sábado, 28 de dezembro de 2013

"Eu vim para que todos tenham vida, e a tenham em abundância" (João 10,10)


Nosso querido amigo Pe. James Alison, teólogo e escritor, nos enviou este emocionante depoimento, com a concordância do seu autor, para compartilharmos com vocês (e, caso queira ler mais depoimentos, há uma série deles na tag "gay e cristão", aqui). Ao fim deste ano que foi tão rico, ler essa carta é, para nós, um testemunho de fé que nos anima e nos enche de esperança para nossa caminhada no ano que se inicia. Que venha 2014, e que traga bons frutos!


Caro James Alison, graça e paz!

Sou filho de uma família católica, um tanto conservadora, pois são ligados ao movimento carismático. Meu avô era homossexual, casou-se com minha avó a pedido dos seus pais que, praticamente, combinaram tudo e o jogaram para casar-se com uma mulher, pois não queriam um filho gay. Naquela época, tudo era bem mais difícil. Meus avós tiveram três filhas (dentre elas, obviamente, a minha mãe). Os anos se passaram e os casos extraconjugais do meu avô começaram a aparecer. Minha avó, (para evitar o que considerava “um escândalo”) pediu o divórcio, deixando-o com sua irmã. Pouco tempo depois, ele se suicidou ingerindo "chumbinho", veneno para ratos. E, assim, perdi o meu avô, homem de um coração gigantesco, mas que foi vítima de preconceitos internalizados historicamente.

Aos 12 anos, descobri que também sou gay. Sentia-me atraído por outros garotos. Não sabia muito bem lidar com a situação. Eu tinha medo, Padre Alison. Tinha medo da minha família, do que as pessoas iriam pensar, do fantasma que era a história do meu avô. Mesmo diante dos medos, lancei-me nas descobertas, nas aventuras dos primeiros relacionamentos. Eu era um adolescente descobrindo o mundo e a mim mesmo. Um ano depois, a minha família começou a descobrir. Os conflitos e dificuldades começaram a aparecer. Lembro-me, com clareza, do olhar desaprovador da minha avó para mim, suas palavras severas, seu medo diante daquilo que não compreendia. No olhar da minha avó, conseguia enxergar o pavor da repetição, era como se o mesmo caso do meu avô se repetisse em seu neto. Era como uma maldição! Pensei em me suicidar também. Sentia-me sujo, pecador, miserável. Minha família dizia que eu precisava rezar, confiar e pedir a Deus que me curasse, que expulsasse de mim o "demônio' da homossexualidade.

No dia 01 de maio de 2005, data do meu aniversário de 14 anos, aceitei - depois de muita insistência da minha avó - participar de um acampamento para jovens, que estava acontecendo no Centro de Evangelização de uma Nova Comunidade (dessas que são fruto da espiritualidade do movimento carismático). Lembro-me que, ao chegar lá, a multidão de jovens reunidos no local, a princípio me incomodou, pois era um dia quente e não havia mais lugares para sentar. Apesar de tudo, naquele dia, ao ouvir a pregação de um padre (palestrante do evento), senti-me tocado por Deus, amado por Ele. Uma revolução começou em minha vida. Ao final do dia, voltei para casa. Estava em lágrimas. Alguma coisa, que eu não sabia explicar, acontecia dentro de mim.

Depois daquela experiência, passei a frequentar assiduamente Grupos de Oração da Renovação Carismática Católica, acampamentos de oração para jovens, frequentar a missa e demais atividades da Igreja. Convenci-me de que havia descoberto a verdade, o caminho de uma salvação que me era garantida pela fé. Convenceram-me de que era preciso que eu me desligasse do mundo, das festas seculares e, principalmente, das "amizades que me conduziam ao mau caminho". Naquela época, eu tinha muitos amigos homossexuais. Perdi todos eles, pois me afastei de todos. Hoje, lamento profundamente as perdas afetivas desse período. Cada dia mais cultivava em mim e naqueles que estavam próximos uma espiritualidade desencarnada, afastada de tudo que fosse humano. Comecei a frequentar orações de cura, de libertação, nas quais acreditava que Deus me curaria e libertaria da homossexualidade. Conseguia me manter “fiel” a esses propósitos por um tempo, mas, vez ou outra, não resistia e acabava “ficando” (para usar a popular expressão tão comum entre os jovens) com alguém ou vendo algum material de teor pornográfico. O que me fazia ficar com a consciência pesada e, consequentemente, me entregar a penitências e mais orações de cura.

Aos dezesseis anos, após um processo de discernimento vocacional, decidi ingressar em uma Nova Comunidade de Vida Consagrada. Comunidade que também está ligada ao movimento carismático. Lá não foi diferente. Permaneci no solo moralista de minhas concepções fechadas, demonizando minha sexualidade e evitando tudo que me remetesse ao meu ser e estar no mundo. Dentro da comunidade optei pelo sacerdócio e, tendo meu pedido aceito, fui morar na casa dos seminaristas. Passei a conviver com um mundo diferente: o dos estudos filosóficos. A filosofia foi para mim uma alavanca de libertação. Sentia como se um martelo quebrasse – progressivamente - minhas convicções, dogmatismos e moralismos, fundados no solo conservador da Renovação Carismática. Sempre gostei de estudar, o mundo dos livros nunca me foi estranho ou desconhecido; talvez isso tenha contribuído no processo de “crise” (enfrentamento de si), em que adentrei logo no início da filosofia.

