Ilustração: Annie Terazzo
Foi por unanimidade que o Supremo Tribunal Federal aprovou a união civil homoafetiva. Ao mesmo tempo, acontecia uma conferência de bispos católicos brasileiros que criticaram o que chamam de “casamento gay”. Enquanto se comemorava a decisão, também se alertava para a violência crescente contra os homossexuais no Brasil. A votação é considerada uma vitória e o avanço no país. Porém, ainda há muito a ser feito e a ser discutido. Isso também é unanimidade entre os quatro entrevistados de hoje. Doutor em História e professor na PUC-Rio, Luis Corrêa Lima, padre jesuíta, afirma, na entrevista que concedeu por e-mail, que “existe ainda algo básico a ser feito: coibir a aversão a pessoas homossexuais, a homofobia. Ela desencadeia diversas formas de violência (física, verbal e simbólica) contra estas pessoas”.
O presidente da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais e doutor em Educação, Toni Reis, que foi entrevistado por telefone, concorda com a ideia anterior e complementa: “É fundamental que os crimes que foram praticados contra a comunidade LGBT sejam investigados e as pessoas que cometeram esses crimes sejam punidas rigorosamente, porque infelizmente a impunidade é grande. Os policiais e profissionais de segurança precisam aprender a tratar a comunidade LGBT como cidadãos”.
Roque Junges, professor da Unisinos, doutor em Teologia, padre jesuíta, analisou a versão da Igreja sobre o tema: “No sentido jurídico específico de direitos, penso que a Igreja não seria contra essa igualdade de direitos quanto à questão de herança, de aposentadoria e outras questões. Sim, ela é contra na visão fundamentada da conjugalidade ao equiparar isso a um matrimônio”, disse.
O jornalista, doutor em Comunicação e professor da Unisinos Ronaldo Henn, que conversou com a IHU On-Line por e-mail, analisou a votação do STF do ponto de vista da comunicação. Ele aponta que “podíamos acompanhar a manifestação dos ministros ou pela TV ou por sítios que transmitiam online ao mesmo tempo em que as pessoas postavam comentários instantâneos no Twitter. Isso gera um contexto de repercussão e de construção de opiniões públicas extremamente veloz e intenso. Esse cenário faz toda a diferença e nos leva às dinâmicas do exercício da cidadania muito alvissareiros”.
Confira as entrevistas, reproduzida via IHU com grifos nossos.
O que significa para o Brasil a decisão do Supremo Tribunal Federal quanto à união homoafetiva?
Luis Correa Lima: Significa o reconhecimento da união homoafetiva como entidade familiar em todo o país, desde que atendidos os requisitos exigidos para a formação da união estável entre homem e mulher; e também que os mesmos direitos e deveres dos companheiros nas uniões estáveis estendem-se aos companheiros nas uniões entre pessoas do mesmo sexo. Para o direito brasileiro, de agora em diante, a união gay é família, ainda que não seja casamento. Esta decisão repercute na vida das pessoas e das instituições, motivando-as a visibilizar a homossexualidade.
Convém recordar que a família tem mudado bastante ao longo da história. Na Antiguidade Romana, ela era o conjunto das propriedades de alguém, incluindo escravos e parentes. Família vem de famulus, que significa escravo doméstico. Também no mundo bíblico, a mulher era propriedade do marido ou do pai, assim como a casa, o escravo e o jumento (Êxodo, 20). O casamento era um acordo entre chefes de família, prescindindo do consentimento dos cônjuges. O homem podia ter mais de uma esposa, e a função dela era gerar descendentes para a família do marido. Caso a esposa ficasse viúva e sem filhos, ela teria que se casar com o cunhado para cumprir esta função.
No século XII, a cristandade ocidental introduziu o consentimento conjugal como condição necessária para a validade do casamento. No Brasil Colonial, a idade mínima para o casamento era de 12 anos para as mulheres e de 14 anos para os homens. Isto hoje é inadmissível. O modelo patriarcal de família declinou em todo o mundo no século passado. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, estabeleceu o livre consentimento dos cônjuges e também a igualdade de seus direitos no casamento. A Igreja Católica, no Concílio Vaticano II, louva as nações que promovem a igualdade de direitos do homem e da mulher na sociedade.
