Pintura 3D: Boa Mistura
Assinala o Papa Bento XVI em sua mensagem sobre a Campanha da Fraternidade 2012:
"Para os cristãos, de modo particular, o lema bíblico ['que a saúde se difunda sobre a terra' (cf. Eclo 38, 8)] é uma lembrança de que a saúde vai muito além de um simples bem estar corporal. No episódio da cura de um paralítico (cf. Mt 9, 2-8), Jesus, antes de fazer com que esse voltasse a andar, perdoa-lhe os pecados, ensinando que a cura perfeita é o perdão dos pecados, e a saúde por excelência é a da alma, pois 'que adianta ao homem ganhar o mundo inteiro, mas perder a sua alma?' (Mt 16, 26). Com efeito, as palavras saúde e salvação têm origem no mesmo termo latino salus e não por outra razão, nos Evangelhos, vemos a ação do Salvador da humanidade associada a diversas curas: 'Jesus andava por toda a Galiléia, ensinando em suas sinagogas, pregando o Evangelho do Reino e curando todo o tipo de doença e enfermidades do povo' (Mt 4, 23)".
Do mesmo modo, o monge e teólogo italiano Enzo Bianchi salienta:
"Os Evangelhos enfatizam o fato de que Jesus cuida dos doentes (o verbo grego therapeúein, 'cuidar', ocorre 36 vezes, enquanto o verbo iâsthai, 'curar', 19 vezes), e cuidar significa, sobretudo, servir e honrar uma pessoa, ter solicitude por ela. Jesus vê no doente uma pessoa, faz vir à tona a unicidade dela e se relaciona com ela com a totalidade do seu ser, captando a sua busca de sentido, vendo-a como uma criatura disposta à abertura de fé-confiança, desejosa não só de cura, mas daquilo que pode dar plenitude à sua vida. (...)
"Em suma, com a sua prática de humanidade, Jesus ensina que cuidar é, em primeiro lugar, encontrar e entrar em relação com um homem ou com uma mulher. Aproximando-se das pessoas não com o poder e o saber do médico, mas sim com a responsabilidade e a compaixão do ser humano, Jesus se apresenta na vulnerabilidade e na fraqueza, e assim consegue encontrar a humanidade ferida dos doentes entrando em uma relação autenticamente ética com eles."A respeito da Campanha da Fraternidade 2012, seguindo esse mesmo enfoque da relação entre a saúde do corpo e a da alma, bem como a saúde do indivíduo como um todo e a da sociedade, reproduzimos abaixo artigo de Maria Clara Bingemer, professora do Departamento de Teologia e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio.
E chegou a Quarta Feira de cinzas e parece que finalmente o ano vai começar. No Brasil, o Carnaval é o marco que finaliza a série de festas e férias e viagens iniciadas no Natal. O Carnaval é o selo que diz: “Ao trabalho” Mas para nós que vivemos a fé em Jesus Cristo, diz algo mais: “Convertei-vos e crede no Evangelho”.
Ao receber a cruz feita de cinzas sobre a testa, milhares, milhões de católicos no mundo inteiro estão comprometendo-se a entrar num caminho de conversão, na penitência, na prática mais intensa da ascese e das virtudes, no deixar para trás os velhos hábitos e revestir-se dos novos em Cristo.
A Conferência dos bispos do Brasil a cada ano procura marcar esse tempo qualificado de viver a conversão ao Evangelho com a Campanha da Fraternidade. Com um tema central e materiais diversos disponíveis para os fiéis refletirem e se aprofundarem é um serviço inestimável ao povo de Deus para viver melhor e mais qualificadamente os quarenta dias que o separam da Páscoa, mistério maior da sua fé.
Este ano o tema é a saúde. E pode-se pensar: o que tem a Igreja a ver com o tema da saúde? É algo que compete ao governo e à iniciativa privada. Com todo respeito, saúde é um dos temas mais teológicos que existem. E isso radica em sua própria etimologia. A palavra latina para dizer saúde é “salus”’que se traduz por “salvação, conservação da vida”.
