quinta-feira, 12 de maio de 2011
O julgamento histórico, uma semana depois
Uniões homoafetivas a partir de agora são reconhecidas legalmente no Brasil. Casais do mesmo sexo já podem formalmente ser reconhecidos como uma família, com direitos iguais a qualquer casal brasileiro, como pensão alimentícia, herança, plano de saúde e adoção de filhos. Agora estes são direitos fundamentais reconhecidos, aprovados e constituídos. Isso foi conquistado a partir da decisão tomada, por unanimidade, pelos ministros do Supremo Tribunal Federal. Ainda que Igreja e grupos conservadores tenham contestado a decisão, o STF põe fim à discriminação legal dos homossexuais no país.
A IHU On-Line entrevistou, por email, cinco pessoas, entre ativistas, pesquisadores e advogados, sobre a decisão dos ministros do Supremo. Aqui, elas apontam o significado e as implicações dessa decisão e os pontos nos quais o país ainda precisa avançar.
José Trasferetti, presbítero da arquidiocese de Campinas, é doutor em Filosofia pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma e doutor em Teologia Moral pela Pontifícia Universidade Lateranense de Roma.
Maria Berenice Dias é desembargadora aposentada do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, advogada especializada em Direito Homoafetivo e vice-presidenta e fundadora do Instituto Brasileiro de Direito de Família.
Yone Lindgren é vice-presidenta lésbica da ABGLT e militante do Movimento Dellas, um dos principais grupos que atuam no Rio de Janeiro.
Luiz Mello de Almeida Neto, graduado em Ciências Sociais, é mestre e doutor em Sociologia, pela Universidade de Brasília – UnB. É professor no Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de Goiás e coordenador do Sert-Tão, Núcleo de Estudos e Pesquisas em Gênero e Sexualidade.
André Musskopf, pesquisador na área de Teologias GLBT, Teoria Queer e Estudos de Gênero e Masculinidade. Graduado em Teologia, pela Escola Superior de Teologia – EST. É mestre em Teologia, também pela EST, onde, atualmente, é doutorando.
Confira a entrevista, aqui reproduzida com grifos nossos.
O que significa para o Brasil a decisão do Supremo Tribunal de Federal quanto à união homoafetiva?
José Trasferetti – Segundo os jornais, em julgamento histórico o Supremo Tribunal Federal decidiu que não há qualquer diferença entre as relações de homossexuais e heterossexuais. A maioria dos ministros considerou que casais gays possuem os mesmos direitos e deveres. Em termos práticos, esta decisão garante a casais gays uma segurança jurídica em relação à direitos de pensão, herança, compartilhamento de planos de saúde e outros. Esta decisão foi saudada por muitos como uma vitória dos homossexuais, afirmação do estado laico, manifestação do espírito democrático e do pensamento progressista. Isso significa a construção de uma sociedade mais tolerante e inclusiva capaz de lidar de maneira civilizada com suas diferenças e multiplicidade de vidas.
Significa, ainda, uma vitória daqueles que lutam pela paz, pelo respeito à diversidade. Não compreendo que existam perdedores e ganhadores nesta decisão. Ganha a sociedade que permite as pessoas de se expressarem como quiserem e, ao mesmo tempo, terem seus direitos preservados. Trata-se de uma situação inédita. Cada pessoa pode escolher o seu caminho e ser respeitado em seus direitos e deveres. A liberdade de escolha é um bem moral que purifica as relações. O Brasil já viveu situações parecidas. Vale recordar a aprovação da ementa do senador Nelson Carneiro em 1977 sobre o divórcio. Creio que ainda teremos muitos embates sobre este assunto, sobretudo, em relação à Constituição. De todo modo, é preciso compreender o momento histórico pelo qual o país está passando.
Maria Berenice Dias – É uma decisão histórica, pois veio a preencher uma lacuna da legislação. Nada justificava deixar fora da tutela jurídica certa parcela da população que tem orientação homossexual.
Yone Lindgren – Significa que temos direitos aos nossos direitos mais básicos em relação à família, vida financeira etc.