No longo prazo, portanto, é muito grande a mudança na configuração familiar e no papel de seus membros. Este processo continua. Agora, há uma ressignificação do conceito de família de modo a incluir as uniões homoafetivas.
Onde o Brasil ainda precisa avançar em relação a esse tema?
Luis Correa Lima: Falta a regulamentação para facilitar o cumprimento desta decisão do Supremo. Se um casal gay vai a um cartório solicitar o registro de sua união, o funcionário pode negá-lo, pois não há lei prevendo este registro. O casal pode recorrer à Justiça, sabendo que vai ganhar, ainda que na última instância, mas pode ser caro e desgastante.
Existe ainda algo básico a ser feito: coibir a aversão a pessoas homossexuais, isto é, a homofobia. Ela desencadeia diversas formas de violência (física, verbal e simbólica) contra estas pessoas. No Brasil são frequentes os homicídios, sobretudo de travestis. Há também o suicídio de muitos adolescentes que se descobrem gays, e mesmo de adultos. Eles chegam a esta atitude extrema por pressentirem a rejeição hostil da própria família e da sociedade. Há pais que dizem: “Prefiro um filho morto que um filho gay”. Esta hostilidade gera inúmeras formas de discriminação, seja na família, seja na escola, no trabalho ou em outros ambientes; e, mesmo que não leve à morte, traz frequentemente tristeza profunda ou depressão.
A visão da Igreja ainda é importante para a opinião pública?
Luis Correa Lima: Parte da opinião pública está ligada às igrejas. No caso da Igreja Católica, a alta hierarquia aceita, ainda que com reservas morais, direitos decorrentes da convivência homossexual. Mas não aceita a equiparação desta convivência ao matrimônio ou à família. Convém observar que há na doutrina católica uma ordem de conteúdos, que o Concílio Vaticano II chama "hierarquia de verdades". Alguns pontos são mais importantes, pois tocam diretamente o núcleo da fé, e outros são menos importantes. A evangelização não é a imposição do regime do tudo ou nada.
Há valores que são apreciados tanto pela Igreja quanto pela ampla maioria da opinião pública. São exemplos o amor ao próximo, o respeito à pessoa humana e a solidariedade para com os pobres e com os que sofrem. Sempre que o testemunho da Igreja faz resplandecer estes valores aos olhos da sociedade, há uma grande ressonância. Uma mostra deste testemunho são pessoas como D. Helder Câmara, Alceu de Amoroso Lima, Ir. Dulce e D. Luciano Mendes de Almeida.
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O que significa para o Brasil a decisão do Supremo Tribunal quanto à união homoafetiva?
Toni Reis: Significa a vitória da cidadania, todo mundo ganhou e ninguém perdeu. Venceram os princípios de igualdade de direitos, de dignidade humana, de liberdade e do livre arbítrio e também da segurança jurídica. O Brasil é maior com essa decisão; é contemporâneo. Realmente foi uma surpresa para nós, da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais. Nós achávamos que seriam seis votos a quatro, ou sete votos a três. Mas, de repente, conseguimos a unanimidade. Isso foi muito importante.
Onde o Brasil ainda precisa avançar em relação a esse tema?
Toni Reis: O Brasil precisa avançar em muitas questões. O combate à miséria, o incentivo à educação em todos os níveis. Na questão da comunidade LGBT é principalmente na educação que precisamos melhorar, discutir ética, discutir a respeito da diversidade humana... É preciso capacitar e qualificar os profissionais de educação para que saibam lidar com a diversidade, seja ela racial, de idade, de gênero, de estado físico, da pessoa ser obesa ou não, e também criminalizar a homofobia no Congresso Nacional.
É fundamental que os crimes que foram praticados contra a comunidade LGBT sejam investigados e as pessoas que os cometeram sejam punidas rigorosamente, porque infelizmente a impunidade é grande. Os policiais e profissionais de segurança precisam aprender a tratar a comunidade LGBT como cidadãos. Muitas vezes nós percebemos que, por parte do aparato policial, há ainda muita discriminação. E além, é claro, da questão da saúde. Nós conquistamos, hoje, já algumas questões neste sentido. Temos os médicos de prevenção à Aids, por exemplo. Mas ainda tem muito a ser feito. Isto precisa chegar a todos os recantos do nosso país.