Fiz uma travessia intelectual. Foi minha segunda conversão. Certa vez, ao ler um texto de Henrique de Lima Vaz sobre Agostinho, descobri que na história do filósofo e doutor da Igreja aconteceu uma espécie de “itinerário de conversões filosóficas”. Ao olhar para minha história, também percebo isso. Minha mudança acarretou uma série de consequências, principalmente no ambiente eclesial em que me encontrava. Comecei a questionar os “tabus” (aquilo, para citar Freud, sobre o qual não se podia falar). Progressivamente, fui percebendo que na comunidade em que estava não conseguiria crescer como pessoa gay e como cristão católico, coisas que, a meu ver, estão interligadas indissoluvelmente. Pensar é atividade de risco em lugares fechados. Minhas leituras, em linguajar sartreano, eram como um “inferno” para mim. Revelavam-me o quão estranho eu era para mim mesmo, o quão desumano haviam sido meus últimos anos. Nesse período, arrisquei-me em algumas aventuras amorosas. A proibição, o tabu, o moralismo farisaico, instigavam-me a querer infringir, romper com a lei moral. Fiz isso algumas vezes, mas sabia que não podia permanecer em uma farsa, não suportava mais fugir de mim mesmo, negar o que eu era, ser reprodutor dos mesmos discursos dos quais outrora fora vítima. Não podia ser desonesto comigo, com minha fé, tampouco com os outros.

Na época, morava n’outro estado, um pouco distante do meu lugar de origem, e, deveria continuar os estudos filosóficos e teológicos lá. Todavia, a vida me preparou uma surpresa. Minha mãe caiu em uma terrível depressão, e os meus superiores acharam por bem que eu ficasse por perto. Fui transferido para a capital do estado em que vive minha família. Até hoje, eles vivem em uma cidadezinha a 70 km da capital. Lá dei continuidade ao curso de filosofia na Universidade Católica (onde lhe vi pela primeira vez, no Simpósio Internacional René Girard). Na Católica aconteceu minha terceira conversão. Conheci a Teologia da Libertação e entrei em uma estreita aproximação com os Jesuítas e com religiosos de outras congregações e ordens. Tudo era novo para mim. Eu que cresci em um cenário eclesial fortemente conservador, moralista e fechado, começava agora a conhecer horizontes novos, arejados por ventos eclesiais mais humanos. Conheci seminaristas com os quais podia conversar sobre a minha homossexualidade, partilhar minhas questões existenciais. Eu era o único seminarista de uma Nova Comunidade lá. Um ano depois, decidi fazer nova travessia. Como os discípulos, ao ouvir ressoar a palavra do Mestre, sentia que precisava lançar as redes de novo (Cf. Lucas 5,5). Foi no período em que conheci alguns frades de uma Ordem Religiosa. Era um grupo humano, de identidade marcada pela teologia da libertação, com um excelente trabalho no meio popular e no diálogo com a sociedade. Após um período de conhecimento e discernimento decidi sair da Nova Comunidade, em que até então estava, e ingressar no seminário dessa Ordem. E assim o fiz.

Hoje faz um ano que estou com eles. Não me arrependi da escolha. Continuo querendo ser padre. Continuo acreditando na Igreja. Mas, hoje, antes de ser padre, antes de ser religioso, quero ser uma boa pessoa, um bom ser humano. Não sei fazer isso de outro modo a não pelo da aceitação de minha condição homossexual. Esse ano, pela primeira vez, senti-me à vontade em partilhar com meu formador que eu sou gay. Ele é um ser humano fantástico, me acolheu e disse que era um sinal de maturidade humana reconhecer isso. O Grupo religioso em que estou é muito aberto nessa questão. Nós, formandos, conversamos sobre isso com naturalidade, não escondemos um do outro o que somos, independente de quem é hetero ou homossexual. Estou feliz! Sei que ainda tenho muito a crescer. Quero fazê-lo. Minha família continua não sabendo sobre minha condição, tenho vontade de assumir para eles, mas ainda tenho medo e não sei muito bem como fazer.

Hoje li um artigo seu. Você não sabe como ele foi importante para mim. “Um pequeno erro no começo torna-se muito maior ao final: rumos da discussão eclesial sobre a questão gay” [que publicamos aqui], uma conferência que você deu em um congresso de Teologia Moral. Foi a leitura desse artigo que me motivou a querer contar um pouco de minha história para você. É a primeira vez que narro a minha história de forma tão livre, tão leve, sem culpa. Gostaria de lhe pedir que rezasse por mim. Sinto como se sua história tivesse se cruzado com a minha, não sei como. Ao escrever isso, lágrimas correm no meu rosto. Também quero lhe pedir ajuda. Que me ajude nesse processo de honestidade, de aceitação; pois, como disse acima, poucos são os que sabem sobre mim. Eu não quero ser um religioso, um padre, um ser humano que vive na penumbra da mentira, sob o véu do mistério. Eu quero, antes de tudo, poder ser eu mesmo: filho de Deus, gay, cristão, humano.

