Ilustração: Cícero
Semana passada publicamos aqui um guest post escrito por Flavio Alves e intitulado "O Código de Ética Profissional e a Psicóloga Cristã" (aqui). O artigo trata do caso da psicóloga Marisa Lobo, que se autointitula "Psicóloga Cristã" nas redes sociais e defende terapias para "cura da homossexualidade", e foi, por isso, chamada pelo Conselho Regional de Psicologia do Paraná a prestar esclarecimentos sobre sua atuação. A propósito do caso e dos comentários suscitados pela situação, reproduzimos aqui esta matéria da Folha de S. Paulo de hoje, que só vem confirmar a gravidade e premência do caso.
Acrescentamos posteriormente (28/02/12) um comentário do Dep. Jean Wyllys sobre o caso.
O paciente deita no divã e pede: não quer mais ser gay. O psicólogo deve ajudá-lo a reverter a orientação sexual? Parlamentares evangélicos dizem que sim e tentam reverter uma resolução do Conselho Federal de Psicologia.
Um projeto de decreto legislativo quer sustar dois artigos instituídos em 1999 pelo órgão. Eles proíbem emitir opiniões públicas ou tratar a homossexualidade como um transtorno.
Segundo o projeto do deputado João Campos (PSDB-GO), líder da Frente Parlamentar Evangélica, o conselho "extrapolou seu poder regulamentar" ao "restringir o trabalho dos profissionais e o direito da pessoa de receber orientação profissional".
O conselho de psicologia questiona se o projeto pode interferir na sua autonomia. Para o presidente do órgão, Humberto Verona, estão lá normas éticas para combater "uma intolerância histórica".
Deve-se curar a "síndrome de patinho feio", e não "a homossexualidade em si", diz Toni Reis, presidente da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais. Para ele, é o preconceito que leva um gay a procurar tratamento.
"[Ninguém diz] 'cansei de ser hétero, vim aqui me transformar'", completa Verona.
Freud explica?
O estudante de direito e homossexual Fábio Henrique Andrade, 18, foi mandado para o psicólogo pela primeira vez com dez anos. O filho deveria "tomar jeito" antes que virasse gay, na opinião de sua família adotiva.
A voz fina tirava o pai do sério. "Falava que era de veado." E também o fato de ele só brincar com as meninas.
Para o pastor e deputado Roberto de Lucena (PV-SP), cruel é deixar "um homem em conflito" ao léu psicológico. Ele é relator do projeto de Campos, hoje sob análise da Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara.
A princípio, Lucena crê que os pais têm o direito de mandar seus filhos para redirecionamento sexual. Mas reconhece que o tema deve ser discutido em audiência pública, prevista para as próximas semanas em Brasília.
Por Anna Virginia Baloussier
Reproduzido da Folha de S. Paulo de hoje, aqui
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Atualização em 28/02/12: resposta de Jean Wyllys
O Dep. Jean Wyllys divulgou um comentário a respeito do projeto de lei do deputado João Campos em que salienta que o projeto é não só inconstitucional, contrariando os princípios fundamentais da Constituição Federal de 1988, mas viola também "todos os tratados internacionais de Direitos Humanos que têm como objetivo fundamental o direito à saúde, a não discriminação e a dignidade da pessoa humana".
"Com essa proposta, que busca legalizar a 'cura gay', o deputado, por convicções puramente religiosas, se considera no direito não só de ir contra os direitos humanos de milhões de cidadãos e cidadãs brasileiras, mas também de desconstruir um ponto pacífico entre toda uma comunidade científica: nem a homossexualidade, nem a heterossexualidade, e nem a bissexualidade são doenças, e sim uma forma natural de desenvolvimento sexual. São simplesmente diferentes e não há nenhuma dissidência quanto à isso. O argumento de que a homossexualidade pode ser curada é usado sem qualquer tipo de embasamento teórico ou científico e sempre por fanáticos religiosos que tem com o objetivo confundir a população."
Jean Wyllys lembra que o Dep. João Campos é "o mesmo da PEC n° 99 de 2011, ou a 'PEC da Teocracia' que pretende que as 'associações religiosas' possam 'propor ação de inconstitucionalidade e ação declaratória de constitucionalidade de leis ou atos normativos, perante a Constituição Federal'", e sublinha que o novo projeto de lei "é, no mínimo, criminoso e vai também contra os direitos à saúde da população, pois sabemos que essas supostas terapias de 'cura gay' nada mais são do que mecanismos de tortura que produzem efeitos psíquicos e físicos altamente danosos, que vão da destruição da auto-estima de um ser humano, até o suicídio de muitos jovens".
"Há uma preocupante confusão na sociedade incitada por esse fundamentalismo religioso que precisa ser esclarecida antes que a saúde física e psíquica de mais jovens seja afetada: ao contrario da religião, a orientação sexual de um indivíduo não é uma opção. Se o Estado é laico – como o é o brasileiro desde 1980 – questões de cunho moral e místico não podem ser parâmetro nem para a elaboração das normas nem para o seu controle. Valores espirituais não podem ser impostos normativamente ao conjunto da população."
Você pode ler o texto completo aqui.
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Uma ressalva: o projeto está parado
Por outro lado, há que fazer aqui uma ressalva importante, como bem nos alertou o amigo Benjamin Bee pelo Facebook: houve uma grande agitação em torno desse assunto, mas não há audiência pública marcada na Comissão onde se encontra o PDC 234. O projeto está parado desde 18 de agosto de 2011, como se pode verificar no portal da Câmara dos Deputados, aqui. "É bom ficar ligado mas também não precisavam provocar pânico", disse Benjamin, criticando a Folha de S. Paulo e a jornalista que assina a matéria acima por "requentarem notícia velha" - provavelmente pegando carona na história da "psicóloga cristã", Marisa Lobo. Tweet
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