Foto via Blue Pueblo
O tempo pascal – os quarenta dias que se seguem até a festa da Ascensão, quando cessam o tempo das aparições do Ressuscitado às testemunhas da primeira hora do Cristianismo – é ocupado pela Igreja com constantes e profundas meditações sobre a Ressurreição.
Contemplando as passagens evangélicas, os fiéis são introduzidos não apenas no sentido da morte cruel do Galileu de Nazaré sobre o lenho da cruz. Mas também e sobretudo em um radicalmente novo modo de viver.
A narrativa da Ressurreição sempre nos recorda a morte. Só ressuscita quem morreu. E o suplício ignóbil peloqual passou aquele homem que só fazia o bem intrigava e escandalizava a todos os que nele haviam acreditado. A experiência de ver vivo o que haviam visto Crucificado e morto desvela fulgurantemente a resposta de Deus sobre o destino da humanidade: a vida em plenitude.
Mais importante porém do que recordar a morte daquele que se foi é aprender de sua vida e dispor-se a entrar em um novo modo de viver. O mistério pascal – morte e ressurreição de Jesus Cristo – não apenas ilumina e ajuda a reler sua vida, mas também ensina poderosamente qual é a vida que Deus diz que é plena, perene e que não é engolida pela morte.
Por isso, mais importante que crer na ressurreição após a morte, é viver desde já como ressuscitados. É aceitar que o mistério da Ressurreição de Jesus Cristo da cruz e do túmulo configure nossa vida e lhe dê uma nova forma. Não forma física, pois não se trata de reencarnação, mas forma nova no espírito que por sua vez transfigura a corporeidade e a totalidade do humano.
Viver como ressuscitados é viver fora de si. Ser sábio de uma loucura repudiada pelos sábios deste mundo que crêem conhecer e dominar a riqueza e o poder, mas na verdade por elas são dominados. É “saber” com uma força indestrutível que somos criados pelo Autor da vida a cada minuto para viver e dar vida. E quanto mais vida dada, tanto mais vida recebida. Trata-se de conhecer o jogo que aí ganha nova preponderância: perder é ganhar, entregar-se e perder-se no amor e no serviço é encontrar-se e possuir-se.
Viver como ressuscitados é ter o olhar transfigurado pelo Espírito que permite ver beleza e dignidade aonde parece só existir lixo e miséria. É ter ouvidos abertos para, em meio aos ruídos dissonantes, escutar murmúrios e clamores dos que amam e dos que sofrem e sentir-se comovido por eles. É sentir na boca o beijo exigente da fome e da sede de justiça e dar-se em eucarístico alimento para saciá-las. É estender as mãos para servir e ajudar aqueles que buscam um rumo em suas vidas solitárias e perdidas e transmitir-lhes a inefável experiência de sentir-se amados, acompanhados e curados em suas feridas profundas e doloridas.
Viver como ressuscitados é encontrar o segredo da alegria, esse mistério tão desejado e ansiado pelo coração humano. É ser capacitado a encontrá-lo longe das drogas, viagens sem volta; longe das adicções e no abismo fecundo da paixão; longe do artificial sossego feito de conforto e diversão impunes e atravessado por urgências compadecidas.
Viver como ressuscitados é experimentar que o centro da vida se encontra à margem do caminho, muitas vezes ferido e semi morto; é saber que a criação é feita não para a destruição e a morte, mas para o baile do amor fecundo que não termina e se desdobra em frutos de paz, diálogo e convivência.
Viver como ressuscitados é estar sempre em movimento, sempre em busca, nunca instalados. É saber que não temos aqui morada permanente, mas não somente esperamos a que há de vir como a construímos com o sopro do Espírito presenteado pelo Ressuscitado aos discípulos ainda atônitos e assustados.
Viver como ressuscitados é levar no próprio corpo as marcas de Jesus para que a vida por Ele dada se manifeste plenamente ao mundo. É estar no mundo sem ser do mundo, mas pertencer ao Senhor. É não ter domicílio em nenhum lugar, mas encontrar o próprio lar dentro de si mesmo, onde o Espírito do Pai e do Filho faz morada.
Viver como ressucitados é, em suma, viver urgidos pela caridade, iluminados pela esperança, suportados pela fé no que ainda não se vê, mas se ‘sabe” que será. É não guardar para si este segredo sussurrado ao ouvido na manhã do domingo, mas anunciá-lo sem medo em todos os dias da semana, convertendo o discipulado em ardente e constante apostolado.
- Maria Clara Bingemer
Reproduzido via Amai-vos Tweet
Nenhum comentário:
Postar um comentário