sexta-feira, 8 de abril de 2011

A caminhada


Naqueles dias, o Senhor disse a Abrão: “Sai da tua terra, da tua família e da casa do deu pai, 
e vai para a terra que eu te vou mostrar”. 
Gênesis 12:1

Existe uma ligação irrevogável entre a terra prometida e o total despojamento. Desde o início, quando Deus chama a Abrão (ainda não Abraão), a convocação a fundar um povo novo num lugar distante vem com uma tarefa: tem que deixar tudo o que possui. Abrão não tem dúvida, nem medita muito. Pega e sai. Seria por não ter muita coisa a perder? Não sabemos. Por outro lado, ele mostra total confiança no Senhor que acabou de conhecer, naquele momento.

O futuro pai de multidões tem de superar a comodidade da rotina, a inércia de ficar no mesmo porque já está. Inovar sempre custa caro, pois significa começar tudo de novo. Alguma facilidade tinha, pois o semi-nomadismo já o fazia viver desinstalado, constantemente em busca de águas frescas e pastos novos para seus rebanhos. Já era caminhante. Aos aficionados da televisão, lhes custa mais - quiçá por não terem o costume do movimento constante. Para começar, andar faz bem.

Mesmo na pobreza, custa deixar o país, sua gente, a família, e quantas coisas mais. O catolicismo autoritário, recalcitrante e intransigente, de quaresmas austeras que duram todo o ano sem se acabarem jamais, inventou a falsa razão de que Deus impõe sobre Abrão uma exigência de sacrifício a fim de pô-lo à prova, para ver se era digno. Assim justificam os requisitos prévios para a salvação que têm inventado, a fim de se eximirem de levar a Boa Nova (de uma ressurreição que desconhecem) à multidão faminta de terra prometida.

As igrejas protestantes - especialmente as variantes fundamentalistas e pentecostais - não imaginam o despojamento como parte dum processo espiritual. Primeiro, por não entenderem de processos espirituais, nem de caminhadas largas. A sua versão da salvação ocorre no dia que a sua vida mudou. Por outra parte, se aferraram ao salmo primeiro, que promete prosperidade aos crentes. A acumulação de coisas, o consumismo irracional que está matando o planeta, é parte do seu evangelho da prosperidade: a recompensa atual como adianto do céu futuro.

Então, despojar-se não ergue ninguém, e ainda cheira a antiquadas penitências católicas. Porém, por mais bíblicos que sejam, esquecem-se dos chamados de Jesus, quando diz coisas radicais como "deixa todo o que tem: os seus pais, a sua mulher e seus filhos, e vem e segue-me". A sua religião é para assegurar essas coisas, não para despojar-se delas.

O amor de Deus é universal. A Boa Nova é gratuita. O despojamento começa com o chamado, livremente aceito, com alegria. Significa caminhar em direção a algo melhor. Os afeitos a caminhadas sabem que é bom andar de bagagem leve - quanto menos, melhor.

A convocação para a terra prometida é acompanhada do despojamento total pela simples razão de que não é possível viver em dois lugares. Não se pode ter dois mestres. Não adianta dedicar-se a dois ofícios. Não é possível ter dois amores, nem viver duas vidas.

Terra prometida para os discípulos de Jesus é mais que um espaço geográfico. É uma vida. É evangelho encarnado, boa notícia, amor incondicional. O chamado é para deixar para trás as condições, os apegos e as coisas insensatas de que a gente acha que precisa, como dinheiro, aplausos e honras. A promessa é Jesus mesmo, transfigurado, pleno, entregue, amor em pessoa, dando sentido e direção a tudo. Ele é nossa terra prometida. É hora de caminhar.


- Nathan Stone, S.J.
Publicado originalmente no Mirada Global. Grifos nossos.

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