Não sei se você chegará a ler essa carta. Mas, se por acaso chegar a ler, ficarei muito feliz e grato. Receba o meu abraço! Muito obrigado pela paciência em passar os olhos sobre essas letras que, juntas, revelam um pouco do que eu sou. Espero, um dia, poder te conhecer pessoalmente. Não somente lhe ver (como foi no Simpósio sobre o Girard), mas ter o prazer de lhe abraçar e agradecer pessoalmente pelo seu testemunho que tem curado tantas histórias, que ajudou e ajuda a curar a minha.

S.G.P.
Dezembro de 2013




quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Feliz Natal!


Queridos,

No Natal, Jesus recém-nascido é colocado em uma manjedoura pois não havia lugar na hospedaria. Mas este é o grande sinal da manifestação divina anunciado aos pastores. Hoje, muitos LGBT não encontram o devido lugar e a devida estima na sociedade e na Igreja. Mas é aí que Deus pode se manifestar, suscitando inconformismo, coragem para mudar as coisas e perseverança.

Feliz Natal! Um grande beijo para todos,

Equipe Diversidade Católica

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Deus vem para todos


Linda a mensagem final publicada no folheto da Missa da Arquidiocese do Rio de Janeiro deste domingo, 22/12/13. Reproduzimos e fazemos destas as nossas palavras, como uma oração pelo respeito às diferenças e pela inclusão na Igreja e no mundo.

"Celebrar o Natal implica vencer aquilo que nos impede de ver nos outros nossos irmãos." Que a luz dAquele que veio e vem "salvar a todos, sem distinção, os pecadores e os que se acham justos", ilumine nossos corações, nos inspire em nossa caminhada rumo a uma fraternidade cada vez maior e não nos deixe esquecer: "TODOS preparam o caminho real por onde vem o Messias (...) ninguém é estranho ao amor de Deus manifestado em Cristo Jesus". Saibamos acolhê-lO em cada um dos irmãos, sem exceção!

Feliz Natal! 

Estamos às vésperas do Natal do Senhor, e como toda família que se prepara para o nascimento de um filho, a liturgia deste domingo coloca diante de nossos olhos um álbum de família.

São Mateus, cujo Evangelho, dentre os quatro símbolos do livro do profeta Daniel - o leão, a águia, o touro e o homem alados - é simbolizado pelo homem, começa o texto sagrado com a genealogia de Jesus. Ao vir ao mundo, Deus feito homem nasce uma família humana. Desde Abraão até José, são três séries de 14 nomes. Quatorze é o número de David (D = 4, V = 6, D = 4), como que indicando que Jesus é 3 vezes Davi, o Filho de Davi, por excelência.

Na lista de antepassados, encontram-se também pagãos e mulheres estrangeiras: Tamar, Ruth, a moabita, e pecadoras como a mulher de Urias, com quem Davi havia pecado; e Raab, a prostituta cananeia que ajudou os hebreus durante a conquista de Jericó. A mensagem de Mateus, que conheceu e conviveu com Jesus, é muito clara: o Senhor veio salvar a todos, sem distinção, os pecadores e os que se acham justos. Todos preparam o caminho real por onde vem o Messias.

A menção dessas mulheres traz uma mensagem claríssima: nenhum de nós que se prepara para celebrar o Natal deve se esquecer de que o Senhor veio e vem para todos, que ninguém é estranho ao amor de Deus manifestado em Cristo Jesus, que espera de nós uma resposta de acolhida. Celebrar o Natal implica vencer aquilo que nos impede de ver nos outros nossos irmãos; é vencer todo orgulho egoísta, todo sentimento injusto. Fazer do Natal uma ocasião para sermos melhores.

Diante de nossos olhos a liturgia nos coloca mais uma das belas imagens do Advento: a figura querida e amada de São José. Também ele foi humilde bastante para vencer a sua limitação, sua incapacidade de entender um mistério que lhe supera. Aceita com humildade ser esposo de uma mulher que humanamente não será exatamente sua, ser pai de um filho que não é seu, do qual cuidou, protegeu como verdadeiro pai e esposo fiel. Esta é a grande mensagem do Natal: Deus faz maravilhas com aqueles que se deixam iluminar pela humildade. A todos um santo e abençoado Natal do Senhor!

Papa Francisco, "personalidade do ano" para a revista LGBT americana 'The Advocate'


Assim como a revista Time, a publicação LGBT americana The Advocate elegeu o Papa Francisco "Personalidade do Ano" de 2013. Nosso amigo Lula Ramires, da Pastoral da Diversidade, de São Paulo, traduziu a matéria (leia a original aqui) para nós:


Na hora de decidir quem foi a pessoa que mais afetou as vidas das pessoas LGBT em 2013, havia escolhas óbvias. Pelo menos, era o que parecia inicialmente.

Se, por um lado, Edie Windsor, por exemplo, está na lista dos finalistas, não foi a ela que escolhemos para ser a Personalidade do Ano. Windsor é uma heroína para os norte-americanos LGBT por dar o golpe final na luta contra a discriminatória Lei de Defesa do Casamento (DOMA), sendo que a seção 3 deixou de existir. Quando ela saiu da audiência na Suprema Corte, houve uma chuva de aplausos. Na premiação dos Out 100, em que ela recebeu um prêmio por Realizações ao Longo da Vida, gritos de "Edie! Edie!" a saudaram no palco. Na capa de novembro da revista, sorria radiante enquanto segurava uma pomba branca — um símbolo.

