domingo, 26 de fevereiro de 2012

4 mitos sobre filhos de pais gays

Foto daqui

O gays lutaram e conquistaram direitos iguais no casamento. O próximo passo é pensar em família e filhos. Mas o que acontece com crianças que são criadas por gays? A resposta: algumas coisas - mas nenhuma daquelas que muitas vezes se imaginam, como mostra esta matéria da Revista Superinteressante de fevereiro de 2012.

Tony Goes, em seu excelente blog, comentou sobre esta matéria: "pena que a repórter Carol Castro achou necessário contrapor a história de Teodora, uma menina adotada por um casal do mesmo sexo e que vive perfeitamente feliz e ajustada, à de uma americana que já adulta resolveu denunciar o pai galinha, que trazia namorados para casa e descuidava de sua educação. Esse contraponto vai na direção oposta do objetivo do texto (...). Mas o saldo final é tremendamente positivo." Entendemos a crítica e a preocupação dele com relação à possibilidade de que a menção de um caso tão negativo ajude a reforçar os mesmos estereótipos e preconceitos que a matéria procura desmentir. Por outro lado, a contraposição talvez seja interessante justamente - e pareceu-nos ser essa a intenção da jornalista - para mostrar que ser hétero ou gay não torna um pai ou mãe necessariamente bom ou ruim, muito pelo contrário: seremos bons pais ou mães não em função da nossa orientação sexual, mas dos seres humanos que somos. Ponto.
;-)

E, como o Tony lembrou muito bem, alguns anos atrás, quando essa mesma revista publicou uma matéria sobre homossexualidade entre os animais, "o mundo quase veio abaixo: a redação recebeu dezenas de cartas de protesto, algumas até com ameaças". Como será a repercussão desta vez?

Por Carol Castro

Começo de ano é sempre igual na escola de Theodora: cada aluno se apresenta e mostra as fotos da família. Pode ser que a menina da primeira carteira seja filha de um engenheiro e uma arquiteta e o pai do menino de cabelos vermelhos chefie a cozinha de um restaurante. Theodora, naturalmente, vai contar sobre a escola de cabeleireiros dos pais. Dos dois pais - Vasco Pedro da Gama e Júnior de Carvalho, juntos há quase 20 anos. Theodora não hesita em explicar para os colegas: não mora com a mãe e tem dois pais gays. Ela passou 4 anos num orfanato, até 2006, quando uma juíza de Catanduva, interior de São Paulo, autorizou a adoção. Nos próximos meses, a família vai crescer: o casal espera a guarda de uma nova menina, de apenas alguns meses de idade.

Na outra metade do mundo, a história com pais gays da americana Dawn Stefanowicz foi diferente. Por toda a vida, Dawn conviveu com a visita dos vários namorados do pai. Ele recebia homens em casa, embora ainda morasse com a mãe de Dawn- o casal já não se relacionava. Ela segurou as pontas em silêncio durante a infância, adolescência e início da fase adulta. Mas depois dos 30 se rebelou contra a situação. "A decisão do meu pai de não gostar mais de mulheres mudou minha vida. Os namorados dele sempre o afastaram, e ele colocava o trabalho e os namorados acima de mim", diz.

Dawn e Theodora fazem parte de um novo tipo de família. Somente nos EUA, segundo estimativa da Escola de Direito da Universidade da Califórnia, 1 milhão de lésbicas, gays, bissexuais e transexuais criam atualmente cerca de 2 milhões de crianças. E cada vez mais casais gays optam por criar seus próprios filhos. Segundo o mesmo instituto, em 2009, 21.740 casais homossexuais adotaram crianças - quase o triplo do número de 2000. A estimativa é que cerca de 14 milhões de crianças, em todo o mundo, convivam com um dos pais gays. Por aqui, onde mais de 60 mil casais gays vivem numa união estável (reconhecida perante a lei apenas no ano passado), a história é mais recente. O caso de Theodora foi a primeira adoção por um casal gay. E isso não faz tanto tempo assim - só 6 anos.

É justamente por ser tão recente que o assunto gera dúvidas, preconceitos e medos. Quais as consequências na personalidade de uma criança se ela for criada por gays? A resposta dos estudos é bem clara: perto de zero. "As pesquisas mostram que a orientação sexual dos pais parece ter muito pouco a ver com com o desenvolvimento da criança ou com as habilidades de ser pai. Filhos de mães lésbicas ou pais gays se desenvolvem da mesma maneira que crianças de pais heterossexuais", explica Charlotte Patterson, professora de psiquiatria da Universidade da Virginia e uma das principais pesquisadoras sobre o tema há mais de 20 anos.

Como, então, explicar as queixas de Dawn e a vida tranquila de Theodora? "O desenvolvimento da criança não depende do tipo de família, mas do vínculo que esses pais e mães vão estabelecer entre eles e a criança. Afeto, carinho, regras: essas coisas são mais importantes para uma criança crescer saudável do que a orientação sexual dos pais", diz Mariana Farias, psicóloga e autora do livro Adoção por Homossexuais - A Família Homoparental Sob o Olhar da Psicologia Jurídica. Enquanto Theodora mantém uma relação próxima dos pais, com conversas abertas sobre sexualidade, Dawn não teve a mesma sorte. Para piorar, ela cresceu em um ambiente ríspido e promíscuo (o pai levava diferentes homens para casa e não lhe deu atenção durante os anos mais importantes de sua formação). Mesmo assim, sobram mitos em torno da criação de filhos por pais e mães gays. Veja aqui o que a ciência tem a dizer sobre eles.

