Foto: Jorge Brivilati
Por que um Deus, a quem Jesus de Nazaré chamava de Pai, deixaria seu próprio filho morrer daquele jeito? Por que Deus – a quem Jesus apresentou à humanidade como sendo todo amor, todo-poderoso – não fez nada? Não teria sido simples para Ele, fazer alguma coisa, já que era Deus? Por quê?
Se tentarmos enquadrar o amor de Deus na dimensão do nosso amor humano, nunca conseguiremos responder a essas perguntas, nunca daremos vazão às dúvidas que nos assolam quando nos deparamos com o sofrimento de um inocente – como Jesus o foi.
Antes de tudo há uma questão de coerência: se Deus é um Deus de Amor Absoluto, se Ele deu ao homem o dom da liberdade e do livre-arbítrio, ele não pode interferir nisso. Deus não enviou Jesus ao mundo para morrer na cruz; ao contrário, Jesus veio para revelar ao homem a face paterna de Deus e seu imenso amor. Quem decidiu pela cruz foi a humanidade, insatisfeita de ter que deixar seu caminho de perdição para, só assim, conseguir aceitar a mensagem salvífica de Jesus e o amor de Deus. E descobrimos que Ele não é todo-poderoso, pois não pode fazer o mal, não pode interferir cinematograficamente na escolha de seus filhos.
Quando amamos, temos que fazer concessões. A concessão humana para encontrar o amor infinito de Deus, é Sua aceitação, é o afastamento do pecado, ainda que este seja muitas vezes tão camuflado por situações cotidianas, que já não nos damos conta. Por isso, Jesus de Nazaré incomodou seus contemporâneos.
O Deus pregado por Ele é um Deus de vida, e não da morte. Não se trata, portanto, de impingir a Deus a culpa por não ter salvado Seu único filho; mas de tomarmos consciência de que continuamos a contribuir para que outras tantas cruzes sejam suspensas a cada dia.
Naquela distante sexta-feira um inocente perambulou pela madrugada, jogado e julgado injustamente. A cruz Lhe foi imposta pela inveja e pelo orgulho humanos. Porém, ainda hoje é possível ouvir os sons daquela noite: sons que atemorizaram, vozes que subjugaram, chicotes que soaram alto. É possível ouvir o som do arrastar da cruz até o Calvário, o choro das mulheres que acompanharam o cortejo, o espanto do Cirineu... É possível ouvir as marteladas dos carrascos, as vestes se rasgando, as palavras na Cruz, a entrega do espírito ao Pai... São sons que teimamos em abafar e passar ao largo. Mas, é preciso ouvi-los, para que possamos abafá-los definitivamente.
Deus-Pai sofreu com seu filho, como sofre com cada um de nós, em nossas menores dores. Muitas vezes, diante do sofrimento, não há palavra, não há gesto: é preciso apenas estar junto. E Deus nos é fiel, absolutamente fiel!
Compreender, portanto, o silêncio do Calvário, é entender o comportamento de um Pai que ama tanto a humanidade que não interfere em sua liberdade, ainda que esta a conduza pelo caminho da negação desse amor.
Assim, rememorar a Paixão de Cristo nos oferece a oportunidade de encontro com um Deus-Vivo, presente na história humana. Não o Deus do Calvário, mas aquele que chega como a brisa suave, que soprou na manhã do domingo da Ressurreição.
- Gilda Carvalho
Reproduzido via Amai-vos Tweet
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