Vitral: Igreja de S. João Evangelista, Indianápolis
Artigo publicado ontem, 20/04/12, no jornal britânico The Guardian. Seu autor, Paul Oestreicher, sacerdote anglicano, é capelão da Universidade de Sussex.
Uma homilia de Sexta-feira da Paixão sobre as últimas palavras de Jesus ao ser crucificado constitui um enorme desafio espiritual ao sacerdote. Os jesuítas deram início a essa tradição, adotada por muitas igrejas anglicanas. Tendo sido agraciado com esse privilégio na capital da Nova Zelândia, Wellington, minha segunda casa, eu estava dolorosamente ciente do contexto: uma Igreja profundamente dividida, em todo o mundo, pelas questões de gênero e sexualidade. Meu tema era o sofrimento, e meu sentimento era que eu não poderia me furtar de falar do sofrimento dos LGBTs nas mãos da Igreja ao longo de muitos séculos.
Seria esse assunto tão controverso um bom tema para uma Sexta-feira da Paixão? Pela primeira vez em meu ministério, tive a certeza de que sim. Aquelas palavras finais de Jesus não me deixavam outra alternativa. "Vendo Jesus sua mãe e o discípulo a quem ele amava de pé ao seu lado, disse à sua mãe, 'Mulher, eis aí o seu filho!' Depois disse ao discípulo: 'Eis aí tua mãe'. E dessa hora em diante o discípulo a levou para a sua casa."
Esse discípulo era João, a quem Jesus, afirma o Evangelho, amava de maneira especial. Todos os demais discípulos haviam fugido, com medo. Três mulheres, mas um único homem, tiveram a coragem de acompanhar Jesus em sua execução. Esse homem tinha claramente um lugar único na afeição de Jesus. Em todas as representações clássicas da Última Ceia, um dos temas preferidos da arte cristã, João encontra-se ao lado de Jesus, em geral com a cabeça repousando sobre o seu peito. Ao morrer, Jesus pede a João que cuide de sua mãe, e à mãe que o aceite como filho. E João leva Maria para casa. João torna-se, inequivocamente, parte da família de Jesus.
Jesus era um rabbi hebraico. Não se casou, algo fora do comum. A ideia de que ele tinha um relacionamento romântico com Maria Madalena é fruto da ficção, sem nenhum embasamento bíblico. Por outro lado, os indícios de que ele pudesse ser aquilo que hoje chamamos de gay são muito fortes. Todavia, mesmo militantes em defesa dos direitos LGBT na Igreja relutam em defender essa tese. Uma notável exceção foi Hugh Montefiore, bispo de Birmingham e converso de uma proeminente família judaica. Ele se atreveu a sugerir essa possibilidade - que foi encarada com desdém, como se sua intenção fosse, pura e simplesmente, chocar.
Após muita reflexão e certamente sem o menor desejo de causar qualquer escândalo, senti que não me restava nenhuma opção senão dizer, pela primeira vez em meio século de sacerdócio anglicano, que Jesus pode muito bem ter sido homossexual. Se fosse desprovido de sexualidade, não teria sido verdadeiramente humano. Acreditar nisso seria herético.
Heterossexual, bissexual, homossexual: Jesus pode ter se enquadrado em qualquer uma dessas possibilidades. Não há como saber com certeza qual. A alternativa homossexual simplesmente parece ser a mais provável. O relacionamento íntimo com o discípulo amado aponta nessa direção. Qualquer pessoa assim interpretaria hoje. Embora não haja nenhuma tradição rabínica de celibato, Jesus poderia perfeitamente ter optado por evitar a atividade sexual, fosse ele gay ou não. Muitos cristãos vão preferir adotar essa hipótese, mas não vejo nenhuma necessidade teológica disso. A expressão física de amor fiel é divina. Defender o contrário seria aderir a um tipo de puritanismo que por muito tempo maculou as Igrejas.
Todos esses elementos, eu sentia no fundo do meu coração, precisavam ser abordados na Sexta-feira Santa. A meu ver, tratava-se de um ato de penitência por todo o sofrimento e perseguição aos homossexuais que persistem ainda hoje em muitos setores da Igreja. Poucos leitores deste texto estarão se sentindo mais ultrajados do que a congregação liberal para a qual eu estava pregando, mas tenho plena consciência do quanto estas reflexões serão dolorosas para a maioria dos cristãos teologicamente conservadores ou, simplesmente, mais tradicionais. A pergunta essencial, para mim, é: o que é preciso para amar? E, para os meus críticos: o que dizem as Escrituras? Neste caso, as duas respostas apontam na mesma direção.
Se Jesus era gay ou não, isso de modo algum afeta quem ele foi e seu significado para o mundo hoje. Em termos espirituais, não faz a menor diferença. O que importa, neste contexto, é que há muitos seguidores LGBT de Jesus – religiosos e leigos – que, apesar da Igreja, permanecem, notável e humildemente, seus membros fieis. Se as Igrejas cristãs, em suas várias formas, se dispusessem a aceitá-los, acolhê-los e amá-los mais abertamente, os discípulos seriam em número bem maior. Tweet
3 comentários:
É uma ingenuidade dizer que Jesus seria sexualizado ou senão “desprovido de sexualidade”. O Nosso Senhor era um guerreiro de Deus consagrado ao Todo. Por favor, paremos de tentar fazer Deus à nossa imagem, isto sim é que é uma heresia.
Luís Salvi
Amigo, reproduzimos este artigo aqui por acharmos interessante a reflexão e a abertura à discussão. Certamente nenhum de nós tem como abranger, com a sua compreensão, a figura de Cristo. Teremos dele, sempre, uma visão necessariamente limitada e parcial. Ele permanecerá, aos nossos olhos, sempre um mistério.
Agradecemos muito sua participação.
Um grande abraço!
Acredito nisso
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