De fato, a própria Windsor é um poderoso símbolo representando muitos outros que atuam nos bastidores. Também na Suprema Corte naquele dia, por exemplo, havia quatro demandantes no caso da Proposição 8, vindos da Califórnia, e estas pessoas merecem ser louvadas. Ou qualquer dos seus advogados. Há a equipe hétero de David Boies e Ted Olson, cujo componentes frequentemente se tornam heróis públicos em defesa do avanço do casamento igualitário através do sistema judiciário por meio de entrevistas na TV e nos noticiários. E tem também a promotora Roberta Kaplan, uma de nós, que com eloquência refutou o Presidente da Suprema Corte John Roberts quando este sugeriu que os tempos haviam mudado e que as pessoas LGBT não eram mais uma minoria oprimida.

Não para por aqui. Um punhado de outros casos poderia ter ido para a Suprema Corte este ano, mas não foram escolhidos. Há demandantes e advogados em todos eles. São provenientes de estados que vão de Michigan a Massachusetts. Frequentemente, o apoio para estes casos é dado por pessoas que atuam em organizações de defesa dos direitos LGBT, tais como o Gay and Lesbian Advocates and Defenders (Defensores Gays e Lésbicas) ou o Lambda Legal, ou aliados sem interesse pessoal na causa — caso da União Americana pelas Liberdades Civis. Centenas trabalham nessas organizações e há anos contestam a Lei de Defesa do Casamento nos tribunais. Tome-se, por exemplo, o caso de Gill contra a Secretaria de Administração de Pessoal, ação iniciada em 2009 e que, originalmente, envolvia 19 pessoas.

Edie Windsor é uma heroína, que bem merece ter seu nome registrado nos livros de História que narram os meandros da derrota da DOMA. Mas não é a Personalidade do Ano. Não poderia ser, não para a The Advocate, onde celebramos o trabalho de tantas e tantos que contribuíram para esta vitória na Suprema Corte que é um verdadeiro marco.

Quando Windsor apareceu em terceiro lugar na lista anual de personalidades do ano da revista Time , ela aceitou a comenda de forma digna, como sempre. “É uma honra para mim ter sido escolhida pela Time ," escreveu ela num pronunciamento, "mas sou apenas uma pessoa que tomou parte na extraordinária e ainda inacabada luta pela igualdade no casamento para todas as nossas famílias. Há milhares de pessoas que nos ajudaram a chegar até aqui e ainda temos muito trabalho a fazer."

A pessoa mais influente em 2013 não vem do nosso embate permanente no campo jurídico mas, ao contrário, do mundo espiritual — onde as conquistas são de definição mais difícil. Não foi por causa de nenhum voto ou decisão tomada, e ainda assim uma mudança significativa e sem precedentes aconteceu este ano em termos de como as pessoas LGBT são vistas por uma das maiores comunidades de fé do mundo.

O Papa Francisco é o líder de 1,2 bilhão de católicos romanos em todo o mundo. Existem três vezes mais católicos no mundo do que cidadãos nos Estados Unidos. Goste-se ou não, o que ele diz faz diferença. Claro, todos sabemos que os católicos dão “um jeitinho” quando se trata de cumprir as regras da religião que envolvem questões de moral. Há muito desacordo quanto ao papel das mulheres, a contracepção e outras questões. Mas nenhuma delas deveria nos levar a subestimar a capacidade do papa de convencer corações e mentes a se abrirem para as pessoas LGBT — e não somente nos EUA, mas no mundo inteiro.

É mais provável que os redutos contrários à aceitação dos LGBT na religião ainda existentes, aqueles que impedem o avanço no trabalho que resta ser feito, se deixem convencer por uma figura que conheçam. Assim como o Presidente Obama transformou a política ao expor a evolução de seu entendimento dos direitos civis dos LGBT, uma mudança partindo do papa pode ter um efeito duradouro sobre a religião.

A notória diferença na retórica do Papa Francisco [leia nosso comentário aqui] em relação à de seus dois predecessores —ambos os quais já estiveram presentes entre os agraciados com o Prêmio Fobia que a The Advocate distribui todos os anos — aumenta ainda mais a ousadia de seus gestos em 2013. Primeiro, temos o Papa João Paulo II, contra quem os militantes pelos direitos LGBT protestaram durante sua visita aos Estados Unidos em 1987, que ganhou muito destaque em função daquela que viria a ficar conhecida como a “Carta do Rat(o)” — uma condenação sem precedentes da homossexualidade como “intrinsecamente má”. Foi escrita por um dos seus cardeais, Joseph Ratzinger, que viria a se tornar o Papa Bento XVI. Desde 1978, o Vaticano esteve sob o comando de um dos dois — até este ano.

Quando a revista Time indicou o Papa Francisco como Personalidade do Ano, na semana passada, corretamente assinalou a dificuldade da Igreja Católica para realizar mudanças com rapidez, chamando-a de "um lugar onde a mudança é medida em séculos". O Papa Francisco ainda não é a favor dos gays segundo os padrões atuais. Após assumiu o cargo, em julho ele lançou uma encíclica conjunta com Bento, na qual reiteram que o casamento deve ser uma “união estável entre homem e mulher”. O texto continua: “essa união nasce do seu amor mútuo, como sinal e presença do próprio amor de Deus, e do reconhecimento e aceitação do bem que é a diferenciação sexual”.

