quinta-feira, 7 de abril de 2011

O afeto é subversivo


Foto: arquivo pessoal

"Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos,
se tiverdes amor uns aos outros." (João 13:35)

É com uma triste frequência que nos deparamos com notícias que dão conta de violência sofrida por casais gays pelo fato de terem demonstrado afeição em público, quer seja através de um simples carinho, um abraço, um beijo ou mesmo andar de mãos dadas.

Eu me pergunto: o que será que mobiliza esse tipo de reação? Que tipo de emoção ou energia represada no íntimo dos seres humanos é emulada a ponto de se manifestar em desrespeito e violência? Na raiz das duas representações, tanto naquela manifesta pelo carinho entre representantes do mesmo sexo quanto na que transborda em agressividade como resposta, reside o mesmo elemento propulsor: o afeto.

No século XXI o pensamento humano ainda está firmemente condicionado à lógica fundada por Descartes, que pensava o mundo através da oposição corpo/alma. O primeiro elemento seria o repositório de todo o caos gerado pelos sentidos, enquanto o segundo estaria destinado a ordenar sob a égide da razão o universo do pensamento e dos conceitos.

Assim sendo, ao corpo caberia lidar desordenadamente com os afetos, pois que se originam do irrealizado do irracional, do incontrolável, obedecendo a esquemas muito mais tarde mapeados pela psicanálise como mecanismos ligados ao inconsciente. Através dessa mesma lógica cartesiana é que a cultura elegeu a psicanálise como o instrumento que, aliado à razão, teria como tarefa primordial desvendar as profundezas insanas da mente humana de forma a ordená-la em paradigmas lógicos.

O afeto está na gênese do ser humano. É uma força tão poderosa e insondável que Freud por diversas vezes em sua obra tangenciou conceituá-la sem obter grandes sucessos, pois que insistia em tematizá-la em termos de uma energia objetivável. É o afeto que mobiliza o homem em direção àquilo que ele considera bom ou útil para a garantia da sua sobrevivência, inicialmente através dos sentidos e, posteriormente, justificado por uma série de esquemas lógicos que compõe o pensamento racional - este último condicionado, obviamente, por todo um processo cognitivo que insere o ser humano em determinados contextos históricos, sociais, culturais, educacionais, familiares etc, etc, etc. Grosso modo significaria dizer que o afeto é a primeira instância que vai dar ao homem as noções do que, mais tarde, ele vai objetivar intelectualmente como "aquilo pelo que é imprescindível lutar."

Dessa forma, podemos pensar tanto os grandes movimentos sociais quanto as piores tragédias da humanidade em termos de mobilização maciça de afeto em prol da união de seres humanos pela defesa de pontos de vista e/ou questões supostamente vitais para a sobrevivência e permânencia da raça. A ansiedade, a angústia com que a experiência dos sentidos comunica ao homem a necessidade de adaptar a ordem estabelecida (porém já obsoleta) às novas necessidades desencadeia o início do processo que vai inquirir, questionar, pensar, desarticular e, por fim, romper com hierarquias e organizações, abrindo campo para a gênese do novo.

O afeto une, congrega, aproxima. O afeto cria laços. O afeto é subversivo.

Também Jesus e os apóstolos foram vistos com imensa desconfiança pelos mantenedores da ordem quando saíam juntos a propagar a doutrina cristã, toda ela firmemente plantada na força propulsora e grandiosa do afeto. Também os primeiros cristãos eram olhados por uns com admiração, por outros com desdém quando deles se dizia: "vede, como se amam..." (Tertuliano. In: Apologético 39,7; 5)

Daí o porquê de um beijo entre dois homens ou duas mulheres mexer tão radicalmente com afetos que ainda não foram organizados de forma a dar lugar ao verdadeiro e profundo sentimento de compreensão de humanidade.

Mr. MM

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