segunda-feira, 4 de abril de 2011

De cartas, máscaras e trocas afetivas

Oscar Wilde em 1882.
Foto: Napoléon Sarony

"O homem é menos fiel quando fala por si próprio. 
Deem-lhe uma máscara e ele dirá a verdade" 
- Oscar Wilde

Quando fui convidado a colaborar no blog, a princípio me perguntei sobre o que poderia falar ou de que maneira poderia contribuir dentro de um universo tão específico, cujos conhecimento e autoridade para me pronunciar a respeito certamente me faltam.

Foi a Cris que veio em meu socorro, fazendo uma análise precisa das mensagens que eu volta e meia envio lá para o mailing list do Diversidade, no Yahoo. Ela me chamou a atenção para o fato de que as minhas colocações pessoais de certa forma humanizavam as questões abordadas e discutidas no grupo e isso me deu o tom com que me dirijo a todos, aqui.

É difícil falar de experiências pessoais, todo mundo sabe disso. Acho que foi por isso que resolvi abrir o texto com esse aforismo do Wilde, que expõe uma característica humana tão comum: a de se revelar tanto mais quanto menos se mostra o rosto.

É assim na Internet. Salvaguardados pelos biombos protetores dos blogs, dos sites, das redes de relação, das listas de discussão, dos e-mails sem face, das palavras frias numa tela, é com frequência que nos expomos e deixamos falar aquele que, por conta de inúmeras circunstâncias, nem sempre pode ter voz ativa. Para o bem e para o mal, é importante frisar.

Assim o é também na vida. Ancorados no anonimato são cometidos, em número sem fim, atos covardes, assassinatos, injustiças, desrespeito de toda ordem. Porém também são levados a termo gestos de carinho, atenção, amparo, ajuda, afeto...

O afeto talvez seja a coisa mais delicada com que o homem, nesse século XXI, ainda tem que aprender a lidar. Digo isso porque, ainda hoje mesmo, publiquei uma carta que escrevi há algum tempo para alguém que amava muito, mas que se recusava a sair de si próprio. Muito frequentemente, na educação que recebemos, afeto é algo que somos estimulados a não demonstrar. Para se ter respeito somos ensinados a ser sérios demais, duros, inflexíveis, monolíticos. A máscara da sobriedade, da ascese, da secura sempre coube ao homem.

O afeto está restrito ao universo feminino, subjetivo, sutil e, por isso, numa sociedade estruturada sobre distintas relações de poder e que privilegia as noções de força, objetividade e virilidade, não é visto com bons olhos. Quem fala abertamente de afeto tende a ser identificado com uma série de características ou defeitos repudiados pelas convenções sociais: fraqueza, fragilidade, passividade, pieguice etc, etc, etc. Para os homens, falar de afeto significa, em última instância, negar o próprio gênero, abdicar de sua posição no status quo social e relegar-se a um plano inferior.

Numa relação amorosa, aquele que fala de afeto em geral é o que outorga o poder ao outro, o que se inferioriza, o que se entrega, o que deixa de ter voz ativa para comungar única e exclusivamente da visão de mundo do parceiro. Na exacerbação dessa visão distorcida, é aquele que se anula, pelo qual se perde o respeito.

E, assim, volto-me para a carta que escrevi e vejo que aquilo tudo, toda aquela gama de sentimentos conflitantes, desencontrados, poderia ter sido evitado se não estivéssemos tão condicionados por essas máscaras que somos obrigados a usar desde cedo e com as quais constantemente interpretamos papéis no mundo.

Se manejássemos corretamente o afeto e o transformássemos não só em ferramenta de autoconhecimento mas, principalmente, em moeda corrente para a comunicação, o diálogo com o outro, transformando as relações de poder em trocas afetivas, quem sabe os corações humanos não falassem mais por si próprios?

Não foi por acaso essa uma das lições repetidas com mais afinco pelo Cristo?

Paz e carinho a todos, sempre.

Mr. MM

P.S.: Wilde escreveu uma carta longa, intensa e emocionada a Lord Alfred Douglas, o grande amor de sua vida, por quem sofreu um dos mais abjetos processos judiciais da Inglaterra, no final do século XIX, tendo sido condenado a mais de dois anos de trabalhos forçados por ter praticado o "amor que não ousa dizer seu nome". A carta, escrita na prisão em 1897, foi publicada sob o título de "De profundis" pela primeira vez em 1905, numa versão reduzida. A versão completa e totalmente fiel ao original só veio a público em 1962.

Nenhum comentário:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...