Por que o preconceito ainda é muito forte contra os homossexuais no Brasil?
Toni Reis: A homossexualidade, infelizmente, era considerada na Idade Média um crime, um pecado mortal e muitas pessoas foram mortas na fogueira. Até 1824, a homossexualidade era crime em Portugal e no Brasil. Depois, até 1990, passou a ser tratada como uma doença. Nós precisamos resgatar valores e dizer que a Bíblia é uma questão de interpretação, não é crime ser homossexual, nem mesmo doença. O Conselho Federal de Psicologia já tem uma resolução que coloca que nenhum profissional da psicologia pode fazer qualquer tipo de tratamento de reversão da homossexualidade.
A visão da Igreja ainda é importante para a opinião pública?
Toni Reis: Infelizmente, nós temos alguns setores conservadores e homofóbicos que ainda são barulhentos neste sentido. Temos que vencer isso mostrando que estamos em um Estado laico onde a religião não pode se impor. Temos uma Constituição que diz que todos são iguais perante a lei e que não haverá discriminação de qualquer natureza. Várias religiões já respeitam a questão da orientação sexual e da identidade de gênero. Nós podemos conviver; não queremos fazer guerra santa com ninguém. O que queremos é ser tratados como cidadãos e cidadãs. Queremos ser respeitados como qualquer outra pessoa.
Alguns dias após a resolução, você celebrou a união que formalizou com seu companheiro. Pode nos contar como foi esse momento?
Toni Reis: Foi um momento de grande emoção. Estou com meu companheiro há 21 anos, estou muito feliz. Mas vivíamos uma felicidade que era de fato, mas não de direito, e desde segunda-feira, dia 9 de maio de 2011, nós passamos a ter uma união de direito. Hoje, temos um documento que indica que nós somos muito mais cidadãos. Estamos muito felizes.
O meu companheiro é britânico e nós estávamos brincando que falaram tanto do príncipe William e da princesa Kate, e eu encontrei o meu príncipe David faz 21 anos. Eu tive a oportunidade de morar quatro anos na Europa e quando o David veio para o Brasil ele ficou por um tempo irregular, e ele foi autuado pela Política Federal. Ele estava para ser expulso do país, pois para ficar no Brasil ele precisava pagar 300 mil dólares, casar com uma mulher ou ter um filho e David não se encaixava em nenhum desses casos. Minha mãe propôs na época que nós nos casássemos, deu toda uma polêmica, o caso não se consumou, e nós conseguimos um “jeitinho brasileiro” de ele ficar no Brasil. Hoje, porém, com este documento nós vamos resolver de forma tranquila e transparente esta situação.
A ideia de família muda agora para você?
Toni Reis: Tenho muito claro que família são aquelas pessoas que você tem laços de afeto, de amizade e de responsabilidade. Acho que agora se amplia o conceito de família. Os últimos dados do IBGE mostram que já há muitas famílias monoparentais, composta pela avó, pela neta, pelo tio e pela sobrinha. Não é mais aquele “casal margarina”, com o pai e a mãe e os dois filhos tomando café da manhã. No Brasil e no mundo todos os tipos de família devem ser respeitados, com toda a cidadania e com todas as garantias que o Estado pode dar.
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Qual a diferença entre casamento e união para a Igreja?
Roque Junges: Essa aprovação da união homoafetiva tem dois significados. O primeiro significado é jurídico, que significaria que as uniões homoafetivas têm os mesmos direitos que as uniões heterossexuais, é a questão da igualdade de direitos. O segundo significado, mais simbólico e amplo, é no sentido de que nenhuma discriminação que estivesse fundada em questões sexuais de orientação sexual podem ter lugar. Ela significa que nenhuma discriminação tem lugar dentro da sociedade atual, quando existem igualdade de religião, de tendências sexuais, de homem e mulher... No entanto, a decisão veio da mais alta autoridade brasileira, e eu pergunto: Por que essas questões sempre tem que ser decididos nesta instância? Por que sempre se precisa de uma juridicização de tudo? Creio que seria melhor que o Parlamento tivesse feito isso.