Enquanto arcebispo na Argentina, o Cardeal Jorge Bergoglio se opôs à aprovação do casamento igualitário naquele país, afirmando em 2010 que se trata de um “atraque destrutivo ao plano de Deus”. Quando Bergoglio se tornou papa, a GLAAD logo assinalou que ele certa vez havia dito que a adoção por casais do mesmo sexo era uma forma de discriminação contra as crianças.

Mas foi, de fato, durante o tempo do Papa Francisco como cardeal que sua diferença em relação a Bento e prelados de linha dura da Igreja se evidenciou. À medida que o casamento entre pessoas do mesmo sexo parecia mais próximo da legalização na Argentina, Bergoglio argumentava privadamente que a Igreja deveria assumir a defesa das uniões civis, pois seria "o menor de dois males" — isso, segundo o biógrafo autorizado do Papa Francisco, Sergio Rubin. O militante gay argentino Marcelo Márquez confirmou essa versão, declarando ao The New York Times, em março, que Bergoglio "ouviu os meus pontos de vista com muito respeito. Disse que os homossexuais precisavam ter seus direitos reconhecidos e que ele apoiava as uniões civis, mas não o casamento entre pessoas do mesmo sexo".

Como papa, ele ainda não disse que a Igreja Católica apoia as uniões civis. Mas o que Francisco de fato tem dito sobre as pessoas LGBT vem causando reflexão e consternação no interior de sua igreja. O momento que chegou às manchetes foi durante um voo do Brasil para Roma. Quando indagado acerca de padres gays, o Papa Francisco disse aos repórteres, de acordo com a tradução do italiano, "Se alguém é gay e busca o Senhor com boa vontade, quem sou eu para julgar?".

A concisão dessa declaração e a enorme atenção que obteve de imediato são evidências da influência do papa. A pergunta simples, com fortes raízes cristãs, proposta nesse contexto por esse homem — "Quem sou eu para julgar?" — foi encarada por católicos e pelo mundo como um sinal de que o novo papa não é como o anterior.

A visão de Francisco sobre o modo como a Igreja Católica deve abordar as pessoas LGBT foi bem explicada por ele mesmo em uma entrevista detalhada para a revista America, em setembro, quando ele recordou: “uma pessoa uma vez me perguntou, de forma provocativa, se eu aprovava a homossexualidade. Respondi com outra pergunta: ‘Diga-me: quando Deus olha para um gay, ele endossa a existência dessa pessoa com amor ou será que Ele rejeita ou condena esta pessoa?’ Devemos sempre levar a pessoa em consideração”.

Quando ainda era cardeal, disse, “eu costumava receber cartas de pessoas homossexuais que estavam ‘socialmente feridas’ porque me diziam que tinham a sensação de que a Igreja sempre as condenava. Mas a Igreja não tem essa intenção. Durante um [recente] voo de volta, vindo do Rio de Janeiro, eu disse que se uma pessoa homossexual tem boa vontade e busca a Deus, não sou ninguém para julgá-la. Ao dizer isso, repeti o que diz o catecismo. A religião tem o direito de expressar sua opinião a serviço do povo, mas Deus em sua criação nos fez livres: não é possível interferir espiritualmente na vida de uma pessoa.”

Ele continua, afirmando que “não podemos insistir somente nas questões relacionadas ao aborto, ao casamento gay e aos uso de métodos anticoncepcionais. Não é possível. Não tenho falado muito sobre estas coisas e fui repreendido por esse motivo. Mas, quando falamos dessas questões, temos de abordá-las num contexto. O ensinamento da Igreja, neste aspecto, é claro, e eu sou um filho da Igreja; mas não é necessário ficar repetindo estes pontos o tempo todo”.

Autêntico em suas palavras, o Papa Francisco não se valeu de seus grandes momentos quando esteve sob os holofotes do mundo para condenar as pessoas LGBT, como Bento costumava fazer. Nesta mesma época, no ano passado, o Papa Bento tinha acabado de lançar sua mensagem pelo Dia Mundial da Paz, celebrado pela Igreja Católica em 1º de janeiro, advertindo que os esforços em prol do casamento de gays e lésbicas "na verdade prejudicam e ajudam a desestabilizar o matrimônio, obscurecendo sua natureza especifica e seu papel indispensável na sociedade". Bento descreveu o casamento igualitário como "uma ofensa contra a verdade da pessoa humana". Em contrapartida, o Papa Francisco lançou sua primeira mensagem pelo Dia Mundial da Paz na semana passada [leia aqui].

A fraternidade, diz ele, "é o fundamento e o caminho para a paz". Ele retoma a história de Caim e Abel como exemplo da incapacidade da humanidade de reconhecer seus irmãos e, pelo contrário, fazer inimigos. "Em Cristo, o outro é acolhido e amado como filho ou filha de Deus, como um irmão ou irmã, não como um estranho, e muito menos como um rival ou mesmo um inimigo. Na família de Deus, todos são filhos e filhas do mesmo Pai". E prossegue: "Todo homem e toda mulher desfrutam de uma mesma e inviolável dignidade. Somos todas e todos amados por Deus".