Luiz Mello – Significa o fim de qualquer sustentação jurídica, moral ou religiosa para o preconceito e a discriminação das pessoas homossexuais. A eficácia jurídica e material do reconhecimento das uniões homossexuais como entidades familiares será de alcance profundo na vida cotidiana dos casais de pessoas do mesmo sexo. Todavia, talvez ainda mais importante seja a eficácia simbólica da decisão para o conjunto da sociedade, uma vez que todos os ministros do STF afirmaram de maneira eloquente que pessoas homo e heterossexuais devem receber tratamento igualitário na esfera pública. Agora a orientação sexual não pode ser vista como atributo identitário que justifique práticas inferiorizantes. Essa é hora de lésbicas e gays saírem do armário e viverem suas vidas à luz do dia, sem vergonha e medo de amarem/desejarem pessoas do mesmo sexo, embora o recrudescimento de práticas homofóbicas tenda a acontecer no futuro imediato, dada a intolerância dos que não se conformam com o fim dos privilégios dos heterossexuais, já que de agora em diante os direitos relativos à conjugalidade – e também os deveres, diga-se de passagem – são de todos.
André Musskopf – Além das questões concretas que afetam o dia a dia de pessoas em uniões homoafetivas, essa decisão, e todo o debate que ocorreu em torno dela no STF, é a maior manifestação de uma instituição pública brasileira com relação aos direitos de pessoas LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais). Como bem o ressaltaram os/as próprios/as juízes/as, nem o Legislativo, nem o Executivo se manifestaram de maneira tão clara e tão decisiva com relação a um tema que diz respeito a essas pessoas, e agora são convocados a fazê-lo. Por isso, (além dos efeitos jurídicos) essa decisão tem um poder simbólico, dizendo ao conjunto da sociedade brasileira aquilo que já sabemos há muito tempo: pessoas LGBT são cidadãs brasileiras e devem ter os seus direitos respeitados e protegidos conforme prevê a Constituição Federal, inclusive do ponto de vista dos seus arranjos familiares. Também em termos internacionais, a decisão do STF coloca o Brasil no conjunto de países que avança no respeito e proteção a esses direitos, embora, assim como em muitos outros países, ainda haja um grande caminho a percorrer para a garantia da cidadania plena de pessoas LGBT, incluindo uma mudança cultural radical.
Por outro lado, essa decisão significa uma vitória do ponto de vista dos movimentos sociais que pautam questões de gênero e sexualidade e passaram pelo menos os últimos 40 anos lutando (e com certeza continuarão a fazê-lo) pela garantia de direitos sexuais. A decisão do STF não é fruto apenas da visão coerente e informada de seus juízes e juízas. Pelo contrário, foi a luta social e a produção de conhecimento no campo da sexualidade que colocaram as bases para que uma decisão como essa pudesse ser tomada, apesar das pressões e interferências das direitas conservadoras e reacionárias. A coragem, a ousadia e a resistência contínua daqueles e daquelas que não se conformaram com “os armários” e com o silêncio imposto pela heteronormatividade compulsória, são as responsáveis pelas conquistas que, pouco a pouco, vão sendo construídas e afirmadas, seja no STF, nos tribunais brasileiros, em Câmaras de Vereadores e em diversas políticas públicas voltadas para pessoas LGBT. Muitas dessas pessoas pagaram com a sua vida, tantas outras pagam cotidianamente os efeitos perniciosos da homofobia, sobrevivendo à luta travada em seus corpos. Além disso, essa decisão tem o poder de colocar os temas ligados aos direitos sexuais em pauta em todo o país. Em todos os espaços – até pela repercussão da decisão – a vida de pessoas LGBT se transforma em tema corrente de discussão e debate. Por isso mesmo, ressuscita fantasmas e fobias internalizadas pelos processos de socialização que demonizam, patologizam e criminalizam as suas formas de construção de identidade sexual. Há que se estar atento/a para esse backlash, enfrentá-lo como parte do processo de disputa por hegemonia e seguir lutando e avançando.
Onde o Brasil ainda precisa avançar em relação a esse tema?