A Igreja, fundada numa visão de conjugalidade, não aceita isso, e acho que ela tem todo o direito de não aceitar. A questão é que quando nós vivemos em uma sociedade que já é pós-cristã, em um Estado laico, a Igreja não pode querer impor sua visão para toda a sociedade. Com dificuldade, a Igreja está entendendo que não pode impor a sua visão a uma sociedade que já é muito mais ampla, que já não é mais somente católica. Isso aconteceu também quando foi aprovado o divórcio, anos atrás. A Igreja também se definiu contra. Evidentemente, em sua concepção ela deve ser contra isso. Mas ela não pode impor esta visão a todo mundo. Eu não colocaria o acento naquilo que alguns da Igreja argumentaram na linha de que isso não é natural. É mais difícil fundamentar uma coisa em algo que seja natural. É muito melhor fundamentar a questão dentro do significado antropológico do que a Igreja entende por conjugalidade.
A Igreja é contra o casamento e contra a união?
Roque Junges: Sim. A equiparação disto é igual: sejam relações homoafetivas ou heterossexuais. Creio que a Igreja não seja contrária à união civil, que uma pessoa que esteja associada com alguém tenha os mesmos direitos. No sentido jurídico específico de direitos, penso que a Igreja não seria contra essa igualdade de direitos quanto à questão de herança, à de aposentadoria e a outras questões. Sim, ela é contra na visão fundamentada da conjugalidade ao equiparar isso a um matrimônio.
O conceito de família está se transformando muito rapidamente. Como a Igreja entende a família contemporânea?
Roque Junges: A Igreja ainda tem uma concepção de família burguesa; digamos, a família que nos tempos modernos foi se impondo. Eu não diria que ela tenha uma concepção de família patriarcal. É uma visão moderna de mãe, pai e filhos. O Ministério da Saúde desenvolveu um programa chamado Estratégia da Família. Aí, fica claro que é importante que os profissionais pensem o que é uma família. Se uma equipe encontrar um casal de homossexuais com filhos, os profissionais vão considerar como família ou não? Dentro da visão da estratégia, tem que se considerar família qualquer ajuntamento de pessoas: o grupo de pessoas que encontram abrigo e sustentáculo e vivem relações de proteção e afeto.
Em um estudo que fizemos dentro desse projeto, encontraram-se diferentes formas de família. Hoje, sabe-se muito bem que as famílias monoparentais são mais comuns; as famílias que dependem só da mãe, a família de cunho homossexual... Encontramos uma família em que havia um homem que vivia com três mulheres, que tinham filhos com elas. A equipe de saúde teve que considerar esse conjunto como uma família porque temos presente que, antropologicamente, uma família é onde um grupo encontra afeto, em que a pessoa é aceita.
Em que sentido essa decisão representa um avanço não apenas na igualdade de direitos, mas de respeito pela alteridade?
Roque Junges: O respeito pelos direitos compreende também uma outra coisa que é o respeito pelas diferenças. Eu sempre explico que ética, no sentido público do termo, na sociedade e na democracia significa você aprender a conviver com o diferente, mas também é respeitar este diferente e saber que pode aprender com ele, aprender que estas diferenças podem ser de muitos tipos. Hoje, isto faz parte da sociedade democrática, e de uma maneira ética de viver a sociedade. Estes diferentes não são somente de religião, de raça, de tendência sexual... Isso é ética em seu ser mais profundo.
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Como você analisa a votação do STF do ponto de vista da comunicação, uma vez que você acompanhou a sessão na TV Justiça e, também, as reações nas redes sociais?
Ronaldo Henn: Tivemos um avanço importante ainda nos anos 1990 quando a sociedade civil organizada, com a Federação Nacional dos Jornalistas à frente, conseguiu negociar uma legislação regulatória para a implementação da TV a cabo no Brasil. É no bojo deste processo que se criam canais de caráter público, como as TVs do Legislativo e da Justiça. Por conta disso, setores da sociedade mais atentos passaram a acompanhar acontecimentos importantes, como as CPIs, situação que gerou novos vínculos de comunicação e pressão. Com a expansão da internet e emergência das redes sociais, a interação da sociedade com os poderes constituídos ganha desdobramentos instigantes.