O Papa Francisco dedica seu tempo a discorrer contra os malefícios da cobiça e a falta de foco na justiça e no enfrentamento da pobreza. Por isso, conservadores como Rush Limbaugh o atacam, chamado-o de marxista. Mas Francisco prega a igualdade quanto ao direito de cada um à auto-realização. "Os seres humanos necessitam e são capazes de algo maior do que maximizar seus interesses individuais", diz o Papa em sua mensagem para o Dia Mundial da Paz.

Poderíamos nos indagar como a aceitação das pessoas LGBT se adéqua à atitude do Papa com relação ao amor que se deve dar a cada ser humano e à valorização da contribuição de cada um à sociedade. Em menos de um ano como papa, Francisco ainda precisa mostrar se suas aspirações se limitam a simplesmente não ser nosso inimigo. Será ele um agente ativo na luta contra a discriminação dos LGBTs no mundo inteiro?

A revista Time assinala que um incomum grupo de oito bispos foi selecionado pelo Papa Francisco para aconselhá-lo periodicamente. Entre eles está o Cardeal Oswald Gracias, da Índia, que neste mês condenou publicamente a criminalização da homossexualidade em seu país. A Suprema Corte da Índia acaba de emitir uma decisão escandalosa, restabelecendo a pena de até 10 anos de prisão para o sexo entre gays. “A Igreja Católica nunca se opôs à descriminalização da homossexualidade, pois nunca consideramos que os gays fossem criminosos," sublinhou o cardeal, segundo o Asia News. "A Igreja Católica se opõe à legalização do casamento gay, mas ensina que os homossexuais têm a mesma dignidade de todos os demais seres humanos e condena todas as formas de discriminação injusta, de assédio ou abuso." Mais cedo em 2013, ele havia declarado a um grupo LGBT da Índia, segundo a revista Time, que “é equivocado afirmar que os que têm outra orientação sexual sejam pecadores” e que “devemos buscar uma maior sensibilidade em nossas homilias e nossa maneira de falar em público, e é essa a recomendação que farei aos nossos padres”.
O jornal italiano La Repubblica relatou que um grupo LGBT católico daquele país, o Kairós, de Florença, escreveu uma carta ao papa em junho, pedindo "abertura e diálogo" e observando que a falta desses dois elementos "sempre alimenta a homofobia". Os católicos LGBT haviam escrito para os papas anteriores, mas Francisco é o primeiro a dar uma resposta. Os dois lados mantêm privado o conteúdo da conversa, exceto pela indicação de certo assombro por o Papa ter dado sua benção ao grupo LGBT.

Uma coisa que aprendemos em 2013 foi que, por mais que nossos militantes se dediquem, no fim somos sempre confrontados com algum hétero que decide o nosso destino. Será que as nove pessoas que têm assento na Suprema Corte americana — seis das quais são católicas romanas — algum dia emitirão uma decisão abrangente que torne o casamento igualitário legal em todos os 50 estados dos EUA? Será que os deputados americanos — cerca de um terço dos quais professa o catolicismo, a religião com maior número de representantes — aprovará a Lei de Não Discriminação no Emprego? Será que algum deles levará em conta a recomendação do papa no sentido de não se julgar os homossexuais?

Nada disso vai afetar o possível retorno dos americanos LGBT que abandonaram a Igreja Católica. O impacto do gesto do papa nada tem a ver com nossa decisão quanto a voltarmos ou não às igrejas, mas afeta as pessoas que já estão sentadas em seus bancos. Afeta também aqueles e aquelas que vão às igrejas todo domingo, e também durante a semana, bem como aqueles que se dedicam ao trabalho voluntário em obras filantrópicas — que são, muitas vezes, nossos mais ardorosos opositores.

Ainda assim, os católicos LGBT que permanecem na Igreja de fato têm mais motivos para ter esperança de que uma mudança se aproxima. Basta ouvir as reações ao "Quem sou eu para julgar?" do papa.

"O Papa Francisco expressou hoje algumas das palavras mais encorajadoras já usadas por um pontífice a respeito das pessoas gays e lésbicas", diz uma declaração [leia a nota original aqui] da organização LGBT católica Equally Blessed ("Igualmente Abençoados") [Eles participaram do evento que realizamos durante a JMJ, como contamos aqui]. "Ao fazê-lo, deu um grande exemplo para os católicos de todo o mundo". A nota prossegue, com expectativa crescente: "os líderes católicos que insistem em depreciar gays e lésbicas não podem mais afirmar que seus comentários inflamados representam os sentimentos do papa. Os bispos que se opõem à ampliação de direitos civis básicos — tal como pôr fim à discriminação no ambiente de trabalho — não podem mais alegar que o papa aprova seu discurso discriminatório. O Papa Francisco não expressa nenhuma mudança na doutrina da Igreja, mas fala com compaixão — e, ao fazê-lo, incentiva um diálogo já animado, que talvez um dia possibilite à Igreja acolher integralmente os católicos que são gays e lésbicas".