O tema da saúde nos conduz de maneira bela e profunda para entender o coração da nossa fé. Aprendemos no Catecismo que Jesus Cristo é nosso salvador, que veio nos trazer a salvação. Mas quantas vezes nossa compreensão do que seja salvação é algo meio curto e mecânico. Parece que Deus criou tudo bem, nós estragamos e o Verbo se encarnou para “remendar”nosso estrago.
Não é isso, não é só isso e graças a Deus é muito mais que isso! A Encarnação, centro indiscutível de nossa fé, é mistério de vida e vida em plenitude. Não foi apenas para reparar estragos ou lacunas que Deus enviou seu filho na plenitude dos tempos nascido de mulher. Foi para revelar-nos que o desejo mais profundo desse Deus que Ele nos ensinou a chamar de Pai é conduzir-nos à vida e vida em abundancia.
E essa vida abundante que jorra generosamente do coração de Deus toca e integra todas as dimensões do ser: corporeidade, psiquismo, sensibilidade, espiritualidade. Não se trata, pois de que cuidar da saúde física é algo material que não interfere nada com a saúde espiritual. Pelo contrário, todas as dimensões essas devem ser cultivadas com igual carinho, dedicação, para que não sejamos pessoas hipertrofiadas em um dos pólos do ser e atrofiadas em outro.
Isso é mais importante ainda quando vivemos uma época que tem como que obsessão por certa concepção de saúde. O culto ao corpo, a malhação incessante nas academias e ginásios, a busca exaustiva pela forma perfeita na verdade não conduz à saúde plena. Pelo contrário, leva à atrofia de outras partes do ser que ficam reduzidas e diminuídas. Não leva, pois à saúde plena, por mais que pareça o contrário.
Da mesma forma, o não cuidado do corpo, às vezes por negligencia própria, mas às vezes por não encontrar no atendimento público de saúde condições dignas e mesmo mínimas de manter a saúde, é desastroso.
A Campanha da Fraternidade enfoca todos estes aspectos. Não apenas deseja “disseminar o conceito de bem viver e sensibilizar para a prá¬tica de hábitos de vida saudável”como também “despertar nas comunidades a discussão sobre a realidade da e. saúde pública, visando à defesa do SUS e a reivindicação do seu justo financiamento”.
Buscando uma saúde que se entenda não apenas nem somente nem principalmente como ausência de doenças ou como padrão estético se chega mais perto da salvação. Não é a toa que o Evangelho nos mostra por muitas vezes Jesus muito próximo dos doentes, dando-lhes conforto e curando-os de suas enfermidades. Mas sua prática não se detinha aí.
A partir da cura, ensinava-lhes que Deus além de curar doenças perdoa pecados; além de restaurar a saúde corporal restaura também a totalidade da pessoa, reintegrando-a na comunidade para que possa louvá-Lo e servi-Lo plenamente.
Saúde e salvação são, portanto duas irmãs inseparáveis. Não se busca a uma sem buscar a outra e não se alcança verdadeiramente uma sem ao mesmo tempo e inseparavelmente, ser alcançado pela outra.
- Maria Clara Bingemer
Repoduzido via Amai-vos
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Atualização em 07/03/12:
A propósito do tema da CF 2012, vale ler a reflexão do comentário de Hélio Schwartsman, intitulado "Fora com a dignidade" (aqui), do qual destacamos um trecho:
"Para o religioso, é a 'dignidade do ser humano' que deve servir como critério moral na tomada de decisões relativas a vida e morte. (...) O problema da dignidade é que ela é subjetiva demais. A pluralidade de crenças e preferências do ser humano é tamanha que o termo pode significar qualquer coisa, desde noções banais, como não humilhar desnecessariamente o paciente (forçando-o, por exemplo, a usar aqueles horríveis aventais vazados atrás), até a adesão profunda a um dogma religioso (testemunhas de Jeová não admitem transfusões de sangue).
Numa sociedade democrática, não podemos simplesmente apanhar uma dessas concepções e elevá-la a valor universal. E, se é para operar com todas as noções possíveis, então já não estamos falando de dignidade, mas, sim, de respeito à autonomia do paciente, conceito que a substitui sem perdas." Tweet
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