Imagem: Andy Denzler
«Ou qual é a mulher que, tendo dez moedas, se perde uma, não acende a candeia, não varre a casa e não procura cuidadosamente até a encontrar? E, ao encontrá-la, convoca as amigas e vizinhas e diz: Alegrai-vos comigo, porque encontrei a moeda perdida.” Digo-vos: Assim há alegria entre os anjos de Deus por um só pecador que se converte.» (Lucas 15, 8-10)
Esta parábola aparece-nos no capítulo 15 do Evangelho de São Lucas e ombreia com outras duas, talvez mais conhecidas e utilizadas pela Liturgia, as parábolas da Ovelha Perdida e do Filho Pródigo. Por isso, este importante capítulo 15 é também chamado por alguns «o Evangelho dos perdidos».
A experiência de perda marca a nossa existência de várias formas. Perdemo-nos do Pai e da casa paterna. Perdemo-nos na fraternidade. Perdemo-nos no tempo e no redil. Perdemo-nos... Há um espiritual negro que canta: «Por vezes sinto-me perdido como criança sem mãe/Por vezes sinto-me perdido como criança sem mãe».
Ao fazermos o balanço [do tempo da Quaresma na nossa vida] assomam, naturalmente, ao nosso coração as suas perdas. Jesus ajuda-nos a encontrarmo-nos, sem disfarçar ou minorar o dramatismo dos nossos desencontros, mas mostrando que eles podem constituir oportunidades para «adentrar-se» no conhecimento de Deus e de nós próprios. Como Moisés, somos chamados a dizer: «Vou adentrar-me mais para ver melhor esta grande visão: por que razão não se consome a sarça?» (Ex 3,3).
O paradoxo do amor de Deus é este: pelas perdas ficámos a conhecer, por exemplo, até que ponto o pastor está disposto a ir para resgatar a ovelha perdida. Ele vasculha o mundo «até a encontrar» (Lc 15,4). E, quando a encontra, «põe-na alegremente aos ombros» (Lc 15,5). Ficámos com o inesquecível retrato daquele Pai que, literalmente, «cobre de beijos» (Lc 15,20) as feridas de amor de ambos os filhos.
Neste contexto, a pequena parábola de Lucas 15,18-10 tem um sabor especial. Diferentemente das outras, ela conta uma perda interior, quase íntima: há uma parte do tesouro que se perde dentro da própria casa.
Penso que, sem grandes explicações, todos sabemos o que é isso. Reparem: não perdemos tudo, nem a maior parte sequer. De dez moedas, a mulher perdeu uma. Quase não se dá por nada. Mas quem vive essa perda, percebe o que isso representa: um arrefecimento, um abrandamento, uma quebra na inteireza de vida, na unidade ampla do sim de amor que nos constitui.
É algo semelhante ao que o Espírito critica à Igreja de Éfeso, no livro do Apocalipse: «Conheço as tuas obras, as tuas fadigas e a tua constância... Tens constância, sofreste por causa de mim e não perdeste a coragem. No entanto, tenho uma coisa contra ti: abandonaste o teu primitivo amor» (Ap 2,2-4). Tendo perdido uma moeda, a vida continua, mas não da mesma maneira.
A maior parte das vezes, o nosso pecado não é apenas deixarmo-nos aprisionar a males concretos, mas é perdermos uma medida alta, exigente e vigilante, a medida profética e inteira do Reino em nós, e conformarmo-nos a isso, como se não nos fizesse realmente falta. Este é um problema espiritual típico de uma vida adulta, de um cristianismo avançado, em que nos espreitam as tentações do cinismo e do desleixo em relação ao «primitivo amor». Mais depressa nos pomos à procura de umas chaves ou de umas moedas que não sabemos onde param... Habituamo-nos, assim, a uma vida espiritual diminuída, amolecida, feita de meias tintas e de meias verdades, e falta-nos a ousadia das verdades inteiras. Desistimos momentaneamente de viver de Deus e de Deus só. Mas é isso que queremos?
Escreve a poeta Sophia de Mello Breyner Andresen: «Meia verdade é como habitar meio quarto/ Ganhar meio salário/ Como só ter direito/ A metade da vida.» De que nos alimentamos e como vivemos nós? Vida inteira ou meia vida?
- José Tolentino Mendonça
In "O tesouro escondido", ed. Paulinas Tweet
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