Foto: Cecile Mella
Uma "parada" e uma "marcha". A primeira, "Gay"; a segunda, "para Jesus". Ambas ocorreram num intervalo de três dias, em São Paulo, e contam seus participantes na casa dos milhões. São os dois maiores eventos de massa do país, manifestações de força e de organização coletiva numa sociedade com baixa capacidade de mobilização popular e muito pouco interesse pela política.
A Parada Gay e a Marcha para Jesus têm mais ou menos a mesma idade. Ganharam visibilidade no país em meados dos anos 1990. Embora sejam eventos globais, com inserção em várias cidades, é em São Paulo que elas de fato acontecem.
São o sagrado e o profano, a expressão ritualística ou carnavalizada da afirmação de valores e de direitos de grupos sociais. Neste ano, mais do que nunca, evangélicos e gays & simpatizantes disputaram um cabo de guerra, uma peleja entre o atraso e a vanguarda em matéria de costumes. Ambos, porém, são fenômenos contemporâneos. O embate entre eles desenha uma dialética entre regressão e avanço social no Brasil.
Conservadores e intolerantes, os adeptos de Jesus investiram contra a decisão recente do STF, que reconheceu a união civil de casais gays. "O verdadeiro Supremo é Deus", dizia na marcha um senador da República. Os homossexuais, por sua vez, usaram ontem um mandamento cristão -"Amai-vos uns aos outros"- como bordão para combater essa mesma intolerância.
Ontem, em artigo na Folha, o diplomata Alexandre Vidal Porto dizia que, em respeito às vítimas da homofobia (e para combatê-la), o "peso do discurso político" na parada devia ser maior que "a vontade de dançar". Pedia uma descarnavalização do ato em benefício de uma visão menos estereotipada e caricata dos homossexuais. Faz sentido. É sintomático do conservadorismo brasileiro que a politização dessa questão tenha sido pautada por uma decisão do STF, à revelia do Congresso e do Executivo.
- Fernando de Barros e Silva, jornalista
Artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, 27-06-2011. Tweet
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