José Trasferetti – Todos sabem que em nosso país os homossexuais ainda são discriminados, torturados e até assassinados. A violência contra as pessoas homossexuais continua grande no Brasil. O combate à homofobia deve ser diário, constante e integrar as lutas sociais. Com a mesma paixão com que se luta pela reforma agrária ou política, deve-se lutar pela igualdade de gênero ou pelo respeito às diversidades de orientações sexuais. Novos direitos devem ser conquistados. A luta por uma sociedade justa em relação a questões de gênero e de comportamento é uma das tarefas mais difíceis neste momento. Tenho até alguma preocupação de que esta abertura jurídica aumente a violência contra os homossexuais. É preciso promover uma mudança radical em nosso ambiente social e comportamental. Crescemos em tecnologias, mas ainda não em cidadania e direitos humanos. Não basta esta decisão do Supremo. A homofobia é uma condição interna e está inerente a nossa cultura. É preciso destruir o preconceito que ainda fere e mata. Mata não somente com balas, mas com palavras, sorrisos e olhares. Portanto, para mim com a mesma intensidade com que se avança nas questões jurídicas, deve-se também avançar nas questões sociais.
Maria Berenice Dias – Está na hora de o legislador romper sua postura discriminatória e homofóbica e cumprir com sua obrigação: aprovar leis que garantam o direito de todos, até das minorias que são alvo de preconceito.
Yone Lindgren – Criminalizando a homofobia.
Luiz Mello – Precisa avançar no sentido da efetiva igualdade na esfera pública entre todos os casais, independentemente dos sexos de seus integrantes, ou seja, a democratização do acesso de todas as pessoas ao casamento, à adoção conjunta e à inseminação artificial, para ficarmos apenas no âmbito dos direitos conjugais e parentais. Além disso, precisa assegurar que os direitos previstos na decisão do STF assumam a forma de norma legal, por mais que já sejam passíveis de gozo imediato. Por fim, prioritário também é que a sociedade brasileira incorpore o respeito à cidadania e aos direitos humanos de lésbicas, gays e também de travestis e transexuais em suas práticas cotidianas. Ou seja, que as famílias homossexuais sejam efetivamente reconhecidas como iguais às heterossexuais, nos programas de televisão, nos livros didáticos, nas aulas em todos os níveis de ensino, nas rodas de conversas entre amigos. Mas isso é um projeto para mais de uma geração, já que o preconceito e a discriminação continuam a atingir outros grupos oprimidos, como mulheres e negros, mesmo depois de muitos anos desde a aprovação de leis que lhes asseguram cidadania plena.
André Musskopf – O reconhecimento das uniões homoafetivas pelo STF é apenas um ponto muito pequeno (embora grande em seu significado) na conquista da cidadania plena por pessoas LGBT. Do ponto de vista legal, por exemplo, ainda há grandes barreiras ao acesso a direitos básicos e fundamentais e muitos desses direitos precisam ser garantidos na Justiça. Enquanto for aceitável discriminar publicamente as pessoas por conta da sua orientação sexual e identidade de gênero, não será possível garantir os seus direitos mais básicos. Do ponto de vista das políticas públicas, ainda estamos longe de ter um “olhar” para questões específicas dessas pessoas em todas as áreas: na saúde, na educação, na assistência social, na segurança pública, na habitação, na cultura etc.
Em geral, tem-se a ideia, mesmo por parte das pessoas mais bem intencionadas, de que é preciso tratar pessoas LGBT (e outros grupos historicamente excluídos e marginalizados) de maneira igual. No entanto, apenas é possível tratar de maneira igual aqueles e aquelas que numa dada sociedade e num dado momento histórico têm acesso aos meios de produção, reprodução e consumo de maneira igual. Esse não é o caso com relação a pessoas LGBT (e tantos outros grupos).
Do ponto de vista das políticas públicas, é preciso tratar “os/as diferentes” como “diferentes”. Para tanto, é preciso conhecer essas “diferenças”, bem como os processos sociais e culturais que as produzem, e elaborar estratégias para atender às necessidades dessas pessoas a partir de suas especificidades, garantindo, assim, os seus direitos fundamentais. A transformação mais profunda e da qual todas as demais questões dependem e, ao mesmo, tempo produzem, é uma transformação cultural profunda que desestabilize todas as formas de opressão e marginalização que desumanizam.