Mito 1. "Os filhos serão gays!"
A lógica parece simples. Pais e mães gays só poderão ter filhos gays, afinal, eles vão crescer em um ambiente em que o padrão é o relacionamento homossexual, certo? Não necessariamente. (Se fosse assim, seria difícil, por exemplo, explicar como filhos gays podem nascer de casais héteros.) Um estudo da Universidade Cambridge comparou filhos de mães lésbicas com filhos de mães héteros e não encontrou nenhuma diferença significativa entre os dois grupos quanto à identificação como gays. Mas isso não quer dizer que não existam algumas diferenças. As famílias homoparentais vivem num ambiente mais aberto à diversidade - e, por consequência, muito mais tolerante caso algum filho queira sair do armário ou ter experiências homossexuais. "Se você cresce com dois pais do mesmo sexo e vê amor e carinho entre eles, você não vê nada de estranho nisso", conta Arlene Lev, professora da Universidade de Albany. Mas a influência para por aí. O National Longitudinal Lesbian Family Study é uma pesquisa que analisou 84 famílias com duas mães e as comparou a um grupo semelhante de héteros. Ainda entre as meninas de famílias gays, 15,4% já experimentaram sexo com outras garotas, contra 5% das outras. Já entre meninos, houve uma tendência contrária: 5,6% nos adolescentes criados por mães lésbicas tiveram experiências sexuais com parceiros do mesmo sexo - mas menos do que os que cresceram em famílias de héteros, que chegaram a 6,6%. Ou seja, não dá para afirmar que a orientação sexual dos pais tenha o poder de definir a dos filhos.


Mito 2. "Eles precisam da figura de um pai e de uma mãe"
Filhos de gays não são os únicos que crescem sem um dos pais. Durante a 2ª Guerra Mundial, estima-se que 183 mil crianças americanas perderam os pais. No Brasil, 17,4% das famílias são formadas por mulheres solteiras com filhos. Na verdade, os papéis masculino e feminino continuam presentes como referência mesmo que não seja nos pais. "É importante que a criança tenha contato com os dois sexos. Mas pode ser alguém significativo à criança, como uma avó. Ela vai escolher essa referência, mesmo que inconsciente-mente", explica Mariana Farias. Se há uma diferença, ela é positiva. "Crianças criadas por gays são menos influenciadas por brincadeiras estereotipadas como masculinas ou femininas", diz Arlene Lev. Uma pesquisa feita com 56 crianças de gays e 48 filhos de héteros apontou a maior probabilidade de meninas brincarem com armas ou caminhões. Brincam sem as amarras dos estereótipos e dos preconceitos.

Mito 3. "As crianças terão problemas psicológicos por causa do preconceito!"
Elas sofrerão preconceito. Mas não serão as únicas. No ambiente infantil, qualquer diferença - peso, altura, cor da pele - pode virar alvo de piadas. Não é certo, mas é comum. Uma pesquisa da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas com quase 19 mil pessoas mostrou que 99,3% dos estudantes brasileiros têm algum tipo de preconceito. Entre as ações de bullying, a maioria atinge alunos negros e pobres. Em seguida vêm os preconceitos contra homossexuais. No caso dos filhos de casais gays analisados pelo National Longitudinal Lesbian Family Study, quase metade relatou discriminação por causa da sexualidade das mães. Por vezes, foram excluídos de atividades ou ridicularizados. Vinte e oito por cento dos relatos envolviam colegas de classe, 22% incluíam professores e outros 21% vinham dos próprios familiares. Felizmente, isso não é sentença para uma vida infeliz. Pesquisas que comparam filhos de gays com filhos de héteros mostram que os dois grupos registram níveis semelhantes de autoestima, de relações com a vida e com as perspectivas para o futuro. Da mesma forma, os índices de depressão entre pessoas criadas por gays e por héteros não é diferente.

Mito 4. "Essas crianças correm risco de sofrer abusos sexuais!"
Esse mito é resquício da época em que a homossexualidade era considerada um distúrbio. Desde o século 19 até o início da década de 1970, os gays eram vistos como pervertidos, portadores de uma anomalia mental transmitida geneticamente. Foi só em 1973 que a Associação de Psiquiatria Americana retirou a homossexualidade da lista de doenças mentais. É pouquíssimo tempo para a história. O estigma de perversão, sustentado também por líderes religiosos, mantém a crença sobre o "perigo" que as crianças correm quando criadas por gays. Até hoje, as pesquisas ainda não encontraram nenhuma relação entre homossexualidade e abusos sexuais. Nenhum dos adolescentes do National Longitudinal Lesbian Family Study reportou abuso sexual ou físico. Outra pesquisa, realizada por três pediatras americanas, avaliou o caso de 269 crianças abusadas sexualmente. Apenas dois agressores eram homossexuais. A Associação de Psiquiatria Americana ainda esclarece: "Homens homossexuais não tendem a abusar mais sexualmente de crianças do que homens heterossexuais".

Dá para adotar no Brasil?
A lei de adoção brasileira deixa brechas para a adoção por gays sem fazer referência direta a esse tipo de família. Em 2009, quando houve mudanças na legislação, casais com união estável comprovada puderam entrar com pedido de adoção conjunta, sem o casamento civil. Em maio de 2011, o Supremo Tribunal Federal (STF) garantiu o reconhecimento de união estável entre pessoas do mesmo sexo, fazendo valer também a eles os direitos previstos para casais héteros. Apesar das conquistas, uma pesquisa do Ibope revelou que 55% dos brasileiros são contra a união estável e a adoção de crianças por casais homossexuais.

Para saber mais
Adoção por Homossexuais - A Família Homoparental sob o Olhar da Psicologia Jurídica
Mariana de Oliveira Farias e Ana Cláudia Bortolozzi, Juruá, 2009.

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