(Tradução livre de Lula Ramires e revisão de Cristiana Serra)

O mantra do amor igual


A jornalista Helena Celestino, que assina a coluna "Volta ao Mundo" do jornal O Globo, publicou esta semana um balanço das mudanças ocorridas pelo mundo para os gays, neste ano de 2013. Ela faz referência à carta que enviamos aos bispos em resposta à consulta pública do Vaticano em preparação para o Sínodo sobre a Família, em 2014 (clique aqui para ler) - e transformamos também em abaixo-assinado online (aqui) - e à nossa participação no documentário "Rio de Fé", o filme oficial da JMJ 2013.


O ano foi dos gays. Ao redor do mundo o casamento entre pessoas do mesmo sexo foi legalizado, a bandeira do arco-íris tremula nos quiosques do Rio ou em bairros de Taiwan e até o Papa faz pesquisa para saber como tratar filhos criados por dois homens ou duas mulheres [saiba mais aqui]. Casais do mesmo sexo na publicidade viraram banalidade, a lei passou a punir a homofobia, não a homossexualidade. A batalha cultural está ganha, mesmo se a pena de morte ainda ameaça o amor entre iguais em países islâmicos. A vitória não foi só para os gays: em 2013, a igualdade nas relações amorosas virou o novo pensamento único no mundo ocidental, consolidando uma revolução sexual iniciada nos anos 60.

Os ingleses, com sua visão imperial e irônica do mundo, dizem que o sexo foi inventado em 1963, ano em que os Beatles lançaram o primeiro LP cantando “love, love me do", foi derrubada a lei de Chatterley — aquela que permitiu levar Oscar Wilde à cadeia por gostar de sexo com homens — e o escândalo Profumo acabou com a inocência na vida pública. O ano não sei, mas foi nos 60 que o poder jovem passou a movimentar o mundo, a pílula mudou para sempre os casamentos e as relações amorosas, as mulheres foram à luta e a maioria não mais depende de marido para sustentar a casa, o mundo à la “Mad Men” desmoronou.

O resto é uma história de altos e baixos na vida das nações e de cada um de nós. Vamos combinar, poucos têm uma relação amorosa/sexual de igualdade, mas agora este é um mantra na intimidade de homens e mulheres ocidentais. “É por isso que o casamento gay passou a ser socialmente aceito, é a última fronteira legal a ser transposta em busca do ideal de relações de igualdade”, diz a historiadora da homossexualidade da Universidade de Amsterdam, Gert Hekma, ao “Financial Times”.

De perto, a gente sabe, nenhuma relação é normal, mas só os sem-noção se vangloriam de usar o poder da grana para dominar o parceiro e até aquela tradicional história do velho rico que se casa com a bela(o) jovenzita(o) já anda deixando constrangidos os amigos próximos. Sintomático da defesa de relações de igualdade foi a indignação com o estupro de mulheres que levou multidões às ruas da Índia, provocou uma batalha legal no Senado dos EUA para tirar dos militares o poder de julgamento do crime e obrigou autoridades brasileiras a, pelo menos, prometer medidas contra a violência sexual.

“Estamos terminando um ano momentoso em relação ao sexo no ocidente”, diz o colunista Simon Kuper, citando também a cruzada contra a pedofilia e as leis contra a prostituição como sinais de algo revolucionário ocorrendo na civilização ocidental.

Este ano, do Papa aos escoteiros, dos juízes da Suprema Corte dos EUA aos comissários do partido na China e aos legisladores de Inglaterra, França e México, todos tiveram de repensar suas convicções sobre as uniões gays.

Um exemplo contundente está no filme de Cacá Diegues sobre a Jornada da Juventude [saiba mais aqui]. A mesma Cúria Metropolitana do Rio que colocou alguns padres e leigos num silêncio forçado por pregarem a aceitação dos homossexuais na Igreja, aprovou sem restrições casais do mesmo sexo expondo detalhes do seu cotidiano como gays católicos [na verdade, não são casais que aparecem, são quatro integrantes do Diversidade Católica do RJ: Marcelo, Pyter, Ed e Cris, que já deram seus depoimentos aqui e aqui]. Os grupos da Diversidade Católica no Brasil, formados por LGBTs religiosos, estão vivendo em clima de “primavera no Vaticano”, especialmente depois de o Papa incluir quatro questões sobre “a vida gay” na consulta pública às paróquias, uma preparação para o Sínodo de 2014. Num abaixo-assinado postado no Avaaz, a turma LGBT pede aos bispos deixarem de tratá-los como “ovelha negra ou rosa” — a piada é deles — e desrespeitar os direitos à estabilidade psíquica e espiritual da comunidade em nome da defesa da família [para ler, assinar se concordar e divulgar se achar importante, clique aqui].

Claro que no mundo real, a foto é menos colorida e bonita, especialmente ao ultrapassar as fronteiras ocidentais. A Suprema Corte da Índia ressuscitou a lei que pune relações entre iguais, Uganda criou lei para obrigar pessoas a denunciar vizinhos homossexuais e prever prisão perpétua para gays, retrocedendo dois séculos na história. Dos 169 países da ONU, só 18 permitem o casamento gay, outros autorizam em parte do território, mas ao menos 68 votaram pela descriminalização dessa relação. Permaneceram contra 59 outras nações que lançaram um documento separado reafirmando a proibição.
O megafone ocidental a favor das igualdade nas relações criou semana passada a palavra “sexextorsão” para denunciar o sexo em troca de favores, em que as armas de coerção são o abuso de poder e o medo. Um exemplo é o da jovem imigrante que pediu asilo no Canadá e foi convidada pelo “homem da caneta” para um café, onde ficou clara a troca: a aprovação do status de asilada estava condicionada ao sim para o sexo com ele. Ou os cibercrimes, em que cenas de sexo explícito são postadas para chantagear ex-parceiros. A associação internacional de juízes já apresentou um dossiê de 48 páginas para enquadrar estes crimes. A brigada da defesa pela igualdade nas relações amorosas e sexuais só não pode cair na armadilha conservadora de criminalizar e regulamentar o desejo porque aí tudo perde a graça.