A discussão em torno da sexualidade colocada pelos movimentos sociais e pelos estudos acadêmicos fornece os elementos necessários (em termos teóricos e metodológicos) para se repensar os padrões de construção das identidades de gênero e sexualidade que aprisionam e oprimem não apenas pessoas LGBT, mas também heterossexuais (em toda a sua variedade). Não se trata da simples “inclusão”, geralmente entendida como assimilação, de determinados grupos, anexando-os aos padrões pré-existentes e pré-determinados como uma variação sobre o mesmo tema. Trata se, isso sim, do rompimento dos binarismos e essencialismos que buscam “encaixar” e “enquadrar” as pessoas em determinadas categorias, quando a sua experiência é sempre maior e impossível de ser “enquadrada”.
Enquanto essa transformação cultural é forjada nas lutas sociais e no cotidiano da vida das pessoas LGBT e de heterossexuais, questões como a equiparação da homofobia a outros crimes de ódio (PL 122), a implementação do Programa Brasil Sem Homofobia e do Plano Nacional de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, entre outros, são questões fundamentais para o avanço nessas questões. O avanço dependerá do esforço conjunto do poder público (Executivo, Legislativo e Judiciário) em todas as esferas (Federal, Estadual e Municipal), da sociedade civil organizada e de um debate e atuação constante de toda a sociedade.
A visão da Igreja ainda é importante para a opinião pública, nesse caso?
José Trasferetti – A visão da Igreja continua importante. Ela não pode se omitir. Deve expressar seu pensamento na liberdade que a constituição lhe garante. Todos os segmentos sociais devem ser ouvidos. A Igreja Católica valoriza a família e este é verdadeiramente um dado importante. A Igreja compreende a família como aquela célula-mãe que tudo orienta e normatiza. A família heterossexual constituída em nome do amor, geradora de filhos e transmissora de valores humanos e cristãos. Mas é preciso também reconhecer que o conceito “família” está se transformando muito rapidamente. O Brasil está mudando.
Entretanto, a palavra profética (não fundamentalista) da Igreja deve contribuir com a discussão e orientar, sobretudo aqueles homossexuais que são religiosos, que inspiram suas ações nos ensinamentos de Jesus de Nazaré.
Penso que a Igreja deve trabalhar em prol de uma verdadeira educação moral do nosso povo. Educação moral tendo em vista o discernimento. Não podemos frear o ritmo do tempo, mas podemos formar melhor nossos irmãos para que façam suas escolhas do melhor modo possível. Neste sentido, seria conveniente ler o livro Homossexualidade: orientações pastorais e formativas, que sairá pela editora Paulus em maio deste ano. Trata-se de um livro elaborado por mim e pelo meu colega Frei Ademildo que, sem dúvida, será um instrumento de esclarecimento sobre esta questão. Os cristãos precisam estudar melhor este tema. Não podemos ter uma consciência moral adulta sem conhecimento. Para formularmos um juízo correto é preciso muito estudo. Não podemos mais nos pautar por uma moral casuística ou mesmo legalista. A ignorância é a mãe do preconceito. A verdadeira consciência moral é esclarecida e precisa aprender a conviver com a diversidade cultural e o pluralismo teológico.
Maria Berenice Dias – Não vejo justificativa para as religiões influenciarem nas questões legais e jurídicas. Afinal, vivemos em uma democracia em que as pessoas podem ter qualquer crença e acreditar em qualquer deus. Assim, não há como prevalecer a vontade de um segmento de modo a influenciar até as leis e as decisões judiciais.
Yone Lindgren – Somente para os católicos praticantes fervorosos que se deixam atoleimar pelo que nem está escrito na Bíblia...
Luiz Mello – Claro que sim, e por isso creio que as igrejas deveriam fazer um movimento de generosidade altruísta, reconhecendo seu equívoco no tratamento dos direitos civis de pessoas LGBT ao longo da história e exortando seus fiéis a não discriminarem quem quer que seja em função de orientação sexual e identidade de gênero. Afinal, foi sob a graça de todas as deusas que o STF disse em alto e bom som que não há mais lugar para qualquer modalidade de preconceito e intolerância em nossa sociedade. E mais, que o Estado é laico e que a moral privada de grupos específicos não pode ser imposta ao conjunto da sociedade. Desde o dia da decisão do Supremo, o mundo segue em sua mesma rotina ancestral: o sol nasce e se põe como de costume, o dia continua a ter 24 horas, as plantas crescem e as aves cantam. Mas, seguramente, em nossa sociedade houve uma mudança profunda: somos mais livres para vivermos o desejo e o amor entre adultos, de quaisquer sexos, sabendo que nossos vínculos conjugais serão respeitados pela sociedade e estarão protegidos pelo Estado.
