e Eva e o pecado original. Santo Agostinho escreveu: “Existe uma coisa muito vergonhosa, algo pernicioso e extremamente perigoso, quando um não fiel ouve um cristão que fala como de coisas ao falar das Escrituras, quando ele anuncia loucuras a tal ponto que o infiel tem dificuldade para não rir. E quando ouve dizer que isso é tirado das Santas Escrituras, como ele pode confiar nas Sagradas Escrituras com respeito à ressurreição dos mortos, à esperança da vida eterna e ao reino dos céus?”.

Em outras palavras, o que quer dizer Santo Agostinho, é que se eu disser que Adão e Eva foram o primeiro homem e a primeira mulher da humanidade, historicamente e materialmente falando, ou também que o mundo foi criado em seis dias com terra e água (a teoria criacionista do ex-presidente norte-americano Bush)... se eu digo coisas tolas, dessa forma, dizendo que se trata da Bíblia, isso faz rir os não crentes, a Bíblia perde a sua credibilidade e eu também. Depois disso, como tornar-se credível quando se fala de coisas mais importantes como a ressurreição, a esperança da salvação, e a vida eterna? Alguns anos atrás, por ocasião do Natal, o Papa João Paulo II disse que o menino Jesus nunca tinha desobedecido a sua mãe... É exatamente isso que Santo Agostinho denunciou na sua época.

Para encerrar, é preciso estar atento aos sinais dos tempos. O teólogo Metzger escreveu: “Os profetas ainda são necessários! Nós estamos apenas nos tempos intermédios: entre esse Dia de Deus, quando a morte foi vencida pela Ressurreição, e esse Dia de Deus, que ainda está por vir, em que se manifestarão o novo céu e a nova terra... O Espírito do Senhor está sobre nós, ele nos envia a proclamar o Evangelho com sua mensagem de Alegria, mas tem também as suas advertências, quando a salvação é posta à prova ou quando a felicidade é confiscada por uma minoria que se sente superior e dona da verdade a respeito de Deus e do mundo. O Espírito nos envia: endireitem o caminho do Senhor!”

sábado, 10 de dezembro de 2011

Viver com esperança

Chromatic typewriter: Tyree Callahan

No curso de sua pregação, João o Batista disse: "Depois de mim, vem o mais forte do que eu, de quem não sou digno de, abaixando-me, desatar a correia das sandálias. Eu vos tenho batizado com água. Ele, porém, vos batizará com o Espírito Santo". (Mc 1,7-8)

Viver com esperança. Isto soa um pouco esvaziado a nós hoje, que estamos habituados à gratificação instantânea. Parece significar tanto estar reconciliado com a contínua falta de plenitude quanto viver em uma espécie de desespero silencioso - apenas esperando para chegar ao fim. Porém, isso não tem nada a ver com o que a "virtude" – a força – da esperança nutrida pela meditação.

Uma esperança desabrocha à medida que outras morrem. Esperanças são desejos velados ou fantasias que usamos como substitutos para a realidade ou como defesas contra decepções e sofrimentos. Muitas vezes precisamos tremer à beira do desespero e do desapego da vontade antes de descobrir o verdadeiro sentido da esperança. Antes, porém, de chegar a esse limiar, começamos nos agarrando a falsas esperanças. É em relação a elas que os Joãos Batistas de nossas vidas - aqueles que sozinhos dão consolo autêntico - não são arautos da desgraça, mas pregadores da realidade.

Mas no momento em que somos agraciados com o vazio, somos visitados pela esperança que nos ilumina sobre o significado do processo que estamos atravessando. Mesmo se não podemos ver a luz no fim do túnel nós sabemos, no entanto - com uma espécie de visão noturna - que estamos no caminho, e até mesmo o sentimento de fracasso ou de ter sido esquecido são parte do processo que vai florescer na luz do amor. Para aqueles que vivem na esperança (é disso que o aprendizado do Advento se trata), não há encerramento ou desligamento definitivo. Como o velho rabi disse: Deus não espera que sejamos sempre bem-sucedidos, mas não estamos autorizados a desistir. Isto não é só sabedoria humana sobre a necessidade de suportar. É uma revelação sobre a infinita simplicidade de Deus.

Com amor,

Laurence Freeman OSB
Mensagem do autor para a segunda semana deste Advento (veja trecho da mensagem para a primeira semana aqui)
Para saber mais, visite o site da Comunidade Mundial de Meditação Cristã no Brasil.

* * *

Caso se interesse pelo tema, leia também o belo texto "A esperança como atitude crítica", de Frei Betto, aqui.
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