segunda-feira, 2 de abril de 2012

Tudo começa de novo


Tudo começa de novo e, de modo ritual, passamos a relatar e reviver interiormente os grandes eventos que aconteceram há muito tempo. O mundo não parou quando eles se realizaram. Apenas de modo simbólico escureceu-se o sol e o véu do templo rasgou-se pelo meio. A vida comercial e emocional das pessoas continuou como sempre, durante todo o transcorrer do curto trágico drama da humilhação de um refém sem poder na política do mundo. Um breve espetáculo de julgamento, tortura pública para manter o povo satisfeito, mais uma execução de um ativista religioso (ou político) que brilhou por um breve tempo na imaginação popular e, em seguida, perdeu a sua aprovação e afundou entre as grandes ondas dos negócios de estado e de interesses pessoais.

Seus amigos íntimos fugiram desapontados e talvez irados com ele, para salvar a si mesmos. Deixaram que morresse só com sua mãe, um discípulo que amava e algumas devotadas mulheres aos pés da cruz.

E aqui estamos em 2012, contando a história de novo, a partir dos relatos levemente desarticulados mas inesquecíveis, escritos várias décadas depois. Não temos suas próprias palavras, a não ser em tradução. Ele não deixou nada escrito. Não sabemos o que ele gostava de comer no café da manhã ou, em termos exatos, quem ele pensava que era. Ele está mais presente do que qualquer outra figura histórica ou de ficção e, contudo, quando o olhamos de perto, Ele se torna transparente e desaparece. Se o encontramos, somos transformados, mas não podemos controlá-lo.

Essas inconsistências e paradoxos que tanto irritam a mente racional, quando ela funciona isolada, constituem os meios de grande transmissão.

As crianças que gostam de uma estória e aqueles que reconhecem o valor de uma grande obra de arte ficam felizes de repeti-la indefinidas vezes. Nesta estória, a própria repetição constitui um ato de fé e portanto ilumina a visão.

Ganha mais força se ao contarmos a estória, atuarmos como no teatro, ao invés de nos sentarmos como uma assistência pacífica. Nesta estória, não existem meros observadores.

Temos um número limitado de oportunidades na vida para representar de novo o drama e penetrar o seu significado. Sem saber quanto constitui parte do processo que nos liga àquele que sofreu e morreu, mas não permaneceu morto.

- Laurence Freeman, OSB
Mensagem para o Domingo de Ramos à Comunidade Mundial de Meditação Cristã no Brasil

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