André Musskopf – Em primeiro, lugar é preciso relativizar a questão da “visão da Igreja”. Por um lado, existem, hoje, no Brasil, uma série de atores no campo religioso com posições distintas com relação a temas ligados à homossexualidade de maneira específica e à sexualidade de maneira ampla. Por outro lado, no interior das igrejas e grupos religiosos também existe uma variedade de opiniões e posições com relação a esses temas, seja no seio das próprias hierarquias eclesiásticas, seja na sua relação com os membros e fiéis. A “Igreja” ou a “religião” também são campos de disputa que não estão alheios aos debates que têm lugar na sociedade de forma mais ampla.
No caso da decisão do STF, é alentador ver que argumentos religiosos e/ou teológicos (justificados/justificáveis ou não) não foram determinantes nos votos e nas justificativas apresentadas pelos/as juízes/as. Dessa forma, cumpre-se o princípio da laicidade do Estado, definido em nossa Constituição, uma vez que, do ponto de vista civil, os direitos inerentes à cidadania devem ser respeitados independente que qualquer diferença em termos de construção de identidade. O mesmo não se vê, muitas vezes, no âmbito dos poderes Legislativo e Executivo, onde as pressões de grupos religiosos conservadores e reacionários acabam por impedir avanços na conquista da cidadania. São espaços em que, muito mais do que argumentos teológicos sólidos e fundamentados, as articulações políticas desses grupos falsamente representando a vontade da população e uma orientação revelada fazem prevalecer o seu poderio.
Do ponto de vista da religiosidade, especialmente naquilo que diz respeito à sexualidade, sempre houve, no Brasil, uma certa relativização das normas e prescrições religiosas por parte dos (in)fiéis. Como defendi em minha tese de doutorado (Via[da]gens Teológicas – Itinerários para uma Teologia Queer no Brasil), a religiosidade e a sexualidade brasileiras são marcadas por uma ambiguidade que impede categorizações definitivas, sendo construídas a partir de vários discursos e práticas. Isso não significa que, do ponto de vista do senso comum, determinadas posições defendidas por grupos religiosos não sejam reproduzidas e até defendidas, sendo a sua motivação muito mais noções sociais e culturais com relação a identidades sexuais aceitáveis do que fidelidade eclesiástica. Para esses, o discurso religioso homofóbico apenas oferece um argumento facilmente reproduzível e aceitável.
Os avanços, tanto do ponto de vista dos movimentos sociais, das reflexões acadêmicas e da legislação, quanto do ponto vista da maior visibilidade de pessoas LGBT (pessoas com rostos, histórias, trajetórias familiares), possivelmente façam com que as pessoas estejam mais dispostas a relativizar, também, os preconceitos no campo da diversidade sexual e ignorar os gritos raivosos de autoridades eclesiásticas cegadas pelo seu ódio e alienação. Perspectivas teológicas novas (desde a Teologia da Libertação, passando por correntes teológicas que discutem essas questões de maneira mais contundente como a Teologia Feminista e as Teologias Gay/Queer), bem como grupos religiosos “inclusivos”, embora não popularizadas, também oferecem novas formas de pensar e conceber a sexualidade do ponto de vista religioso.
Nesse momento histórico específico, é difícil determinar até que ponto visões religiosas conservadoras e reacionárias conseguirão mobilizar a opinião pública diante da decisão do STF e de outras conquistas da população LGBT. Seguramente haverá um movimento no sentido de fazer retroceder esse processo. O maior teste talvez seja a votação do PL 122, aprovado na Câmara de Deputados e em várias comissões no Senado. Caso vá para votação em Plenária, será possível ver até onde vai o poder de articulação política dos grupos religiosos contrários a sua aprovação, bem como até onde esses grupos ainda conseguem mobilizar a opinião pública (mesmo quando usando argumentos fantasiosos e terroristas para atingir os seus objetivos em nada sagrados). Tweet
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