No caso da votação do Supremo na questão da união homoafetiva, podíamos acompanhar a manifestação dos ministros ou pela TV ou por sítios que transmitiam online ao mesmo tempo em que as pessoas postavam comentários instantâneos no Twitter. Isso gera um contexto de repercussão e de construção de opiniões públicas extremamente veloz e intenso. Esse cenário faz toda a diferença e nos leva às dinâmicas do exercício da cidadania muito alvissareiros. Nos dois dias de votação, a expressão união homoafetiva e os nomes dos ministros que faziam discursos para o anúncio do voto lideravam os trending topics do Twitter, por exemplo, que é um indicador da mobilização social em torno do acontecimento.
Entre os ministros, como o senhor avalia os diferentes discursos que sustentaram os votos? Algum teve um tom mais duro, preconceituoso? Algum discurso mais lúcido, compreendendo a realidade de todos os cidadãos brasileiros?
Ronaldo Henn: Os discursos variavam entre pelo menos três eixos: a ideia de que os dispositivos constitucionais são passíveis de interpretação, a necessária sintonia entre as leis e o mundo da vida e o reconhecimento institucional de cidadãos pertencentes a minorias e que são detentores de direitos. Boa parte dos discursos se pautou pela tecnicidade jurídica, que não poderia ser diferente em se tratando da nossa corte suprema. Mas houve momentos em que a compreensão social da importância do reconhecimento da questão em pauta ganhou relevância.
Destaco dois deles. O ministro Luiz Fux, por exemplo, chegou a dizer que mais do que direitos, o Supremo deveria oferecer felicidade aos cidadãos. Já a ministra Carmen Lúcia fez um pronunciamento muito lúcido, generoso, em que dimensões da tolerância e do afeto foram contemplados. Para ser digno, disse a ministra, "há que se ser livre e isso inclui escolhas e orientações em diversos níveis." O texto da ministra cria uma aproximação daquela corte com o mundo concreto e isso foi saudado ao longo de sua fala no Twitter. Deu para perceber, então, a posição de ministros mais alinhados afetivamente com a questão e outros que preferiam uma avaliação técnica, como a do Ricardo Lewandowski que fez uma digressão sobre a evolução do conceito de família nas constituições brasileiras.
A sociedade tem noção do significado do resultado dessa votação?
Ronaldo Henn: Penso que parte da sociedade sim, o que pode ser medido pelo acompanhamento da votação através das redes sociais. Como um todo, acho que aos poucos essa importância vai sendo processada. Lembro quando criança dos estigmas horríveis que imputavam às mulheres desquitadas. Não havia divórcio e o desquite era uma espécie de limbo em que mulheres sofriam todo o tipo de preconceito. Era como se elas, nesta condição, não existissem socialmente. Depois de 1977, quando o Congresso aprovou a lei e o casamento deixa de ser, do ponto de vista civil, indissolúvel, novos arranjos de família puderam se constituir juridicamente, o que significou um processo de transformação profundo que compunha um cenário de liberdades comportamentais que começavam a requerer reconhecimento. A presente decisão do Supremo tem uma importância da mesma magnitude. Só lamento que o Congresso não tivesse a coragem ainda de fazer o debate sobre esse tema, deixando estrategicamente na gaveta projetos como o da então deputada, agora senadora, Marta Suplicy (PT) e o mais recente, da deputada Manuela D’Ávila (PCdoB).
De que forma as redes sociais no Brasil contribuíram para o debate acerca da união homoafetiva?
Ronaldo Henn: Penso que não só neste caso, mas em outros, as redes sociais formam um ambiente de discussão, manifestação, denúncia e de mobilização diferenciados. Várias ONGs que tratam destas causas estão presentes nas redes, gerando debates e participações. Também começam haver manifestações homofóbicas, xenófobas, racistas e de outras ordens que passam a ser rapidamente condenadas. Tudo isso é muito novo, mas já aponta para duas coisas: a construção da opinião pública sai do controle da mídia convencional e os processos de mobilização social também se articulam por outras demandas midiáticas.
A mídia tradicional começa a correr atrás de acontecimentos que já se constituem hoje na própria rede. Minha atual pesquisa no PPGCCOM da Unisinos começa a examinar exatamente este fenômeno: a dos acontecimentos que já possuem a textura da internet e que se estabelecem à margem do jornalismo hegemônico, mesmo que depois sejam incorporados por ele. No caso do debate da união homoafetiva, parte deste acontecimento foi engendrado na web. Tweet
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