Fonte: O Globo (aqui)

"Não se podem pular etapas"

Nosso querido Arnaldo, um dos fundadores do Diversidade Católica, foi entrevistado para a matéria de capa da revista Época desta semana - que faz um balanço deste início de pontificado do Papa Francisco - e contou um pouco da sua história. Se quiser saber mais, você pode ler seu depoimento aqui - e, para depoimentos de outros membros e amigos do grupo, é só clicar na tag "gay e cristão", aqui. :-)

domingo, 22 de dezembro de 2013

Boas Festas


Anoiteceu, o Sino Gemeu
A Gente Ficou Feliz a Rezar
Papai Noel Vê Se Você Tem
A Felicidade Pra Você Me Dar

Eu Pensei Que Todo Mundo
Fosse Filho De Papai Noel
Bem Assim Felicidade
Eu Pensei Que Fosse Uma
Brincadeira De Papel

Já Faz Tempo Que Pedi
Mas o Meu Papai Noel Não Vem
Com Certeza Já Morreu
Ou Então Felicidade
É Brinquedo Que Não Tem

Assis Valente



Interpretação Maria Bethânia, faixa presente no CD "Natal Bem Brasileiro", lançado em novembro de 2008 pela Biscoito Fino.

Ficha técnica:
Arranjo e violões: Jaime Além
Acordeon mussete: João Carlos Coutinho
Produção: Thiago Marques Luiz
Direção geral: Kati Almeida Braga
Direção artística: Olívia Hime
Coordenação de produção: Joana Hime
Edição/vídeo: Chico Fukushima

ORAÇÃO


Amado Senhor,
tua luz já se levanta em nosso horizonte.
A natureza já desperta de seu sono:
canta o galo e a chegada da aurora,
brilha o orvalho como cristal em meio à relva,
e a terra exala seu perfume.
Toda a natureza clama:
"O noivo está chegando, vão ao seu encontro!".
Ao que respondemos:
Vem, Senhor, nós te esperamos!
Vem, Senhor, não demores!
Nossas lâmpadas acesas
não serão mais necessárias
quanto tua luz clarear nossa noite...

Texto: Pe. Danilo César

Experiência interior



Comentário do Pe. José Antonio Pagola sobre o Evangelho de hoje:

O evangelista Mateus tem um interesse especial em dizer aos seus leitores que Jesus há de ser chamado também de “Emmanuel”. Sabe muito bem que pode resultar chocante e estranho. A quem se lhe pode chamar um nome que significa “Deus conosco”? No entanto, este nome encerra o núcleo da fé cristã e é o centro da celebração do Natal.

Esse mistério último que nos rodeia por todas as partes e que os crentes chamamos “Deus” não é algo longínquo e distante. Está com todos e cada um de nós. Como o pode saber? É possível acreditar de forma razoável que Deus está comigo, se eu não tenha alguma experiência pessoal por pequena que seja?

Habitualmente, a nós cristãos, não foi ensinado perceber a presença do mistério de Deus no nosso interior. Por isso, muitos o imaginam em algum lugar indefinido e abstrato do Universo. Outros procuram-no adorando Cristo presente na eucaristia. Muitos tratam de escutá-Lo na Bíblia. Para outros, o melhor caminho é Jesus.

O mistério de Deus tem, sem dúvida, os seus caminhos para fazer-se presente em cada vida. Mas pode-se dizer que, na cultura atual, se não o experimentamos de alguma forma dentro de nós, dificilmente o encontraremos fora. Pelo contrário, se percebemos a Sua presença no nosso interior, será mais fácil rastrear o Seu mistério à nossa volta.

É possível? O segredo consiste, sobre tudo, em saber estar com os olhos fechados e em silêncio aprazível, acolhendo com um coração simples essa presença misteriosa que nos está alentando e sustendo. Não se trata de pensar nisso, mas de estar “acolhendo” a paz, a vida, o amor, o perdão… que nos chega desde o mais íntimo do nosso ser.
É normal que, ao aprofundarmos no nosso próprio mistério, nos encontremos com os nossos medos e preocupações, as nossas feridas e tristezas, a nossa mediocridade e o nosso pecado. Não temos de inquietarnos, mas de permanecer no silêncio. A presença amistosa que está no fundo mais íntimo de nós nos irá apaziguando, libertando e sarando.

Karl Rahner, um dos teólogos mais importantes do século vinte, afirma que, no meio da sociedade secular dos nossos dias, “esta experiência do coração é a única com a que se pode compreender a mensagem de fé do Natal: Deus fez-se homem”. O mistério último da vida é um mistério de bondade, de perdão e salvação, que está conosco: dentro de todos e cada um de nós. Se o acolhemos em silêncio, conheceremos a alegria do Natal.
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